Resenha: Sucesso pessoal, de Brian Tracy



O livro "Sucesso Pessoal", de Brian Tracy, explora as razões pelas quais certos indivíduos alcançam um sucesso notável em suas carreiras, enquanto outros permanecem estagnados, independentemente de sua inteligência ou habilidades inatas. Tracy inicia seu argumento desafiando a noção de que a inteligência, medida pelo QI, é o principal determinante do sucesso financeiro. Ele menciona um estudo que revela que a diferença de renda entre os participantes não está necessariamente relacionada às suas capacidades intelectuais, mas sim a fatores como habilidades pessoais, dedicação ao trabalho, aprendizado contínuo e gestão eficaz do tempo.

Um dos conceitos centrais discutidos é o "princípio de Pareto", que sugere que uma pequena porcentagem da população (20%) detém a maior parte da riqueza (80%). Tracy explica que essa desigualdade se deve a pequenas diferenças em competências e habilidades que podem resultar em grandes variações nos resultados. Ele introduz o "conceito da margem de vitória", que postula que até mesmo pequenas vantagens em áreas cruciais podem levar a resultados desproporcionais. Usando a analogia de uma corrida de cavalos, ele ilustra que a diferença entre o primeiro e o segundo colocados pode ser mínima, mas suficiente para determinar um vencedor e, consequentemente, um prêmio significativamente maior.

Tracy enfatiza que tudo conta em nossa jornada para o sucesso. Ele apresenta a "lei da acumulação", que afirma que cada decisão e ação, por menor que seja, se acumula ao longo do tempo e contribui para o nosso sucesso ou a falta dele. Portanto, o autor propõe que, ao adotar consistentemente as 21 ideias apresentadas em seu livro, os leitores podem superar deficiências que os impedem de progredir e alcançar um nível de sucesso superior ao que jamais imaginaram possível. 

O livro apresenta um convite à ação, incentivando os leitores a refletirem sobre suas próprias habilidades e a implementarem as estratégias discutidas, com a certeza de que cada pequeno passo conta em direção ao sucesso pessoal e profissional.

Na obra, o autor explora o princípio da causalidade, introduzido por Aristóteles, que afirma que não existem eventos aleatórios, mas sim uma relação de causa e efeito em tudo o que acontece. Essa perspectiva sugere que as experiências vividas por um indivíduo são resultado de causas específicas, e para alterar os efeitos de sua vida, é necessário mudar as causas subjacentes. Em outras palavras, para modificar o que se manifesta externamente, deve-se primeiramente transformar o que se permite entrar internamente.

Para o autor, a lei da causa e efeito é uma das regras fundamentais do pensamento ocidental, sendo aplicável em diversas áreas como matemática, ciência e negócios. Essas leis naturais são universais e atuam consistentemente, independentemente do conhecimento ou aceitação que uma pessoa tenha delas. Assim, compreender essas leis e adaptar o comportamento a elas se torna essencial para que possam ser utilizadas a favor do indivíduo.

Três principais leis mentais são apresentadas:

1. A Lei da Crença: Esta lei propõe que as crenças, especialmente aquelas sentidas com emoção, se tornam a realidade de uma pessoa. A afirmação de Wayne Dyer, "Você não acredita no que vê; você vê aquilo em que já decidiu acreditar", ilustra bem essa ideia. As crenças não são inatas; são aprendidas ao longo da vida. Cada pessoa carrega crenças positivas e negativas, sendo as autolimitantes as mais prejudiciais, pois podem restringir o potencial e o sucesso. O autor enfatiza a importância de desafiar essas crenças autolimitantes para alcançar todo o potencial.

2. A Lei da Atração: Segundo esta lei, os indivíduos atuam como "ímãs vivos", atraindo pessoas e circunstâncias que se alinham com seus pensamentos predominantes. O que se possui na vida é resultado do tipo de pessoa que se é, o que implica que, ao mudar os próprios pensamentos, é possível alterar a realidade. O autor destaca que a renda de uma pessoa frequentemente reflete a média das cinco pessoas com as quais ela mais convive, ressaltando a influência significativa do ambiente social sobre as crenças e sentimentos.

3. A Lei da Correspondência: Esta lei estabelece que o mundo exterior é um reflexo do mundo interior. A forma como um indivíduo percebe e se relaciona com o mundo é um espelho de suas crenças e pensamentos internos. Portanto, para mudar a realidade externa, é necessário primeiro transformar a vida interior.

O autor segue enfatizando que o sucesso e as experiências de vida são moldados por crenças, pensamentos e o ambiente social. Para alcançar um potencial maior, é crucial desafiar crenças limitantes, adotar uma mentalidade positiva e reconhecer o impacto do ambiente nas próprias percepções e resultados. A mudança interior é, portanto, o primeiro passo para transformar a realidade exterior. 

No relato apresentado, o autor compartilha sua jornada pessoal em busca do sucesso financeiro, inicialmente almejando se tornar milionário aos 30 anos, mas enfrentando dificuldades até os 35 anos. Durante esse período, ele começou a dar palestras sobre sucesso pessoal e, ao ser convidado a falar sobre como se tornar um milionário empreendedor, percebeu que não tinha um conhecimento profundo sobre o tema. Essa realização o motivou a pesquisar extensivamente sobre milionários e suas trajetórias.

A pesquisa revelou que 85% dos milionários entrevistados atribuíam seu sucesso ao trabalho árduo. Muitos afirmaram que, embora não tivessem se destacado academicamente ou vindo de famílias ricas, estavam dispostos a trabalhar mais do que qualquer outra pessoa. O trabalho árduo emerge como o fator comum entre pessoas de sucesso, e o autor recomenda que, para se destacar, é necessário exceder as expectativas e dedicar mais tempo e esforço ao trabalho.

O livro também discute a questão da desigualdade econômica, afirmando que as pessoas e famílias mais bem-sucedidas tendem a trabalhar muito mais horas do que as menos bem-sucedidas. As pessoas no quintil mais rico dos Estados Unidos trabalham, em média, 60 horas por semana, enquanto as do quintil mais baixo trabalham menos de 20 horas. Essa diferença de dedicação e esforço contribui significativamente para as disparidades de renda.

O autor enfatiza a importância de utilizar o tempo de trabalho de maneira produtiva, evitando distrações e aproveitando cada momento para ser mais eficiente. Ele aponta que a maioria dos funcionários desperdiça cerca de 50% do seu tempo em atividades não produtivas. Os profissionais de alto desempenho, por sua vez, se comprometem a trabalhar continuamente em tarefas prioritárias. Ele sugere que um exercício prático para quem deseja se destacar no ambiente de trabalho é se esforçar para ser reconhecido como o funcionário mais dedicado. O autor conclui com duas ações concretas: começar a trabalhar uma hora mais cedo todos os dias e concentrar-se em tarefas importantes logo pela manhã, o que pode dobrar a produtividade e melhorar o desempenho.

Em essência, a obra enfatiza que o trabalho árduo, a dedicação e a gestão eficaz do tempo são fundamentais para alcançar o sucesso e que pequenas mudanças na abordagem de trabalho podem gerar grandes resultados ao longo do tempo.

A obra aborda a importância de se comprometer com a excelência em sua área de atuação como a chave para o progresso rápido e significativo no ambiente de trabalho. O autor enfatiza que o desempenho superior é fundamental para se destacar em qualquer profissão, sugerindo que os indivíduos devem estabelecer altos padrões para si mesmos e evitar comprometer a qualidade do seu trabalho.  O autor diferencia entre duas "guerras" no mundo empresarial: a guerra do desempenho e a guerra da política. O autor recomenda que os profissionais escolham focar no desempenho, evitando jogos políticos que, embora possam proporcionar vantagens temporárias, não sustentam o sucesso a longo prazo. Indivíduos que priorizam a qualidade do seu trabalho e buscam continuamente a melhoria tendem a superar aqueles que se envolvem em política de escritório.

Para alcançar o sucesso, o autor propõe um modelo de negócio pessoal que envolve três fatores principais: o que, quem e como. 

1. O que: Refere-se à "oferta de valor", que é a contribuição única que um profissional traz para a empresa. É crucial identificar e desenvolver habilidades que tornem o trabalhador indispensável.

2. Quem: Diz respeito ao cliente ou à pessoa que se beneficia do trabalho realizado. Este cliente pode ser um superior, colegas ou clientes externos. O foco deve estar em alinhar as habilidades do profissional com as necessidades específicas do cliente.

3. Como: Refere-se à maneira como os resultados são apresentados. A capacidade de concentrar-se em um resultado importante e entregá-lo com excelência é essencial para se destacar na carreira.

O autor destaca que o desempenho excepcional atrai a atenção dos superiores e que, após os primeiros anos de trabalho, o que realmente importa é a competência demonstrada. Ele conclui que investir na qualidade do próprio trabalho e no desenvolvimento contínuo levará a oportunidades e reconhecimento mais rapidamente.

Por fim, a obra propõe dois exercícios práticos: primeiro, identificar uma área onde a excelência pode trazer maior valor à empresa e dedicar-se a se tornar excelente nessa área; segundo, identificar atividades em que o profissional não é bom ou que não lhe interessam e buscar formas de delegá-las, permitindo que ele se concentre nas tarefas que terão maior impacto na carreira.

A obra "Sucesso Pessoal", de Brian Tracy, é uma leitura essencial para quem busca compreender os fatores que levam ao sucesso em ambientes profissionais e pessoais. Tracy, com sua experiência e conhecimento, oferece uma análise profunda das razões pelas quais alguns indivíduos alcançam um êxito notável, enquanto outros permanecem em situações de estagnação. Um dos pontos mais impactantes do livro é a desconstrução da crença de que a inteligência, medida pelo QI, é o principal determinante do sucesso financeiro. Em vez disso, o autor aponta para a importância de habilidades pessoais, dedicação ao trabalho e aprendizado contínuo como pilares fundamentais para o progresso.

Resenha: Gerenciamento de tempo, de Brian Tracy

O livro gerenciamento de tempo, de Brian Tracy aborda a importância da gestão do tempo como um fator crucial para o sucesso na carreira de um executivo. O tempo é descrito como o recurso mais valioso e insubstituível, que, se mal gerido, pode levar a estresse, ansiedade e depressão. A organização do tempo é essencial não apenas para a eficácia pessoal, mas também para a saúde mental e a paz interior. O autor introduz os "quatro Ds da eficácia", que são fundamentais para um gerenciamento eficaz do tempo: Desejo, decisão, determinação e disciplina.

