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José Olympio relança "Lampião", obra de estreia de Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz, já uma romancista consagrada, decidiu aventurar-se na dramaturgia. Enfrentando o desafio de frente, ela abordou a história de vida de Virgulino Ferreira da Silva - o bandido que liderava a mais famosa gangue de cangaceiros do Nordeste brasileiro - com o peso dramático e a urgência social que sempre foram sua paixão como escritora. Lampião rapidamente se tornou uma figura única no imaginário popular; seus trajes de cowboy típicos dos jagunços (homens armados) dos anos 1920, juntamente com suas poses imponentes projetadas através de fotografias e até mesmo seus óculos de aros finos, considerados raros para pessoas comuns naquela época, faziam parte dessa persona mítica que ele encarnava apesar de ser cego em um olho.


Ao revisitar suas referências mais próximas, Rachel de Queiroz desconstruiu seu retrato corajoso e ocasionalmente frágil do icônico Lampião. Seu personagem principal desafia o governador da região sertaneja a ceder poder, mas também se sente atento diante dos perigos iminentes, buscando proteção espiritual em seu Padrinho Padre Cícero - uma figura religiosa muito prestigiada no Nordeste brasileiro. A peça de Queiroz apresenta Corisco como um bandido talentoso que permanece leal à causa de Lampião e Maria Bonita (introduzida inicialmente como Maria Déia), que abandona marido e filhos para ser esposa do Rei do Cangaço acompanhando-o inclusive na guerra armamentista.

Em 1954, Lampião estreou nos palcos. Houve duas produções notáveis: uma em São Paulo, no Teatro Leopoldo Fróes, dirigida por Sérgio Cardoso (que também interpretou Lampião), com Araçary de Oliveira como Maria Bonita; e outra no Rio de Janeiro, no Theatro Municipal, dirigida por Bibi Ferreira e com Elísio de Albuquerque no papel principal.

Este volume especial traz o projeto gráfico da primeira edição de Lampião, lançada em 1953 pela Livraria José Olympio Editora. Na capa, Lampião e Maria Bonita são ilustrados por Tomás Santa Rosa, icônico artista gráfico responsável por projetos editados por José Olympio na década de 1950. O antigo estilo de impressão é replicado usando fontes móveis no mês que vem. Portanto, esta nova edição de Lampião celebra o texto meticulosamente elaborado por Rachel de Queiroz que retornou a um público mais amplo na hora certa.

Resenha: O templo dos meus familiares, de Alice Walker

Arte digital

APRESENTAÇÃO

Escrito logo após A cor púrpura, o aclamado romance de Alice Walker O templo dos meus familiares estreia na José Olympio com nova tradução depois de quase 30 anos fora das prateleiras.  Em O templo dos meus familiares, Alice Walker nos apresenta povos cuja história é antiga e cujo futuro ainda está por vir. Escrito logo após A cor púrpura, livro vencedor do Pulitzer e do American Book Award, este romance contribuiu para consagrar Walker como uma das escritoras mais importantes dos Estados Unidos.Aqui conhecemos Lissie, uma mulher de muitas vidas Zedé, uma professora latino americana condenada por apoiar a revolução de seu país, mas que foge para São Francisco após dar à luz sua filha Carlotta Arveyda, o grande músico com quem Carlotta tem uma forte conexão, por ambos serem imigrantes Suwelo, um historiador, e sua ex esposa Fanny, que se apaixona por espíritos e está em busca da própria libertação. Orbitando essas histórias, estão as avós de Fanny Celie e Shug, as amadas personagens de A cor púrpura.Definido pela própria autora como um romance dos últimos 500 mil anos, O templo dos meus familiares entrelaça o passado e o presente numa complexa tapeçaria de histórias, explorando, com traços do realismo mágico, os temas do colonialismo, da opressão e da recuperação espiritual. Brilhante …. Parte romance, parte história visionária, parte tratado revolucionário, este livro vai encantar, chocar … e inspirar os fãs de Alice Walker. — USA TodayUma das melhores escritoras estadunidenses da atualidade. — Washington PostUma celebração da vida e das emoções cotidianas. — Los Angeles TimesAlice Walker é uma escritora extraordinariamente talentosa. — New York Times.

RESENHA

Publicado em 1989, O Templo dos Meus Familiares é um romance de Alice Walker que conta com diversas narrativas, incluindo as histórias de Arveyda, um músico em busca de suas origens; Carlotta, sua esposa latina exilada; Suwelo, um professor negro de História Americana que reconhece falhas dos homens de sua geração em relação às mulheres; Fanny, sua ex-esposa prestes a conhecer seu pai pela primeira vez; e Lissie, uma personagem vibrante com uma história repleta de passados.

Carlota, uma refugiada latino-americana, tem sua vida virada de cabeça para baixo ao conhecer Arveyda, um astro do rock que se encanta pela arte de sua mãe, Zedé. O relacionamento dos dois gera dois filhos e enfrenta diversas crises, até que Arveyda acaba se apaixonando pela própria Zedé. Esse acontecimento inesperado acaba unindo ainda mais as vidas dessas mulheres, revelando segredos do passado de Zedé e sua relação com a escravidão.

Por outro lado, Mary Jane, uma americana branca que ajuda Zedé, acaba se casando com um homem negro na África, em um casamento de conveniência. Sua ligação com a terra e com uma antepassada chamada Eleandra a leva a descobrir mais sobre si mesma e sobre a conexão entre pessoas de diferentes origens. A história de Eleandra, que se torna a ponte entre culturas e mundos distintos, revela a importância do entendimento e da empatia na construção de laços verdadeiros entre as pessoas.

Olá, o homem com quem Mary Jane se uniu em matrimônio é o pai de Fanny. Aqueles que leram A Cor Púrpura certamente se recordam de Celie, Natie e Olivia, a filha de Celie que foi adotada por missionários e levada para a África. Fanny, por sua vez, é filha de Olivia e atua como professora de Literatura Feminina, tendo Suwelo como seu esposo. Fanny enfrenta constantemente a batalha contra o ódio que nutre pelos brancos, em especial pelos loiros, em uma jornada para libertar-se das convenções sociais que pregam certezas como o casamento, mostrando a Suwelo como a relação deles pode ser mais autêntica e livre após o divórcio.

“Lembraremos da dor por muito tempo, mas a própria dor, como era naquele ponto de intensidade que nos fez sentir como se devêssemos morrer dela, eventualmente desaparece. Nossa memória disso se torna seu único vestígio. As paredes permanecem. Eles crescem musgo. São barreiras difíceis de ultrapassar, de chegar aos outros, de chegar às partes fechadas de nós mesmos.” - Alice Walker, O Templo do meu Familiar

Suwelo conhece a Sra. Lissie, uma mulher com experiência de muitas vidas passadas, que lhe traz ensinamentos profundos. Uma das lições mais marcantes é a importância de abrir todas as portas de sua vida, enfrentando seus traumas para se tornar uma pessoa verdadeiramente resolvida e completa. Fanny também passa por um processo de autoconhecimento, recordando sua infância e as barreiras impostas pelo racismo, que a fizeram fechar as portas para o mundo exterior.

