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Resenha: Doze anos de escravidão, de Solomon Northup

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Considerada a melhor narrativa já escrita sobre um dos períodos mais nebulosos da história americana, Doze anos de escravidão narra a história real de Solomon Northup, um negro livre que, atraído por uma proposta de emprego, abandona a segurança do Norte e acaba sendo sequestrado e vendido como escravo. Depois de liberto, Northup publicou o relato contundente de sua história, que se tornou um best-seller imediato. Hoje, 160 anos após a primeira edição, Doze anos de escravidão é reconhecido como uma narrativa de qualidades excepcionais. Para a crítica, o caráter especial do livro deve-se ao fato de o autor ter sido um homem culto que viveu duas vidas opostas, primeiro como cidadão livre e depois como escravo. “O livro nos encantou: a dimensão épica, o detalhamento, a aventura, o horror, a humanidade. Lia-se como um roteiro de cinema, pronto para ser filmado. Eu não podia acreditar que nunca ouvira falar nele. Pareceu-me tão importante quanto O diário de Anne Frank, só que publicado quase cem anos antes.” - Steve McQueen, diretor do filme 12 anos de escravidão “O primeiro filme que torna impossível continuar vendendo mentiras e mistificações sobre a escravidão.” - The New York Times. O livro pode levar sobrecapa relacionando o livro ao filme.

RESENHA

O livro, doze anos de escravidão, é a narrativa de Solomon Northup, um homem que, embora nascido livre, foi capturado e subjugado à vida de um escravo. Originário do condado de Saratoga, em Nova York, Solomon era um homem de família, casado com Anne e pai de três filhos. Sua liberdade foi abruptamente roubada por dois homens, Brown e Hamilton, que o sequestraram e o venderam como escravo em Washington. Durante doze longos anos, Solomon foi propriedade de vários senhores, entre eles Edwin Epps, um homem cruel e desumano, conhecido por sua brutalidade e por tirar prazer em castigar seus escravos até a morte. Solomon descreveu as cicatrizes em suas costas como testemunhas silenciosas do seu clamor por liberdade. Mais do que sua liberdade, foi-lhe roubada a identidade e tudo aquilo que ele representava. Qualquer tentativa de revelar sua verdadeira história resultava em punições severas. Seu nome foi mudado para Platt, e ele foi forçado a aceitar um destino cruel em terras desconhecidas, mantendo sua verdadeira identidade em segredo para sobreviver.


Solomon sabia que qualquer menção à sua liberdade anterior poderia resultar em sua morte. Assim, ele suportou o trabalho árduo e os castigos físicos como qualquer outro escravo. Embora todos os escravos temessem seus senhores, Solomon enfrentou-os em várias ocasiões, arriscando sua vida inúmeras vezes. No entanto, ele nunca perdeu a esperança de reconquistar sua liberdade e retornar ao seio de sua família. Ele elaborou planos de fuga e buscou se comunicar com amigos e familiares, mas foi traído, e a cada dia que passava, sua esperança diminuía.


A virada em sua sorte veio com a chegada de um indivíduo que se comprometeu a ajudá-lo, fazendo contato com a família de Solomon para organizar seu resgate. Em janeiro de 1853, Solomon Northup finalmente reconquistou sua liberdade e, no mesmo ano, compartilhou sua história através de um livro, que se tornou uma das mais importantes obras sobre a escravidão. O relato oferece uma perspectiva crítica sobre a prática da escravidão, o sistema judiciário de diferentes estados e as punições cruéis impostas aos negros. Solomon também reflete sobre o tratamento dispensado aos outros escravos, cujos sofrimentos ele testemunhou durante os doze anos de escravidão.


“12 Anos de escravidão” é uma obra-prima da literatura de não-ficção, onde Solomon Northup compartilha sua experiência angustiante com uma autenticidade que rivaliza com a ficção clássica. Sua narrativa detalha o período em que, apesar de ser um homem livre de Nova York, foi forçadamente submetido à escravidão. A história de Northup é única e ele a relata com uma clareza impressionante. Suas palavras fluem com a suavidade da seda, e sua franqueza ressoa com sinceridade. Ele inicia seu relato com uma premissa clara: “Minha exposição sobre a escravidão se limita ao que presenciei pessoalmente”, estabelecendo um compromisso com a verdade que permeia toda a obra.


