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Entrevista Exclusiva: Vitor Zindacta e as Rupturas do Universo Literário

REDAÇÃO: É um prazer recebê-lo, Vitor. Seu trabalho transita com notável fluidez entre o romance psicológico, a não-ficção e até mesmo o dark romance, o que já denota uma complexidade. Para começar, o que move essa sua incessante busca por espectros temáticos e estilísticos tão distintos?

VITOR ZINDACTA: O prazer é meu. Acredito que essa "incessante busca", como você coloca, é menos uma estratégia de mercado e mais uma necessidade intrínseca do meu processo criativo. Cada tema exige uma voz, uma arquitetura narrativa única. O luto, por exemplo, em "Viver com a Perda", demandou uma prosa cirúrgica e empática, enquanto o submundo emocional de um dark romance exige uma entrega visceral, quase perversa, à ficção. A transição é o meu modo de evitar a fossilização do estilo. A escrita é, para mim, um campo de testes perene.


I. A Natureza da Criação e o Espectro Literário

REDAÇÃO: Se a escrita é um campo de testes, em que medida a autoficção — ou a inevitável projeção do "eu" na obra — se manifesta, mesmo em narrativas de caráter puramente ficcional, como seus romances? Onde traçamos a linha, ou ela é, no fundo, uma ilusão?

VITOR ZINDACTA: A linha é uma pretensão acadêmica. Ela se esmaece no ato da escrita. Mesmo quando crio um assassino de aluguel em Nova York, as motivações dele são filtradas pela minha compreensão da psique humana, pelos meus medos e minhas observações do mal. O escritor não inventa a emoção; ele a recicla. A ficção é o meu melhor disfarce.

REDAÇÃO: Se a emoção é reciclada, qual o papel da pesquisa empírica e da imersão social na construção de universos ficcionais tão densos? É suficiente apenas a introspecção?

VITOR ZINDACTA: De forma alguma. A introspecção fornece a chama, mas a pesquisa fornece o combustível e a estrutura metálica. Não se escreve sobre o luto sem ter encarado a perda, nem sobre a violência sem ter estudado suas nuances sociológicas e psicológicas. A verossimilhança exige mais do que imaginação; exige diligência.

REDAÇÃO: Na sua visão, qual é o maior dilema ético que um escritor contemporâneo enfrenta ao abordar temas tabus ou moralmente ambíguos, como a violência ou o desejo predatório, sem cair na romantização ou na simplificação?

VITOR ZINDACTA: O dilema reside em não oferecer conforto. O escritor não é um pregador ou um terapeuta; ele é um observador. O desafio é explorar a sombra sem julgamento explícito, permitindo que o leitor confronte suas próprias zonas de desconforto. Romantizar é trair a complexidade. A seriedade jornalística exige a nuance, e a ficção não deveria exigir menos.

REDAÇÃO: Com a ascensão da Inteligência Artificial, há um temor crescente sobre a desumanização da escrita. O que a IA representa para o ofício do escritor? Um co-piloto ou uma ameaça existencial à originalidade?

VITOR ZINDACTA: A IA é um espelho pragmático. Ela pode mimetizar a estrutura, a sintaxe, até mesmo o estilo, mas não a experiência intrínseca e o trauma que dão alma à narrativa. Ela é uma ferramenta eficiente para a carpintaria, mas jamais para a arquitetura emocional. A ameaça não está na escrita em si, mas na nossa preguiça de valorizar o que é genuinamente humano.


II. O Processo Criativo e a Arquitetura da Obra

REDAÇÃO: Seus livros, mesmo os de não-ficção, demonstram uma preocupação notável com a musicalidade da prosa. Qual é o peso da sonoridade e do ritmo na sua revisão, e como isso se conecta com a carga semântica?

VITOR ZINDACTA: O ritmo é a batida cardíaca da frase. Uma frase mal ritmada, mesmo com semântica impecável, tropeça na leitura. Na revisão, eu leio em voz alta, procurando o eco, a cadência, a pausa dramática. A musicalidade não é um ornamento; é um veículo para a emoção. A dor, o desejo, o suspense, cada um tem seu próprio tempo na página.

REDAÇÃO: O que, em sua opinião, distingue o "bom" diálogo do mero preenchimento narrativo, especialmente em gêneros que dependem da tensão interpessoal, como o romance e o thriller?

VITOR ZINDACTA: O bom diálogo tem pelo menos três camadas: o que é dito, o que é pensado (a intenção oculta) e o que é revelado sobre o personagem. Diálogos eficientes movem a trama, mas diálogos excelentes movem o subtexto. Se um personagem está apenas servindo para dar informação, ele está falhando.

REDAÇÃO: Qual é o papel da estrutura formal — a escolha entre primeira, terceira pessoa, narrativas não lineares — na definição do tom moral de uma obra? Você percebe essa escolha como um imperativo ético da história?

VITOR ZINDACTA: A estrutura é o prisma através do qual a moralidade da história é refratada. A primeira pessoa, por exemplo, em um romance com um protagonista moralmente comprometido, força o leitor a uma cumplicidade incômoda. É um imperativo de imersão, mais do que ético. A voz que escolhemos define o nível de confiança que o leitor pode depositar na narrativa.

REDAÇÃO: O que significa, para um escritor, "matar seus queridos" — não apenas personagens, mas também parágrafos e ideias intelectuais que, embora brilhantes isoladamente, não servem à totalidade da obra?

