APRESENTAÇÃO
Zygmunt Bauman, um dos mais originais e perspicazes sociólogos da história, investiga de que forma nossas relações tornam-se cada vez mais "flexíveis", gerando níveis de insegurança sempre maiores.
RESENHA
Na obra de Zygmunt Bauman, a liquidez é explorada através do prisma das relações humanas na era pós-moderna. A leitura revela que a pós-modernidade introduziu elementos de incerteza, dúvida, liberdade e fragilidade nessas relações, sejam elas amorosas ou sociais. Bauman estabelece desde o início o propósito de seu trabalho: elucidar, documentar e compreender a enigmática fragilidade dos laços humanos, o sentimento de insegurança que ela provoca e os desejos conflitantes de fortalecer e ao mesmo tempo afrouxar esses laços (BAUMAN, 2004, p. 8).
Bauman defende que vivemos em um mundo fluido, que rejeita tudo o que é sólido e duradouro. Em quatro capítulos, ele descreve o amor líquido do homem moderno, que anseia por companhia, mas resiste a comprometer sua liberdade em uma relação muito próxima. Ele observa a tentação de se apaixonar e a atração igualmente forte de escapar (BAUMAN, 2004, p.23).
A obra é dividida em quatro capítulos e retrata o cidadão da nossa sociedade moderna líquida como o homem sem vínculos - Der Mann ohne Verwandtschaften - o herói de sua obra.
O primeiro capítulo examina a facilidade com que o homem moderno se apaixona e se desapaixona. Bauman compara o amor à morte, sugerindo que as dificuldades encontradas no amor podem ser transpostas para a morte. A definição romântica de amor como “até que a morte nos separe” está obsoleta. Os padrões do amor foram rebaixados e a palavra amor agora se refere a qualquer tipo de experiência, não necessariamente aquelas que envolvem um relacionamento sólido.
No amor, a comunhão e a troca são importantes como meios para alcançar o objetivo final. O amor se transformou em um investimento, onde se investe tempo e dinheiro na expectativa de um retorno lucrativo. Com a perda de alguns valores e a individualização das pessoas, torna-se mais difícil alcançar a capacidade de amar.
O desejo é um impulso, e sua realização completa leva ao suicídio. A realização do desejo nutre o indivíduo ao mesmo tempo que o consome. O amor, apesar de ser um sentimento puro e cheio de boas intenções, caminha lado a lado com o poder, o que pode trazer medo para o relacionamento. Isso torna mais confortável ser temido do que ser amado.
O medo do fracasso no amor leva as pessoas a buscar alternativas para superar o fracasso, resultando em uma superficialidade que permite aos seres humanos superar e “apagar” um amor fracassado. A tendência é que as pessoas se tornem mais parecidas com máquinas, seres frios e mecânicos.
No segundo capítulo, Bauman reflete sobre o homo sexualis, afirmando que a cultura é fruto do encontro dos sexos. O sexo deve ser racional e livre de ilusões. O homo sexualis deu lugar a dois “solitários”, o homo economicus e o homo consumens. O primeiro é necessário para manter a economia em movimento, enquanto o segundo vê no consumo sua terapia e na busca pelas melhores ofertas a cura para sua solidão.
Bauman observa uma separação entre sexo e reprodução, com a reprodução se tornando objeto da medicina. Os filhos são planejados de acordo com as necessidades e desejos dos pais, e Bauman sugere que os filhos se tornaram um objeto de consumo emocional.
Ele também discute o consumismo, onde o importante não é acumular bens, mas usá-los e descartá-los para adquirir novos. Na sociedade atual, o consumismo se estende não apenas a bens, mas também às pessoas, indicando uma inversão de valores.
O sexo hoje em dia se tornou banalizado. O amor não é mais um componente essencial do ato, e a busca pelo prazer se tornou mais importante que o amor complementando o prazer. Como mencionado anteriormente, o amor não é mais o ponto central do relacionamento, mas sim o prazer, já que é comum descartar o indivíduo e seguir em frente.
Bauman destaca o celular como um acessório indispensável, pois permite que a pessoa esteja sempre conectada, facilitando o contato com outras pessoas sem a necessidade de proximidade física. Ele também menciona o namoro online, cujas vantagens incluem segurança e falta de compromisso, além da opção de escolher o “produto” mais agradável, reforçando a liquidez e a fragilidade de entrar em um relacionamento na pós-modernidade.