“12 Anos de escravidão” é um documento histórico inestimável. Northup descreve a escravidão de maneira que transcende a simples discussão. Ele enfatiza a palavra “Escravidão” com um ‘E’ maiúsculo, sinalizando o profundo impacto que esses eventos tiveram em sua vida. Separado de sua família por uma dúzia de anos, ele viveu na incerteza de não saber se cada novo dia poderia ser o seu último. Contudo, o que mais cativa em Northup é sua recusa em atribuir a culpa aos proprietários de escravos por suas ações. Sua fé inabalável é evidente em suas palavras: “A crueldade do proprietário de escravos não é uma falha pessoal, mas sim uma consequência do sistema em que está inserido”. Essa perspectiva é surpreendente, considerando tudo o que ele testemunhou.


Northup destaca a figura de William Ford, um proprietário de escravos que o tratou com dignidade. Ele não o vê como um dos vilões de sua história, o que demonstra sua capacidade de discernimento. Curiosamente, Northup consegue superar seus opressores através de sua eloquência. Em um confronto verbal com um deles, ele é desafiado: “Maldito seja, pensei que você tivesse algum conhecimento”. A habilidade de Northup em detectar a gramática falha é patente em sua escrita impecável.


Um dos momentos mais marcantes da obra é quando Solomon Northup se dá conta de sua captura. Sua descrição é arrebatadora, expressando incredulidade diante da injustiça: “Como poderia um cidadão livre de Nova Iorque, que jamais transgrediu a lei ou causou mal a alguém, ser submetido a tamanha desumanidade?” Essa reflexão revela uma triste ironia da vida: frequentemente, as adversidades recaem sobre os inocentes. A autodescrição de Solomon infunde emoção profunda na narrativa, permitindo-nos conhecer intimamente quem ele é: um homem livre, um amante do violino, um nova-iorquino que não merecia o sofrimento imposto a ele. O capítulo se encerra com Solomon em lágrimas, adicionando uma camada de emoção à sua vulnerabilidade já palpável. Solomon Northup não se omite, ele não teme expressar suas emoções ou falar sua verdade. É essa honestidade que confere a “12 Anos de Escravidão” sua força e veracidade.


A escravidão, para muitos, pode ser simplificada como a condição de ser mantido como escravo. No entanto, para Solomon Northup, essa definição é insuficiente. Após ler “12 Anos de Escravidão”, essa visão superficial também se torna inadequada para nós. Para ele, escravidão significa ser testemunha diária do sofrimento humano: ouvir os gritos lancinantes, ver o corpo se contorcer sob o açoite cruel, ser dilacerado por cães, morrer sem cuidados e ser enterrado sem cerimônia. É difícil imaginar testemunhar tais horrores ou suportar o que Solomon enfrentou. Seus relatos mostram que a escravidão o forçou a agir de maneiras que jamais consideraria em circunstâncias normais. Devido à sua inteligência, Solomon era constantemente provocado por seus senhores. Em um confronto, ele descreve um deles com “olhos serpentinos que destilavam veneno”, evocando a imagem de uma serpente ou entidade demoníaca. A habilidade de Solomon em tecer tais imagens em sua história sobre a escravidão é notável, e é evidente seu desprezo pelas figuras que menciona, sem receio de retratá-las negativamente.


“12 Anos de Escravidão” é uma obra que transcende o gênero da não-ficção, oferecendo um relato visceral e profundamente humano da experiência de Solomon Northup. A narrativa de Northup é uma jornada de resistência e resiliência, contada com uma honestidade que corta a alma. O livro não é apenas um testemunho da crueldade da escravidão, mas também um retrato da força do espírito humano diante da adversidade. A habilidade de Northup em descrever sua experiência, mantendo-se fiel aos fatos sem perder a sensibilidade literária, é notável. Ele não apenas relata os eventos, mas os infunde com uma emoção crua que permite ao leitor sentir a profundidade de seu sofrimento e a intensidade de sua esperança. O compromisso de Northup com a verdade é inabalável, e sua narrativa é um lembrete poderoso de que a história é composta por vozes individuais, cada uma com sua própria história para contar.

O que torna “12 Anos de Escravidão” particularmente impactante é a perspectiva de Northup sobre o sistema de escravidão. Ele não se limita a condenar os indivíduos, mas sim o sistema que permite tais atrocidades. Sua capacidade de ver além da maldade individual e reconhecer a falha sistêmica é uma lição de empatia e compreensão.


A obra é um documento histórico essencial que ilumina não apenas o passado, mas também o presente, desafiando-nos a refletir sobre as injustiças que persistem em nossa sociedade. “12 Anos de Escravidão” é, sem dúvida, uma leitura obrigatória para todos aqueles que buscam compreender a complexidade da experiência humana e a importância da luta pela dignidade e pelos direitos humanos.

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