Quando Fanny viaja para a África para encontrar seu pai e irmã, Suwelo se envolve com Carlota, em um relacionamento puramente físico, sem profundidade ou conexão verdadeira. No entanto, eles permanecem ligados, talvez refletindo a crença da Sra. Lissie sobre os laços humanos, que perduram mesmo quando não estão plenamente resolvidos. A cada encontro, Lissie reencarna em corpos diferentes, convivendo mais tempo com aqueles cujas relações ainda não foram completamente esclarecidas, na esperança de que o amor e a aceitação mútuas possam ser alcançados. Suwelo ainda tem muito a aprender e a compreender, enquanto Lissie revela através de fotografias quem ele foi em vidas passadas.

“Não se pode amaldiçoar uma parte sem condenar o todo. É por isso que a Mãe África, amaldiçoada por todos os seus filhos, negros, brancos e entre eles, está morrendo hoje e, depois dela, a morte chegará a todas as outras partes do globo.”

Fanny se apaixona por espíritos, acreditando que as pessoas que conhece e ama estão em outra dimensão. No entanto, ela se conecta com Arveyda, um músico que se torna real. Suwelo, ao tentar conhecer Carlota, encontra a si mesmo e relembra os pais falecidos em um acidente. "O homem africano branco nasceu sem melanina, se sentindo amaldiçoado, projetando isso nos negros. Fanny reflete sobre viver no presente para criar um mundo futuro desejado. Em outra narração, uma mulher branca fala sobre sua visão do mundo.

Através dos personagens das mulheres negras Lissie e latina/primeira nação Zede, Walker explora sociedades africanas e americanas pré-colonização, com estruturas anarquistas, matriarcais ou segregadas. Ela o faz em um estilo realista, poético e mágico, reimaginando mitos e relações entre diferentes grupos e até mesmo espécies. Alguns revisores podem não ter compreendido ou apreciado esse aspecto do livro, mas eu acredito que Walker está abrindo possibilidades para um resgate da memória popular, e não necessariamente para um futuro utópico. Considerando que a narrativa histórica foi moldada pela kyriarquia, não devemos aceitar sua interpretação. Se os mitos e as narrativas dominantes nos influenciam, é crucial reescrever aqueles que nos prejudicaram. Em particular, eu admiro como Walker reescreve a história de Adão e Eva para abordar o racismo no cristianismo ocidental e deslocar a culpa da mulher. Esta é sua resposta ao que foi mencionado acima. O homem branco ainda persiste, mesmo após sua partida, então é necessário substituí-lo. Precisamos de um antídoto para o veneno que ele deixou para trás.

Eu admiro a perspectiva de Alice Walker em encontrar beleza em todas as coisas, mesmo diante da verdade dolorosa. Suas crenças nos valores simples do amor, cuidado, prazer, saúde e integridade espiritual são inspiradoras. Ao contrário de muitos autores privilegiados, Walker não tem uma visão elitista e é extremamente sensata em suas obras. Sua forma de descrever e valorizar os corpos, especialmente os das mulheres negras, desafia os padrões de beleza branca e magra que dominam a sociedade. Isso é evidenciado quando um personagem masculino interpreta de forma sexualizada a mesma mulher que Walker descreveu anteriormente de maneira diferente. A habilidade de Walker em desconstruir as normas de beleza estabelecidas é evidente e refrescante.

Arte digital

Ao deparar-me com a história da vida de Lissie como uma criança/mulher africana vendida como escrava, enquanto estava sentado no metro, senti a necessidade de parar e refletir. A narrativa das mães que sacrificavam seu leite para alimentar crianças e curar feridas, após terem seus próprios bebês levados ou mortos, tocou profundamente o meu coração. A medida que avançava na leitura, me deparei com relatos sobre mulheres sendo estupradas, engravidadas e traficadas por um valor ainda maior. A crueldade dos tempos de escravidão me deixou paralisado no trem, incapaz de continuar a leitura. Mesmo já tendo conhecimento sobre esses acontecimentos, a narrativa de Walker trouxe à tona emoções profundas em mim pela primeira vez, ressaltando como a memória coletiva e os memes moldam nossa essência. Isso me fez refletir sobre como minha própria riqueza e conforto derivam do sofrimento e exploração das pessoas escravizadas no passado.

Acredito que este livro, em vários aspectos, trata sobre viver, e Walker claramente está indignada com a situação dos negros, que foram privados de saúde e conexão com a Terra devido à pobreza, escravidão e roubo de suas terras. Um dos personagens que mais gosto do livro é Fanny Nzingha, neta de Celie, a protagonista de A Cor Púrpura. Ela participa de discussões sérias sobre o colonialismo e parece ser a crítica do livro, enquanto Lissie representa esperança e restauração. Fanny é a voz da consciência desperta e furiosa diante da injustiça. O livro aborda questões profundas sobre liberdade e justiça, e a ilusão de liberdade sem substância nos Estados Unidos. Os políticos eleitos pela maioria branca têm um grande impacto na liberdade dos negros, que muitas vezes sentem que estão sempre correndo no mesmo lugar. A obra é brilhantemente rica em ideias e vai além do que posso descrever em uma revisão. Recomendo a leitura e também a postagem no blog Gradient Lair, que aplica uma filosofia semelhante à de Walker para criticar o feminismo mainstream.

Alice Walker nos apresenta uma obra única e profunda em O Templo dos Meus Familiares. Sua escrita poética e mágica entrelaça passado e presente, explorando temas complexos como colonialismo, opressão e recuperação espiritual. A autora traz à tona questões urgentes sobre liberdade, justiça e a busca por identidade em uma narrativa envolvente e cheia de camadas. A forma como Walker desafia os padrões de beleza e valoriza a experiência das mulheres negras é inspiradora, e sua habilidade de reescrever mitos e narrativas dominantes é poderosa. É um livro que vai além da simples leitura, provocando reflexões profundas sobre a história, a sociedade e a humanidade. Definitivamente uma leitura enriquecedora e transformadora.

Resenha: A cor púrpura, de Alice Walker

Imagem: Arte digital

APRESENTAÇÃO

A cor púrpura, ambientado no Sul dos Estados Unidos, entre os anos 1900 e 1940, conta a história de Celie, mulher negra, pobre e semianalfabeta. Brutalizada desde a infância, a jovem foi estuprada pelo padrasto e forçada a se casar com Albert, um viúvo violento, pai de quatro filhos, que enxergava a esposa como uma serviçal e fazia dos sofrimentos físicos e morais sua rotina.

