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[RESENHA#526] Agridoce, de Andréa Rezende


Falar de poesia sempre evoca um sentimento de responsabilidade maior do que de outros livros, isso ocorre pois a subjetividade habita nas entrelinhas do sentimento. A poesia é, costumo dizer, a leitura da alma, ou seja, a real interpretação da obra nos é revelada no momento em que nosso caminho se cruza com os desdobramentos da verdades impostas em suas linhas. 

Agridoce é como chamamos a mistura que ocorre entre o doce e o salgado ou entre o ácido e o doce. O titulo não poderia ser melhor. A obra transmite um misto entre o doce dos desejos e o ácido da realidade, o salgado das lutas e o doce das conquistas. A autora, professora, traz em seus versos muito daquilo o que acredita e luta, e para tal, ela debruça-se em desvencilhar os sentimentos decorrentes de sua formação e carreira, trazendo para o leitor um misto de sentimentos que lhe são únicos, fazendo-nos caminhar por seus anseios e desejos de uma forma sublime.

Este emaranhado poético ao qual Andréa Rezende nos submete é um livro de frente de batalha, de militância, de relevância e importância. A autora nos apresenta uma construção poética que trava e batalha com a realidade. Suas linhas denunciam o crime impune, o amor não vivido, a sorte não semeada, o caminho não traçado e a impunidade tão praticada.

O primeiro poema, homônimo do livro, é uma descrição breve da poética desta artista, aqui, ela nos revela todo lado acri-doce de sua obra.

O que é doce em mim

Desliza, suporta discursos, 

Temas em curso ou desuso


Neste trecho observa-se que a autora caracteriza seus sentimentos como algo que desliza e se transforma em discursos, podemos inferir que que todo este emaranhado poético nasceu de uma necessidade pungente de expurgar todo sentimento enraizado em sua crenças, o que originou toda esta escrita militante. 

O poema a espera é uma alusão à espera que ocorre durante o processo de transformação do alunado por meio da experiência de ensino escolar e das metodologias de ensino, aqui, a autora usa de sua expertise para elaborar uma proposta de intervenção em favor da espera de um futuro melhor para o professor, para o aluno e para o ensino.

Porque sou professor

sou a paz, a espera, a possibilidade

Porque sou professor, 

sou a favor do amor

Do conhecimento, da verdade

[...]


seguindo com sua narrativa que milita e grita, a autora nos brinda com um poema/homenagem à  Marielle Franco.

Marielle da maré

tão jovem, tão densa

tão cheia de fé


Marielle da maré

tão forte, tão negra

tão genuinamente mulher 

[...]


Em CondeNAÇÃO, a autora traz um visceral poema acerca do julgo popular, do preconceito e da criminalização do pobre, do negro, do nordestino, do favelado, das minorias por meio de uma repulsa que é característica da nação, não como uma culpabilização, mas como o reconhecimento de que estas problemáticas sociais são enraizadas no sentido de estarem por todos os cantos e lados, mostrando assim, a necessidade de reconhecermos a importância destas pautas para diminuir o impacto de nossas ações sobre nossos semelhantes, não como diferentes por seus atributos, mas por sermos iguais em existência.

Condenem a nação

esqueçam todo o seu legado

todos os acertos e bravuras

todos os feitos e inclusão

seu crime foi maior

[...] grifos meus.


condem também o pobre

o negro, o nordestino

a mulher, as minorias

o oprimido, os esquecidos

[...] grifos meus


O momento é doce, seus desdobramentos salgados, a vida é doce, os acontecimentos, salgados. A educação é doce, a ignorância salgada, e é seguindo esses preceitos que a autora segue, ela caminha entre a linha tênue da verdade dos fatos e das dores dos acontecimentos, ela se desdobra por meio de gritos que podem - e certamente vão - ser ecoados pela eternidade e por todas as ruas e bairros à quem pretende alcançar. Este não é um livro de poesias (apenas) é uma obra que nos convida à olhar para dentro e depois para fora e analisar ao nosso redor. Andréa Rezende escreve como quem escreve com a alma, como quem delineia os sentimentos de insatisfação por meio da escrita, da poesia e das artes.

Um livro memorável para todo aluno, pai, negro, nordestino, e para quem deseja ler e encontrar em uma narrativa uma boa poesia, uma boa dose de vida e verdade.

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