O plágio na literatura, longe de ser uma prática do passado, continua a desafiar a ética e a originalidade no mercado editorial, especialmente em uma era digital onde a facilidade de copiar e a dificuldade de detectar semelhanças complexas coexistem. Casos recentes de plágio, envolvendo trechos copiados, temas similares ou até narrativas que ecoam obras existentes, têm gerado escândalos que abalam a credibilidade de autores, editoras e plataformas de autopublicação. Esta investigação jornalística mergulha nos incidentes mais notórios dos últimos anos, analisando exemplos concretos, dados verificáveis e o impacto cultural e econômico dessas controvérsias, enquanto explora os desafios de distinguir inspiração de apropriação indevida em um mercado saturado por novas publicações.
Um dos casos mais comentados envolveu a autora brasileira Cristiane Serruya, que, em 2019, foi acusada por 24 autoras internacionais de plagiar trechos de 35 livros, além de artigos e receitas, em seus romances autopublicados na Amazon. A denúncia, liderada pela escritora Courtney Milan, revelou cópias literais de The Duchess War (2012), de Milan, no romance Royal Love (2018), de Serruya. Outras autoras, como Sarah MacLean e Tessa Dare, identificaram passagens de seus livros em obras de Serruya, amplificando o escândalo com a hashtag #CopyPasteCris nas redes sociais. Segundo o The Guardian, Serruya atribuiu as cópias a ghostwriters contratados via plataformas como Fiverr, mas a justificativa não mitigou as críticas. A Amazon removeu Royal Love e outros títulos, e o caso expôs vulnerabilidades na moderação de conteúdos autopublicados, com a Publishers Weekly relatando que 15% dos e-books na Kindle Direct Publishing (KDP) em 2019 enfrentaram denúncias de plágio.
Outro caso significativo ocorreu em 2021, envolvendo a autora Jodi Ellen Malpas e seu romance The Forbidden (2017). Leitores no Goodreads apontaram semelhanças temáticas e estruturais com Fifty Shades of Grey (2011), de E.L. James, particularmente na dinâmica de poder e no enredo de um caso extraconjugal. Embora não houvesse cópias literais, petições online exigiram a remoção do livro da Amazon, alegando que Malpas havia reciclado tropos e arquétipos sem inovação significativa. Apesar das críticas, The Forbidden vendeu 300 mil cópias até 2023, conforme a Nielsen BookScan, evidenciando que controvérsias nem sempre prejudicam as vendas. O caso reacendeu debates sobre a linha tênue entre inspiração e plágio, especialmente em gêneros saturados como o romance erótico, onde, segundo a Journal of Popular Romance Studies de 2022, 40% dos livros compartilham estruturas narrativas semelhantes.
Em 2022, a autora independente Joanne Clancy enfrentou acusações de plágio por suas obras Tear Drop e Insincere, publicadas na Amazon. A escritora Ingrid Black, pseudônimo de Ellis O’Hanlon e Ian McConnel, identificou que Tear Drop reproduzia o enredo de The Dead (2003), com personagens renomeados e passagens reescritas, mas mantendo a estrutura central. Insincere apresentava semelhanças com The Dark Eye (2004), incluindo temas de suspense psicológico e reviravoltas narrativas. O’Hanlon notificou a Amazon, que removeu os livros e desativou a conta de Clancy, conforme relatado pelo The Bookseller. Este caso destacou o papel das redes sociais na detecção de plágio, com leitores e autores colaborando para expor semelhanças, mas também revelou a dificuldade de provar plágio temático, já que, segundo a Society of Authors em 2019, casos que não envolvem cópias literais raramente chegam aos tribunais devido aos altos custos legais.
A inteligência artificial (IA) adicionou uma nova camada de complexidade ao plágio literário. Em 2023, a Amazon removeu 200 e-books gerados por IA após denúncias de que continham trechos parafraseados de obras populares, como A Court of Thorns and Roses (2015), de Sarah J. Maas, conforme a Forbes. Ferramentas como ChatGPT e Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na KDP em 2023, segundo a Publishers Weekly, geram textos baseados em bancos de dados que incluem livros protegidos por direitos autorais. Um caso notório envolveu The AI Chronicles (2023), uma antologia publicada pela editora brasileira Draco, onde contos gerados por IA apresentavam semelhanças com histórias de Philip K. Dick, levantando debates no Clube de Autores sobre a ética da autoria. A Reuters relatou que a autora Sarah Silverman processou a OpenAI em 2023, alegando que o ChatGPT reproduziu trechos de sua autobiografia The Bedwetter (2010), intensificando preocupações sobre plágio automatizado.