Durante trinta anos, Celie escreve cartas para Deus e para a irmã Nettie, missionária na África. Os textos têm uma linguagem peculiar, que assume cadência e ritmo próprios à medida que Celie cresce e passa a reunir experiências, amores e amigos. Entre eles está a inesquecível Shug Avery, cantora de jazz e amante de Albert.

Apesar da dramaticidade do enredo, A cor púrpura é uma história sobre mudanças, redenção e amor. A partir da vida de Celie, a aclamada escritora Alice Walker tece críticas ao poder dado aos homens em uma sociedade que ainda hoje luta por igualdade entre gêneros, raças e classes sociais. Eleito pela BBC um dos 100 romances que definem o mundo, A cor púrpura é um retrato da vivência da mulher negra na época da segregação racial, cujos reflexos ainda estão presentes na nossa sociedade.


RESENHA


A cor púrpura é um romance escrito pela renomada autora americana Alice Walker, editado no Brasil pela editora José Olympio, selo do Grupo editorial Record. A obra relata a vida de Celie, uma adolescente de 14 anos que vive um inferno pessoal: abusada pelo pai, forçada a se casar com um homem que a trata como propriedade e, posteriormente, separada de sua irmã Nettie, com quem tinha uma conexão profunda. Celie escreve cartas para Deus, revelando-nos a história. A cada poucas páginas, novas cartas sobre sua vida são o seu refúgio diante dos acontecimentos. Grávida antes de entender sobre sexo e bebês, Celie sabe que é por causa das violações de seu pai. Com o tempo, Celie é obrigada a ter dois filhos, com os quais não convive, pois eles lhe foram tirados, causando uma tristeza inconsolável em Celie, que passa a observar cada vez mais o desenrolar dos dias. Com o tempo, ela é vendida para se casar com um homem mais velho, Albert, que aos poucos, mostra-se um homem nojento e sem nenhum grau de piedade ou amor à ela.

Imagem: Detalhes da diagramação / Divulgação


A trama se desenrola em meio ao racismo e machismo enraizados no sul dos Estados Unidos, onde Celie luta para manter sua identidade e sua vida. O livro aborda questões como a opressão das mulheres, a falta de acesso à educação e a força da amizade e do amor, mesmo diante das adversidades. Acompanhamos sua jornada, desde a separação de sua irmã Nettie até o reencontro, que se torna missionária na África. Ela perde seus filhos logo após o nascimento e casa-se com um homem abusivo. É ao conhecer Shug Avery que Celie encontra o amor e é amada em retorno, pela primeira vez em sua vida.


A obra se inicia com uma carta escrita por Celie à Deus, nela ela menciona como era a sua relação conturbada com seu pai e a frequência dos abusos sexuais sofridos no decorrer dos dias, fazendo-a, fazer, o que, como ele disse 'o que sua mãe num quis': Ele nunca teve uma palavra boa pra falar pra mim. Só falava Você vai fazer o que sua mãe num quis. Primeiro ele botou a coisa dele na minha coxa e cumeçou a mexer. Depois ele agarrou meus peitinho. Depois ele impurrou a coisa dele pra dentro da minha xoxota. Quando aquilo dueu, eu gritei. Ele cumeçou a me sufocar, dizendo É melhor você calar a boca e acustumar (p.7). A mãe de Celie morreu pouco tempo depois de ficar muito tempo doente, desta forma, ela começou a ficar responsável por todos os afazeres da casa: 


Minha mamãe morreu. Ela morreu gritando e praguejando. Ela gritou comigo. Ela praguejou comigo. Eu tô de barriga. Eu num posso andar muito depressa. Na hora queu volto do poço, a agua tá morna. Na hora queu arrumo a bandeja, a cumida já tá fria. Na hora queu arrumo todas as criança pra escola, já tá na hora do jantar (pg.8)


Celie então teve dois filhos, um foi morto pelo pai, o outro doado: Ele levou meu outro nenê também, um minino dessa vez. Mas eu num acho que ele matou não. Acho que ele vendeu prum homem e a esposa dele, lá em Monticello. Eu fiquei com os peito cheio de leite iscorrendo encima de mim (p.9)


Alice Walker utiliza a escrita de forma única, retratando a realidade de Celie por meio de cartas escritas para Deus e Nettie, nunca enviadas. A linguagem simplória, repleta de erros gramaticais e regionalismos, aproxima o leitor da vivência da protagonista, tornando a narrativa ainda mais intensa e emocionante.


A narrativa começa a delinear seus contornos mais emocionantes, quando Abert (marido de Celie) traz para morar consigo, Shug Avery, uma paixão de anos, que, em primeira instância, maltrata Celie, porém, o tempo passa e ela percebe o quanto ela é especial, dando-lhe conselhos e encorajando-a, tornando-se muito mais que amigas confidentes, o que claro, desagrada Albert que se encontra cada vez mais propenso à agredir e desfazer de Celie, o que, em alguns momentos, é repreendido por Shug.


Shug Avery sentou um pouquinho na cama hoje. Eu lavei e pintiei o cabelo dela. Ela tem o cabelo mais pincha, curto, e enroscado queu já vi, e eu amo cada fio dele. O cabelo que ficou no meu pente, eu guardei. Quem sabe um dia eu faço uma rede. uma malha pra botar no meu próprio cabelo. (p.57)


A primeira vez queu vi inteiro o longo corpo negro da Shug Avery com os bico do peito que nem ameixa preta, parecendo a boca dela, eu pensei queu tinha virado homem (p.53)


A narrativa de A Cor Púrpura é impactante, transmitindo a realidade de Celie de maneira direta. Ela relata com detalhes o que passa, sem rodeios, diferente da maioria dos romances. A vida de Celie é como é, sem adorno. O sofrimento causado à Celie pelo destino é algo que não se mensura em palavras. Ela foi abusada pelo próprio pai tendo dois filhos dele, aos quais foram tirados dela e doados; posteriormente, ela e sua irmã foram vendidas separadamente. Celie foi vendida para se casar com um homem abusivo, Albert, que além de humilhá-la, deixava claro que nutria sentimentos apenas por Shug Avery. Ela foi privada de manter qualquer tipo de contato com sua irmã Néttie por anos a fio.

Imagem: Detalhes da diagramação / Divulgação



Walker habilmente aborda questões como violência doméstica, misoginia, preconceito racial e marginalização social, oferecendo uma visão autêntica e poderosa das experiências vividas pelas personagens principais, especialmente a protagonista Celie. Ao longo do livro, vemos como essas mulheres enfrentam adversidades e injustiças de cabeça erguida, encontrando forças umas nas outras e em suas próprias habilidades.


Além disso, a cor púrpura é uma ode à autoaceitação, ao amor próprio e à importância da solidariedade feminina. O livro nos mostra como a união e o apoio mútuo entre mulheres podem ser transformadores e empoderadores, e como a busca por identidade e autonomia é uma jornada contínua e significativa.


