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[RESENHA #615] O homem que compreendeu a democracia: A vida de Alexis de Tocqueville, de Oliver Zunz

APRESENTAÇÃO De origem nobre e nascido no final do turbulento período de Terror da Revolução Francesa, Alexis de Tocqueville teve muitos de seus familiares presos e até mortos na guilhotina no período que antecedeu o estabelecimento da Primeira República Francesa, em 1794. E mesmo testemunhando o morticínio que levou à mudança de regime, foi uma voz importante de defesa do sistema democrático em detrimento da aristocracia. Em 1831, aos 25 anos, Alexis de Tocqueville viajou para os Estados Unidos e observou a realidade palpável de uma democracia em funcionamento. Impactado pelos acontecimentos de seu tempo, tornou-se um estudante apaixonado e participante ativo da política liberal, passando a dedicar sua vida e carreira de escritor e político para acabar com o despotismo na França e levar o país a uma nova era democrática. Olivier Zunz, um dos maiores especialistas em Tocqueville, observa as tentativas desse grande pensador de aplicar as lições de sua obra clássica  A democracia na ...

[RESENHA #614] Vento de queimada, de André de Leones

APRESENTAÇÃO Vento de queimada conta a história de Isabel, historiadora por formação e matadora por deformação. Seu pai, um ex-policial pistoleiro ― ou um pistoleiro ex-policial, já que não há como saber o que veio primeiro ―, trabalha para figuras poderosas e influentes no estado de Goiás. A relação dos dois, assim como suas práticas e seus hábitos, não é estruturada de maneira convencional ― neste vínculo, não se sabe quem é responsável por quem, quem deve ser exemplo para quem. O pai, por ser quem é e por fazer o que faz, de tempos em tempos expõe a filha a incidentes que não lhe dizem respeito, inserindo-a num trágico ambiente de ganância e violência. Estamos nos estertores da ditadura militar, no coração da república, e Isabel se vê cercada por “homens de bem” dos mais diversos tipos. E, às vezes, em ambientes assim, só é possível alcançar a saída atirando. Autor de romances excepcionais, como Eufrates e Hoje está um dia morto (vencedor do Prêmio SESC de Literatura), André de Leon...

[RESENHA #613] Enquanto houver limoeiros, de Zoulfa Katouh

APRESENTAÇÃO Salama Kassab era estudante de farmácia quando os gritos pela liberdade irromperam na Síria. Ela ainda tinha os pais e o irmão mais velho. Ela ainda tinha um lar e uma vida normal de jovem. Agora, Salama é voluntária em um hospital em Homs, ajudando os feridos que chegam sem parar. Secretamente, porém, está desesperada para encontrar um jeito de sair de seu país adorado antes que sua cunhada, Layla, dê à luz. Tão desesperada que manifestou a personificação de seu medo na forma de Khawf, uma entidade que a acompanha a cada movimento no esforço de mantê-la segura. Mas, mesmo com Khawf pressionando-a para deixar a Síria, Salama está dividida entre a lealdade ao seu país e o impulso de sobreviver. Ela terá que enfrentar tiros e bombas, ataques militares e seu próprio senso de moralidade antes de finalmente respirar em liberdade. E, quando o caminho dela cruza com o de Kenan ― um garoto que ela deveria ter conhecido em uma ocasião bem diferente ―, Salama começa a questionar a d...

[RESENHA #612] Guaporé, de Eurico Cabral

APRESENTAÇÃO Em Guaporé, Eurico Cabral convida o leitor a uma imersão pela mataria sertaneja e suas estórias de vozes enredadas, entrelaçadas. Através de uma narração que flui em contínua alternância, aos poucos se desvelam as personagens que, de maneira ou de outra, rodeiam a trágica história de Tião e Luz, núcleo central do romance. Tião é um retirante piauiense que, após uma infância subnutrida, chega ao sertão mato-grossense para trabalhar como vaqueiro. Sua família, ao ser enviada para tomar conta de uma estância isolada de tudo, o Retiro do Rio Verde, localizado entre a mata e o rio Guaporé, se torna cada vez mais desgostosa com a vida exilada; exceto por Luz, a filha mais nova. A esposa Zeferina e o filho Leovirson acabam por abandonar aquele fim de mundo e deixar sozinhos, junto às árvores e aos bichos, o pai e a filha, em sua relação terna, solidária e cúmplice, até que uma sucessão de desdobramentos moralmente complexos, trágicos e conflitantes põe fim à tranquilidade da vida...

[RESENHA #611] Maomé, o transformador do mundo, de Mohamad Jebara

APRESENTAÇÃO Esta é uma biografia acessível e nova do fundador do islamismo. Nela, o estudioso Mohamad Jebara reúne detalhes há muito conhecidos dos eruditos muçulmanos, mas inacessíveis ao grande público e no traz a envolvente história de Maomé. A narrativa de seu dramático nascimento, do episódio em que quase foi sequestrado e escravizado, e do complô para assassiná-lo mostra como ele se transformou em um homem incansável no cumprimento de sua missão. O autor também insere a vida de Maomé em um contexto histórico mais amplo, detalhando como era a sociedade de Meca, onde o profeta nasceu, e demonstrando assim que sua visão inovadora ajudou a moldar o mundo moderno. RESENHA Maomé, o transformador do mundo, é, antes de mais nada, uma biografia acessível, sobre o profeta fundador do Islã, traçando seu desenvolvimento de órfão a líder político e fornecendo insights sobre sua vida e gostos pessoais. Diferente de outras obras a respeito de líderes religiosos, esta, baseia-se, sobretudo, na ...