O autor ainda enfatiza que o sucesso está ligado à habilidade de gerenciar o tempo, diferenciando indivíduos de alto desempenho daqueles de baixo desempenho. A criação de bons hábitos é vista como essencial para alcançar a eficácia. O capítulo conclui que a gestão do tempo é, na verdade, a gestão da vida, e que essa competência pode ser aprendida e aperfeiçoada com prática e dedicação. A mensagem central é valorizar cada minuto da vida, utilizando-o da melhor forma possível para maximizar realizações. A forma como um indivíduo se percebe e se relaciona consigo mesmo é fundamental para a sua qualidade de vida, sendo a autoestima um componente central nesse processo. A autoestima, definida como o quanto alguém gosta de si, é influenciada pela eficácia no uso do tempo e no desenvolvimento do potencial pessoal. A autoeficácia, que se refere à percepção de competência e capacidade de resolver problemas, também está intimamente ligada à autoestima; quanto maior a autoeficácia, maior a autoestima, e vice-versa.

A psicologia do gerenciamento do tempo se baseia na lei do controle, que afirma que a sensação de bem-estar está relacionada ao sentimento de controle sobre a própria vida. A diferença entre um lócus de controle interno e externo é destacada; o primeiro refere-se à crença de que se é o mestre do próprio destino, enquanto o segundo implica ser controlado por fatores externos, levando a reações em vez de ações deliberadas. O autoconceito, que engloba as crenças e percepções sobre si mesmo, desempenha um papel crucial na maneira como um indivíduo gerencia o tempo. Pessoas com um autoconceito positivo em relação à organização e produtividade tendem a se considerar responsáveis e eficientes. Por outro lado, crenças negativas sobre a própria capacidade de gerenciar o tempo podem levar a hábitos indesejados, como a desorganização e a procrastinação. Assim, a mudança nas crenças sobre eficácia e eficiência é essencial para melhorar a gestão do tempo.

A obra enfatiza a importância de tomar decisões claras para melhorar a gestão do tempo e aumentar a produtividade pessoal. Através dos "quatro Ds" – desejo, decisão, determinação e disciplina – o indivíduo pode desenvolver hábitos de gerenciamento eficazes, como chegar pontualmente a reuniões. A mudança de hábitos começa com a decisão de se tornar um excelente gestor do tempo, seguida pela reprogramação do diálogo interno, onde se deve afirmar constantemente a própria organização e produtividade.

A visualização de si mesmo como um gestor eficiente é outra técnica recomendada. Imaginar comportamentos organizados e produtivos ajuda a moldar a realidade externa. Além disso, agir "como se" já fosse um bom gestor de tempo pode gerar uma sensação de eficiência.

A elaboração de uma lista diária de tarefas é apresentada como uma ferramenta fundamental para a gestão do tempo. Essa lista, que deve ser feita na noite anterior, permite ao indivíduo acordar preparado e revigorado. O método ABCDE é sugerido para priorizar as atividades, onde as tarefas são classificadas de acordo com suas consequências. As atividades são divididas em categorias: A (essenciais), B (importantes), C (interessantes) e D/E (de baixo valor).

O autor alerta que o desperdício de tempo, muitas vezes causado por interrupções e atividades de baixo valor, pode sabotar carreiras. Portanto, desenvolver bons hábitos e evitar distrações são essenciais para a eficácia no trabalho.

O autor apresenta diretrizes para otimizar o uso do tempo no ambiente de trabalho, enfatizando a importância de iniciar as atividades imediatamente ao chegar ao escritório, evitando distrações como conversas desnecessárias e navegação na internet. A minimização de interrupções é crucial; para isso, recomenda-se ser direto em ligações telefônicas e conversas, estabelecendo uma pauta clara antes de interações.

O autor sugere que, ao encontrar colegas, é eficaz levantar-se e conduzi-los para fora do escritório ou para uma sala de reuniões, estabelecendo limites de tempo para as discussões. Além disso, propõe que se questione os outros sobre como seu comportamento pode estar desperdiçando o tempo deles, o que pode resultar em insights valiosos para aumentar a eficiência. O conceito de equilíbrio é destacado como fundamental para a qualidade de vida. O autor argumenta que o gerenciamento do tempo deve focar não apenas na produtividade, mas também na melhoria da qualidade de vida, que depende de três fatores: a qualidade da vida interior, a saúde física e o cultivo de relacionamentos significativos. A reflexão pessoal, o autocuidado e a priorização das relações pessoais são essenciais para alcançar uma vida equilibrada e satisfatória. O texto conclui com a observação de que, em momentos críticos, as pessoas não desejam ter passado mais tempo no trabalho, mas sim valorizam os relacionamentos e experiências vividas.

No livro "Gerenciamento de Tempo", Brian Tracy não apenas apresenta uma abordagem sobre a gestão temporal; ele desafia os leitores a reavaliar suas vidas e suas prioridades. O tempo, segundo Tracy, é o recurso mais valioso que temos, e sua má administração pode resultar em uma espiral de estresse e insatisfação. Ele propõe que a verdadeira eficácia não reside apenas em fazer mais, mas em fazer o que realmente importa.

Tracy introduz os "quatro Ds da eficácia" — desejo, decisão, determinação e disciplina — como pilares fundamentais para qualquer executivo que aspire ao sucesso. Aqui, a decisão clara de transformar hábitos é o primeiro passo inegociável. O autor coloca em questão a complacência, instigando os leitores a se tornarem proativos na gestão de suas vidas em vez de meramente reagir às circunstâncias.

A obra também examina a interconexão entre autoestima e autoeficácia. Ao afirmar repetidamente a própria competência e organização, o indivíduo não apenas muda seu diálogo interno, mas molda sua realidade externa. A visualização e a autoafirmação se tornam ferramentas poderosas na jornada para se tornar um gestor do tempo eficaz.

A prática de elaborar uma lista diária de tarefas é apresentada como uma estratégia não apenas eficiente, mas essencial. Tracy não se limita a sugerir que se escreva uma lista; ele argumenta que essa prática pode ser transformadora, permitindo que o indivíduo comece o dia preparado e focado. O método ABCDE para priorização das atividades é uma ferramenta que desafia a superficialidade do cotidiano, forçando uma reflexão sobre o que realmente merece atenção.

No cerne da mensagem de Tracy, está a ideia de que o gerenciamento do tempo é, na verdade, a gestão da vida. A busca por produtividade não deve ser uma corrida desenfreada, mas uma maneira de aumentar a qualidade da vida. Ele adverte sobre os perigos das interrupções e da desorganização, apontando que o desperdício de tempo não é apenas um aborrecimento, mas um verdadeiro sabotador de carreiras.

Tracy conclui sua obra com um chamado à ação: a vida é curta demais para não ser vivida com equilíbrio e propósito. O verdadeiro sucesso, segundo ele, não é medido apenas pela produtividade, mas pela qualidade das relações e pela satisfação pessoal. A reflexão sobre o uso do tempo deve ser contínua e intencional, pois, no final das contas, é a conexão com os outros e as experiências vividas que trazem significado à vida. Em última análise, "Gerenciamento de Tempo" é um convite provocativo para que cada leitor se torne o arquiteto de seu próprio tempo e, consequentemente, de sua própria vida.

Resenha: 200 crônicas escolhidas, de Rubem Braga

 

SINOPSE

Rubem Braga conquistou os corações dos leitores com sua habilidade singular de tecer narrativas envolventes sobre o cotidiano brasileiro. Não à toa, seu nome é hoje sinônimo de crônica, estilo que o consagrou e que foi consagrado pelo autor. Com uma sensibilidade aguçada, ele explorou uma variedade de temas, desde questões políticas até a beleza da natureza, cativando uma legião de fãs ao longo das décadas.

Neste volume de 528 páginas, os leitores encontrarão uma coleção diversificada que reflete a multifacetada habilidade de Braga como cronista. Desde relatos do cotidiano até reflexões profundas sobre a condição humana, 200 Crônicas escolhidas proporciona uma jornada inesquecível pelos escritos de um dos mestres da crônica brasileira.

O crítico literário André Seffrin, responsável pela organização deste volume, mergulhou fundo no vasto repertório de Braga para oferecer aos leitores uma experiência literária abrangente e emocionante. Desde as crônicas mais antigas até aquelas publicadas postumamente, a seleção foi cuidadosamente concebida para representar o melhor do legado do escritor.

200 Crônicas escolhidas é, assim, mais do que uma antologia; é uma homenagem vibrante a um dos grandes mestres da literatura brasileira, apresentada de forma magistral pela Global Editora.

O livro faz parte de um amplo projeto da editora em renovar as publicações de Rubem Braga. Este novo volume é a culminância de uma iniciativa iniciada em outubro de 2021 com o lançamento de 50 Crônicas escolhidas; seguido, em setembro de 2022, por 100 Crônicas escolhidas; e, em março de 2023, com o livro 150 Crônicas escolhidas. A ideia é que os leitores possam ter à sua disposição antologias concebidas com extensões várias e pressupostos também distintos entre si. Um percurso irrecusável para todo aquele que deseja passear pelas mais sublimes manifestações literárias da perspicaz sensibilidade do cronista.

RESENHA

200 Crônicas Escolhidas, de Rubem Braga, é uma antologia que celebra a genialidade de um dos maiores cronistas da literatura brasileira. Com uma prosa leve e ao mesmo tempo profunda, Braga é capaz de capturar a essência do cotidiano de forma singular, transformando pequenas situações em reflexões sobre a vida, a sociedade e a condição humana. Nesta coletânea, o leitor é convidado a embarcar em uma jornada literária que abrange uma vasta gama de temas, desde a beleza da natureza até os desafios da vida urbana, passando por questões políticas e sociais que permanecem relevantes.

Entre as crônicas selecionadas, destacam-se textos como "As Meninas e Eu", onde o autor evoca um momento de simplicidade e beleza na praia, refletindo sobre a alegria pura e efêmera da infância. "A Menina Silvana" traz uma cena impactante da guerra, onde a fragilidade de uma menina se contrasta com a brutalidade do conflito, revelando a sensibilidade de Braga diante da dor e do sofrimento. Em "A equipe", ele revisita memórias de um time de futebol, onde a camaradagem e a nostalgia permeiam as recordações. "As Luvas" ilustra a busca pelo significado nas pequenas coisas, como um par de luvas que evoca a presença de uma mulher enigmática em sua vida. Por fim, "O telefone" apresenta uma crítica bem-humorada e mordaz à burocracia, mostrando o cotidiano do jornalista que precisa lidar com as absurdidades do seu ofício.

A seleção organizada pelo crítico literário André Seffrin é uma verdadeira homenagem ao legado de Braga. As crônicas escolhidas são cuidadosamente dispostas de maneira a mostrar a evolução do autor ao longo de sua carreira, permitindo que o leitor aprecie não apenas a maestria de sua escrita, mas também a profundidade de suas observações. A obra abrange desde textos clássicos até crônicas menos conhecidas, oferecendo um panorama abrangente da sensibilidade e da perspicácia do autor.