Em resumo, a cor púrpura é uma obra fundamental que merece ser lida e apreciada por sua narrativa envolvente, sua profundidade temática e sua capacidade de inspirar reflexões e diálogos sobre questões sociais e humanas essenciais. É um testemunho da resiliência e da beleza que podem ser encontradas mesmo nas situações mais difíceis, e um lembrete da importância de ouvir e valorizar as vozes das mulheres negras.


A AUTORA

Walker nasceu em 9 de fevereiro de 1944 na pequena comunidade rural de Eatonton, no estado da Geórgia, região sul dos Estados Unidos. Foi a mais jovem de oito irmãos, prole de um casal que ganhava seu sustento por meio da parceria rural (ou sharecropping), que, no contexto pós-guerra civil para os americanos negros, era na prática uma continuação da escravidão. Apesar das dificuldades, a mãe de Alice, que para ajudar a aumentar o salário miserável era também costureira, vislumbrava um futuro melhor para a filha. Por isso, impediu a caçula de seguir os trabalhos rurais dos mais velhos, inscrevendo-a em uma escola aos quatro anos de idade.

O Legado de Harper Lee: Uma Análise de 'O Sol é para todos'

Foto: Arte digital 

APRESENTAÇÃO

Nesta emocionante história ambientada no Sul dos Estados Unidos da década de 1930, região envenenada pela violência do preconceito racial, vemos um mundo de grande beleza e ferozes desigualdades através dos olhos de uma menina de inteligência viva e questionadora, enquanto seu pai, um advogado local, arrisca tudo para defender um homem negro injustamente acusado de cometer um terrível crime.

Uma história sobre raça e classe, inocência e justiça, hipocrisia e heroísmo, tradição e transformação, O sol é para todos permanece tão importante hoje quanto foi em sua primeira edição, em 1960, durante os anos turbulentos da luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.

Considerado um dos romances norte-americanos mais importantes do século XX, O sol é para todos surpreende pela atualidade de seu enredo e estilo. A lamentável permanência do tema, o racismo, percorre a narrativa de Scout, criança sensível, filha do advogado Atticus Finch, responsável pela defesa de um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca em Maycomb, pequeno município de Alabama, no sul dos Estados Unidos, no início dos anos 1930.Os sentimentos que cercam a família e a cidade de Scout - desde que Atticus se dispôs a cuidar do famigerado caso - são nossos velhos conhecidos: preconceito racial e social, conformismo diante das injustiças e a mais pura malícia destilada em relações banais e familiares. Apesar da crua humanidade desses personagens, Scout enxerga a realidade com o frescor dos olhos infantis, e conta sua história, deixando um improvável rastro de esperança.

Scout narra a rotina de um ambiente rural e pacato, as férias de verão com o irmão, Jem, e o melhor amigo deles, Dill, a curiosidade com os vizinhos, as travessuras inventadas, as aventuras na escola e a vida em família.

O conjunto de pequenos casos nos transporta a um lugar de aparente quietude. No entanto, esse suposto relaxamento se transforma e desespero quando vemos a reação da população de Maycomb diante de denúncia contra Tom Robinson.

O impacto da publicação e da contínua exposição de O sol é para todos o fez figurar em dezenas de listas e pesquisas, tendo sido escolhido pelo Library Journal como o melhor romance do século XX e eleito pelos leitores da Modern Library um dos 100 melhores romances em língua inglesa desde 1900. O livro apareceu pela primeira vez em uma lista feita por bibliotecários em 2006 como o livro que todos deveriam ler antes de morrer, seguido da Bíblia. Um clássico moderno que continua a emocionar jovens e adultos.


RESENHA



O romance "O sol é para todos", de Harper Lee, inicialmente pode parecer uma história sem muita atratividade. Contando a jornada de duas crianças em uma tranquila cidade do Alabama, o enredo não parece despertar grande interesse à primeira vista. No entanto, eu me vi na mesma situação ao ser obrigado a ler esse livro durante o meu primeiro ano do ensino médio.


Conforme avançava na leitura, fui progressivamente envolvido na história intemporal de Lee. Compartilhando das emoções de Jem e Scout, os jovens irmãos que exploram as complexidades da vida no Sul preconceituoso dos Estados Unidos do início do século XX, o leitor é imerso em uma comunidade afetada tanto pela Grande Depressão quanto pelas tensões raciais.


A transformação pessoal de Jem e Scout ao longo do romance é evidente. Da inocência infantil inicial ao confronto com a realidade do preconceito racial, eles tentam conciliar as normas sociais locais com a moralidade ensinada por seu pai. Enquanto testemunhamos essa evolução, somos também impactados pelas mensagens poderosas transmitidas por Lee.


Embora algumas partes do livro possam parecer simplistas, as reflexões profundas sobre questões sociais e morais superam quaisquer falhas. Recomendo a leitura de "O sol é para todos" para aqueles que buscam uma experiência literária enriquecedora e emocionante. Permita-se ser tocado pelas emocionantes narrativas e pelas poderosas mensagens presentes nesta obra-prima de Harper Lee.


Jean Louise é uma jovem corajosa e brilhante, que desafia as expectativas da sociedade da época. Enquanto se esperava que as mulheres se comportassem de acordo com padrões tradicionais, ela foi criada por um pai que não a limitou a essas normas. Ela é forte, inteligente e adorável, apesar de suas falhas de infância e do ambiente conservador em que cresceu.


Atticus Finch é retratado como um verdadeiro herói, um homem branco educado e culto que sempre faz o que é certo. Ele busca incentivar seus filhos a serem boas pessoas, mesmo que isso signifique agir de forma diferente do que o faria em outras situações. Os personagens secundários do romance também são notáveis, representando uma variedade de visões e origens. Essa diversidade contribui para a riqueza e complexidade da narrativa.


Além disso, a escrita de Lee é magistral, com uma linguagem fluida e envolvente que transporta o leitor para a atmosfera do Sul dos Estados Unidos da época. Sua capacidade de criar personagens autênticos e complexos, bem como de explorar temas relevantes e atemporais, faz de "O sol é para todos" um clássico da literatura que ressoa até os dias de hoje.


Portanto, mesmo que inicialmente possa parecer uma história simples sobre a infância e as descobertas dos protagonistas, este romance de Harper Lee vai muito além. A trama, os personagens e as mensagens profundas que transmite fazem com que seja uma leitura que vale a pena para todos que apreciam uma boa história bem contada. Eu, particularmente, me emocionei e me vi refletindo sobre muitas questões após terminar este livro. Recomendo fortemente a sua leitura.