VITOR ZINDACTA: É o exercício mais doloroso da humildade. Significa reconhecer que o livro é maior que o seu ego. Uma frase pode ser linda, um conceito pode ser fascinante, mas se desvia o fluxo ou sobrecarrega o leitor, é preciso eliminá-lo. A arte da escrita é, em grande parte, a arte da ablação cirúrgica.

REDAÇÃO: Em um mundo de atenção fragmentada e fast-consumption, qual a responsabilidade do livro em manter a complexidade, a nuance e a demanda por uma leitura lenta e reflexiva? O mercado impõe uma simplificação?

VITOR ZINDACTA: O mercado tenta impor a simplificação. Mas a responsabilidade do livro é a de resistir. Se um livro cede à lógica do scroll, ele perde sua essência. O livro, em sua forma física e conceitual, é um convite à desaceleração. É um contraponto à era do ruído. Se não for para exigir reflexão, que se escreva um tweet.


III. A Recepção, o Legado e a Crítica

REDAÇÃO: Como você percebe a relação entre a intenção autoral e a interpretação do leitor? O leitor tem a palavra final sobre o significado de uma obra, ou o autor detém a chave mestra?

VITOR ZINDACTA: O autor constrói a casa e planta o jardim. Mas, uma vez publicado, o leitor é quem decide como viver nela. A intenção é importante para mim, mas é a experiência do leitor que dá longevidade ao livro. Meu trabalho é garantir que as portas estejam abertas e os cômodos sejam ricos em possibilidades, mas a chave mestra, francamente, fica na mão de quem lê.

REDAÇÃO: No que tange à crítica literária, qual o seu maior temor: a indiferença total ou a crítica que, por má leitura, distorce a essência da sua proposta?

VITOR ZINDACTA: A indiferença é a morte da obra. A crítica distorcida, por mais irritante que seja, pelo menos prova que o livro ecoou, mesmo que dissonantemente. O que me incomoda é a crítica que avalia o livro não pelo que ele é, mas pelo que o crítico gostaria que ele fosse, aplicando métricas ideológicas externas em vez de estéticas internas.

REDAÇÃO: A publicação de obras em gêneros polarizados, como o dark romance, pode gerar uma estigmatização do autor perante a crítica mais tradicional. Como você navega essa dicotomia entre o popular e o erudito?

VITOR ZINDACTA: Eu a navego com um ceticismo saudável. A distinção entre "popular" e "erudito" é, muitas vezes, uma barreira de classe e esnobismo, e não de qualidade intrínseca. A boa escrita reside na execução, na profundidade dos personagens, na construção da linguagem. Se o dark romance permite uma exploração brutal da psique humana com alto nível de escrita, ele merece ser levado a sério. Gosto não é sinônimo de qualidade.

REDAÇÃO: Qual o papel da dor e do sofrimento — não apenas como tema, mas como motor criativo — no seu processo de escrita? É um requisito para a profundidade?

VITOR ZINDACTA: A dor e o sofrimento são os catalisadores mais potentes da empatia. Não são um requisito, mas são inevitáveis. A escrita é, em muitos aspectos, um processo de transmutação: transformar o material bruto da angústia pessoal ou observada em algo estruturado e comunicável. Quem escreve sobre a vida sem tocar na dor está escrevendo uma vida incompleta.

REDAÇÃO: Se pudesse dar apenas uma advertência ao jovem autor que busca a publicação no mercado saturado de hoje, qual seria?

VITOR ZINDACTA: Não romantize a profissão. Escrever é 5% inspiração e 95% trabalho duro, marketing e a capacidade de suportar rejeição. Escreva porque você precisa, não porque você quer ser famoso. O resto é ruído.


IV. Perspectivas e o Futuro da Leitura

REDAÇÃO: O que a sua incursão pela não-ficção, especificamente em temas como o luto ("Viver com a Perda"), ensinou-lhe sobre a limitação e o poder da linguagem que não estava aparente em suas obras de ficção?

VITOR ZINDACTA: A não-ficção me ensinou a deferência pela realidade. Na ficção, eu crio a catástrofe. Na não-ficção, eu a descrevo e processo. Descobri que, ao lidar com a dor real, a linguagem precisa ser ainda mais humilde e precisa, evitando metáforas vazias. O poder da linguagem, então, reside em sua capacidade de ser um guia, não um mero adorno.

REDAÇÃO: O que o sucesso de obras de não-ficção sobre saúde mental e autoconhecimento reflete sobre o estado atual da sociedade e a relação do indivíduo com a leitura como ferramenta de cura ou compreensão?

VITOR ZINDACTA: Reflete uma sociedade que está finalmente pedindo o manual de instruções que nunca recebeu. Estamos exaustos do espetáculo e buscando o significado tangível. A leitura se torna um ato de auto-resgate, uma busca por validação ou por ferramentas para processar o caos interno e externo. É um sinal de que estamos, talvez, mais dispostos a encarar a complexidade da nossa própria mente.

REDAÇÃO: Qual é o risco de se confundir a leitura terapêutica com a leitura crítica e estética, diluindo o papel da arte em prol da autoajuda?

VITOR ZINDACTA: O risco é o de esvaziar o canhão de sua munição artística. A arte, para ser arte, deve ser subversiva, desconfortável e esteticamente rigorosa. Se ela for reduzida apenas a um conselho útil, perde seu poder de transformação radical. A leitura terapêutica é válida, mas não pode ser o único critério de valor para a literatura.

REDAÇÃO: O que, em sua opinião, é o "Best-Seller" da próxima década? Uma revolução de formato, de gênero, ou um retorno a temas clássicos sob uma nova ótica?