Um dos pontos altos de "200 Crônicas Escolhidas" é a capacidade de Braga de fazer o leitor refletir sobre a simplicidade das coisas. Suas palavras têm o poder de evocar emoções e despertar memórias, fazendo com que cada crônica ressoe de maneira pessoal. Braga consegue, com sua escrita delicada e humorística, transformar o banal em algo digno de nota, revelando as nuances da experiência humana.

Além disso, a obra demonstra a habilidade de Braga em conectar-se com seus leitores de forma íntima, utilizando uma linguagem acessível, mas rica em significado. Ele é um observador atento da vida ao seu redor, e suas crônicas transmitem essa visão aguçada, tornando-as atemporais.

A editora Global apresenta esta antologia de forma primorosa, contribuindo para a renovação das publicações de Rubem Braga. "200 Crônicas Escolhidas" é um convite irresistível para todos que desejam se aprofundar na obra deste mestre da crônica, proporcionando uma leitura prazerosa e enriquecedora. É uma chance de revisitar as sublimes manifestações literárias de Braga, que, mesmo décadas após sua publicação, continuam a ecoar na mente e no coração dos leitores.

Em suma, "200 Crônicas Escolhidas" não é apenas uma antologia; é uma celebração da vida e da arte de escrever. A obra reafirma a importância de Rubem Braga na literatura brasileira e convida novos leitores a descobrir a beleza e a profundidade de suas crônicas, que permanecem tão relevantes e impactantes quanto no momento de sua escrita. Esta coletânea é uma leitura obrigatória para aqueles que buscam inspiração e reflexão através da literatura.

Resenha: O estado dual: uma contribuição à teoria da ditatura, de Ernst Fraenkel



SOBRE

"O livro (...) é uma análise e interpretação do Estado Nacional-socialista, mas é também, pelas questões teóricas que suscita, pelos instrumentos conceituais a que recorre e pelas soluções propostas, uma notável contribuição à Teoria Geral do Estado Moderno." Norberto Bobbio

"Uma etnografia do direito elaborada nas circunstâncias mais adversas, O Estado Dual é um dos livros mais eruditos sobre ditadura já escritos." Jens Meierhenrich

"Talvez não exista explicação mais consistente, com rara sofisticação argumentativa para quem observa sistemas judiciais e suas relações com a normatividade em momentos de erosão democrática. A obra de Fraenkel significa muito porque procura recuperar a relevância da estabilidade democrática normativa, a qual deve sempre ser preservada. O que não significa ilusão alguma com a sempre presente tentação de extinguir esta mesma normatividade." Martonio Barreto Lima e Lenio Luiz Streck

Fraenkel é responsável por cunhar o conceito de “estado dual”, configurado em duas metades, uma “normativa”, que respeita as próprias leis e, outra, chamada de “prerrogativa”, que as viola continuadamente. De uma atualidade assombrosa, o livro foi e segue relevante nos debates do pós-guerra e na análise do Terceiro Reich.

A edição da Editora Contracorrente, com tradução primorosa de Pedro Davoglio, é uma imprescindível fonte de estudos nas áreas do direito, da história, da sociologia e da ciência política. Além da ampla introdução de Jens Meierhenrich, à edição brasileira acrescentou-se a introdução à edição italiana, de 1983, escrita por Norberto Bobbio.

RESENHA

A obra O Estado Dual de Ernst Fraenkel se destaca como um clássico na literatura que analisa o regime jurídico e político do Terceiro Reich, revelando a complexidade do sistema nazista. Escrito durante a vigência do regime, o livro passou por diversas etapas antes de sua publicação, começando em inglês e posteriormente sendo traduzido para o alemão, a língua natal do autor. Fraenkel, um intelectual judeu e ativista social-democrata, enfrentou inúmeras dificuldades ao escrever, incluindo a proteção de informações sensíveis em um ambiente de repressão constante.

Sua trajetória pessoal é marcada pela perseguição política, que o levou a emigar para os Estados Unidos em 1938. Essa experiência se entrelaça com sua produção intelectual, refletindo as injustiças e os desafios que presenciou ao longo de sua vida. A obra não apenas analisa o regime nazista, mas também investiga a natureza do poder e da justiça, destacando a coexistência de um "Estado de normas" e um "Estado de medidas". Essa dualidade emerge como uma característica estrutural do sistema político nazista, onde as instituições estatais e partidárias coexistem em um equilíbrio instável, evidenciando a complexidade e a arbitrariedade que definem o regime.

Fraenkel argumenta que o "Estado de normas" é fundamentado em uma burocracia formal, enquanto o "Estado de medidas" simboliza a aplicação do poder de forma arbitrária e discrecional, dificultando a realização de uma verdadeira justiça. Essa análise crítica revela a profunda compreensão de Fraenkel sobre as dinâmicas de poder que moldaram a sociedade alemã durante um dos períodos mais sombrios de sua história. A recepção da obra ao longo dos anos é também um ponto importante, com reações variadas de contemporâneos e a evolução de suas ideias em resposta às mudanças sociais e políticas. Fraenkel é apresentado como um pensador que, mesmo com sua formação acadêmica, permaneceu conectado à realidade do povo, buscando entender e documentar as injustiças de seu tempo. 

A narrativa reflete sobre a durabilidade da obra de Fraenkel, que, apesar dos desafios enfrentados e da resistência que encontrou, continua a ser uma contribuição significativa para a compreensão da política e do direito, especialmente em contextos de autoritarismo. A importância de "O Estado Dual" se estende além de sua época, ressoando com questões contemporâneas sobre poder, justiça e ética na política. Assim, a obra de Fraenkel transcende a mera análise acadêmica, funcionando como um testemunho vívido de um período histórico sombrio, que ainda carrega lições e provocações relevantes para as sociedades atuais, convidando os leitores a refletirem sobre os perigos do autoritarismo e a importância da justiça e da ética na governança.

O primeiro capítulo de O Estado Dual de Ernst Fraenkel, intitulado "O Estado de Medidas", aborda a constituição do Terceiro Reich, que se fundamenta no estado de exceção. A "Ordem de Necessidade para a Proteção do Povo e do Estado", promulgada em fevereiro de 1933, é apresentada como a base dessa nova constituição, que subtraiu a vida política alemã ao império da lei. Neste contexto, as decisões do Estado não seguem critérios jurídicos ou a busca pela justiça, mas visam exclusivamente as metas políticas do regime.

Fraenkel argumenta que o setor político do Terceiro Reich representa um vácuo jurídico, onde não há normas públicas vinculativas, apenas medidas situacionais. A ideia de uma "revolução legal" promovida pelos nazistas contrasta com a realidade de um golpe de Estado ilegal, sustentado por ações como o nomeação de Hitler como chanceler e a promulgação da Lei de Plenos Poderes. O autor destaca que, ao obterem poderes excepcionais, os nazistas transformaram uma ditadura provisória em uma ditadura permanente e anticonstitucional. A Constituição de Weimar permitia ao presidente decidir sobre a adoção de medidas necessárias para restabelecer a ordem, mas isso foi explorado pelos nazistas para justificar sua ascensão ao poder.

Além disso, Fraenkel discute a natureza das competências no regime, onde o Führer exerce uma ditadura soberana sem necessidade de justificativas. A relação entre o Estado e o Partido é ambígua, e as decisões políticas são tomadas sem uma clara divisão de competências, levando a um estado de medidas que se sobrepõe ao Estado de normas. O autor também analisa como a jurisprudência e as decisões judiciais foram moldadas pelo regime, revelando a dissolução do Estado de direito. Os tribunais frequentemente afirmavam a validade das ações do Estado, mesmo quando eram evidentemente ilegais, e a polícia tinha liberdade para agir sem controle judicial. Em suma, o capítulo apresenta uma crítica profunda ao funcionamento do Terceiro Reich, destacando a transformação do Estado em um sistema onde a legalidade foi substituída pela arbitrariedade, e onde a figura do Führer se tornou sinônimo de "ordem", deslegitimando qualquer noção de Estado de direito.

O segundo capítulo intitulado "Os Limites do Estado de Medidas", explora como o sistema jurídico do Terceiro Reich está à disposição das instâncias políticas. Embora existam normas que regem a vida pública e privada, o estado de exceção se tornou uma constante, permitindo a criação de exceções às leis normais. Fraenkel afirma que a soberania dos detentores do poder político se baseia na capacidade de decidir em situações de exceção, e que essa soberania lhes permite reclamar qualquer matéria como "política". O autor menciona a distinção entre relevância política atual e potencial, destacando que, mesmo em esferas consideradas apolíticas, as instâncias políticas podem decidir que essas questões têm relevância política e, portanto, devem ser tratadas sob o estado de medidas. A autolimitação do Estado de medidas é um aspecto importante, pois, embora sua competência seja teoricamente ilimitada, na prática existem limites que surgem da necessidade de sua própria legitimidade.

Fraenkel traz exemplos de decisões judiciais que ilustram essa dinâmica, como a negativa de licenças urbanísticas sem a necessidade de justificar a decisão, evidenciando a prevalência do estado de medidas sobre o estado de normas. O capítulo também discute como a jurisprudência tentou manter a primazia do direito, mas frequentemente se viu subserviente às exigências do regime. Em suma, o capítulo retrata como o Terceiro Reich utilizou o estado de medidas para deslegitimar o estado de direito, permitindo que o poder político atuasse de forma arbitrária, enquanto a vida social era regulada de maneira limitada e sob a constante ameaça de exceções legais. A análise de Fraenkel destaca a complexidade e a intersecção entre o estado de normas e o estado de medidas, além de questionar a verdadeira natureza do direito sob o regime nazista.

O terceiro capítulo intitulado "O Estado Normativo", examina a relação entre o Estado de normas e o Estado de medidas, enfatizando a interdependência entre ambos dentro do contexto do Terceiro Reich. Fraenkel argumenta que, embora o Estado de normas exista, ele é constantemente ameaçado pela reserva de oportunidade política do Estado de medidas, que pode decidir a qualquer momento sobre questões que deveriam ser reguladas por normas jurídicas.

Ele menciona Carl Bilfinger, que discute a ideia de que a legitimidade das normas pode ser suspensa em situações que ameaçam a segurança do Estado. A relação entre administração e governo é explorada, destacando que, no regime nazista, o governo não é apenas um executor das leis, mas exerce um controle absoluto, muitas vezes à margem do ordenamento jurídico.