[RESENHA #972] Lição de coisas, de Carlos Drummond de Andrade

Se o gosto de Drummond pela experimentação já se notava em poemas como “No meio do caminho”, de Alguma poesia, seu livro de estreia, neste Lição de coisas esse fazer se intensifica. A partir de provocações colocadas pelo concretismo, o poeta itabirano aqui se abre para explorar de maneira mais intensa forma e conteúdo – em especial, o conteúdo visual e sonoro –, “sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente”, como mineiramente se sublinha na nota da primeira edição.

As nove partes que compõem Lição de coisas – “Origem”, “Memória”, “Ato”, “Lavra”, “Companhia”, “Cidade”, “Ser”, “Mundo” e “Palavra” – representam os fundamentos da poética drummondiana: a terra, a família, as lembranças, os afetos, as amizades, as admirações, a consciência dos problemas do homem e dos perigos do mundo. Os poemas que aqui se encontram são dos mais conhecidos de Drummond: “O padre, a moça”, levado para o cinema pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade, e “Para sempre”, belo canto de louvor às mães que circula nas redes sociais sempre que se quer homenageá-las.

Esta nova edição reúne também uma dedicatória do poeta para a esposa, Dolores, e outra para a filha, Maria Julieta, e sua família; a crônica “Livros novos”, que Drummond publicou no jornal Correio da Manhã; e quatro poemas (“A música barata”, “Cerâmica”, “Descoberta” e “Intimação”), constantes, como inéditos, na Antologia poética do autor, publicada em 1962, e incluídos no Lição de coisas a partir da segunda edição, lançada em 1965.

Com esta edição, convidamos leitores e leitoras a desfrutar poemas que, para além da experimentação, compreendem temas caros a nosso querido poeta, como a memória, o humor e a mineração de si mesmo e do outro. Percebe-se assim que, para além de qualquer observação sobre a técnica de seus textos, o que encontramos é muitas vezes a humanidade mais singela. Sua expressão poética simples, porém sempre coesa, ainda nos espanta pela ternura. Esta lição, talvez por isso, fica e permanece. São poemas que, como pequenas joias, tornam-se cada vez mais valiosos “na correnteza esperta do tempo”.

RESENHA

O novo livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade é uma obra que traz consigo uma forte busca pela simplicidade e verdade na expressão dos sentimentos. Dividido em nove partes distintas, cada uma delas dedicada a um tema específico, o poeta revela sua essência de maneira única e profunda.

Nas histórias narradas, tanto fictícias quanto imaginárias, o poeta não se prende à trama, mas sim à busca por um significado transcendental. Em suas palavras, ele faz referências tocantes a figuras humanas, pintores do passado, poetas contemporâneos e personagens cômicos. O Rio de Janeiro, uma cidade com suas próprias circunstâncias históricas, surge como uma personificação, tornando-se uma presença marcante na obra. As reminiscências do autor são reduzidas ao mínimo, como se fosse um ensaio de memórias, onde o objeto é visto de forma rápida e o sujeito se torna um espelho.

O autor, envolvido com o povo do campo e afetado pelos eventos da época, revela-se desiludido e sem esperança. No entanto, ele utiliza a extraordinária palavra, como que para não deixá-la completamente extinta do texto daquele período. Dessa forma, o novo livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade apresenta-se como uma obra poderosa, que abraça a complexidade do mundo e das emoções humanas, revelando-se tanto um espelho da realidade quanto uma busca por algo transcendental. Retratando o Rio de Janeiro como uma presença viva e fazendo referências emocionantes a diversas figuras, o poeta nos convida a refletir sobre a vida e a esperança em meio à desilusão.

Análise do poema os dois vigários:

“Há cinqüenta anos passados,
Padre Olímpio bendizia,
Padre Júlio fornicava.
E Padre Olímpio advertia
e Padre Júlio triscava.
Padre Júlio excomungava
quem se erguesse a censurá-lo
e Padre Olímpio em seu canto
antes de cantar o galo
pedia a Deus pelo homem.
Padre Júlio em seu jardim
colhia flor e mulher
num contentamento imundo.
Padre Olímpio suspirava,
Padre Júlio blafesmava.
Padre Olímpio, sem leitura
latina, sem ironia,
e Padre Júlio, criatura
de Ovídio, ria, atacava
a chã fortaleza do outro.
Padre Olímpio silenciava.
Padre Júlio perorava,
rascante e politiqueiro.
Padre Olímpio se omitia
e Padre Júlio raptava
patroa e filhas do próximo,
outros filhos lhe aditava.
Padre Júlio responsava
os mortos, pedindo contas
do mal que apenas pensaram
e desmontava filáucias
de altos brasões esboroados
entre moscas defuntórias.
Padre Olímpio respeitava
as classes depois de extintos
os sopros dos mais distintos
festeiros e imperadores.
Se Padre Olímpio perdoava,
Padre Júlio não cedia.
Padre Júlio foi ganhando
com tempo cara diabólica
e em sua púrpura calva,
em seu mento proeminente,
ardiam em brasas. E Padre
Olímpio se desolava
de ver um padre demente
e o Senhor atraiçoado.
E Padre Júlio oficiava
como oficia um demônio
sem que o escândalo esgarçasse
a santidade do ofício.
Padre Olímpio se doía,
muito se mortificava
que nenhum anjo surgisse
a consolá-lo em segredo:
“Olímpio, se é tudo um jogo
do céu com a terra, o desfecho
dorme entre véus de justiça.”
Padre Olímpio encanecia
e em sua estrita piedade,
em seu manso pastoreio,
não via, não discernia
a celeste preferância.
Seria por Padre Júlio?
Valorizava-se o inferno?
E sentindo-se culpado
de conceber turvamente
o augustíssimo pecado
atribuído ao Padre Eterno,
sofre — rezando sem tino
todo se penitenciava.
Em suas costas botava
os crimes de Padre Júlio,
refugando-lhe os prazeres.
Emagrecia, minguava,
sem ganhar forma de santo.
Seu corpo se recolhia
à própria sombra, no solo.
Padre Júlio coruscava,
ria, inflava, apostrofava.
Um pecava, outro pagava.
O povo ia desertando
a lição de Padre Olímpio.
Muito melhor escutava
de Padre Júlio as bocagens.
Dois raios, na mesma noite,
os dois padres fulminaram.
Padre Olímpio, Padre Júlio
iguaizinhos se tornaram:
onde o vício, onde a virtude,
ninguém mais o demarcava.
Enterrados lado a lado
irmanados confundidos,
dos dois padres consumidos
juliolímpio em terra neutra
uma flor nasce monótona
que não se sabe até hoje
(cinqüenta anos se passaram)
se é de compaixão divina
ou divina indiferença.”

O poema apresenta uma análise crítica sobre a hipocrisia religiosa e moralidade ambígua. A narrativa descreve a trajetória de dois padres, Padre Olímpio e Padre Júlio, ao longo de cinquenta anos. Padre Olímpio é retratado como um homem religioso e piedoso, enquanto Padre Júlio é um indivíduo imoral e pecaminoso.