VITOR ZINDACTA: Será o livro que conseguir integrar, de forma orgânica e não forçada, a experiência digital com a profundidade analógica. Não um livro interativo fútil, mas uma narrativa que entende a ansiedade de conexão e a solidão hiperconectada do nosso tempo. Um retorno aos clássicos, sim, mas reescrito com a linguagem da ambivalência moderna.

REDAÇÃO: Você já afirmou que a literatura é um "mapa da falência humana". Poderia expandir essa ideia e explicar como a literatura, ao expor essa falência, paradoxalmente nos redime?

VITOR ZINDACTA: A literatura é o mapa porque ela documenta nossos erros recorrentes: a traição, a ambição desmedida, o amor destrutivo. Ela mostra que somos essencialmente falhos, e é aí que reside a redenção. Ao lermos sobre a falência de um Bentinho, de um Raskólnikov ou de um Dom Casmurro, nós nos sentimos menos sozinhos em nossa própria fragilidade. A arte não resolve a falência, mas a torna suportável e, paradoxalmente, universal.

REDAÇÃO: Para encerrar, qual a pergunta não formulada que você, como autor, gostaria de responder?

VITOR ZINDACTA: A pergunta é: No fim das contas, a escrita vale o preço pessoal que se paga por ela?

REDAÇÃO: E qual é a sua resposta, Vitor?

VITOR ZINDACTA: A escrita é o único caminho para tornar a dor útil. É uma troca: você entrega sua paz em troca de uma história. Sim, vale a pena. É o único modo de sobreviver à complexidade sem enlouquecer.


REDAÇÃO: Vitor Zindacta, muito obrigado por esta conversa tão franca e instigante.

VITOR ZINDACTA: Eu que agradeço o espaço para o desconforto e a reflexão.

Resenha Crítica Analítica de Trímeros (Livros de Odes) 1965-1993)


A obra Trímeros (Livros de Odes) 1965-1993), de Heleno Godoy, publicada em 1993 , transcende a mera coletânea cronológica, apresentando-se como um rigoroso exercício de autocrítica e reflexão metalinguística sobre o processo de individuação e a trajetória poética do autor. O livro, cuja própria configuração é triádica , busca na sua estrutura um meio para "restaurar o 'continuum' processual de sua individuação". O poeta, ao final da obra, reconhece que o livro representa o processo de sua caminhada e a "construção do que tem sido meu trajeto como poeta". A unidade da obra, então, reside na mediação da terceira parte, sem a qual o livro seria apenas "mero exercício de artesanato, fria demonstração de / habilidades".

A primeira parte, "Do Livro do Substantivo Próprio" (1965-1967/1992-1993) , é concebida como uma "visão de dentro/interior" , um "locus amoenus" onde se inicia o percurso da subjetividade poética. O poeta descreve esta fase como o resultado de uma tentativa, frustrada na década de 1960, de unir as leituras de Alberto Caeiro e Ricardo Reis, heterônimos de Fernando Pessoa, mas que hoje lhe parecem mais próximas de William Wordsworth e John Keats. Nesta seção, o eu-lírico, em sua relação com Lídia, celebra o Imaginário e a plenitude de uma existência imóvel, comparável a uma "imobilidade estatuesca". A experiência é de "sono sensual a ultrapassar / a ideia da forma e a alcançar o sonho infinito". O sujeito resiste a qualquer "corte castrativo" ou "ferimento" que o lance ao precipício , preferindo a existência em um par ímpar que é só um. O tema da contenção e do "calmo controle" do amor é central. O poeta questiona se a vida seria "apenas o pó imóvel / a recobrir estradas e móveis há muito / não usados?" , respondendo com a afirmação de que "somos a presença e o tempo comuns". O livro I, que se encerra com a promessa de mover "as estrelas de nossos céus extremos" , é o momento em que a subjetividade se opõe à agitação.

O segundo livro, "Do Livro dos Substantivos Comuns" (1969-1975/1992-1993) , é a antítese do primeiro, refletindo uma "visão de fora/exterior". O período de escrita foi de "engajamento político e estético, / propostas e reformulações" , que resultou em uma "visão distanciada, concretizante e autoritária" das coisas. A poesia se esforça por nomear o mundo, mas sem o "corte ou ferimento" da castração, não há trânsito para o Simbólico. O resultado é uma nomeação precária que se torna um "ato divinatório de uma circunstancialidade". Os poemas desta seção assumem um tom objetivado e crítico, tratando de objetos que encarnam a dominação e o tempo da modernidade. "O Relógio", por exemplo, é visto como uma "tirania, / métrica impositiva e estreita" , que "não marca a hora, escande-a" , e cujo mecanismo "ilude e adoece". "O Carro" é igualmente criticado, sendo apenas "repetição" e "exibição de felic- / idade cara e ambulante". O "Poema" reconhece que o texto "não encontra seu próprio caminho" em "estrada lisa, / regular, facilitada" , mas sim em um "caminho errante". A linguagem torna-se o campo de batalha, onde "O espelho não é, pois, inocente, / reflete o abismo de uma ousadia". O "Rio" corre impassível, "sem nada fazer, / sem fazer, precioso ou / privado, novo mundo seu" , e segue um "curso desistente, / ao destruir seu traço / distintivo e ao correr / para o mar da anulação / de seu propósito".