O capítulo também aborda como o Estado de medidas influencia a prática administrativa, levando a uma ampliação da discricionariedade das autoridades, o que pode resultar em arbitrariedade. Apesar disso, os tribunais tentam manter a integridade do Estado de normas, garantindo princípios como a liberdade de empresa e a inviolabilidade dos contratos, mesmo quando sob pressão política.

Fraenkel argumenta que a existência do Estado de normas não se deve a uma força externa, mas sim à penetração da ideologia nazista no sistema estatal. Ele discute a forma como os tribunais têm lidado com questões relacionadas a direitos de propriedade, liberdade de concorrência e o tratamento de cidadãos judeus, mostrando que, enquanto os direitos dos arianos são garantidos, os judeus são sistematicamente excluídos da proteção legal. O autor conclui que, apesar da pressão do Estado de medidas, ainda existem princípios do Estado de normas que os tribunais tentam preservar, embora sua eficácia esteja em constante risco devido à ideologia totalitária e às práticas discriminatórias do regime nazista. O Estado de normas, portanto, é visto como um complemento necessário ao Estado de medidas, mas sua sobrevivência está ameaçada pela arbitrariedade e pela ideologia racista do nacionalsocialismo.

A Parte II do livro, que aborda a teoria jurídica do Estado dual, inicia-se no Capítulo I com o "Rejeição do Direito Natural Racional pelo Nacional-socialismo". O autor argumenta que a eliminação da inviolabilidade do direito caracteriza o Estado de medidas, o que implica que esse princípio fundamental não se aplica ao ordenamento jurídico como um todo. Fraenkel menciona Gustav Radbruch e Carl Bilfinger, que discutem a relação entre direito e política, destacando que a segurança do Estado pode justificar a suspensão de normas jurídicas.

Fraenkel explica que, no regime nazista, o direito não é visto como uma construção universal, mas como um reflexo das necessidades da comunidade racial, conforme afirmado por Hitler. A justiça, segundo essa visão, não é um sistema de valores abstratos, mas sim uma certeza que o povo constrói sobre si mesmo. O autor critica a ideia de que o direito natural é irrelevante e argumenta que essa rejeição é uma continuação de um movimento que já estava em curso antes da ascensão do nazismo.

O capítulo também aborda como a ideologia nazista nega a tradição do direito natural e a substitui por uma visão que considera a desigualdade entre os homens, baseada em critérios raciais. A partir da "Lei de Plenos Poderes" de 1933, o regime nazista se tornou um poder absoluto, desprezando a ideia de que a vontade do governante deve estar subordinada a normas jurídicas. Fraenkel conclui que, ao rejeitar o direito natural e a tradição da ética ocidental, o nacional-socialismo não se posiciona como um projeto moderno, mas como uma negação completa da filosofia e dos valores que sustentam a cultura ocidental. Essa perspectiva revela as fundações ideológicas do regime, que se afastam da noção de um Estado de direito, promovendo uma visão totalitária e autoritária do poder.

O Capítulo, A Luta do Nacional-socialismo Contra o Direito Natural, aborda o conflito entre as tradições do direito natural e a ideologia nacionalsocialista. Fraenkel argumenta que o nacional-socialismo rejeita completamente o direito natural, especialmente a sua vertente cristã, que sempre teve um papel significativo na formação da legislação e da ética na Europa ocidental.

O autor menciona o trabalho de Ernst Troeltsch, que destaca a importância do contexto religioso na evolução do direito natural. Ele explica que, embora diferentes seitas cristãs tenham adotado visões variadas sobre o direito natural, nenhuma delas chegou a rejeitá-lo radicalmente. O luteranismo, por exemplo, aceitou a ideia de que o direito é afetado pelo pecado, promovendo a obediência aos regimes, mesmo que injustos.

O capítulo também discute a relação entre o nacional-socialismo e as ideologias de direito natural, afirmando que o nacionalsocialismo não se sente vinculado a essas tradições e, em vez disso, fundamenta-se em valores raciais e na utilidade política. Hitler e outros teóricos nazistas defendem que o direito só pode ser reconhecido se estiver alinhado com os objetivos do povo ariano.

Fraenkel critica a ideia de que o nacionalsocialismo possa ser considerado um movimento moderno, destacando que a negação do direito natural e a rejeição de valores absolutos geram novos inimigos e um movimento de resistência entre aqueles que defendem princípios de justiça. Ele também menciona que, embora a ideologia nazista tenha uma forte aversão ao direito natural, ela não pode ignorar completamente as tradições que moldaram a cultura alemã. O autor conclui que, ao rejeitar o direito natural, o nacional-socialismo não apenas nega as tradições éticas da cultura ocidental, mas também estabelece um regime de autoridade ilimitada que colide com a noção de justiça e direitos humanos universais. A luta contra o direito natural, portanto, é central para a compreensão do regime nazista e suas implicações para a sociedade e a política da época.

O Capítulo, Nacional-socialismo e Direito Natural Comunitário, discute o conflito entre o nacional-socialismo e as tradições do direito natural, destacando a rejeição do direito natural racional pelos nazistas. O autor, Ernst Fraenkel, explica que essa rejeição gera resistência entre grupos que ainda valorizam o direito natural, porém, aponta que a definição de "direito natural" é ambígua, envolvendo conceitos que variam ao longo da história.

Fraenkel diferencia entre o "direito natural societário", que se baseia na razão e na individualidade, e o "direito natural comunitário", que é irracional e se fundamenta na biologia e na ideia de raça. O nacional-socialismo, ao adotar uma perspectiva biológica, rejeita ideais racionalistas e propõe um conceito de justiça que prioriza a homogeneidade racial e a proteção da comunidade.

O autor menciona pensadores como Leibniz e Carl Schmitt, que exploraram a ideia de que o direito deve ser entendido em relação à comunidade. O nacional-socialismo, segundo Fraenkel, busca legitimar a sua visão de direito natural comunitário como base para a política interna e internacional, enfatizando a importância da homogeneidade racial e cultural.

Fraenkel também explora como o direito natural comunitário se conecta com a política do estado de exceção, onde o poder político é justificado por necessidades comunitárias e raciais. Ele critica a ideia de que a justiça pode ser separada do contexto político, afirmando que no regime nazista, a "verdade" é definida em função dos interesses do partido. O capítulo conclui que a rejeição do direito natural racional e a imposição de uma visão comunitária e biológica do direito são fundamentais para entender o regime nazista e sua ideologia, destacando a falta de uma tradição de direito natural absoluto na Alemanha, o que permitiu a ascensão de tais ideias.

No Capítulo, O Estado Dual em Perspectiva Histórico-Jurídica, Ernst Fraenkel examina a complexidade do Estado dual sob a perspectiva histórica e jurídica, enfatizando as tensões entre o nacional-socialismo e as tradições do direito.

O autor destaca que o regime de Hitler provoca reações diversas, incluindo críticas de cidadãos que, apesar de se oporem à arbitrariedade do regime, admitem a ideia de comunidade promovida pelo nacional-socialismo. Fraenkel argumenta que essa ambivalência é problemática, pois a ideologia comunitarista do regime é uma fachada para uma estrutura social capitalista que permanece intacta, e essa exaltacão da comunidade facilita os métodos arbitrários do Estado de medidas.

Fraenkel diferencia entre o "Estado dual" e o "Estado dualista", enfatizando que o primeiro é caracterizado por uma única estrutura organizativa, enquanto o segundo se baseia em compromissos entre as classes sociais e o Estado. O autor explora também a história do Estado dual em Prússia e na Alemanha, discutindo como o absolutismo monárquico e a burocracia se interrelacionaram com a estrutura social e jurídica do período.

A evolução do direito na Alemanha, desde o absolutismo iluminista até a Revolução de 1848, é analisada, mostrando como os interesses da nobreza e a ascensão da burguesia influenciaram a dinâmica do poder e do direito. A Revolução Francesa é identificada como um ponto de ruptura, levando ao distanciamento das elites do direito natural, enquanto a burocracia estatal se afirmava como a força dominante. Fraenkel conclui que, embora a Revolução de 1918 tenha abolido o dualismo formal do Estado, a influência das classes dominantes e a luta pelo poder político continuaram a moldar a estrutura do Estado, culminando no surgimento do nacional-socialismo, que busca restaurar um Estado autoritário que se alinha mais com as tradições do absolutismo do que com um sistema democrático baseado no Estado de direito. O autor sugere que o nacional-socialismo é uma continuidade da política do Partido de Patria e que a mobilização política do regime reflete a busca por um poder forte e centralizado que ignora as lições da história recente.

O capítulo, Os Fundamentos Econômicos do Estado Dual, e destaca a importância de entender a estrutura econômica do regime nacionalsocialista para compreender sua natureza dual. O autor ressalta que, apesar das transformações no sistema econômico alemão, este ainda mantém um núcleo capitalista, mesmo que sob uma nova fase que se entrelaça com o modelo do Estado dual.

O texto observa que, antes da ascensão dos nazistas, a economia era caracterizada por um capitalismo privado, mas organizado, com características monopolistas e intervenções estatais. O modelo de capitalismo competitivo liberal já não se aplicava, e o que prevalecia era um capitalismo "organizado", sustentado por tarifas e subsídios do Estado. Durante a crise econômica global, o controle estatal sobre a economia aumentou, evitando falências no setor bancário e em outras indústrias.

Fraenkel argumenta que a política econômica do Estado dual é uma continuação do capitalismo "organizado" do período de Weimar, onde a propriedade privada foi respeitada, exceto no caso dos judeus. As intervenções estatais limitaram o direito de propriedade, mas a propriedade privada ainda era fundamental para a sobrevivência do capitalismo. O autor analisa como a política econômica nacionalsocialista buscou reinserir os desempregados na economia, especialmente através do programa de rearme, que se tornou um objetivo central do regime.

Além disso, o autor discute a relação entre o Estado de normas e o Estado de medidas, afirmando que o primeiro atua como o marco jurídico da propriedade privada, enquanto o segundo não exerce uma função de controle real, mas sim uma função limitadora e de apoio indireto. O Estado de medidas, com suas ameaças e sanções, era mais forte que o Estado de normas, pois impunha um clima de temor que inibia riscos por parte dos empresários. Em resumo, o autor conclui que a política econômica do nacionalsocialismo estava profundamente enraizada no fortalecimento do poder do Estado e na proteção dos interesses capitalistas, resultando em um sistema que, embora mantivesse a propriedade privada, operava sob um controle estatal intenso que limitava a liberdade econômica e os direitos dos trabalhadores.