Através de contrastes, o poema sugere que ambos os padres, apesar de suas diferenças morais, são igualmente falíveis e sujeitos a tentações. Padre Olímpio desaprova as ações de Padre Júlio, mas se mantém em silêncio e se abstém de interferir. Enquanto isso, Padre Júlio continua a cometer atos imorais e se aproveitar de sua posição clerical.

A crítica à instituição religiosa surge quando fica claro que Padre Júlio, apesar de seu comportamento imoral, não sofre consequências e consegue manter sua posição e autoridade. Enquanto Padre Olímpio, que se esforça para viver de acordo com os princípios religiosos, é consumido pela culpa e não recebe apoio divino.

A última estrofe do poema deixa em aberto se a flor que nasce após a morte de ambos os padres é um sinal de compaixão divina ou indiferença. Isso pode sugerir um questionamento sobre a existência de um julgamento divino justo diante das ações contraditórias e complexas dos seres humanos.

Em suma, o poema critica a falta de coerência moral e a hipocrisia dentro da instituição religiosa através da representação de dois padres com comportamentos morais opostos, que eventualmente são igualados pela morte e deixam em aberto a natureza da compaixão divina.

Análise do poema pombo correio:

Os garotos da Rua Noel Rosa
onde um talo de samba viça no calçamento,
viram o pombo-correio cansado
confuso
aproximar-se em vôo baixo.

Tão baixo voava: mais raso
que os sonhos municipais de cada um.
Seria o Exército em manobras
ou simplesmente
trazia recados de ai! amor
à namorada do tenente em Aldeia Campista?

E voando e baixando entrançou-se
entre folhas e galhos de fícus:
era um papagaio de papel,
estrelinha presa, suspiro
metade ainda no peito, outra metade
no ar.

Antes que o ferissem,
pois o carinho dos pequenos ainda é mais desastrado
que o dos homens
e o dos homens costuma ser mortal
uma senhora o salva
tomando-o no berço das mãos
e brandamente alisa-lhe
a medrosa plumagem azulcinza
cinza de fundos neutros de Mondrian
azul de abril pensando maio.

3235-58-Brasil
dizia o anel na perninha direita.
Mensagem não havia nenhuma
ou a perdera o mensageiro
como se perdem os maiores segredos de Estado
que graças a isto se tornam invioláveis,
ou o grito de paixão abafado
pela buzina dos ônibus.
Como o correio (às vezes) esquece cartas
teria o pombo esquecido
a razão de seu vôo?

Ou sua razão seria apenas voar
baixinho sem mensagem como a gente
vai todos os dias à cidade
e somente algum minuto em cada vida
se sente repleto de eternidade, ansioso
por transmitir a outros sua fortuna?

Era um pombo assustado
perdido
e há perguntas na Rua Noel Rosa
e em toda parte sem resposta.

Pelo quê a senhora o confiou
ao senhor Manuel Duarte, que passava
para ser devolvido com urgência
ao destino dos pombos militares
que não é um destino.

O poema "pombo correio" retrata uma cena em que um grupo de garotos observa a chegada de um pombo-correio cansado e confuso, que voa baixo e se entrelaça entre folhas e galhos de uma árvore. Os garotos questionam qual seria a mensagem que o pombo trazia ou se ele teria se esquecido da razão de seu voo. 

Através dessa situação aparentemente simples, o poema levanta reflexões sobre temas como a comunicação, o amor, a desatenção e a busca por um propósito na vida. O pombo-correio é apresentado como símbolo de uma mensagem a ser entregue, possivelmente de amor, sugerindo um elemento romântico na história. No entanto, a mensagem é perdida ou esquecida, deixando no ar uma sensação de mistério e indagação.

A figura da senhora que salva o pombo e acaricia suas plumagens é uma representação de cuidado e proteção. Ela lhe dá atenção e ternura, assim como os pequenos garotos poderiam fazer, mesmo que de forma desastrada. Por sua vez, a referência aos sonhos municipais e ao Exército em manobras sugere uma tentativa de relacionar o cotidiano com os acontecimentos maiores e mais sérios da vida.

A presença da Rua Noel Rosa como cenário ajuda a ambientar a narrativa, evocando o ambiente urbano e, possivelmente, remetendo a elementos da cultura brasileira, como o samba. A menção à perda de mensagens importantes e segredos de Estado que se tornam invioláveis ressalta a fragilidade da comunicação e a decepção que pode ser causada pela falta de recebimento de uma mensagem esperada.

No último trecho, a referência ao senhor Manuel Duarte e aos pombos militares que não têm um destino definido mostra que, assim como o pombo-correio, todos nós buscamos um propósito em nossas vidas. A sensação de desorientação, perda e busca por respostas permeia toda a narrativa, criando uma atmosfera de incerteza e inquietação.

Os poemas de Carlos Drummond de Andrade são verdadeiras obras-primas da literatura brasileira. Sua escrita é profunda, sensível e poética, capturando os mais diversos aspectos da condição humana. Uma característica marcante de seus poemas é a sua capacidade de abordar temas universais de maneira singular, encontrando beleza nos detalhes do cotidiano.

Além disso, Drummond de Andrade apresenta uma linguagem única e uma habilidade única de contar histórias através de seus versos. Seus poemas têm o poder de transportar o leitor para outros lugares, tempos e emoções, despertando sentimentos e reflexões profundas.

Outro aspecto admirável nos poemas de Drummond de Andrade é a sua constante inovação estilística. O poeta é capaz de experimentar diferentes formas e técnicas poéticas, elevando a sua escrita a outro nível de originalidade e criatividade.

É impossível não se encantar com a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Seus versos são atemporais, tocando o coração de leitores de todas as gerações. Sua contribuição para a literatura brasileira é inestimável e seus poemas continuarão a nos inspirar e emocionar por muitos anos.

[RESENHA #673] O menino do dedo verde, de Maurice Druon

APRESENTAÇÃO

Tistu não é uma criança como as outras. Ele os empurra seus polegares verdes para dentro da terra e coisas mágicas acontecem! Encantador e sensível como O pequeno principe, O menino do dedo verde é um clássico da literatura francesa para crianças grandes e pequenas. 

Era uma vez Tistu...Um menino diferente de todo mundo. Com uma vidinha inteiramente sua, o pequeno de olhos azuis e cabelos loiros, deixava impressões digitais que suscitavam o reverdecimento e a alegria. As proezas de seu dedo verde eram originais e um segredo entre ele e o velho jardineiro, Bigode, para quem seu polegar era invisível e seu talento, oculto, um dom do céu.

O menino do dedo verde encanta gerações de leitores no Brasil e no mundo, há pelo menos cinco décadas, com a mensagem de esperança do menino que transforma tudo o que toca. A mágica história de Tistu, garoto com raro poder de semear o bem por onde passa, é uma aventura fantástica com final singelo e extraordinário. 

