Luiza Possamai Kons nasceu em Assis Chateaubriand, em 1993, no oeste do Paraná. Cidade marcada pelos ciclos de produção agrícola e suas consequências. É Doutoranda em História pela UFPR, Mestre em Artes pela UNESPAR e graduada em Jornalismo pela UFSC.
- Primeiramente, fale-nos um pouco sobre você.
Gosto de experimentar coisas. Tentar. Sou fotógrafa e escritora. Levei anos para poder dizer “sou artista”. Sempre tive medo de ser insuficiente. Que rissem de mim. Sei que não caminho só, nesses pensamentos. Levei dias para ter coragem de responder essa entrevista por achar que não saberia me expressar. Acredito que a literatura e as artes visuais são uma forma de resistência: da necessidade de narrar e entender o contexto histórico em que vivo. Uma forma de exercitar o ético e estético. Sou Doutoranda em História pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Artes pela Universidade Estadual do Paraná, e jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina.
- Há quanto tempo você escreve, como começou?
Desde meus nove anos eu sabia que
queria ser escritora. Tinha um caderno onde anotava pequenos poemas. Me
encantei com as palavras ao ler o livro “Os colegas” de Lygia Bojunga. Minha
mãe nos levava até a biblioteca para que tivéssemos acesso aos livros.
Encontrar está obra na estante aos oito anos me trouxe encantamento. Comecei a
ler outros livros de Lygia. Sentia uma angústia e uma alegria a um só tempo.
Ela contava coisas que não eram ditas. Sentimentos guardados. Eu também queria
trazer essas coisas ao mundo. Escrever foi de certo modo: um jeito de enfrentar
a disgrafia. A dificuldade de por as letras de forma legível no papel. De ler
sem se perder. Das letras trocadas por terem uma sonoridade parecida. Escrever
foi um ato de acreditar ser possível, ainda que minhas deficiências apontassem
o contrário.
- Você teria algum segredo de escrita? Algo que faça com que você se sinta inspirada/o antes de iniciar um novo livro?
Eu gosto de escutar músicas que
me despertam algo, uma sensação submersa. Estou em uma fase que escuto muito
Erik Satie. Quando sinto que não posso
processar as informações que me rodeiam, que estou “cheia” por dentro, então
escrevo. A leitura também é fonte de inspiração. Ser tocada por um livro: pelas
palavras que dançam e me façam sentir algo que nem imaginava.
- Quais foram suas principais referências na literatura, arte e/ou cinema?
Como dito, minha primeira inspiração foi Lygia Bojunga. Tive minha fase de ler muito suspense com Agatha Christie e Edgar Allan Poe. Já me apaixonei por Graciliano Ramos, Clarice Lispector e José Saramago. Hoje me identifico por escritoras mulheres que relacionam o particular ao contexto histórico e político. Gosto muito de Alice Munro, Chimamanda Ngozi Adichie e Toni Morrison. Recentemente comecei a ler e me encantei com Annie Ernaux. Outra referência é a escrita fragmentária e imagética de Mario Bellatin. Do universo visual me sinto despertada pela obra das fotógrafas Graciela Iturbide, Adriana Lestido e Joanna Piotrowska. No cinema me encanta Ingmar Bergman.
- Qual foi seu trabalho mais desafiador até hoje em relação à escrita?
Escrever em primeira pessoa foi
um desafio. Eu tentava mas de algum modo isso estava travado dentro de mim. Por
isso, no livro de contos “Ângela” sinto que pude narrar coisas que vinham até a
garganta e levaram anos para se transformar em som.
- Qual a parte mais difícil de se escrever um livro?
Acreditar que as minhas palavras
e angústias podem contribuir com o anseio do outro.
- Qual foi seu primeiro livro, o que pensou ao iniciar sua escrita? o que te incentivou?
Meu primeiro livro escrevi aos 18
anos. Se chamava “Para sempre Eliza” e era uma história adolescente de uma
menina que atuava como “prostitura de imagem”. Eu queria escrever algo
comercial hahah, dizer para mim mesma que era capaz. Nunca foi publicado. Ele
precisaria de um trabalho de revisão e edição. Acredito que foi um exercício
interessante de disciplina de começar e terminar uma narrativa. E assim quero
que permaneça: um exercício. Essa história reflete o machismo estrutural e
discursivo em que cresci, com frases como “ela era digna dos olhares
masculinos”. Nesse sentido, foi interessante uma vez, quando anos depois fui
ler trechos, e pensei “não acredito que escrevi isso”. Considero a literatura
política, por isso, jamais publicaria uma obra que contribui com ideias
patriarcais.
- Tem algum personagem que você tenha criado ao qual foi difícil desapegar?
Eu sinto que meu personagem é o
“meu desconheço”. E ela não vai embora.
- Quais são suas principais referências literárias na hora de escrever?
Alice Munro.
Clarice Lispector, e outras. E tudo que me desloque. Como um diálogo. Um
cheiro. Uma imagem mental.
- Você teria algum segredo de escrita? Algo que faça com que você se sinta inspirada/o antes de iniciar a escrita de um novo livro?