No terceiro capítulo, Bauman aborda a dificuldade de amar o próximo. Ele argumenta que o mandamento de “amar o próximo como a si mesmo” não pode ser considerado razoável, pois pressupõe o amor próprio como um dado indiscutível. “O amor próprio é uma questão de sobrevivência, e a sobrevivência não precisa de mandamentos” (BAUMAN, 2005, p.46).
Bauman discute como o mundo atual parece estar conspirando contra a confiança, condenada a uma vida de frustrações em nossa sociedade reflexiva, onde a confiança não é muito reforçada.
Junto com a reflexão, surge a moralidade. Emmanuel Levinas questiona “por que eu deveria ser ético?”, como se perguntasse o que se ganha com isso. Bauman responde que a moralidade é uma manifestação da humanidade estimulada, que não serve a nenhum propósito e não é guiada pela expectativa de lucro, conforto, glória ou auto-engrandecimento. No entanto, na sociedade atual, as boas ações são motivadas pela busca do lucro que se obteria ao praticá-las.
As forças da globalização dissolvem o mundo pessoal e as pessoas tentam se apegar a si mesmas, o que resulta em uma busca por sentido e identidade. A mixofobia, descrita por Bauman como o medo do diferente, tem raízes banais. Richard Sennet indica que “o sentimento de nós, que expressa um desejo de semelhança, é uma maneira dos homens evitarem a necessidade de examinar uns aos outros mais profundamente”.
Uma “comunidade da mesmice”, como Bauman descreve, nos dá uma sensação de segurança. O desejo de permanecer em um ambiente homogêneo, na companhia de pessoas “iguais”, levou algumas cidades norte-americanas caracterizadas pela homogeneidade a desenvolverem um certo medo do que estava fora daquela realidade, perdendo a habilidade de conviver com a diferença e alimentando a mixofobia.
No último capítulo, Bauman aborda a xenofobia e a preocupação com a segurança na sociedade moderna. A imigração nos Estados Unidos é um dos principais pilares do país, mas o desprezo por esses imigrantes é um ataque a essa característica de sua identidade. Esses imigrantes são acusados da crise financeira presente no mundo moderno e são os principais criminosos e culpados pelos males do Estado-nação.
Bauman discute o “lixo humano” produzido pela humanidade, onde a ordem social e o progresso econômico são as principais causas dessa seleção, descarte e exclusão de pessoas que não se encaixam na nova ordem social. Ele destaca que o Estado moderno produziu “pessoas sem Estado”, o trabalhador explorado que pode ser facilmente substituído. A elite global contrasta com os refugiados que ocupam fisicamente um determinado espaço, mas não pertencem a ele.
Para concluir, Bauman afirma que o único consolo diante da realidade sombria da modernidade líquida é a constatação de que a história ainda não terminou e que o homem ainda pode fazer escolhas.
Bauman conseguiu capturar a complexa relação do homem moderno em todos os seus aspectos mais cruciais. O amor foi substituído pelo prazer. A trivialização do amor, dos relacionamentos, a sensação de segurança de estar conectado a alguém sem sofrer, transformaram o mundo moderno em um lugar onde a vida parece ter perdido seu sentido.
Esse isolamento e insegurança humana trazem consequências devastadoras, que podem levar ao fim do convívio humano, como a xenofobia e a mixofobia, que levam o ser humano a desejar estar sozinho, afastado de todos.
A conclusão que tiro da leitura desta obra é que a fragilidade presente nas relações humanas hoje em dia é algo que não deveria existir. Ao reduzir o amor ao prazer, perdemos os laços humanos. O autor conseguiu reunir nesta obra todos os pontos impactantes da modernidade e do avanço tecnológico em nossas relações.
Esse desapego do ser humano para com o outro traz impactos muito fortes na sociedade, como a insegurança de viver com as diferenças, a banalização do sexo e da reprodução visando apenas o lucro, o que me faz questionar para onde o ser humano está indo com tudo isso.
O contato com o outro já não é mais o mesmo, e isso pode ser observado em um bar, onde deveria ser um lugar para compartilhar momentos com o outro, as pessoas estão fixadas em seus celulares, sem sequer olhar para a pessoa que está ali, à sua frente. Isso levanta a questão: o avanço tecnológico, que por um lado é extremamente benéfico em vários aspectos, pode estar tornando a sociedade egoísta e colocando cada um dentro de uma bolha de isolamento? Tudo isso me fez pensar que o ser humano está caminhando para a solidão, o egoísmo tomou conta das pessoas e as está afastando cada vez mais.
Sobre o autor
ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra — com destaque para o best-seller Amor líquido. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970.
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