RESENHA

O menino do dedo verde é um clássico da literatura que ganhou fama global por tratar de assuntos sérios repletos de questões humanitárias e filosóficas de forma clara e inocente. Lançado originalmente em francês em 1957, a obra consagrou-se como uma das obras necessárias para se ler antes de morrer, ainda que não tenha obtido o mesmo status que o livro o pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, o livro mostra-se prolífico na arte de transmitir valores à todas as gerações. Druon através de sua obra tece críticas ao modelo educacional vigente, as particularidades de cada criança, a inocência inexplorada, a incapacidade dos adultos em compreender os dons e talentos das crianças, bem como a pluralidade de dons individuais de cada aluno em sala de aula.

A obra fala sobre Tistu, batizado originalmente de João Batista. O garotinho relutou com a escolha do nome ainda bebê, ele chorava e berrava, porém, seu nome permaneceu. Então com o tempo, como se tudo confirmasse, as pessoas não se habituaram ao seu nome, então ele foi apelidado de Tistu. 

Nesse dia, como quase todos os bebês em idênticas circunstâncias, o coitadinho protestou, gritou, ficou vermelho de chorar. Mas as pessoas grandes, que não compreendem os protestos dos recém-nascidos e teimam em sustentar suas idéias pré-fabricadas, garantiram com a maior firmeza que o menino se chamava mesmo João Batista. Mas em seguida, mal a madrinha de manga comprida e o padrinho de chapéu preto o recolocaram no berço, deu-se um fato curioso: as pessoas grandes já não conseguiam pronunciar o nome que lhe haviam dado, e puseram-se a chamá-lo de Tistu.

Tistu não gostava de estudar, ou não entendi bem as aulas, o que o fazia adormecer entre as aulas, e claro, ser expulso, por não ser considerado com os outros. O episódio fez com que  Sr. papai, o coloque para ter aulas particulares com o Sr. Trovão, gerente da fábrica de canhões do pai, bem com o jardineiro da fábrica, bigode. Por mais que o garoto não se empenhe nas aulas escolares, ao ter toda atenção para o seu ensino em casa, o garoto começa a desenvolver e construir pensamentos e comentários cada vez mais ácidos acerca da humanidade, ecologia e sobre os homens.

A partir deste ponto, o autor começa a construir uma poética acerca da existência de características pré-moldadas e consistentes, como as escolhas que não fazemos ou a decisões que outras pessoas tomam por nós (como a escolha de nosso nome), bem como a finitude de informações e opiniões que se formam no decorrer de nossa vida. Assim, Tistu começa a se mostrar insatisfeito e começa a questionar a realidade através dos estudos e de sua vivência com o Sr. Bigode, o jardineiro da fábrica de canhões de seu pai.

Então, o Sr. Bigode nota que o garoto possui um talento inexplorado e curioso: ele possui a ponta dos dedos verdes, entre outras palavras, flores eram concebidas em toda superfície ao serem tocadas pelo garoto, despertando a admiração do Sr. Bigode, que decide manter o talento do garoto em segredo.

Após conhecer a realidade existente em locais como cadeia e hospitais, através de suas conversas com o Sr. Bigode, o garoto decide que, talvez, a tristeza destas pessoas possam ser amenizadas de alguma forma. Ele então decide silenciosamente fazer com que flores brotem nestes locais, tudo veladamente. A iniciativa do garoto faz com que os encarcerados pelas cadeias afetadas por sua iniciativa desistam da fuga, bem como em hospitais.  

O Sr. papai fazia questão de frisar que a Fábrica de canhões era uma excelente iniciativa, que, como sabemos, era o sustento principal da família, mas as palavras do Sr. papai já não ecoavam com os efeitos esperados sobre o garoto:

— Tistu, meu filho, nosso negócio é excelente. Canhão não é como guarda-chuva, que ninguém quer comprar quando faz sol. Ou como chapéu de palha, que fica na vitrina quando chove. Canhão sempre se vende, seja qual for o tempo!

Tistu decide mostrar publicamente seu talento e começa auxiliar o pai em um novo negócio: uma fábrica de flores, porém, ele se abala ao ouvir de seu pai que o jardineiro que o fez refletir tanto sobre a vida e participou de sua educação, estava dormindo. Esta alegoria fez com que o garoto ficasse triste e confuso. Tituse decide, que, talvez, o Sr. Bigode precisava revê-lo, então ele constrói uma escada de flores até o céu para visitá-lo, o que claro, provoca grande alegria no Sr. Bigode, mas tristeza profunda em todos os que ficaram abaixo da escada, uma vez que Tistu faleceu.

O AUTOR

Maurice Druon nasceu no ano de 1918, na capital da França, Paris. Uma curiosidade do autor é que um de seus antepassados também era escritor e tinha nacionalidade brasileira. Odorico Mendes, bisavô de Druon, trabalhava como jornalista e político, além de escrever e traduzir obras famosas.

No entanto, Odorico Mendes não era o único parente de Maurice que tinha relação com a literatura. O autor Joseph Kessel era um dos tios de Druon, e juntos escreveram o “Canto dos Partidários”, que serviu como hino para grupos de resistência na Segunda Guerra Mundial.

Foi em 1946, então, que Maurice Druon se consagrou nos livros, ganhando o Prêmio Goncourt pela obra As Grandes Famílias, junto a diversos outros prêmios que chegaram para prestigiar a famosa novela.

Além de O Menino do Dedo Verde, outras obras que se destacaram na carreira de Druon são a série Os Reis Malditos e, como já citada, As Grandes Famílias, que com certeza irão agradar os fãs do escritor.

[RESENHA #598] o fim do mundo, de Upton Sinclair


APRESENTAÇÃO

Lanny Budd, protagonista deste O fim do mundo, é um jovem americano que nunca pisou nos Estados Unidos. Nasceu na Suíça e cresceu na Riviera Francesa; seus melhores amigos são um inglês e um alemão. A verdade é que Lanny é um cidadão do mundo, e ele sabe disso no fundo do seu coração. Mas será no decorrer de sua vida, ao testemunhar a própria História, que Lanny Budd se provará um grande emissário da humanidade no século XX.

Este é o mote de O fim do mundo, de Upton Sinclair, um dos mais célebres escritores americanos. Jornalista investigativo e ganhador do Prêmio Pulitzer de Ficção, Sinclair mescla, com maestria e exatidão, fatos e personalidades históricos a um enredo ficcional singular. O resultado é um romance de formação liderado por Lanny Budd, que, com seu olhar curioso, apresenta a leitores e leitoras os paradoxos e as complexidades de um século de disputas políticas, econômicas e éticas.

