APRESENTAÇÃO
A voz das ruas é o guia da instigante literatura de Sérgio Vaz. Suas palavras não fazem concessões com aqueles que procuram nos colocar medo todos os dias, nem com os que promovem a promessa barata de que a felicidade está ao alcance de todos. Com a mente repleta de sonhos e pesadelos, o poeta dispõe à nossa frente todas as faces que capta da realidade cotidiana.
Nesse livro, Vaz joga sua rede no mundo das crônicas, e pesca o que há de esperança e desesperança na vida. Como observador das marés, de nossas tormentas e maremotos, ele mergulha fundo na alma dos invisíveis, dos desterrados, dos sem-nome, dos sem-lugar, dos sem aquilo que um dia foi prometido a todos, mas que acabou sendo apenas permitido a uma pequena parcela da humanidade: a plena cidadania.
RESENHA
Literatura, pão e poesia, do escritor Sérgio Vaz, é uma obra que transcende os limites da simples crônica literária, apresentando-se como um testemunho vivo da efervescência cultural e poética que emerge das periferias brasileiras. Neste livro, Vaz nos convida a adentrar um universo em que a palavra se torna arma de empoderamento e resistência, onde a poesia se ergue como farol iluminando os caminhos de uma comunidade historicamente marginalizada.
Desde o primeiro texto, intitulado "Novos dias", Vaz estabelece o tom combativo e engajado que permeia toda a obra. Nele, o autor interpela o leitor a não abrir mão dos sonhos e da poesia, mas a enfrentá-los com "punhos cerrados" - uma clara alusão à necessidade de uma postura ativa e combativa diante das adversidades. Essa premissa se desdobra ao longo do livro, revelando a literatura como um instrumento de transformação social.
Vaz nos apresenta sua definição da "nova literatura da periferia", destacando sua íntima relação com a grande tradição literária, ao mesmo tempo em que reivindica seu caráter insurgente e subversivo. Essa estratégia de diálogo com o cânone literário se repete em outros textos, como em "A poesia dos deuses inferiores", em que o autor constrói uma espécie de "catálogo" da literatura marginal, evidenciando sua legitimidade e relevância.
Um dos aspectos mais interessantes da obra é a maneira como Vaz articula a dimensão poética e a dimensão geográfica. Textos como "Como nasce um taboanense", "Taboão dos Palmares" e "Taboão, suor e lágrimas" demonstram que o território da periferia não é apenas cenário, mas personagem ativo na construção dessa literatura. Vaz nos apresenta um lugar vivo, pulsante, que se transforma em protagonista, gerando uma fala própria e uma identidade singular.
Essa imbricação entre poesia e espaço físico se estende para uma reflexão sobre a relação entre centro e periferia na cidade de São Paulo, como evidenciado no texto "Mil graus na terra da garoa". Aqui, o autor problematiza as políticas culturais e urbanísticas que tendem a marginalizar as expressões artísticas periféricas, convocando-as a "aranharem os céus da cidade".
Ao longo do livro, Vaz também se debruça sobre figuras emblemáticas da periferia, como o catador de papel Zagatti, o "palhaço da loja de sapatos", e a "fina flor da malandragem" - personagens que encarnam a resiliência e a dignidade de uma comunidade que se recusa a ser subjugada. Essas crônicas revelam uma perspectiva humanizada e empática, distante de julgamentos simplistas.
Destaca-se ainda o "Manifesto da Antropofagia Periférica", uma releitura periférica e atualizada do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. Nele, Vaz convoca os artistas a se colocarem a serviço da comunidade, rejeitando a "arte domingueira que defeca em nossa sala" e reivindicando uma produção artística engajada na transformação social.
Em Literatura, pão e poesia, Sérgio Vaz nos apresenta uma poética da periferia que vai muito além da denúncia ou do lamento. Sua escrita é marcada por um profundo compromisso com a dignidade e a emancipação de seu povo, revelando uma literatura que se faz arma de luta e instrumento de empoderamento. Ao entrelaçar a dimensão poética com a dimensão geográfica e social, Vaz nos convida a repensar os caminhos da arte e da cultura no Brasil, desafiando-nos a enxergar a periferia não apenas como objeto, mas como sujeito da história.
Referências
VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.
BRUM, Eliane. Posfácio. In: VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.
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