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Publicado em 2025 pela editora Vélos, "Café com Deus Pai 2025" é um devocional diário escrito por Júnior Rostirola, pastor e autor brasileiro conhecido por sua série anual de reflexões espirituais. A obra oferece 365 mensagens, uma para cada dia do ano, combinando versículos bíblicos, meditações e orações, com o objetivo de inspirar leitores cristãos em sua jornada de fé. Lançado em um contexto de celebração do Ano Jubilar no Brasil, o livro se posiciona como um guia prático e acessível para a espiritualidade cotidiana.
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Imagem: Café com Deus pai / reprodução |
"Café com Deus Pai 2025" adota uma estrutura cíclica e fragmentada, típica de devocionais, com 365 entradas independentes organizadas por data, de 1º de janeiro a 31 de dezembro. Cada seção segue um padrão fixo: um título temático, um versículo bíblico, uma reflexão de uma página e uma oração curta. Essa repetição reflete o modelo de "narrativa parcelada" descrito por Genette (1980), no qual unidades autônomas criam um efeito cumulativo ao longo do tempo, semelhante a um diário espiritual.
A ausência de uma narrativa contínua alinha-se ao conceito de "discurso episódico" de Todorov (1977), priorizando a experiência diária sobre uma progressão linear. A introdução de Rostirola estabelece o tom, prometendo "um café com o Criador" (Rostirola, 2025, p. 5), uma metáfora que funciona como paratexto, no sentido de Genette (1997), para enquadrar a obra como um diálogo íntimo. No entanto, a rigidez do formato — cada dia com a mesma extensão e estrutura — limita a flexibilidade, criando uma previsibilidade que Bakhtin (1981) criticaria por sua falta de dialogismo.
Os temas centrais da obra — fé, esperança e transformação pessoal — são pilares da espiritualidade cristã evangélica, adaptados ao contexto de 2025. Rostirola enfatiza a fé como prática diária, como em "Confie em Deus até nas segundas-feiras" (Rostirola, 2025, p. 13), ecoando as ideias de Tillich (1952) sobre a "coragem de ser" em meio à rotina. A esperança é um leitmotiv, especialmente em reflexões sobre crises globais, enquanto a transformação reflete o conceito de "metanoia" cristã, alinhado aos estudos de Ricoeur (2004) sobre narrativa e renovação identitária.
A relevância sociocultural do livro está em sua sintonia com o Ano Jubilar brasileiro, que celebra os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, e com o crescimento do evangelicalismo no país. Publicado em um momento de busca por conforto espiritual, "Café com Deus Pai" responde à demanda por guias acessíveis, mas sua abordagem genérica — com mensagens aplicáveis a qualquer ano — levanta questões sobre sua especificidade para 2025. A obra dialoga com a tradição de devocionais como "Pão Diário", mas carece de uma identidade cultural mais marcante.
O estilo de Rostirola é simples e conversacional, com uma prosa que prioriza a clareza sobre a sofisticação. Frases como "Deus não desiste de você, então pegue seu café e levante" (Rostirola, 2025, p. 47) exemplificam um registro coloquial, que Hemingway (1952) elogiaria por sua economia, mas que carece de profundidade literária. A repetição de metáforas domésticas — café, pão, mesa — busca criar familiaridade, mas resulta em uma monotonia que Eco (1989) criticaria como "fechamento expressivo".
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Imagem: Café com Deus pai / reprodução |
Rostirola utiliza anedotas breves e exemplos cotidianos, como o trânsito ou o trabalho, para ilustrar princípios bíblicos, uma técnica que Barthes (1977) chamaria de "ancoragem narrativa", conferindo concretude às abstrações teológicas. Os versículos servem como ponto de partida, mas as reflexões raramente os exploram em profundidade, optando por interpretações superficiais. A edição da Vélos, com design colorido e fontes grandes, reforça a acessibilidade, mas o texto em si não transcende o tom de um sermão básico.
Rostirola é o narrador implícito de "Café com Deus Pai", uma voz que se encaixa no conceito de "narrador pedagógico" de Booth (1983), projetando autoridade pastoral e empatia. Ele se apresenta como um companheiro de fé, como em "Eu já passei por isso, e Deus me segurou" (Rostirola, 2025, p. 92), tornando-se uma figura "redonda" no sentido de Forster (1927) por sua consistência e proximidade. No entanto, essa caracterização é estática, sem evolução ao longo das 365 entradas.