[RESENHA #610] Mil placebos, de Matheus Borges

APRESENTAÇÃO E se o “homem do subsolo” de Dostoiévski tivesse acesso aos fóruns do 4chan? E se Poe, na hora de conceber suas novelas policiais, tivesse acesso aos futuros psicopatológicos que povoavam a mente de Ballard? E se nada disso fosse necessário, pois o capitalismo alienante e o submundo tecnológico estivessem levando, agora mesmo, jovens como o narrador deste livro a percorrerem o percurso trágico da solidão do espírito à desagregação mental, culminando em atos de violência impensável? Questões como essas podem vir à mente do leitor que acompanha a trajetória do protagonista desse romance, um rapaz introspectivo e antissocial, mas de aguda percepção acerca das contradições da pós-modernidade, que cai na toca de coelho dos fóruns da internet. Quando a garota por quem é apaixonado tem um fim trágico e o administrador de seu fórum favorito desaparece misteriosamente, ele se deixa levar por impulsos investigativos que colocam em risco sua rotina e sua lucidez, para não dizer sua p...

[RESENHA #609] Terebentina, de Alexandre Gil França

APRESENTAÇÃO Alguns livros buscam a linha reta, a promessa organizada de um começo, meio e fim, não necessariamente nessa ordem, porém razoavelmente garantidos na organização mental de quem se dispõe a ler. Mas há alguns livros que parecem se deleitar com a matéria irracional do mundo; nesses livros, as estórias se espraiam caoticamente (ou numa “caosmose”, como conceituava Félix Guattari): uma invade a outra, sem compreendermos bem se há ali qualquer relação causal, se estão mesmo concomitantes, ou se o próprio tempo ameaça ver sua trama se esgarçar diante dos nossos olhos. É o caso desta Terebentina de Alexandre Gil França, em que a promessa de um livro de contos logo se torna uma espécie de labirinto no qual a prosa narrativa abre lugar ao modelo de um script cinematográfico ou de roteiro teatral, por vezes hesitante entre a prosa e o verso, e muitas vezes aceitando um narrador (ou roteirista) que invade o texto como um eu que altera os fatos que ele mesmo organiza. E cada coisa aco...

[RESENHA #608] Variação linguística na escola, Orgs. Joyce Elaine e Stella Maris

APRESENTAÇÃO Este livro, voltado a professores da educação básica, traz propostas inovadoras para o trabalho com o português em sala de aula. Visando romper com o preconceito linguístico e apresentar a diversidade de nossa língua, o manual divide-se em uma parte teórica e em uma parte prática com questões para serem aplicadas aos alunos. Uma ferramenta importante para um ensino que respeite as diferenças e não crie estigmas em relação às várias línguas que falamos e ouvimos. RESENHA A obra "Variação Linguística na Escola", organizada por Joyce Elaine de Almeida e Stella Maris Bortoni-Ricardo, destaca a importância do ensino inclusivo das diferentes variedades linguísticas encontradas no ambiente escolar. Lançada pela editora Contexto em 2023, a obra explora a complexidade da variação linguística e a necessidade de uma prática docente mais abrangente para lidar com essa diversidade. A introdução da obra ressalta que a língua brasileira não é inflexível, mas sim passível de tra...

[RESENHA #607] Brincando de Deus, de Beth Shapiro

APRESENTAÇÃO A natureza nunca mais foi a mesma depois que o homem surgiu. Nossos ancestrais caçaram, poluíram e levaram centenas de espécies à extinção. Transformaram lobos em cães Boston terriers, repolho selvagem em couve e brócolis. À medida que nossos ancestrais aprenderam a caçar, a domesticar animais e a viajar, suas ações e seus deslocamentos criaram condições para que as espécies se adaptassem e evoluíssem. Porém, as mudanças recentes são diferentes. As biotecnologias atuais nos permitem interferir em espécies com mais rapidez e precisão do que nossos ancestrais. A inseminação artificial, a clonagem e a edição de genes melhoram o controle sobre o DNA que é passado para a próxima geração, aumentando ainda mais o poder da intervenção humana como força evolutiva. Nosso poder de mudar as espécies é maior do que nunca, e devemos reconhecer, aceitar e aprender a controlá-lo. Em um livro instigante, a bióloga evolucionista Beth Shapiro nos mostra como chegamos aonde chegamos e quais o...

[RESENHA #606] Morada em edição, de Priscilla Pinheiro

APRESENTAÇÃO O livro Morada em edição aborda a questão de um corpo que faz morada em aspectos materiais e emocionais de uma casa, mas que assim como as casas mudam, esse corpo também se vê passando por transformações ao longo da rotina, percebendo o mundo ao seu redor por meio de pequenas coisas do cotidiano, memórias que retornam pelas brechas do tempo e outras possibilidades de habitar. Os poemas de Morada em edição trazem muitos aspectos regionais do Ceará e da região Nordeste, trata da família, moradia, transformações, a passagem do tempo, as ausências e os encontros no cotidiano, abrindo outras janelas sobre o que nos envolve para além das paredes e dos móveis, o que fica entre uma mudança e outra, os costumes e diálogos entre gerações de mulheres e os deslocamentos que podem ser feitos dentro do espaço da casa, mas que impulsionam para o mundo e outras formas de se entender como um corpo-morada. RESENHA M orada em edição é um emaranhado poético escrito pela autora cearense Prisci...