O capítulo "A Sociologia do Estado Dual" explora a complexa relação entre a estrutura social e econômica do regime nacionalsocialista na Alemanha. O autor começa referenciando Ferdinand Tönnies, que distingue entre "comunidade" e "sociedade", argumentando que a civilização ocidental se move da comunidade para a sociedade. Ele menciona a crítica de Alfred von Martin, que questiona se a comunidade pode ressurgir em um contexto social avançado, e destaca que o nacionalsocialismo se apoiou inicialmente em forças que buscavam uma organização social baseada em princípios comunitaristas.

Fraenkel observa que, embora o nacionalsocialismo tenha tentado criar um "espírito de comunidade" nos centros de trabalho, na prática, isso falhou. As SA e as SS foram tentativas de instigar esse espírito, mas as transformações sociais e econômicas exigidas pela industrialização e militarização aceleradas tornaram essa idealização insustentável. O autor argumenta que a tentativa de conectar os centros de trabalho com a ideologia comunitarista se baseava em uma ficção, já que as relações sociais eram regidas por interesses capitalistas.

Além disso, Fraenkel analisa o conceito nacionalsocialista de "comunidade popular", que surgiu como uma resposta à derrota da Primeira Guerra Mundial e à miséria da pós-guerra, enfatizando que essa consciência de comunidade é alimentada pela crença em um inimigo externo. O autor destaca a necessidade de um "complexo de inimigo" para manter unida a comunidade popular, o que resulta em uma política que justifica abusos contra grupos considerados "não conformes". O capítulo conclui que a ideologia nacionalsocialista, ao promover a ideia de comunidade, muitas vezes se contrapunha à racionalidade substancial. O capitalismo alemão, ao reconhecer sua irracionalidade, se alinha com os objetivos nacionalsocialistas, resultando em uma simbiose que se manifesta na forma do Estado dual. Essa dualidade reflete as tensões sociais e políticas da época, e a resolução dessas tensões é uma questão crucial para o futuro.

O autor finaliza a obra com um capítulo dedicado à um anexo que aborda um caso específico no Tribunal de Trabalho do Reich, intitulado "Delatowsky e outros contra a Nova Caixa Alemã de Enterramentos". O autor, atuando como advogado, representa antigos empregados que reclamam indenizações por demissões, com base em um acordo coletivo de 1932 que a empresa negava ter sido formalmente estabelecido. As dificuldades probatórias se intensificam devido à falta de acesso à documentação e à perda de memória de testemunhas.

O autor relata como, após a negativa do tribunal em primeira instância, um informante do Frente Alemão do Trabalho oferece um documento que comprova a existência do acordo, levando a um novo julgamento. Apesar de uma sentença inicial desfavorável, o tribunal reconhece a possibilidade de ação de restituição dos valores devidos.

O autor também narra outro caso, "O Caso do Queijo Rancio", onde um judeu é detido por supostamente injuriar o Führer ao criticar uma publicação. A defesa argumenta que a crítica se baseava na verdade, mas a situação é complicada pelo clima de repressão política e pela falta de acesso a defesa adequada. Os dois casos exemplificam o caráter dual do regime de Hitler, onde o controle estatal e a repressão política permeiam as decisões judiciais, refletindo a tensão entre a legalidade e a arbitrariedade do sistema nacionalsocialista. O Anexo destaca a dificuldade de obter justiça em um sistema onde as instituições estão subordinadas ao poder político e ideológico do regime.

A obra "O Estado Dual", de Ernst Fraenkel, se destaca como uma análise profunda e crítica do regime nacionalsocialista, oferecendo uma contribuição inestimável à compreensão das dinâmicas de poder e da estrutura jurídica da Alemanha sob Hitler. Ao introduzir o conceito de "estado dual", Fraenkel ilumina a coexistência de um "Estado de normas", que formalmente respeita as leis, e um "Estado de medidas", que opera com a arbitrariedade e o autoritarismo típicos de regimes totalitários. Essa dualidade não apenas evidencia as contradições intrínsecas ao sistema nazista, mas também revela as complexidades que permeiam a aplicação da lei em contextos de erosão democrática.

A análise de Fraenkel é particularmente relevante em um momento histórico em que o autoritarismo se manifesta de diversas formas, ressoando com os desafios contemporâneos que sociedades democráticas enfrentam. Seu trabalho não se limita a descrever o funcionamento do regime, mas provoca reflexões críticas sobre a natureza do poder, da justiça e da ética na governança. A habilidade de Fraenkel em articular suas observações com uma erudição impressionante confere à obra uma profundidade que transcende seu contexto original, tornando-a uma leitura fundamental para estudiosos do direito, da ciência política e da sociologia.

Além disso, a relevância atemporal de "O Estado Dual" se torna ainda mais evidente ao considerarmos a forma como o autor aborda a relação entre a ideologia nazista e as tradições do direito natural. Fraenkel não apenas critica a rejeição do direito natural pelos nazistas, mas também aponta para as implicações dessa rejeição em relação à justiça e à moralidade. A obra serve como um alerta sobre os perigos da desumanização e da manipulação da legalidade em nome de ideais políticos, um tema que continua a ecoar em nossos dias.

A edição da Editora Contracorrente, com sua tradução cuidadosa e introduções de renomados estudiosos, torna este texto acessível a um público mais amplo, garantindo que as lições de Fraenkel não sejam esquecidas. Ao oferecer uma análise erudita e crítica, "O Estado Dual" não apenas documenta os horrores de um regime totalitário, mas também nos convida a refletir sobre a importância da normatividade e da ética na construção de sociedades justas e democráticas. Assim, a obra de Ernst Fraenkel permanece como uma pedra de toque na discussão sobre o direito, a política e a moralidade, reafirmando sua posição como um dos textos mais significativos sobre a ditadura na história moderna.

Resenha: O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa



SINOPSE: O feijão e o sonho narra o relacionamento conflitante entre Campos Lara e sua esposa Maria Rosa, dois seres antagônicos, mas incrivelmente unidos. Ele, professor, escritor com seis livros publicados e intelectual, porém um alienado incapaz de ser um pai e marido comprometido em assumir as mínimas obrigações do dia a dia – moradia, alimentação, vestuário.

Maria Rosa, ao contrário, representa o senso prático da vida, o esteio para a família não desmoronar. Um inadaptado. Homem como ele não nascera para o casamento, para a vida do lar. Maria Rosa tinha razão, quase sempre. Ela era o Bom-Senso. Maria Rosa não era uma inimiga. Maria Rosa era o outro lado da vida. O lado em que não daria coisa nenhuma, em que ele sempre fracassaria. O duro. O difícil. O sem cadência nem rima. O do seu permanente naufrágio. Uma história humana e envolvente sobre a difícil arte de conviver.

RESENHA

"O Feijão e o Sonho" é um romance do autor brasileiro Orígenes Lessa, lançado em 1938. A história acompanha Campos Lara, um poeta imerso em seus sonhos literários, desconsiderando as realidades práticas da luta pela sobrevivência. Casado com Maria Rosa, o casal enfrenta um desajuste constante. A família depende de Chico Matraca, o chefe de Lara, que recebe um salário mensal bastante modesto.

"O Feijão e o Sonho", de Orígenes Lessa, é uma obra que retrata de forma sensível e profunda a complexidade das relações familiares e as dificuldades enfrentadas por um casal em meio à luta por sobrevivência e realização pessoal. A narrativa gira em torno de Maria Rosa, uma mulher que se vê sobrecarregada com as responsabilidades do lar e da educação dos filhos, e de Campos Lara, seu marido, um poeta em busca de reconhecimento e sucesso literário.

Maria Rosa é uma figura central na história, representando a força e a resiliência das mulheres que carregam o peso das obrigações familiares. A rotina dela é marcada por uma agitação constante: acorda cedo, prepara o café, cuida da casa e se desdobra para lidar com as travessuras das crianças. A tensão em seu relacionamento com Juca, como ela carinhosamente chama Campos Lara, é palpável. Ele, frequentemente alheio às dificuldades que ela enfrenta, embarca em suas ambições literárias, enquanto Maria Rosa se sente cada vez mais sobrecarregada. Sua frustração é evidente, e ela lamenta a falta de apoio do marido, que parece mais interessado em seus personagens fictícios do que nos desafios reais da vida familiar.

Os diálogos entre os personagens revelam o caos do dia a dia. As interações com as crianças são uma fonte de conflito, e Maria Rosa tenta impor disciplina em meio à indisciplina. Sua autoritariedade, no entanto, é acompanhada por uma sensação de impotência. Juca, por sua vez, embora bem-intencionado, não consegue contribuir efetivamente, o que apenas intensifica a irritação de Maria Rosa.

A narrativa também destaca a dualidade entre a vida doméstica de Maria Rosa e a vida profissional de Juca, que é professor. Enquanto ele tem paixão pela educação, enfrenta desafios com a falta de comprometimento dos alunos e a desorganização do ambiente escolar. Essa dicotomia entre a vida pessoal e profissional de ambos os personagens ilustra as dificuldades que enfrentam em suas respectivas esferas, revelando a luta diária das mulheres e as dinâmicas familiares complexas.

À medida que a história avança, a gravidez de Maria Rosa traz novas complicações emocionais e físicas. A pressão da maternidade e a solidão se tornam mais intensas, especialmente quando Lara se afasta ainda mais, mergulhado em suas criações literárias. A transformação de Maria Rosa, passando de uma mulher cheia de sonhos e esperanças para uma figura que enfrenta angústias e frustrações, é marcante. A relação entre eles se deteriora à medida que ela se sente isolada e desvalorizada, e a repulsão que começa a sentir por Juca reflete a crescente distância entre suas vidas.

A chegada de um novo filho traz um misto de alegria e novas responsabilidades. A felicidade pela família se expande é ofuscada pela realidade financeira e as dificuldades que persistem. Apesar do sucesso de Campos Lara como romancista, a vida familiar continua a ser uma luta diária. A tensão entre suas aspirações artísticas e as necessidades práticas da vida familiar se intensifica, levando a um ciclo de insatisfação e descontentamento que permeia a obra.

O romance, bem recebido pela crítica, oferece um vislumbre da glória momentânea de Lara, mas também destaca a fragilidade de suas conquistas. O dinheiro entra na casa, mas as dívidas continuam a se acumular, e Maria Rosa, que havia encontrado um certo alívio, logo se vê diante de novas preocupações. A relação entre eles é marcada por um desequilíbrio, com Campos Lara se distanciando cada vez mais das responsabilidades da paternidade e do casamento.

A obra explora temas como a luta por reconhecimento, a tensão entre sonho e realidade, e as dificuldades emocionais da maternidade. Campos Lara, diante de seu sucesso, reflete sobre sua identidade como poeta e suas limitações como provedor. Ele se questiona sobre o que realmente pode oferecer à sua família, enquanto a solidão e a frustração criativa o consomem. A narrativa culmina em um retrato da solidão do artista, que, apesar de alcançar a glória literária, se vê isolado e desiludido em sua vida pessoal.