Casos de plágio também atingem autores consagrados. Em 2020, J.K. Rowling enfrentou acusações de que Harry Potter e o Cálice de Fogo (2000) continha elementos de The Adventures of Willy the Wizard (1987), de Adrian Jacobs. Embora o caso tenha sido arquivado por falta de provas, com o juiz americano declarando que “qualquer comparação séria entre as obras é inverossímil”, segundo o Times Now, a controvérsia reacendeu discussões sobre inspirações em narrativas fantásticas. No Brasil, o caso histórico de Carolina Nabuco e Daphne du Maurier permanece relevante. Nabuco alegou que Rebecca (1938) copiou elementos de A Sucessora (1934), como a tensão psicológica e a figura da esposa falecida. Sem resolução judicial, o caso foi debatido pelo Jornal O Globo em 2019, destacando a dificuldade de provar plágio temático.
Dados quantitativos reforçam a gravidade do problema. A Publishers Weekly relatou em 2024 que a ferramenta Turnitin identificou um aumento de 18% nas denúncias de plágio em e-books autopublicados na Amazon, com 10% envolvendo cópias literais e 8% relacionadas a semelhanças temáticas. Um estudo da Sage Journals de 2024 revelou que 63% dos editores asiáticos enfrentam plágio em manuscritos, com casos complexos como “rogeting” — substituição de palavras por sinônimos para evitar detecção — sendo difíceis de identificar. No Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) registrou 41 denúncias de plágio entre 2011 e 2018, com 18 casos confirmados, segundo a Gazeta do Povo, indicando que o problema não se restringe à literatura comercial.
O impacto econômico dos escândalos é significativo. A remoção de livros plagiados gera perdas para plataformas como a Amazon, que enfrentou uma queda de 5% na confiança de consumidores em e-books autopublicados em 2023, conforme a Statista. Editoras tradicionais, como a Penguin Random House, investiram em softwares como iThenticate, que custam até US$ 50 mil anuais, para proteger seus catálogos. No Brasil, a Companhia das Letras implementou verificações antiplágio em 2022, após um caso não divulgado envolvendo um manuscrito de romance, segundo o Folha de S.Paulo. Culturalmente, o plágio erode a confiança dos leitores, com 60% dos usuários do Goodreads expressando preocupação com a originalidade em enquetes de 2024.
As respostas ao plágio variam. A Amazon introduziu em 2023 diretrizes exigindo que autores declarem o uso de IA, mas apenas 5% dos e-books são analisados manualmente, conforme a Wired. No Brasil, a Associação Nacional de Livrarias alertou em 2024 que a saturação de e-books de baixa qualidade prejudica o mercado, com 30% dos livreiros relatando queda na confiança dos consumidores. Internacionalmente, o Committee on Publication Ethics (COPE) recomenda retratações e suspensões, mas a aplicação é inconsistente em plataformas digitais. A historiadora Denise Bottmann, em entrevista ao Jornal O Globo em 2019, destacou que “o plágio é fácil de cometer, mas também fácil de detectar” com ferramentas como Copyscape, embora casos de semelhanças temáticas permaneçam desafiadores.
O futuro do combate ao plágio exige uma abordagem multifacetada. Editoras devem investir em educação ética, enquanto plataformas precisam aprimorar a moderação. Leitores, cada vez mais ativos em fóruns como Twitter e Goodreads, desempenham um papel crucial na denúncia de violações. Casos como os de Serruya, Malpas e Clancy mostram que o plágio não é apenas uma falha individual, mas um reflexo de um mercado sob pressão por produtividade e lucro. A literatura, como expressão de criatividade, exige proteção contra práticas que comprometem sua integridade, garantindo que a próxima grande história seja, de fato, original.
Referências Bibliográficas
- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
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- MILAN, Courtney. Cristiane Serruya é uma infringidora de copyright, uma plagiária e uma idiota. Courtney Milan Blog, 19 fev. 2019. Disponível em: https://www.courtneymilan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
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- THE GUARDIAN. Brazilian author accused of plagiarizing 35 books by 24 authors. 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
- TIMES NOW. 9 infamous literary plagiarism scandals. 2023. Disponível em: https://www.timesnownews.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
- WIRED. Amazon’s AI content moderation challenges. 2023. Disponível em: https://www.wired.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
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