O terceiro livro, "Do Livro dos Substantivos Imaginados" (1991-1993) , de elaboração recente , tem a função estrutural de mediação. O poeta busca "reelaborar ou redimensionar as duas visões anteriormente / referidas" , fundindo as perspectivas "de dentro" e "de fora" em uma só visão que "vê" e obriga a "ser visto". Contudo, a crítica sugere que o sujeito da enunciação "não conseguiu ele-sujeito ou ela- / voz ludibriar o 'vidro cortante'". Os poemas desta seção, que retratam figuras conhecidas do meio cultural goiano e brasileiro como Ático Vilas-Boas da Mota, Bernardo Élis, Miguel Jorge e Yêda Oscarlina Schmaltz, utilizam a descrição animal e a ironia para construir o retrato do habitus e da singularidade de cada um. Bernardo Élis, por exemplo, é "como uma garça, pernalta de / passos largos, um jaburu ensi- / mesmado, taciturno bicho do / mato" , cuja prosa se escreve com "pureza de polvilho". Miguel Jorge, que se esconde "como uma / coruja se esconde entre galhos" , "não mente sobre a idade que / tem: na verdade, ele não a tem / (nem quer)". A poeta Yêda Oscarlina Schmaltz é "como uma girafa esplêndida e seu / alto pescoço e as pernas longas" , cuja "transparência compacta, ociosidade / aplicada, aspereza dúctil, conhe- / cimento impenetrável" a faz conformar-se "à imagem e à semelhança de si mesma". O autor, ao fim, deseja ter "aprendido a deixar de / olhar só para mim mesmo, ou só objetivamente para as coisas e as pessoas". O gozo da leitura e da criação reside no desvelamento desse "só tempo e um só lugar, em três lugares e em três tempos".

Resenha: Goiânia: Fundações da Modernidade Literária no Cerrado

A coletânea Território, cidades e cultura no cerrado, organizada por Ademir Luiz da Silva, Eliézer Cardoso de Oliveira e Marcelo de Mello, e publicada em 2012 , se apresenta como um encontro interdisciplinar entre pesquisadores que estudam o bioma Cerrado, rompendo com as visões simplistas para percebê-lo como um "domínio" onde ambientes físicos, biológicos e socioculturais são integrados e fundidos. A obra reconhece que o Cerrado tem sido, desde a pré-história, um "lugar de encontros entre povos de culturas diferentes" , e que, nas últimas décadas, tem passado por um intenso processo de modernização e desenvolvimento econômico, o que resultou em crescimento populacional e urbanização acelerada, mas também em consequências danosas como a degradação ambiental e a ameaça a saberes tradicionais. O livro é um esforço conjunto de docentes da Universidade Estadual de Goiás (UEG) para criar uma análise crítica dos domínios do Cerrado, em vista da aprovação de um mestrado interdisciplinar sobre o tema.