Em última análise, "O Feijão e o Sonho" é uma reflexão poderosa sobre as escolhas que fazemos, as consequências dessas escolhas e a busca incessante por um equilíbrio entre os sonhos e as obrigações da vida cotidiana. A obra de Lessa é um convite à empatia, que nos leva a refletir sobre o papel da mulher, a natureza da ambição e a complexidade das relações humanas em um mundo em constante transformação.

Resenha: Romanceiro da inconfidência, de Cecília Meireles


APRESENTAÇÃO 

Os poemas aqui reunidos – cada qual com vida própria – formam um longo e único poema, lírico e épico ao mesmo tempo em que conta a história de Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. Elaborado por meio de uma profunda pesquisa, a conspiração revolucionária de poetas é recriada com maestria pela imensa poeta Cecília Meireles.

A mim, o que mais me doera,

se eu fora o tal Tiradentes,

era o sentir-me mordido

por esse em quem pôs os dentes.

Mal-empregado trabalho,

na boca dos maldizentes! 

[…]

RESENHA

"Romanceiro da Inconfidência" é uma obra poética da renomada escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em 1953. Este livro apresenta uma rica narrativa que abrange a história de Minas Gerais, desde os primórdios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, evento de grande relevância que ocorreu no final do século XVIII na então Capitania de Minas Gerais. Através de 85 "romances", acompanhados por quatro "cenários" e outros textos que compõem o prólogo e o êxodo, Cecília Meireles evoca a realidade da escravidão dos africanos na região central do planalto, retratando episódios relacionados à exploração do ouro e dos diamantes que marcaram o século XVIII.

O livro traça um panorama que começa na colonização do século XVII e culmina na Inconfidência Mineira, um movimento de insurreição contra o domínio colonial português. A poetisa consegue, com maestria, transformar eventos históricos em poesia, dando voz a personagens que transcendem o tempo e o espaço, permitindo que o leitor sinta a força das narrativas que envolvem a exploração do ouro, a opressão da escravidão e a busca por liberdade.

Cecília Meireles utiliza uma linguagem rica e musical, que capta a essência da cultura e da paisagem mineira. Seus versos são impregnados de lirismo e profundo significado, revelando uma sensibilidade aguçada para as questões sociais e históricas. A obra não se limita a uma simples crônica; é um convite à reflexão sobre a identidade nacional e os valores que moldaram o Brasil.

O poema "Fala inicial", presente na obra "Romanceiro da Inconfidência" de Cecília Meireles, é uma reflexão profunda e angustiante sobre a condição humana, a memória histórica e a luta por liberdade em um contexto de opressão e esquecimento. Através de suas imagens vívidas e linguagem poética, Meireles nos transporta para um espaço onde as emoções e as realidades sociais se entrelaçam, revelando a complexidade da experiência humana diante da injustiça. Logo no início do poema, a poetisa expressa sua incapacidade de "mover os passos" em um "labirinto de esquecimento e cegueira". Este labirinto simboliza não apenas a confusão da memória histórica, mas também a alienação que permeia a sociedade. A menção a "amores e ódios" sugere a dualidade da experiência humana, onde sentimentos intensos coexistem em um contexto de sofrimento.

O poema "Romance I ou Da revelação do ouro", é uma rica e complexa reflexão sobre a busca incessante pelo ouro e suas consequências devastadoras na vida dos indivíduos e na natureza. Meireles utiliza uma linguagem vívida e simbólica para retratar a ambição humana, a exploração e a degradação que acompanham a descoberta de riquezas naturais. O poema inicia-se com uma descrição do ambiente natural, onde a fauna e a flora se entrelaçam com a presença de "um povo desgrenhado". Essa introdução estabelece um contraste entre a beleza do sertão americano e a condição precária dos homens que o habitam. O uso de imagens como "pássaros em fuga" e "fugitivos riachos" sugere um cenário de movimento e instabilidade, refletindo a inquietação dos exploradores e a tensão que permeia a busca por riqueza.

O poema "Romance XIV ou Da Chica da Silva", é uma homenagem à figura emblemática de Chica da Silva, uma mulher negra que se destacou na sociedade colonial brasileira do século XVIII, especialmente na região do Serro Frio, em Minas Gerais. Através de uma linguagem rica e musical, Meireles constrói uma narrativa que exalta a força e a singularidade desta personagem, ao mesmo tempo que critica as hierarquias sociais e raciais da época. Desde a abertura do poema, a poetisa estabelece um cenário vibrante, localizado "lá para os lados do Tejuco", onde os diamantes transbordam do cascalho. Essa descrição não apenas contextualiza o ambiente de riqueza mineral, mas também sugere a abundância e a opulência que cercavam a vida de Chica da Silva. A repetição do nome "Chica da Silva" e o epíteto "Chica-que-manda" reforçam sua posição de poder e influência, destacando como ela se tornou uma figura central na sociedade, desafiando as convenções de sua época.

O poema "Romance XXVIII ou Da denúncia de Joaquim Silvério", de Cecília Meireles, é uma crítica contundente à traição, à ambição desmedida e à moralidade questionável que permeiam as relações sociais e políticas, especialmente no contexto da Inconfidência Mineira. Através de uma linguagem rica e simbólica, Meireles constrói uma narrativa que revela a complexidade da figura de Joaquim Silvério, um delator que se aproveita da situação de crise para beneficiar-se. A obra começa com a imagem do "Palácio da Cachoeira", onde Joaquim Silvério se prepara para redigir sua carta de denúncia. A escolha do cenário é significativa, pois o palácio representa o poder e a opressão, enquanto a carta simboliza a traição e a delação. O verso "com pena bem aparada" sugere a frieza e a premeditação do ato, como se Silvério estivesse se preparando cuidadosamente para executar sua traição.

O poema "Romance LIII ou Das palavras aéreas" de Cecília Meireles é uma profunda reflexão sobre a natureza e o poder das palavras, explorando sua dualidade como ferramentas de criação e destruição. Através de uma linguagem lírica e musical, Meireles destaca a fragilidade e a força das palavras, revelando como elas moldam a experiência humana e as estruturas sociais. A transição entre a leveza e a gravidade é uma característica marcante do poema. As palavras são descritas como "tênue seda", mas também como "ferro que arrocha", mostrando sua dualidade. Elas são capazes de criar beleza e esperança, mas também dor e sofrimento. O verso "sois um homem que se enforca" é uma conclusão impactante que revela o potencial destrutivo das palavras, simbolizando a desesperança e o desespero que podem resultar da linguagem mal utilizada.

Os poemas analisados, como "Fala inicial", "Romance I ou Da revelação do ouro", "Romance XIV ou Da Chica da Silva", "Romance XXVIII ou Da denúncia de Joaquim Silvério" e "Romance LIII ou Das palavras aéreas", demonstram a versatilidade de Meireles e seu compromisso com questões sociais e históricas. Cada um deles oferece uma perspectiva única sobre a luta pela liberdade, a ambição desmedida e a fragilidade das palavras, mostrando como a linguagem pode ser um instrumento de poder e transformação. A obra é, portanto, não apenas um relato histórico, mas um convite à introspecção e à crítica social. Meireles, com sua sensibilidade aguçada, nos leva a repensar o passado e suas implicações no presente, ressaltando a importância da memória e da palavra na construção de um futuro mais justo.

Resenha: Band of Brothers, de Stephen E. Ambrose


APRESENTAÇÃO

A Easy Company, 506º Regimento de Infantaria Pára-Quedista do Exército Norte-Americano, foi uma das melhores companhias de fuzileiros do mundo. Band of brothers é o relato sobre os homens dessa unidade que combateram, passaram fome, sofreram com o frio e morreram. Uma equipe que teve 150% de baixas e considerava a medalha Purple Heart um distintivo. Baseando-se em horas de entrevistas com sobreviventes, bem como nos diários e nas cartas dos soldados, Stephen Ambrose conta a história desse notável grupo, que sempre recebia as missões mais difíceis, sendo responsável por tudo, do salto de pára-quedas na França nas primeiras horas da manhã do Dia D à captura do Ninho da Águia, a fortaleza de Hitler em Berchtesgaden. De seu rigoroso treinamento na Geórgia, em 1942, ao Dia D e à vitória dos Aliados, Ambrose teceu uma narrativa primorosa, com riqueza de detalhes, sobre as características dos soldados de infantaria de elite, transcrevendo no decorrer da obra as próprias palavras e depoimentos dos combatentes, o que dá mais veracidade à trama. O livro de Stephen Ambrose também foi para as telas da TV, pela HBO, em 2001. A idéia de produzir a série surgiu após Tom Hanks e Steven Spielberg terem filmado O Resgate do Soldado Ryan (1998). Os dois tinham projetos para novas produções sobre a Segunda Guerra Mundial e decidiram trabalhar juntos novamente em Band of Brothers, minissérie em 10 capítulos. O resultado foi uma superprodução de US$ 120 milhões — a mais cara da história da TV. A minissérie foi a grande vencedora do Oscar da TV norte-americana, com nada menos que seis troféus, entre eles o de Melhor Direção (Tom Hanks foi um dos diretores). Além de ter sido a vencedora na categoria Minissérie, venceu ainda os prêmios de Melhor Edição de Imagem, Edição de Som, Mixagem de Som e Seleção de Elenco. Fora o Emmy, conquistou o Globo de Ouro e o prêmio do AFI (American Film Institute) como Minissérie do Ano.

RESENHA

Band of Brothers, escrito por Stephen E. Ambrose e publicado em 1992, é uma obra não apenas envolvente, mas também profundamente significativa que narra a história da Companhia Easy, um batalhão da 506ª Regimento de Paraquedistas da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Através de uma pesquisa meticulosa e entrevistas com veteranos, Ambrose oferece um relato vívido e humano das experiências dos soldados que enfrentaram os horrores da guerra, desde o treinamento intenso em Camp Toccoa até os combates na Normandia e na Alemanha.

A narrativa é estruturada de forma a seguir a trajetória da Companhia Easy, destacando não apenas os eventos históricos, mas também os laços de camaradagem e amizade que se formaram entre os soldados. Ambrose consegue retratar a individualidade de cada personagem, dando vida a figuras como o tenente Richard Winters, que se destacou por sua liderança e coragem, e os desafios enfrentados por homens comuns que foram colocados em circunstâncias extraordinárias.