Junto de Lanny, testemunhamos os eventos que transformarão os rumos da História. Serão apresentados os sentimentos de uma época que permitiram tanto as emoções do jazz quanto os temores dos primeiros bombardeios aéreos. Lanny Budd presencia, em posição privilegiada, a Primeira Guerra Mundial, os bastidores do Tratado de Versalhes, entre outros acontecimentos, enquanto vive dramas individuais e angústias cotidianas – muito próximas das atuais. O fim do mundo é um romance para todos, uma oportunidade para observar um passado que o presente ainda espelha.

Um livro atemporal como os próprios conflitos humanos, este romance é indispensável para quem se interessa por grandes leituras históricas que propõem-se a adentrar em grandes acontecimentos mundiais cujo enredo, tal qual uma boa ficção, são cheios de reviravoltas dignas de serem recontadas inúmeras vezes, pois, esquecê-las, seria um perigo.

RESENHA

O fim do mundo, ou world ends [título da versão americana] é um romance publicado pela primeira vez em 1940 e reeditada pela editora José Olympio, selo do Grupo Editorial Record no Brasil, em 2023. A obra é o primeiro volume de uma série de onze livros que narram a história de seu protagonista Lanny Budd. As obras somam um total de mais de sete mil páginas e percorrem diferentes períodos da história da humanidade, tendo seu apogeu narrando a primeira e segunda parte da primeira guerra mundial.

A ordem da série de livros Lanny Budd, Upton Sinclair:

  1. Fim do mundo [World's ends,1940]
  2. Entre dois mundos [Between Two Worlds,1941]
  3. Dentes de dragão [Dragon's Teeth, 1942]
  4. Largo é o portão [Wide Is the Gate, 1943]
  5. Agente presidencial [Presidential Agent, 1944]
  6. Colheita do dragão [Dragon Harvest, 1945]
  7. Um mundo para ganhar [A World to Win, 1946]
  8. Missão presidencial [Presidential Mission, 1947]
  9. Uma chamada Clara [One Clear Call, 1948]
  10. Ó pastor, fala! [O Shepherd, Speak!, 1949]
  11. O retorno de Lany Budd [The Return of Lanny Budd, 1953]

A RESENHA A SEGUIR CONTÉM REVELAÇÕES SOBRE O ENREDO

Lanny Budd, um garoto de treze anos que passa o verão de 1913 em uma escola de música perto de Dresden. Ele faz amizade com Kurt Meissner, descendente de uma família governante alemã, e Rick Pomeroy-Nielson, filho de um visconde inglês. O autor, Upton Sinclair, narra a história de Lanny e seus amigos ao longo de várias décadas turbulentas na série de onze volumes.

Lanny foi criado na Riviera Francesa por sua mãe, Beauty, enquanto seu pai, Robbie, visitava regularmente para vender armas fabricadas pela família Budd Gunmakers. Embora Robbie nunca tenha se casado com Beauty, ele estabeleceu um fundo para que eles morassem em uma villa à beira-mar em Juan-les-Pins, perto de Cannes. Lanny cresceu sem educação formal, mas teve acesso a idiomas, música e a sociedade dos amigos ricos de Beauty. Robbie ensinou a Lanny história e diplomacia, habilidades necessárias para vender armas às potências europeias. No entanto, Basil Zaharoff, um concorrente perigoso, planeja absorver a empresa Budd e comanda o gigante de armas Vickers.

A vida idílica de Lanny é interrompida por incidentes desconcertantes. Robbie fica furioso ao descobrir que o irmão de Beauty, Jesse, apresentou Lanny a seguidores do sindicalismo. Durante uma viagem de trem de volta para casa após visitar a família de Kurt, um social-democrata adverte Lanny sobre a condição de escravidão dos plebeus na Silésia e aconselha-o a evitar certos aristocratas prussianos, incluindo o pai de Kurt. No mesmo trem, Lanny conhece Johannes Robin, um empreiteiro judeu de Roterdã, o que o faz questionar a ausência de judeus em sua vida até então. De volta à França, um barão russo em quem Lanny confiava o atrai e o agride. Diante dessas novas questões, Beauty contrata um psiquiatra e um tutor para Lanny. Ele absorve o novo conhecimento e descobre que o amigo pintor de Beauty, Marcel Detaze esconde um segredo intrigante.

Lanny, Rick e Kurt se encontram em Londres para assistir a peças e óperas. Lanny é assaltado em uma favela pobre perto do hotel chique de Beauty. Sentado perto do Royal Box em Ascot Racecourse, Lanny pergunta a Rick se o rei está ciente da pobreza. Rick sugere que a educação vai curar a pobreza. Kurt diz que a pobreza não é permitida na Alemanha. Os meninos discutem sexo. Chega a notícia de que o arquiduque Franz Ferdinand da Áustria foi assassinado em Sarajevo. Os amigos concordam que tais assuntos são irrelevantes para sua busca pela arte, mas uma mensagem instrui Kurt a voltar para casa imediatamente. Antes de deixar a Inglaterra, Lanny se apaixona por Rosemary, uma bela aristocrata inglesa.

Lanny e Beauty encontram Robbie em Paris quando a guerra começa. Marcel se junta ao exército francês. Lanny ajuda a transcrever novos pedidos em código Budd para fiação. Rick se torna um piloto de caça britânico; Kurt se junta ao exército alemão. Marcel fica gravemente ferido, mas sobrevive para se casar com Bela. Para consternação de Beauty, Marcel se alista novamente e não se ouve mais falar dele. Robbie permanece neutro na guerra; ele diz que o verdadeiro objetivo da guerra é o petróleo. 

A partir deste ponto, a narrativa ganha ainda mais corpo e forma e torna toda a trama ainda mais intensa e intrigante, o desenvolvimento dos personagens é algo palpável e torna a leitura fluida e misteriosa. Espero ansiosamente, que a editora José Olympio lance todos os volumes desta aventura. Indicado para todos, sem exceção. 

O AUTOR

Upton Beall Sinclair, Jr. foi um autor americano que escreveu cerca de cem livros em vários gêneros. Ele alcançou popularidade na primeira metade do século XX, adquirindo fama particular por seu romance clássico de denúncias, The Jungle (1906). Para reunir informações para o romance, Sinclair passou sete semanas trabalhando disfarçado nos frigoríficos de Chicago. Essas experiências diretas expuseram as terríveis condições na indústria de embalagem de carne dos EUA, causando um alvoroço público que contribuiu em parte para a aprovação, alguns meses depois, da Lei de Alimentos e Medicamentos Puros de 1906 e da Lei de Inspeção de Carne. The Jungle permaneceu continuamente impresso desde sua publicação inicial. Em 1919, ele publicou The Brass Check, uma denúncia do jornalismo americano que divulgou a questão do jornalismo amarelo e as limitações da “imprensa livre” nos Estados Unidos. Quatro anos após a publicação inicial de The Brass Check , o primeiro código de ética para jornalistas foi criado. A revista Time o chamou de "um homem com todos os dons, exceto humor e silêncio". Em 1943, ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção.


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