A primeira parte, "Transformações Territoriais e a Cultura Urbana no Cerrado", aborda a dinâmica do desenvolvimento e a modernização do território goiano. Janes Socorro da Luz, em "Os Caminhos do Desenvolvimento e Modernização do Território: A Dinâmica Territorial e a Urbanização em Goiás", analisa a apropriação do território goiano, que, inicialmente marcado pela rarefação do povoamento e pela noção de "sertão" , rompeu o isolamento através do avanço técnico-científico e informacional. A inserção do território no sistema produtivo nacional se deu em duas fases: a mineradora (séculos XVIII e XIX) e a agropastoril (a partir do final do século XIX) , sendo esta última impulsionada pela pecuária, que se autotransportava. A chegada da ferrovia no início do século XX dinamizou o Centro Goiano , que passou a ser o principal centro econômico, social e político. A autora destaca o papel fundamental do Estado em três momentos no século XX: a Marcha para o Oeste de Vargas , o Plano de Metas de Kubitschek , e a fase militar , que aceleraram a industrialização e urbanização. O processo de urbanização em Goiás se destaca pela concentração demográfica no eixo dinâmico Goiânia-Anápolis-Brasília , com os municípios médios (100.000 a 500.000 habitantes) sendo os que mais cresceram entre 2000 e 2010 (65,00%). A cidade de Anápolis e Rio Verde são destacadas como centros regionais dinâmicos e multifuncionais, sendo a primeira um centro de indústria de transformação e logística, e a segunda, de agropecuária moderna e agronegócio. Dulce Portilho Maciel, em "Estado e território na hinterlândia brasileira: as ações da Fundação Brasil Central (FBC) - 1943-1967", examina a ação do Estado na hinterlândia brasileira sob o signo do sistema capitalista , que buscou a inserção econômica e cultural do Brasil Central. A criação da Fundação Brasil Central (FBC) em 1943, sob o contexto do Estado Novo e da Marcha para o Oeste , foi uma iniciativa improvisada para implantar uma rota de comunicações entre o Rio de Janeiro e Manaus. A FBC, com dupla natureza jurídica , explorou empreendimentos como a Entrepostos Comerciais Brasil Central Ltda. e a Usina Central Sul-Goiana S/A, a primeira do gênero em Goiás , e administrou a Estrada de Ferro Tocantins (EFT) , que foi um eixo vital para o povoamento e desenvolvimento. A instituição, contudo, foi marcada pela negligência e crise financeira , e sua sobrevivência dependeu de dotações orçamentárias da União. O artigo de Marcelo de Mello, "O Homem e a Razão Instrumental no Processo de Apropriação da Natureza do Cerrado", questiona o papel da ciência moderna no processo de apropriação da natureza do Cerrado, indagando a quem o conhecimento científico serve. O autor defende que a racionalidade balizadora da produção agrícola no Cerrado é um instrumento a serviço da "reprodução do capital" , ignorando as realidades sociais e ambientais. Ele critica o paradigma que transformou o Cerrado, antes tido como improdutivo, em palco de recordes de produção, mas que gerou problemas ambientais. Mello argumenta que a busca por paradigmas alternativos deve romper com o estado de "alienação social". Hamilton Afonso Oliveira, em "A ocupação, povoamento e o início do desenvolvimento dos meios de transportes no Sul de Goiás, 1850-1930", detalha o processo de ocupação do sul de Goiás no século XIX, impulsionado pela crise da mineração e pelo crescimento da agropecuária. A região, alvo de ondas migratórias de Minas Gerais e São Paulo , viu seu crescimento demográfico associado à chegada da estrada de ferro ao Triângulo Mineiro e Goiás (a partir de 1912). A ferrovia, e a posterior introdução do automóvel a partir de 1916 , dinamizaram a economia e o transporte, possibilitando a "liberação de capitais antes imobilizados no comércio de tropas". Robson Mendonça Pereira, em "Planos de Intervenção Urbanística: Desafios e Limites nos 'Melhoramentos de São Paulo'", traça um paralelo com as intervenções urbanísticas de São Paulo (1880-1920) inspiradas em Haussmann, que buscavam um "delineamento europeizado à capital". O autor revela que a modernização paulistana foi marcada por um "caráter autoritário da ação dos agentes" e uma "obsessão incontida de requalificação do centro" , que esgotou o "modelo adotado na construção da capital do café" e resultou em um "cenário urbano anárquico e altamente excludente". O artigo de Ademir Luiz da Silva, "Modernidade Tardia: Arte e Urbanização Goiana no Documentário Mudernage", analisa o filme que investiga a arte moderna em Goiânia, usando a imagem das vacas que antecedem os respingos de tinta como um clichê da "terra do boi" que produz arte. A cidade, planejada pelo urbanista Atílio Correia Lima sob a influência do Urbanismo Funcionalista e da arquitetura Art Déco , é apresentada como uma representante da "modernidade tardia". A arte moderna goiana, que surge com a fundação de Goiânia, é marcada pela chegada de artistas europeus e a criação da Escola Goiana de Belas Artes em 1952. O filme, no entanto, mostra que a herança modernista é recusada pelas novas gerações de artistas, que a veem como "conservadora" e "preocupada com questões que se colocaram no começo do século (XX) na Europa". Milena d'Ayala Valva e Gustavo Neiva Coelho, em "Cidades Novas a Serviço do Poder: Um Estudo Comparativo entre Sabaudia (Itália) e Goiânia (Brasil)", comparam as duas cidades fundadas no mesmo ano (1933) como instrumentos político-ideológicos de governos autoritários (Mussolini e Vargas). Em Goiânia, a arquitetura Art Déco e a Praça Cívica simbolizam a modernização e a "imagem do progresso". Em Sabaudia, o plano, que rejeitou o termo "cidade" , buscava a "desurbanização" e o controle da superpopulação das cidades , com a arquitetura racionalista da Praça da Revolução e sua torre de 43 metros servindo à ideologia do fascismo.

A segunda parte, "Os Múltiplos Saberes sobre o Cerrado", aborda a dimensão cultural e ambiental. Poliene S. dos Santos Bicalho, em "Cerrado, Indígenas e Não Indígenas: Encontros e Desencontros", discute as apropriações do Cerrado e a luta dos povos indígenas, que ali habitam há cerca de onze mil anos. A autora destaca a visão dos Xavantes, para quem o Cerrado, ou , é o próprio mundo , e sua preservação é essencial para a sobrevivência cultural. Em contraste, a apropriação pelos não indígenas, como a expansão da cana-de-açúcar e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é marcada por "desmatamento" e "desrespeito ante as populações indígenas". O movimento Acampamento Terra Livre (ATL), iniciado em 2004 , surge como instrumento de protesto contra os impactos de grandes projetos e a demora na demarcação de terras, defendendo o etnodesenvolvimento como uma alternativa sustentável. Maria Idelma Vieira D'Abadia, em "Janelas Abertas do Sertão: Espaço-Tempo das Festividades Religiosas em Goiás", analisa as festas religiosas de padroeiros (as) que se ligam às representações do passado rural de Goiás. As festas, como as de Nossa Senhora da Abadia em Muquém e Posse D’Abadia, tornam-se elementos dinamizadores do local e reforçam a identidade religiosa e territorial. Eliézer Cardoso de Oliveira, em "Quem te Olhou, Mas Não Te Viu: Representações do Maravilhoso sobre o Cerrado Goiano no Século XVIII", examina as narrativas dos séculos XVIII que descrevem o Cerrado a partir da categoria do "maravilhoso", que expressava o "deslumbramento" e a "incapacidade de explicar" o ambiente racionalmente. Os bandeirantes procuravam nas serras, como na Serra dos Martírios, signos místicos que revelariam "incontáveis tesouros naturais". O autor conclui que o "brilho do ouro ofuscou o seu olhar" , prevalecendo uma visão instrumentalizada da natureza como obstáculo ou apoio. Maria de Fátima Oliveira, em "Quando o Sertão Chegou ao Mar: O Território Goiano na Primeira Metade do Século XX Sob a Ótica da Revista A Informação Goyana", analisa o periódico (1917-1935) fundado no Rio de Janeiro com o objetivo de divulgar as "incomparáveis riquezas nativas do interland brasileiro". A revista buscava corrigir a imagem de Goiás como um estado "povoado, quase integralmente rural e com uma economia de subsistência", e incentivar investimentos. Os artigos exaltavam as riquezas naturais e a necessidade de melhoria nos meios de transportes, como a exploração dos rios Araguaia e Tocantins, que ligaria o interior ao litoral. Haroldo Reimer, em "Criação, Natureza e Meio Ambiente", discute a evolução conceitual dos termos, partindo da "criação" influenciada pela Bíblia, que vê o mundo como uma "dádiva" , para a "natureza" do paradigma cartesiano-newtoniano, que possibilitou o avanço da ciência experimental e a visão antropocêntrica. A superação do paradigma da "máquina do mundo" leva à concepção de "meio ambiente" como uma "teia da vida" (Gaia) , na qual o humano deve ser pensado em termos de "convivência e de interdependência". Sandro de Oliveira Safadi e Giuliana Vila Verde, em "O Corpo Tangível como Instância Inacabada da Existência", discorrem sobre a tangibilidade do corpo humano como modo primeiro de existência e o tato como o sentido primordial. O corpo, coberto pela pele, é o "órgão de reconhecimento do mundo", mas a existência humana não se restringe à tangibilidade. A profundidade da paisagem e da arte é "da existência" , e a tangibilidade é apenas o primeiro passo rumo ao humano pleno.