Uma das características mais marcantes do livro é a abordagem humanista de Ambrose. Ele não se limita a descrever as táticas militares e as batalhas; ao invés disso, mergulha no aspecto emocional e psicológico da guerra, explorando como os soldados lidaram com o medo, a perda e a camaradagem. Através de relatos em primeira mão, o autor captura a essência da experiência militar, criando uma conexão profunda entre o leitor e os protagonistas da história. O estilo de escrita de Ambrose é ágil e acessível, permitindo que mesmo aqueles sem formação em história militar possam se envolver na narrativa. Ele utiliza uma prosa clara e envolvente, cheia de detalhes que tornam as cenas de combate e os momentos de tensão ainda mais impactantes. Os diálogos autênticos e as descrições vívidas transportam o leitor para o campo de batalha, permitindo uma compreensão mais profunda do sacrifício e da resiliência dos soldados.

Além do foco na Companhia Easy, "Band of Brothers" também contextualiza a importância do esforço de guerra americano na Europa, destacando como a luta contra o totalitarismo foi uma batalha coletiva. O livro serve como um tributo não apenas aos homens da Easy, mas a todos os que lutaram e sacrificaram suas vidas durante a guerra, reafirmando a importância da memória histórica. A obra também ganhou notoriedade ao ser adaptada para uma minissérie produzida pela HBO, o que ampliou ainda mais seu alcance e impacto cultural. A série trouxe à tona a história de Ambrose para um público mais amplo, e sua fidelidade ao material original ajudou a solidificar a importância da Companhia Easy na memória coletiva da Segunda Guerra Mundial.

“Band of Brothers” é uma narrativa que traça a trajetória da Companhia E, 506º Regimento de Infantaria Pára-quedista da 101ª Divisão Aerotransportada do Exército Americano, desde seu treinamento inicial em Toccoa até suas experiências em combate durante a Segunda Guerra Mundial. O texto, extraído de "Band of Brothers" de Stephen E. Ambrose, explora a diversidade dos soldados, que vieram de diferentes origens sociais e educacionais, e como essa variedade se uniu em prol de um objetivo comum.

No verão de 1942, a Companhia E foi formada por homens de várias partes dos Estados Unidos, incluindo fazendeiros, estudantes universitários e veteranos, todos com um forte desejo de se tornarem pára-quedistas. O treinamento em Toccoa era rigoroso e desafiador, exigindo resistência física e determinação. Os soldados enfrentaram desafios extremos, como marchas longas e exercícios físicos intensos, que os prepararam para o combate que se aproximava. Ambrose descreve como, apesar das dificuldades impostas pelo comandante Sobel, que era temido e odiado, a adversidade ajudou a unir a companhia. Os laços de camaradagem se formaram em meio ao sofrimento e à disciplina, criando uma verdadeira irmandade entre os soldados. Os pára-quedistas se destacaram por sua determinação em resistir e superar os desafios, desejando conquistar as insígnias de pára-quedista que simbolizavam sua elite.

Após o treinamento em Toccoa, a Companhia E avançou para a Escola de Pára-quedismo em Fort Benning, onde experimentaram a emoção e o medo do salto. O texto retrata a ansiedade e a excitação dos soldados antes do primeiro salto, culminando em um sentimento de realização ao receber as asas de pára-quedista. Essa conquista simbolizou não apenas a superação de desafios físicos, mas também a formação de uma identidade coletiva forte.

"Conhecendo o Inimigo" descreve as experiências da Companhia E, 506º Regimento de Infantaria Pára-quedista, durante sua ocupação na Alemanha entre abril de 1945. O texto explora como os soldados americanos reagiram ao contato com o povo alemão, revelando um espectro de sentimentos que variavam desde a aversão até a simpatia. Muitos soldados, inicialmente influenciados por preconceitos, acabaram encontrando nos alemães um povo disciplinado, trabalhador e educado, além de se impressionarem com a qualidade de vida que encontraram nas casas alemãs, que contrastava com suas experiências em outros países europeus.

Os soldados frequentemente se hospedavam em lares alemães, desfrutando de conforto e hospitalidade, o que os levava a formar uma conexão inesperada com o povo. Embora houvesse uma política de não-confraternização, a natureza humana prevaleceu, resultando em interações que desafiavam as ordens superiores. Ainda assim, alguns membros da Companhia E, como Webster, mantiveram uma visão cética, considerando os alemães como nazistas e responsáveis pelas atrocidades da guerra. A narrativa inclui a descrição de eventos trágicos, como a morte de soldados em patrulhas devido a erros de comunicação, e as dificuldades enfrentadas em um ambiente militar em colapso.

O livro ainda aborda a vida dos veteranos da Companhia E após o término da Segunda Guerra Mundial, entre 1945 e 1991. O texto destaca o impacto duradouro da guerra em suas vidas, incluindo as perdas e ferimentos sofridos por muitos membros, além do trauma emocional que carregaram. Apesar das dificuldades, os ex-combatentes estavam determinados a reconstruir suas vidas e aproveitar as oportunidades oferecidas pela Bill of Rights dos veteranos, que lhes permitiu acessar educação e novos empregos.

A narrativa inclui histórias pessoais de veteranos, como Walter Gordon, que, após ficar paralisado, se tornou advogado; Joe Toye, que enfrentou as consequências de suas feridas; e outros que seguiram carreiras bem-sucedidas em diversas áreas, incluindo educação, construção e serviço público. Alguns membros, como Dick Winters, tornaram-se líderes respeitados, enquanto outros, como Herbert Sobel, enfrentaram dificuldades emocionais e se afastaram da vida militar. O texto também reflete sobre as relações formadas entre os veteranos, que continuaram a se reunir e a manter contato ao longo dos anos. A amizade e a solidariedade entre eles foram aspectos fundamentais de suas vidas pós-guerra, permitindo que compartilhassem experiências e apoiassem uns aos outros.

O contato com prisioneiros de guerra e a visita a um campo de concentração revelaram as brutalidades do regime nazista, provocando reflexões profundas nos soldados sobre a moralidade da guerra e a condição humana. Ao final do texto, os soldados estavam cientes de sua missão, percebendo a importância de sua presença na libertação do povo oprimidoA narrativa também destaca as experiências em combate da Companhia E, que se destacou em várias batalhas significativas, incluindo o Dia D e a Batalha das Ardenas, onde demonstraram bravura e resiliência. A jornada dos pára-quedistas, desde os duros treinos até os horrores da guerra, é uma poderosa representação da coragem humana e da força dos laços formados em tempos de adversidade.Em suma, "Band of Brothers" é uma leitura essencial para aqueles interessados na história militar, mas, mais importante, é uma homenagem ao espírito humano diante da adversidade. Através da narrativa poderosa de Stephen E. Ambrose, o livro não apenas documenta os eventos históricos, mas também celebra a amizade, a coragem e o sacrifício, fazendo dele uma obra atemporal que ressoa com todos que buscam entender a complexidade da guerra e da condição humana.

"Band of Brothers", de Stephen E. Ambrose, é uma obra monumental que transcende a mera narrativa histórica da Segunda Guerra Mundial. Com uma pesquisa meticulosa e relatos de veteranos, Ambrose não apenas documenta os eventos que moldaram a Companhia Easy, mas também capta a essência da experiência humana em tempos de conflito. Ele transforma os soldados em personagens tridimensionais, revelando suas lutas, medos e a profunda camaradagem que se formou entre eles. A habilidade do autor em entrelaçar a história militar com as emoções e experiências pessoais dos soldados é o que torna este livro tão impactante. Através de suas páginas, somos convidados a entender não só as táticas e batalhas, mas também o custo humano da guerra — os ferimentos, as perdas e a resiliência que esses homens demonstraram. Ambrose nos apresenta uma reflexão sobre a amizade e a solidariedade, que perduraram muito além do campo de batalha.

Resenha: A caminho de macondo, de Gabriel García Marquez


APRESENTAÇÃO

A caminho de Macondo convida os leitores a mergulhar no processo de criação do universo mítico de Cem anos de solidão, uma das maravilhas da literatura latino-americana. Esta antologia reúne todos os textos publicados por Gabriel García Márquez nos quais a mágica Macondo foi tomando forma e que marcam o prelúdio da escrita de sua obra-prima.

 

Gabriel García Márquez argumentou em várias ocasiões que primeiro era preciso aprender a escrever um livro e só depois encarar a página em branco. Foram quase vinte anos “vivendo” em Macondo para que aprendesse a escrever sua obra-prima Cem anos de solidão. Nesta antologia, os leitores encontrarão as publicações que precedem a escrita de sua obra mais célebre e que ilustram a gênese da mítica cidade.

A caminho de Macondo reúne desde os textos seminais de 1950 a 1954, publicados inicialmente em colunas de jornais e revistas — alguns com a indicação “Apontamentos para um romance” —, até o conteúdo integral das obras A revoada (O enterro do diabo), de 1955, Ninguém escreve ao coronel, de 1961, Os funerais da Mamãe Grande, de 1962, e O veneno da madrugada (A má hora), de 1966, que marcam o prelúdio efervescente de Cem anos de solidão.

Com prefácio da jornalista premiada Alma Guillermoprieto e nota editorial de um especialista na obra do autor, Conrado Zuluaga, esta coletânea nos introduz ao ciclo macondiano e nos guia por personagens, cenários e cheiros que viriam a compor uma das grandes maravilhas da literatura latino-americana, escrita pelo autor colombiano vencedor do Prêmio Nobel e grande mestre do realismo mágico.

RESENHA

"A Caminho de Macondo" é uma fascinante antologia que traça a trajetória literária de Gabriel García Márquez, revelando os passos que o levaram à criação de sua obra-prima, "Cem anos de solidão". Organizada de forma a apresentar textos variados, que vão desde contos iniciais até esboços que mais tarde se transformariam em personagens icônicos, a coleção oferece uma visão íntima do processo criativo do autor.

García Márquez sempre enfatizou a importância do aprendizado contínuo e da vivência antes da escrita. Nesta antologia, o leitor tem a oportunidade de acompanhar essa jornada, que se estende por quase duas décadas de imersão em Macondo, um espaço que se tornaria sinônimo de realismo mágico. Através de relatos e reflexões, o autor revela como sua experiência pessoal, suas interações com o mundo ao redor e suas observações da realidade latino-americana moldaram sua narrativa.

Os textos incluídos são uma janela para a mente do escritor em formação, onde já se percebem elementos que se tornariam características marcantes de sua obra: as descrições vívidas, as atmosferas carregadas de simbolismo e a complexidade das relações humanas. Momentos de humor, tristeza e reflexão permeiam as páginas, oferecendo ao leitor uma paleta rica que antecipa o que está por vir em "Cem anos de solidão".

