O segundo sexo foi publicado originalmente em 1949 e consagrou Simone de Beauvoir na filosofia mundial. A obra, no entanto, não ficou datada e tornou-se atemporal e definitiva. Este boxe traz a divisão original em dois volumes. No primeiro volume, a autora aborda os fatos e os mitos da condição da mulher numa reflexão fascinante. Já no segundo, Simone de Beauvoir analisa a condição da mulher em todas as suas dimensões: sexual, psicológica, social e política. Uma obra fundamental, que inaugurou um novo modelo de pensamento sobre a mulher na sociedade.
ISBN-13: 9788520921951
ISBN-10: 8520921957
Ano: 2016 / Páginas: 936
Idioma: português
Editora: Nova Fronteira
ISBN-10: 8520921957
Ano: 2016 / Páginas: 936
Idioma: português
Editora: Nova Fronteira
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. 4 ed. São Paulo: Difusão.
O livro, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, é uma importantíssima obra para o movimento feminista. Publicado em 1949, é uma analise sobre a realidade das mulheres na sociedade, procurando entender o que as levou a essa realidade através da historia. No primeiro texto da segunda parte, Beauvoir explica como a maternidade era vista como um fardo e uma limitação das capacidades da mulher dentro da sociedade, e como essa limitação se tornou um fato gerador da soberania masculina sobre a mulher e sobre a própria natureza. No segundo texto da segunda parte, é descrita uma inversão dos valores agregados a mulher na sociedade, mas que mesmo assim ainda há uma gradual dominação da mulher pelo homem. Ela cita, por exemplo, pensamentos de filósofos gregos como Pitágoras, afirmava que havia um princípio bom que teria criado o homem, e um princípio ruim que teria criado a mulher. Relacionando o homem à luz e a mulher às trevas.
Beauvoir levanta questões como a disposição física da mulher e seu papel nos clãs, segundo pesquisas feitas pela autora chegasse à conclusão que devido a estratégias feitas pelos clãs para proteção dos mesmos, torna perfeitamente aceitável a idéia de que mulheres teriam a musculatura e sistema respiratório tão desenvolvidos quanto aos dos homens. Em alguns relatos como os das amazonas de Daomé, as mulheres participavam, de guerras e vinganças sangrentas, eram corajosas e até cruéis assim como os homens. Estas guerreiras podiam praticar os mesmo serviços que homens, não com mesmo potencial físico, mas essencialmente importantes e úteis ao clã.
Um fator que limitou esse papel de guerreira, em tempo integral das mulheres, foram naturais; biológicos, como a menstruação, a gravidez, o parto; que literalmente sugavam suas energias e assim as limitando de participar e ser útil ao clã. Ser útil no sentido em que nessa época primitiva o que era valorizado em cada membro de um clã não era o simples fato de gerar uma vida, e sim servir-se de sua própria vida em proteção das hordas, a caça a pesca; os guerreiros. A maternidade era vista pelas mulheres das hordas primitivas como algo natural e sem real importância ou relevância, um fardo, as dores do parto um importuno.
Após longo processo desse homo faber, o homem (macho) enquanto ser dotado de transcendência, capaz de se sobre sair aos do limites impostos pela natureza, se reconhece como ser existente, este reconhece na mulher essa transcendência e essa existência, mas diferentemente do homem, que transforma, produz, projeta, ela dá vida a outro ser que será dotado da transcendência, mas não foge ao que a natureza impõe, assim este homem se impõe enquanto soberano.
A autora cita que as fêmeas do ser humano são as únicas do reino animal que, mesmo enquanto praticam função reprodutora, são obrigadas a desempenhar funções domésticas, o que consome completamente suas energias. Beauvoir afirma que nesse ponto a superioridade masculina não era imposta, nem procurada, ela era apenas vivida, não havia nenhuma instituição que defendesse ou pregasse uma superioridade sexual. Foi quando o homem se estabeleceu em terreno fixo quando começou a pensar o mundo e a si mesmo e a constituir uma sociedade que houve uma diferenciação dos papeis de cada sexo. Segundo Simone de Beauvoir, nesse ponto a mulher passou a ser vista apenas como um ser que, como parte de um clã, era responsável pela perpetuação, pelo futuro e pela sobrevivência deste clã, a mulher não possuía uma identidade individual, ela era vista como parte do todo. Ela desempenhava o importante papel de gerar crianças que seriam responsáveis pela continuação de seu clã, que seriam o futuro dessa comunidade.