Por em linha aquilo que não sei.
- Você reúne notas, anotações, músicas, filmes e/ou fotografias para se inspirar durante a escrita?
Escrevo fragmentos. Anoto no
celular e também em documentos no google drive. Sou conectada a narrativas:
orais, escritas e imagéticas. Me deparo com muitos trabalhos fotográficos e
eles me inspiram muito,
- O que você faz para driblar a ausência de criatividade que bate e trava alguns momentos da escrita? Existe algo que você faça para impedir ou driblar estes momentos?
Estou buscando respeitar esses momentos. Entendo que há um tempo de maturação que não atua no plano da linguagem. É preciso respeitar. Vivemos em uma sociedade atrelada à ideia de se produzir o tempo todo. E não quero que a escrita seja um produto fadado ao consumo pelo consumo. Se escrevo é para me sentir viva. Escrevo para ter acesso ao que não foi. Se acrescentar uma função puramente mercantil vou estar matando o vislumbre. O significado.
- A maioria dos autores possuem contatos e amigos de confiança para mostrar o progresso do seu trabalho durante o percurso da escrita. Você teria um time de “leitores beta”, para analisar seu livro antes de prosseguir com a escrita?
Tenho uma amiga que envio os
escritos, e também mando para minha irmã ler .
- Qual a parte mais complicada durante a escrita?
Os pensamentos que “giram”.
Giram, giram até que as palavras se concretem.
- Você prefere escrever diversas páginas por dia durante longas jornadas de escrita ou escrever um pouco todos os dias? O que funciona melhor para você?
Não tenho uma estratégia. Escrevo
quando não aguento mais. Escrevo ao sentir uma ânsia que não posso conter.
- Em relação ao mercado literário atual: o que você acha que deve melhorar?
O mercado literário brasileiro é uma consequência da maneira que nossa sociedade foi estruturada. Fomos uma colônia escravocrata. Depois tivemos o sul do Brasil sendo colonizado por europeus para que a população fosse branqueada. Os povos originários tiveram seus territórios invadidos, e ainda são continuamente mortos. Somos um território violento. Temos muitos brasileiros que são analfabetos funcionais. Para formarmos uma população leitora e consequentemente melhorarmos o mercado literário atual: precisamos garantir o acesso à educação, e a uma vida digna. Quem escreve também necessita de estrutura, e de tempo. Outra questão é que haja maior investimento em cultura pelas distintas esferas públicas para que possamos gerar um mercado consumidor e viabilizar a possibilidade que os escritores possam viver da renda daquilo que escrevem.
- A maioria das pessoas não conseguem se manter ativas em vários projetos, como funciona para você, você escreve vários rascunhos de diferentes obras ou se mantém até o final durante o processo de um único livro?
Gosto de concluir. Tenho medo de só habitar no plano das ideias. Por outro lado, entendo que precisamos respeitar o tempo de maturação de uma narrativa. De certo modo, é a narrativa quem decide quando irá se concluir.
- O que motiva você a continuar escrevendo?
A ganância de me sentir viva.
- Que conselho você daria para quem está começando agora?
Escreva. Escreva mesmo que o
mundo te diga o contrário.
- Para você, qual o maior desafio para um autor/a no cenário atual? Você tem algum hábito ou rotina de escrita?
Acreditar na própria escrita. Não
possuo nenhum hábito. Escrevo ao sentir necessidade.
- Como você enxerga o cenário literário atual e a recepção dos leitores da atualidade em relação aos novos autores?
É muito complicado se estabelecer
enquanto escritora. Não opero em um sentido lógico: escrevo porque preciso.
Acredito que para um novo escritor conseguir alcance: ou ele se destaca em
algum concurso literário importante que o projete, ou possuí engajamento nas
redes sociais.
- Se pudesse indicar quatro obras literárias que te inspiraram, quais seriam?
“O lobo da estepe”, Hermann
Hesse. “Vida querida” Alice Munro, “Perto do coração selvagem” Clarice
Lispector, “ O olho mais azul” Toni Morrison.
- Que conselho você daria para quem está começando a escrita do primeiro livro?
Seja honesto.
- O que esperar para o ano de 2023 em relação à sua escrita?
Pretendo fazer um lançamento do
meu livro na cidade de Toledo, oeste do Paraná e em Belo Horizonte, Minas
Gerais. Também terei a publicação do livro “Ruminem” em parceria como o
fotógrafo peruano Atoq Rámon. A obra é uma mescla entre escrita e fotografia. Temos
a junção de nossos projetos que se relacionam a questões familiares e
autorretratos, e uma experimentação de sensações por meio de palavras. A
publicação está será publicada pela Casa
Espacio | FIFV Organização cultural e
biblioteca, que também realiza o “
Festival Internacional de Fotografía de Valparaíso, no Chile, desde 2010. A edição foi realizada pela artista
visual chilena Anamaria Briede e pelo
fotógrafo Rodrigo Gomez Rovira,
criadores da Casa Espacio.
Leia também