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APRESENTAÇÃO
A Zona de Interesse, em Auschwitz, era o local onde os judeus recém-chegados passavam pela triagem, processo que determinava se seriam destinados aos trabalhos forçados ou às câmaras de gás.
Este romance se passa nesse lugar infernal, em agosto de 1942. Cada um dos vários narradores testemunha o inominável a sua maneira. O primeiro é Golo Thomsen, um oficial nazista que está de olho na mulher do comandante. Paul Doll, o segundo, é quem decide o destino de todos os judeus. E Szmul, o terceiro, chefia a equipe de prisioneiros que ajudam os nazistas na logística do genocídio.
Neste romance, Martin Amis reafirma seu lugar entre os mais argutos intérpretes de nosso tempo.
RESENHA
Discutir a obra de Martin Amis é um desafio intrigante. Por um lado, parece simples: há uma abundância de material, uma riqueza de temas e estilos que saltam das páginas de seus livros. Por outro lado, é uma tarefa complexa, pois cada análise de suas obras recentes inevitavelmente se transforma em um exame do próprio Amis, uma avaliação do estado atual de sua carreira literária e do legado que ela representa.
A pergunta que se impõe é: este novo livro marca um retorno triunfal às suas raízes literárias ou é apenas mais um passo em um suposto declínio? Essa questão é frequentemente acompanhada por outras, derivadas de declarações polêmicas que Amis possa ter feito publicamente, abordando temas como religião, etnia, gênero e política.
Imaginei uma crítica escrita em um universo alternativo, onde “Zona de interesse” fosse a primeira obra de um autor britânico desconhecido, cuja única lembrança seria um guia de videogame estiloso dos anos 80. Nesse cenário imaginário, eu poderia analisar o livro sem as influências externas que cercam Amis.
No entanto, essa abordagem se mostrou falha. É impossível ignorar o contexto mais amplo da carreira de Amis ao considerar “Zona de interesse”. Este romance não é apenas uma das suas melhores obras desde “The Information”, mas também representa o ápice de um projeto que ele vem desenvolvendo há anos. “Zona de interesse” é a mais recente tentativa de Amis de confrontar o sombrio legado do século XX. Seus trabalhos anteriores, como o inovador “Time’s Arrow” de 1991, que inverteu a cronologia do Holocausto, e “Koba the Dread” de 2002, sobre Stalin, apesar de suas qualidades, não conseguiram capturar completamente o que Amis tem buscado ao longo de sua carreira: uma harmonização bem-sucedida de seu talento inerentemente cômico com a gravidade da história europeia recente. “Zona de interesse”, ao abordar o Holocausto - um tema notoriamente difícil de ser tratado com humor - chega mais perto do que nunca de alcançar esse equilíbrio, desafiando os críticos que acreditam que Amis perdeu o rumo de seu talento. Como Julie Birchill, jornalista inglesa, comentou de forma controversa: “Se Martin Amis tivesse continuado a escrever sobre fumar, sexo e sinuca, talvez pudesse ter sido o próximo Nick Hornby.”
A narrativa se inicia com Angelus “Golo” Thomsen, um dos três narradores da história, capturado por um fascínio erótico ao observar uma mulher de vestido alvo, passeando sob a sombra de árvores de bordo junto a suas filhas. A voz que emerge dessas linhas é inconfundivelmente astuta e singular, uma assinatura inimitável de Amis: “Não me era estranho o estampido do trovão; não me era alheio o fulgor do relâmpago. Com uma experiência notável nesses fenômenos, eu estava bem familiarizado com as tempestades torrenciais — as chuvas avassaladoras, seguidas pelo sol e pelo arco-íris.” Tal repetição retórica é uma marca registrada do estilo de Amis, um recurso estilístico que ele explora com maestria, tal como Joan Didion. (E, como é de se esperar, os críticos não deixam de apontar essa característica repetidamente. Era exatamente isso que eu buscava evitar com a ideia do universo paralelo.)
A cena descrita evoca inicialmente um idílio pastoral: “Numa tarde de verão, com mosquitos dançando ao crepúsculo… Meu caderno repousava sobre um tronco, as páginas agitadas por uma brisa caprichosa.” Poder-se-ia imaginar que estamos em um campus universitário, na presença de um acadêmico jovem e elegante — ele próprio se descreve com “modos floridamente elegantes”, trajando “um blazer de tweed sob medida e calças de sarja”.
Contudo, a realidade é outra; não estamos em Oxford ou qualquer lugar semelhante. Rapidamente nos damos conta de que o cenário do romance — a “zona de interesse” que lhe dá nome — é Auschwitz. Thomsen é um nazista de alta patente, sobrinho fictício de Martin Bormann. A mulher que desperta seu interesse é Hannah Doll, esposa de Paul Doll, o comandante do campo de concentração, inspirado, em certa medida, em Rudolf Höss.
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