A autora afirma também que, por ser vista como um ser fértil, a mulher era responsável também pelo trabalho na lavoura, ela era vista como dona da terra, tendo partido daí figuras de deusas da fertilidade, e uma visão estranha das mulheres por parte dos homens, em um sentimento que misturava o respeito e o medo.
A partir desse medo, houve uma gradual deterioração da imagem da mulher por parte dos homens, a mulher, de sagrada, se torna impura, ao ponto de ser vista como o lado ruim da criação, como dito pelo filósofo grego Pitágoras, dizia que havia um princípio bom que teria criado o homem, e um princípio ruim que teria criado a mulher. Relacionando o homem a luz e a mulher às trevas.
Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir (Paris 1908, Paris, 1986), mais conhecida como Simone de Beauvoir, foi uma escritora feminista e filosofa existencialista francesa. Polêmica, abordava assuntos que eram considerados tabus, oferecendo uma reflexão sobre sua vida e a da sociedade de seu tempo. Além de O segundo Sexo, outras obras de Beauvoir que se destacam são, sua autobiografia, ‘’Memórias de Uma Moça Bem Comportada’’, e “A cerimônia de adeus”, onde falava de seu antigo companheiro, o também filosofo Jean Paul Sartre.
O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, pode a principio parecer uma obra pesada, por abordar assuntos tão polêmicos, porem, o que a autora faz nada mais é do que retratar, e buscar as origens de fatos que estão presentes em nossa cultura,que fazem parte de nosso dia a dia, e o faz com maestria. Simone mostra como aspectos considerados naturais do ser humano têm na verdade origens históricas e explicações culturais, estando seu livro tanto na lista de livros proibidos pelo vaticano, quanto entre os 100 livros que mais influenciaram a humanidade.
Parte analítica da obra:
1 INTRODUÇÃO
Nascida na França em janeiro de 1908, Simone de Beauvoir foi figura importante na defesa da igualdade entre os sexos e uma das mais honradas filósofas existencialistas do século XX, com impacto inestimável no modo de pensar moderno. Filha de um casal contrastado – pai burguês e agnóstico e mãe católica defensora dos costumes –, Simone construiu sua trajetória de forma independente. Suas obras são íntimas e retratam de forma reveladora as experiências de sua vida e de seu tempo.
Dentre as suas obras, destaca-se o ensaio A velhice, onde sua crítica árdua e impetuosa sobre a atitude da sociedade para com os anciãos comove e acende a revolta, enquanto a biografia A cerimônia do adeus, traz o retrato apaixonado – de forma beauvoiriana – dos últimos dez anos do companheiro Jean-Paul Sartre, com quem viveu um relacionamento pouco-ortodoxo, mas que foi de suma importância e somente juntos conseguiram influenciar de forma resolutiva o pensamento da época.
Neste artigo, entretanto, falarei de O segundo sexo, obra de Beauvoir publicada em 1949 que analisou de forma profunda e concreta o papel da mulher na sociedade. Duramente criticado por pensadores da época, inclusive pelo Nobel de Literatura François Mauriac, que chegou a dizer que O segundo sexo “é um “manual de egoísmo erótico,” recheado de “ousadias pornográficas”; que não passa de “uma visão erótica do universo”, um manifesto de “egoísmo sexual”.”, o ensaio de Simone é tão importante e revelador quanto polêmico e controverso.
2 O SEGUNDO SEXO
A primeira vez que ouvi o nome de Simone de Beauvoir eu devia ter por volta de dez ou onze anos de idade. Tinha terminado minhas “tarefas de fim do almoço” e tinha ouvido de minha avó – imigrante portuguesa, casada há 60 anos –, quando perguntei se meu irmão não poderia lavar a louça naquele dia, que “trabalho de casa é coisa de mulher”.