Resenha: Goiânia: Fundações da Modernidade Literária no Cerrado, organizada por Ademir Luiz da Silva e Eliézer Cardoso de Oliveira


A coletânea Goiânia: Fundações da Modernidade Literária no Cerrado, organizada por Ademir Luiz da Silva e Eliézer Cardoso de Oliveira, e publicada em 2021 , estabelece-se como uma investigação crítica e técnica sobre o encontro entre a modernidade urbana e o campo literário em Goiás, especificamente a partir da fundação e desenvolvimento de Goiânia no século XX. O livro se propõe a analisar o processo de autonomização do campo literário goiano, evidenciado pela sofisticação das obras e da crítica, o surgimento de instituições e eventos culturais, e a proliferação de publicações periódicas especializadas. A síntese da obra reside na premissa de que a literatura produzida nesse contexto atua como "documentos complexos de uma sociedade em meio a uma encruzilhada cultural, pressionada a escolher 'entre o arcaico e o moderno'". Essa perspectiva transforma a "realidade da ficção" em um objeto sério de análise, permitindo o estudo das "contradições da modernidade" que se manifestam no sertão. Os organizadores destacam que a modernidade, ao chegar ao sertão, "é obrigada a reconhecer seus próprios limites", capitulando diante da "força inercial da tradição".

O histórico da modernidade em Goiânia, segundo os organizadores, inicia-se com a idealização da cidade como difusora da modernidade e cultura. Um ato simbólico, o batismo da cidade com o nome de um poema épico — Goyania, de Manuel Lopes de Carvalho Ramos — revela-se uma "justiça poética" , mesmo tendo a sugestão recebido apenas dois votos em um concurso popular. A utopia moderna, materializada no traçado urbanístico e na arquitetura Art déco, não se refletiu na maioria dos habitantes, vindos do interior e carregando uma "provincianidade fortemente enraizada" no cotidiano. A virada para uma sociabilidade moderna ocorre a partir de meados da década de 1950, impulsionada pelo crescimento demográfico vertiginoso (de 40.333 habitantes em 1950 para 133.462 em 1960) e pela construção de Brasília. Essa mudança rompeu as barreiras tradicionais, favorecendo a impessoalidade e o surgimento de equipamentos modernos como a Universidade Federal de Goiás, o Parque Mutirama, o Estádio Serra Dourada, e o Autódromo Internacional. Os intelectuais, aproveitando o ambiente menos provinciano, promovem o I Congresso Nacional dos Intelectuais em 1954, evento que reuniu nomes como Pablo Neruda e Jorge Amado, divulgando uma "cultura cosmopolita na cidade". O Bazar Oió e o jornal Oió, fundados em 1957, se tornam referências culturais e o terreno é preparado para o Grupo de Escritores Novos (GEN).

A primeira parte da coletânea concentra-se nos eventos e instituições literárias. Heloisa Selma Fernandes Capel, em "UBE: Sob o Signo da Resistência Cultural", narra a história da União Brasileira de Escritores (UBE) – seção Goiás, inicialmente ABDE, fundada em 1945. A criação da entidade foi catalisada pelo I Congresso Brasileiro de Escritores em São Paulo (janeiro de 1945) e pela Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos (1943). A ABDE, articulada por intelectuais como Bernardo Élis e Cristiano Cordeiro, firmou-se como propulsora da cultura e da luta pela liberdade de expressão contra a censura da Era Vargas. O artigo destaca o papel de Bernardo Élis, que via o futuro no "socialismo democrático, no amor entre os homens, na supressão da exploração do homem pelo homem". A entidade, embora dependente de subvenção política, como a Bolsa Hugo de Carvalho Ramos, manteve uma tônica de "livre expressão e debate de idéias". A publicação de Nos Rosais do Silêncio (1947), de Americano do Brasil, e Ermos e Gerais (1944), de Bernardo Élis, marcou a atuação da ABDE, com o parecer de Marilda Palínea (Maria Paula Fleury de Godoy) valorizando Nos Rosais do Silêncio por seu "espírito de revolta". José Godoy Garcia, em seu parecer sobre Dentro da Noite, de José Milton Vianna, em 1953, defendia que a fonte da "justa poesia" e da "criação literária viva" residia nos "anseios dos humildes, dos oprimidos", criticando o "romantismo da velhíssima escola". Fernando Martins dos Santos, em "I Congresso Nacional dos Intelectuais: A intelectualidade goiana reage ao isolamento cultural", detalha o evento de 1954 que visava reagir ao isolamento cultural e restabelecer a união dos intelectuais brasileiros após a cisão na ABDE de São Paulo. O evento, que contou com patrocínio de Pedro Ludovico Teixeira e a participação de célebres estrangeiros como Pablo Neruda, foi "resultado da reação de intelectuais goianos ao isolamento cultural da jovem metrópole do oeste". A exposição artística, organizada pela recém-fundada Escola Goiana de Belas Artes (EGBA) , incluiu obras de arte popular e de Veiga Valle, cuja seção "mais chamou a atenção dos visitantes, principalmente das delegações estrangeiras". O congresso, noticiado amplamente na imprensa nacional, tornou-se um marco, introduzindo o debate da necessidade de inovações modernistas nas artes plásticas em Goiás, embora mantendo um espaço para a valorização da cultura tradicional.