Uma das grandes forças de "A Caminho de Macondo" é a habilidade de García Márquez em capturar a essência do cheiro, do som e da cor, criando um ambiente que parece pulsar com vida. O autor não apenas narra, mas convida o leitor a experimentar o que é ser parte desse universo mágico e frequentemente caótico. Os cheiros, em particular, são uma constante em sua obra, evocando memórias e sentimentos que se entrelaçam com a narrativa. Além de ser um deleite para os fãs de García Márquez, essa antologia serve como uma excelente introdução ao seu trabalho para novos leitores. O livro não apenas contextualiza a criação de "Cem anos de solidão", mas também ilumina os processos de um dos maiores escritores do século XX, oferecendo uma perspectiva sobre como histórias e personagens podem emergir de uma rica tapeçaria de experiências.

O conto 'a casa dos buendía' narra o retorno de Aureliano Buendía ao seu povoado após o fim da guerra civil, onde ele e sua esposa se deparam com a devastação de sua antiga casa. Embora restem apenas as lembranças da casa dos Buendía e as cinzas de seu quintal, uma amendoeira começa a brotar entre os escombros, simbolizando a vida que persiste mesmo após a destruição. Aureliano recorda não apenas a claridade e os sons da antiga residência, mas também os cheiros e silêncios que a caracterizavam. Dona Soledad, ao revirar a terra, encontra um são Rafael de gesso quebrado e um copo de lamparina, que se tornam parte da nova construção da casa, erguida sem planejamento, mas com um sentido de continuidade em relação ao passado. A construção é realizada em um espaço que ainda conserva a frescura e o silêncio do antigo quintal, refletindo uma conexão com a memória familiar e a esperança de um novo começo. Assim, a nova casa, com seus pilares e estrutura, se torna um local que abriga tanto as lembranças do passado quanto a expectativa de um futuro mais pacífico.

O conto "A Filha do Coronel" apresenta a relação entre Remédios e seu pai, o coronel Aureliano Buendía, em um ambiente marcado pela distância emocional e pela rigidez da vida familiar. A história se passa na igreja, onde o coronel ocupa uma cadeira reservada, e sua filha, Remédios, se ajoelha ao seu lado. Inicialmente, Remédios não compreende a dinâmica do culto e fica em pé durante o sermão, até que aprende a se acomodar no banco da frente.

À medida que cresce, Remédios começa a entender mais sobre o mundo ao seu redor e a complexidade da vida em seu povoado. Após uma longa ausência de comunicação direta com o pai, ela o reencontra em um momento de revelação durante uma missa, quando ouve cânticos que a emocionam profundamente. Nesse instante, a conexão que faltava entre pai e filha se torna evidente, e Remédios finalmente vê seu pai como um ser humano vulnerável, não apenas como uma figura autoritária. Através da música, ela percebe a ausência de comunicação em sua vida e a razão pela qual seu pai nunca lhe dirigira a palavra. Essa realização a faz refletir sobre o relacionamento deles, levando-a a entender que o silêncio entre eles era uma forma de comunicação não verbal, baseado em expectativas e normas familiares. O momento culminante na igreja marca uma transformação em Remédios, que, a partir desse dia, começa a crescer apressadamente, simbolizando uma nova fase em sua vida e na compreensão de sua identidade e do papel de seu pai.

"O Filho do Coronel" narra a relação tensa entre o coronel Aureliano Buendía, sua esposa Dona Soledad e seu filho Tobias, que enfrenta problemas com o alcoolismo. O coronel espera Tobias em casa, mas o rapaz frequentemente desaparece, retornando apenas quando a fome se torna insuportável. Dona Soledad, preocupada com o filho, observa sua luta interna e o padrão de retorno à casa somente em busca de comida.

A história retrata a dor e a frustração da família, especialmente de Dona Soledad, que, mesmo mantendo esperança de que Tobias mude, percebe que seu comportamento reflete uma espiral descendente. O coronel, por sua vez, demonstra uma atitude cínica, acreditando que Deus não faz milagres com bêbados, e parece resignado à situação do filho. Quando Tobias finalmente retorna após um período de ausência, ele entra em casa de forma descontrolada, demonstrando seu estado de desespero e vulnerabilidade. A cena se intensifica quando Dona Soledad tenta confortá-lo, mas Tobias, em sua raiva e dor, resiste a qualquer ajuda. O clímax ocorre quando ela o agarra, tentando convencê-lo a ficar, pelo menos até que ele coma um pedaço de carne, simbolizando um desejo de nutrir não apenas seu corpo, mas também sua alma.

"O Regresso de Meme" narra a transformação de Meme, uma mulher que havia sido criada na casa da família, ao retornar à igreja após um período de ausência. A história é contada pela perspectiva de um narrador que observa com estranheza a nova versão de Meme, que aparece vestida de maneira extravagante, com saltos altos, uma roupa de seda estampada e um chapéu decorado com flores artificiais. Essa mudança na aparência a torna quase irreconhecível, contrastando com a simplicidade com que sempre foi vista em casa.

Durante a missa, Meme se comporta de maneira afetada e diferente do que era antes, atraindo a atenção e a curiosidade dos presentes, tanto aqueles que a conheciam como criada quanto os que nunca a tinham visto. O narrador fica intrigado com sua nova postura e se pergunta sobre seu desaparecimento e o que teria acontecido para que ela retornasse dessa forma. Ao final da missa, Meme sai da igreja e é cercada por um grupo de pessoas que a observam com uma mistura de admiração e ridículo. Nesse momento, seu pai, que a sustentou por anos, a toma pelo braço e a conduz pela praça com uma atitude de desdém, ciente de que a aparência de Meme não é bem recebida pelos outros. Esta cena destaca a tensão entre a nova identidade que Meme tenta assumir e as expectativas sociais que a cercam, além de refletir sobre as complexidades das relações familiares e sociais.

O "Monólogo de Isabel Vendo Chover em Macondo" descreve a experiência de Isabel durante um intenso período de chuva em Macondo, que começa de maneira revitalizante após um longo verão seco, mas rapidamente se transforma em uma situação opressiva e devastadora. A narrativa inicia-se com a alegria inicial de Isabel e sua madrasta ao ver a chuva, que traz frescor e renova a vegetação. No entanto, conforme as chuvas persistem, a atmosfera muda, e a alegria se transforma em um sentimento de entorpecimento e desespero. Isabel observa a transformação do ambiente e das pessoas ao seu redor, incluindo seu pai e a madrasta, que passam de uma sensação de esperança para uma apatia diante da contínua chuva. A casa começa a inundar, e o clima torna-se pesado e triste, refletindo a desolação que se instala na vida cotidiana. Isabel também menciona a presença de uma vaca no jardim, simbolizando a resistência à mudança e a impotência diante da força da natureza.

"Um Homem Vem na Chuva" narra a experiência de uma mulher que, ao ouvir a chuva, rememora o passado e a expectativa de um visitante. Em um dia tempestuoso, ela sente a presença de um homem que frequentemente imaginou, mas que nunca chegava a bater à sua porta. Com o tempo, ela aprendeu a identificar os sons da chuva e a substituir a esperança de sua chegada por lembranças nostálgicas de momentos passados, como ensinamentos e canções. Certa noite, a mulher percebe que o homem realmente chegou: ele bate à porta e entra. A cena é carregada de ansiedade, e a mulher observa como ele se apresenta, com um olhar familiar que a faz lembrar de pessoas queridas do passado. Enquanto isso, a outra mulher na casa se prepara para recebê-lo, e o clima de expectativa se intensifica.

A maestria de Márquez em entrelaçar essas histórias é uma celebração da vida e da resistência, onde cada personagem, em sua busca por significado e conexão, reflete a condição humana em toda sua complexidade. A obra é um convite à reflexão sobre como as memórias e as experiências passadas moldam nosso presente e nos preparam para o futuro. Com sua prosa poética e rica em simbolismo, o autor nos brinda com uma leitura que ressoa profundamente, deixando uma marca indelével na literatura contemporânea.

Resenha: Herdeiro das trevas, de C.S Pacat



APRESENTAÇÃO

Os guerreiros da Luz sobreviveram ao primeiro ataque das Trevas, mas pagaram um preço alto demais. Com outra ameaça prestes a eclodir, se não agirem depressa, muito mais tragédias estarão a caminho.

Perseguidos pelas forças inimigas, Will e seus aliados precisam deixar a segurança do Salão e viajar até o mundo antigo para deter a ascensão das Trevas, fazendo novas e perigosas alianças e desvendando segredos impactantes do passado. No entanto, Will também esconde um segredo sombrio: sua verdadeira identidade. Caso a verdade venha à tona, quem é amigo pode se tornar um inimigo. Mas a atração que sente por James St. Clair, o Traidor, faz com que se aproxime cada vez mais de sua vida pregressa e das Trevas.

RESENHA

O livro 'herdeiro das trevas', é o segundo livro da série 'ascensão das trevas', da autora australiana C.S Pacat, publicado no Brasil pela editora Galera, selo adolescente do Grupo Editorial Record. O livro se inicia apresentando a angustiante experiência de Visander, que acorda sufocado e confinado em um caixão, enterrado vivo. O pânico e a claustrofobia o dominam enquanto ele tenta entender como foi parar ali e recordar os eventos que o levaram a essa situação, incluindo sua interação com uma rainha e a promessa de retornar. A narrativa destaca sua luta desesperada para escapar, mostrando sua determinação em vencer a morte e a opressão, simbolizada pela terra que o envolve.

Visander, impulsionado por lembranças e pela raiva direcionada ao Rei das Trevas, tenta romper o caixão, mas a terra desmorona e o sufoca mais. Em um momento de clareza, ele se lembra de sua promessa de ser um "Retornado" e se esforça para cavar em direção à liberdade. Quando finalmente consegue emergir do solo, ele descobre que não está mais em seu corpo familiar, mas em um novo e desconhecido, o que traz à tona questões sobre identidade e transformação. A história é intercalada por uma nova perspectiva que introduz Will, que chega a um lugar devastado e isolado. Ele e seu amigo James observam a destruição e a escuridão que cercam seu antigo lar, o Salão dos Regentes. Will, que carrega o peso de seu passado e os segredos de sua verdadeira natureza, enfrenta dilemas sobre lealdade, traição e o que significa ser um herói. A tensão entre ele e James, que tem um passado sombrio, é palpável, e a presença de Violet, que também tem suas próprias batalhas internas, adiciona complexidade à dinâmica entre os personagens.

Em síntese, a obra é marcada por uma narrativa que mistura elementos de fantasia, ação e drama, apresentando personagens complexos e bem desenvolvidos que enfrentam dilemas morais e emocionais. A construção de tensão crescente nos capítulos proporciona uma experiência imersiva, onde cada decisão tem consequências significativas, refletindo a fragilidade da condição humana diante do destino.

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