Personagens secundários — leitores implícitos, figuras bíblicas como Davi ou Paulo — são esboços funcionais, usados para exemplificar lições. Essa abordagem reflete uma narrativa unidirecional, na qual o mundo serve ao propósito do narrador, uma falha que Bakhtin (1981) condenaria por sua falta de vozes múltiplas. A ausência de conflito ou dúvida limita a humanidade do texto, reduzindo-o a um monólogo edificante.
"Café com Deus Pai 2025" é parte de uma série anual de Rostirola, produzida com eficiência comercial pela Vélos para atender ao mercado cristão brasileiro. Escrito em um ano de planejamento para o Jubileu, o livro reflete uma estratégia de capitalizar a espiritualidade sazonal, com mensagens genéricas ajustadas por um prefácio temático. A edição inclui espaços para anotações, mirando um público interativo.
A recepção é positiva entre os fiéis. O site Gospel Prime elogiou sua "simplicidade inspiradora", enquanto leitores no X destacam o conforto diário. Críticas, porém, apontam a falta de originalidade e a repetitividade, sugerindo que o sucesso é mais fruto da fidelidade do público do que da qualidade da obra. Seu apelo comercial é evidente, mas sua profundidade é questionável.
"Café com Deus Pai 2025" é um devocional funcional, que entrega o que promete: uma dose diária de ânimo para o cristão cansado. Sua estrutura repetitiva e o estilo acessível são pontos fortes para quem quer um guia espiritual sem complicações. As mensagens, ancoradas em versículos, oferecem um consolo previsível, e a edição bonitinha da Vélos é perfeita para deixar na mesinha de cabeceira ou presentear a tia devota. Para os fiéis, é um companheiro confiável; para estudiosos da narrativa religiosa, um objeto de análise básico.
Mas, santo café amargo, que bagunça sem graça é essa! Esse livro é o equivalente literário de um café instantâneo: rápido, ralo e com gosto de déjà-vu. Rostirola repete a mesma fórmula 365 vezes — "Deus te ama", "confie mais", "toma um café e reza" —, como se tivesse Ctrl+C e Ctrl+V num sermão de domingo e chamado de obra-prima. A prosa é tão insípida que faz o pão sem sal parecer uma iguaria; Hemingway diria que é econômico, mas eu digo que é preguiça pura. As metáforas de café são tão batidas que dá vontade de jogar a xícara na parede e gritar "Inova, meu filho!".
O narrador? Um pastor genérico que acha que é seu melhor amigo, mas não passa de um eco de autoajuda gospel. Os exemplos são tão óbvios — trânsito, chefe chato — que parece que ele escreveu isso num guardanapo entre cultos. Cadê a profundidade, a dúvida, o fogo da fé? Nada, só um chá morno de clichês. E os personagens secundários? São figurantes de um filme B bíblico, jogados ali pra encher linguiça.
O pior é o cheiro de caça-níquel. Lançar um "2025" só pra surfar o Jubileu é sacanagem — podia chamar de "Café com o Lucro" e ser mais honesto. A Vélos caprichou no visual, mas o conteúdo é reciclado de edições passadas, como se Rostirola tivesse um gerador automático de devocionais no porão. É o tipo de livro que você lê, reza e esquece antes do próximo café — um desperdício de papel que só sobrevive porque o povão gospel compra qualquer coisa com "Deus" na capa. Desculpa aí, Júnior, mas esse café tá mais frio que geladeira de pinguim!
"Café com Deus Pai 2025" é um devocional que cumpre seu papel básico: oferecer reflexões diárias para um público cristão fiel. Sua estrutura simples e mensagens reconfortantes têm valor prático, mas a falta de originalidade e profundidade o tornam uma leitura descartável. Para os devotos, é um apoio; para os críticos, uma decepção. Rostirola tinha a chance de criar algo memorável para o Jubileu; em vez disso, entregou um latte sem graça, mais digno de uma prateleira de liquidação do que de um altar. Um esforço meia-boca que não acorda nem o mais sonolento dos leitores.
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