A segunda parte aprofunda-se nas representações de Goiânia na ficção. Eliézer Cardoso de Oliveira, em "A realidade da ficção: representações da cidade de Goiânia nos contos literários e poemas", utiliza a literatura ficcional para mapear as reações dos goianienses diante da modernização entre 1960 e 1970. O autor aponta que o crescimento populacional vertiginoso (de 74 mil em 1955 para 800 mil em 1980) e a construção de Brasília geraram na população sentimentos ambíguos de orgulho pelo progresso, nostalgia do passado, e apreensão. A literatura revela uma visão crítica em relação à Brasília (denominada Newtown no conto "Urbanização (Relatório)" de Bernardo Élis ), que trouxe mais dívida e ditadura do que as promessas de prosperidade de Zoroastro Artiaga. O conto satírico de Élis propõe um retorno ao modo de vida rural tradicional para mitigar as mazelas urbanas, com moradores do subterrâneo ocupando a cidade e fazendo uma "vasta roça de toco". Na temática do lazer, a literatura expõe a mudança da sociabilidade familiar para as boates e motéis, com o conto "Lua Cheia", de José Mendonça Teles, apresentando os motéis da rodovia como destino de encontros extraconjugais e terminando com a personagem contraindo uma DST, num final "moralista". A cidade é retratada como um "lugar sem alegria" , onde a prostituição de rua surge e a solidão se instala nos apartamentos, como na crítica do poema "Progresso" de Nelson Figueiredo, que vê o arranha-céu como "antivida" e o responsável por "coisificar o homem no ar". Ewerton de Freitas Ignácio, Andressa Andrade Pires e Émile Cardoso Andrade, em "Entre o arcaico e o moderno: uma leitura de Chão Vermelho, de Eli Brasiliense", analisam o romance de 1956 como um retrato da experiência urbana nascente, onde o protagonista, Joviano, "sente um estranhamento diante da modificação da paisagem rural para um cenário urbano". Joviano compara os automóveis na Avenida Anhanguera a "jabotis de lata" e condena o progresso por "estragar tudo" e tornar perigoso o caminhar. A obra evidencia a dualidade entre o rural e o urbano, o honesto e o desonesto, com personagens como o médico Dr. Ferreira se debatendo com a tentação de se tornar como seus colegas, buscando um "consultório no centro da cidade, uma enfermeira bonita e uma legião de clientes ricos". A corrupção na política também é exposta, com um interlocutor de Ferreira explicando como compra licenças da Prefeitura em nome da CEXIM para revendê-las por "dinheiro grosso". Marco Túlio Martins, Geisa Daise Gumiero Cleps e Karinne Machado Silva, em "A modernidade/modernização da cidade de Goiânia: O discurso de Eli Brasiliense em Chão Vermelho", reiteram o valor da obra como "testemunha ocular" da modernização capitalista no interior, marcada pela dualidade sertão/litoral. O romance, situado no contexto da "Marcha para Oeste" e da ascensão de Pedro Ludovico Teixeira, revela que a modernização do sertão, embora um projeto de Estado, não foi homogênea. A narrativa mostra a exploração da mão-de-obra, com o amigo de Joviano se indignando por ser tratado como "traste do lixo" , e a contradição entre o luxo da cidade que "tomava corpo" e a sujeira, doença e desamparo nos bairros populares.

Na terceira parte, os depoimentos de Heleno Godoy, Maria Helena Chein e Moema de Castro e Silva Olival iluminam a trajetória do GEN (Grupo de Escritores Novos). Heleno Godoy, em "O GEN e a modernidade em Goiás: um depoimento", afirma que o GEN (1963-1967) não foi um movimento literário com novas estéticas, mas sim um "movimento cultural" que visava estudar e produzir literatura. O grupo surge em um momento propício, de desenvolvimento urbano e crescimento populacional (151.013 habitantes em 1960) , com a chegada de jornais e revistas de circulação nacional, permitindo o contato com novas tendências literárias. Godoy defende que a "publicação do livro Rio do sono, de José Godoy Garcia", e a contribuição de Afonso Felix de Sousa foram mais efetivamente modernistas do que a de Leo Lynce. Moema de Castro e Silva Olival, em "GEN – Um Sopro de Renovação em Goiás*", e Maria Helena Chein, em "O GEN e o Modernismo", reforçam que o GEN foi um "divisor de águas" que, "mesmo recusando o Regionalismo, escolheu Bernardo Élis como seu patrono". Os jovens buscavam na crítica, no estudo e na experimentação formal (verso livre, concretismo, sondagem psicológica) a renovação que a literatura goiana necessitava, distanciando-se do "regionalismo que até então unificava a ficção". O grupo, mesmo não tendo apoio oficial, promoveu polêmicas e criou um "certo desconforto no meio literário e artístico local vigente", abrindo caminho para novas gerações.