Por quê?, eu me perguntei. Quem convencionou isso?, meus pais?, minha família? Fui criada para a louça enquanto meu irmão não?, eu nasci assim? Perguntei as mesmas coisas a minha mãe – formada em Psicologia e magistrada em Filosofia –, que prontamente me disse que não; não, ninguém havia convencionado que tarefas domésticas são de domínio exclusivamente feminino. Mas os costumes e o modo que minha avó havia sido criada diziam que os homens têm suas próprias tarefas – sair para trabalhar, trazer o dinheiro para as compras no fim do mês – e as mulheres têm as suas – cuidar dos filhos, da casa, do marido – e, consequentemente, essa era a ideia correta de pensar, para ela. Também falou de uma escritora, uma francesa, que pensou do mesmo jeito que eu. Que diz que, na verdade, a mulher e o homem nascem exatamente do mesmo jeito; são concebidos do mesmo modo e, na infância e até certa fase, são indivíduos com pensamentos idênticos.
É assim que Simone de Beauvoir introduz seu pensamento na primeira parte de O segundo sexo. Em Infância, alega que não há fator algum – seja biológico, psíquico ou econômico – que prove ou dê alguma razão para o papel que a mulher assume e sempre assumiu na sociedade. Instiga e me faz pensar se tudo que aprendi sobre “distinção de gêneros” não passa de algo produzido para manipular – para me fazer aceitar que não posso contestar minha posição como indivíduo do sexo feminino e simplesmente seguir em frente sem discussões.
Diz ainda na primeira parte que “têm elas [as crianças dos dois sexos] os mesmo interesses, os mesmo prazeres, [...] tiram das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto [...]” além de afirmar que o primeiro alvo dos desejos sexuais primitivos das crianças (independente do sexo) é a mãe, colocando então que, até a chamada segunda infância, meninos e meninas não passam por conta da “diferença de sexos” e são, portanto, indivíduos idênticos também em hierarquia.
Quando Beauvoir menciona a robustez da menina durante a pré-adolescência, me identifico. Até os meus quatorze anos, sofri com a pressão psicológica exercida por mim mesma com a ideia de que eu não era feminina o suficiente – ao ponto de ser comparada ao meu irmão, cinco anos mais velho, em diversas ocasiões. Identificar minhas angústias como mulher nas páginas do ensaio de Simone foi importante para mim – tão importante que posso ousar dizer que penso, agora, de outra maneira.
Quanto à “feminilidade”, Beauvoir diz que tal coisa como “instinto feminino” não existe; é como a frase que introduz todo o ensaio: “Ninguém nasce mulher; torna-se mulher” – ou seja, é algo imposto à mulher pela sociedade. No entanto, a passividade que singulariza a “mulher feminina” é um aspecto que se amplifica nesta desde os primeiros anos. É um equívoco, todavia, dizer que é uma qualidade determinantemente biológica; Simone escreveu: “na verdade, é um destino que lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade”. O leque para o macho é muito mais extenso em opções; as brincadeiras “de mão” são encorajadas, subir em árvores é permitido, incentiva-se a rudeza. Já com a fêmea há o conflito; é ensinada e educada para agradar e procurar agradar, deve ser um utensílio, “renunciar à sua autonomia”, recusam-lhe a liberdade que a reafirmaria como sujeito ativo, que a faria compreender e descobrir o mundo, que lhe permitiria manifestar os mesmos interesses, a mesma curiosidade e ousadia de um menino.
Vejo essa relação que Simone cria de liberdade versus costumes na segunda parte do ensaio; em A mulher casada, refleti, junto com a autora, sobre o papel da mulher na tradição – ou como gosto de chamar, instituição – do casamento. A primeira vez que li a passagem: “Em sua maioria, ainda hoje, as mulheres são casadas, ou o foram, ou se preparam para sê-lo, ou sofrem por não o ser”, me perguntei se já havia sofrido algum tipo de preconceito ou repressão por ter dito que não tenho o desejo de me casar em meus planos futuros, e vi que a resposta era sim.
Em sua análise do matrimônio, Simone de Beauvoir diz que a ascensão econômica da mulher, de certa forma, lhe garantiu certos “privilégios” dentro do casamento que antes não lhe eram certos; “a mulher não se acha mais confinada na sua função reprodutora: esta perdeu em grande parte seu caráter de servidão natural, apresenta-se como um encargo voluntariamente assumido”.