A quarta parte, "Qual modernidade?", questiona a natureza dessa modernidade. Maria de Fátima Oliveira e Lucas Pedro do Nascimento, em "A modernidade chega ao sertão: A Máquina Extraviada de José J. Veiga", analisam o conto de 1968, que, através da ficção, representa as contradições da modernidade no interior do país. A máquina, instalada na frente da Prefeitura e entusiasmando "todo o mundo" , personifica o "progresso" que muda o ritmo da vida na pacata comunidade. O conto critica os sistemas autoritários e a dominação que "tolhe a subjetividade do sujeito". O autor, José J. Veiga, utiliza a distopia, o oposto da utopia otimista, para denunciar o autoritarismo imposto desde o Estado Novo e agravado durante o governo militar. José Eduardo Mendonça Umbelino Filho, em "As dualidades modernas na literatura goiana", usa o romance O Tronco, de Bernardo Élis, para analisar as dualidades que moldam a identidade goiana: mulas versus carros de boi (atraso versus progresso) e o soldado versus o jagunço (a lei do Estado versus a lei da família). O autor argumenta que a dicotomia mulas/carro de boi funda a identidade goiana, sendo o carro de boi o símbolo do "projeto de nação unida, de contato com a civilização". A solução dos dilemas é o "homem goiano", Pedro Melo, que com as "próprias mãos" constrói a estrada e ergue o progresso sobre o atraso. A luta entre o soldado Vicente Lemes e o coronel Pedro Melo expõe o paradoxo do coronelismo e da identidade moderna goiana, onde o poder da família compete com a lei, e o herói desafia o sistema em defesa de seus íntimos. Isaias Martins de Souza, em "Pão cozido debaixo de brasa, de Miguel Jorge, e uma reflexão sobre as contradições da modernidade", aborda o romance de 1997 como uma obra que recria o espaço de Goiânia e suas contradições. A obra foca no acidente radiológico com o Césio-137 em 1987, que se tornou o "cartão de boas-vindas" à modernidade goiana. O evento é a "materialização do caos" , expondo a desigualdade social e a negligência das autoridades. As personagens, Felipa, João Bertolino e Nec-Nec, são catadores de sucata, "eremitas do destino" que buscam o pão cotidiano em uma cidade que "se dividia em três ou quatro" faces. O autor utiliza a linguagem poética para descrever a cidade como um lugar caótico e perigoso, onde o medo prevalece, transportando a discussão para uma conotação universal.

Por fim, a quinta parte, "Aquém e Além da Modernidade", explora aspectos marginais. Tarsilla Couto de Brito, em "Gilka Bessa, uma poeta mulher na periferia do feminismo", analisa o livro Feminino Plural (1978), buscando os "índices de modernização da poesia de autoria feminina nos anos 70". Gilka Bessa, uma poeta cuja data de nascimento é desconhecida e cuja poesia expressa um "desgosto tão antigo" e uma "amargura de condenada à vida" , trata o feminismo como uma "causa juvenil". A sujeita lírica se reconstrói como uma Penélope, "destece a si mesma de noite" para "ganhar o tempo que a juventude já não permite mais". Seus poemas, como "Mutação", que a descreve como "Monstruosa e ninguém se horroriza" , trazem um "incômodo com a padronização social" e o desejo de estar na "dinâmica dos signos". Lucas Pires Ribeiro e Robson Mendonça Pereira, em "Geraldinho Nogueira: saberes da narrativa artesanal", defendem Geraldinho Nogueira como um narrador artesanal que contraria a profecia de Walter Benjamin sobre o desaparecimento dessa forma de comunicação. Geraldinho, contador de causos com sucesso midiático , é um "sábio no universo dos valores tradicionais da cultura caipira goiana". Seus causos, como O Causo do Rádio e O Causo da Bicicleta , revelam a ressignificação sociocultural e a "hibridização" entre o tradicional e o moderno. Ademir Luiz da Silva, em "A literatura de Edival Lourenço em três tempos", aborda a trajetória do escritor em três fases: a poesia memorialística, o romance pós-moderno (A Centopeia de Néon), e o romance histórico (Naqueles Morros, Depois da Chuva). A poesia de Lourenço, como em Pela alvorada dos nirvanas, valoriza o "momento da descoberta" da música dos Beatles, contrastando com os "traumas infantis" vistos como "frescuras" dos modernos. O romance A Centopeia de Néon, premiado e best-seller local, é caracterizado pela estrutura não linear, vozes polifônicas e o realismo fantástico. Ele apresenta a figura do lobby-man Sidrake de Thorteval Gahy, Sidrake, o Sinistro, que "apesar de durão e temido tinha alma de poeta". O romance histórico Naqueles Morros, Depois da Chuva, ambientado no século XVIII , utiliza a jornada de uma comitiva como metáfora de uma "odisseia no cerrado" , onde a pesquisa histórica é sutilmente inserida na trama para gerar credibilidade.

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