Ainda assim, é comentado por Simone, o papel confinado à mulher como mãe e doméstica não lhes deram a dignidade que é concedida aos homens – que é, socialmente, “um indivíduo autônomo e completo”. Ao longo da história, muitas vezes, a mulher serviu apenas como um negócio, um contrato entre sogro e genro – uma decisão feita por dois homens, não por marido e mulher –, e só alcança alguma autonomia econômica quando se torna viúva. Sobre o celibato exigido em certas épocas para se garantir “o bom casamento”, Beauvoir diz que “a liberdade de escolha da jovem sempre foi muito restrita; o celibato [...] abaixa-a ao nível do parasita e do pária [...]” e continua, dizendo que “o casamento é seu ganha-pão e a única justificação social de sua existência”.
Já ao final da segunda parte, começa a se observar as condições para a libertação social da mulher; a autora diz que tal ato “só pode ser coletivo”, no entanto existem aquelas que “buscam solitariamente realizar sua salvação individual”, que “é este último esforço [...] da mulher encarcerada para converter sua prisão em céu de glória, sua servidão em liberdade soberana” que encontramos na narcisista, na amorosa e na mística. A narcisista, segundo Simone, é, na minha visão, aquela que busca se auto afirmar com frequência, pois nada ouviu sobre sua condição quando mais nova – como a própria autora conta de quando viu uma mulher jovem que “aproximava os lábios do espelho como que para beber a imagem e murmurava sorrindo: “Adorável, acho-me adorável”” em um banheiro de um café –, que procura sua representação na literatura, com personagens belas, brilhantes, e, na falta destes adjetivos, escolhe a personagem de vítima, a esposa incompreendida. E por quê? Porque “a narcisista é tão dependente quanto a hetaira. Se escapa ao domínio de um homem singular, é aceitando a tirania da opinião”, sua vaidade nunca é saciada e com o passar do tempo, mais procura por elogios e êxitos, acabando muitas vezes em um “delírio paranoico”.
A amorosa – capítulo que a autora inicia dizendo que “a palavra “amor” não tem em absoluto o mesmo sentido para um e outro sexo”, e, citando Gaia Ciência de Nietzsche, “o que a mulher entende por amor é bastante claro: não é apenas a dedicação, é um dom total de corpo e alma, sem restrição, sem nenhuma atenção para o que quer que seja. [...] Quanto ao homem, se ama uma mulher é esse amor que quer dela; [...] se houvesse homens que experimentassem também esse desejo de abandono total, por certo não seriam homens”. Simone afirma que o homem é incapaz de ser “um grande apaixonado”, que apenas querem a sua amante para “anexá-la”, “querem integrá-la em sua existência, e não afundar nela uma existência inteira”. Já para a mulher, o amor é doação total e irrestrita. A mulher amorosa se torna um mártir pela injustiça de amar tão incondicionalmente e não receber nada em retorno; que o que a mulher oferece com tanto fervor e dedicação ao homem, este não se esforça um mínimo para aceitar – “O homem não precisa da dedicação incondicional que reclama, nem do amor idólatra que lhe acaricia a vaidade; só os acolhe com a condição de não satisfazer as exigências que tais atitudes reciprocamente implicam”.
Em suma, a mulher amorosa é vulnerável e cada vez mais é mutilada por esse sentimento. Beauvoir resume seu pensamento na sentença: “No dia em que for possível à mulher amar em sua força, não em sua fraqueza, não para fugir de si mesma, mas para se encontrar, não para se demitir, mas para se afirmar, nesse dia o amor tornar-se-á para ela, como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal”.
A mítica é aquela que quando dedica seu amor a um homem, “nele ela procura Deus: se as circunstâncias lhe proíbem o amor humano, se é desiludida ou exigente, é em Deus mesmo que ela escolherá adorar a divindade”. A mulher, segundo Simone, ao contrário do homem dedica-se ferrenhamente a tal divindade, pois não precisa senti-la nem tocá-la para acreditar. Muitas vezes, a mítica pensa ser a “eleita de Deus”, e acha carregar com ela a missão de pregar doutrinas incertas e, dessa forma, ao assumir este papel, multiplica sua personalidade. Em conclusão, Simone diz: “o fervor místico, como o amor e o próprio narcisismo, podem integrar-se em vidas ativas e independentes”, os esforços de salvação individual não tem nenhum domínio sobre o mundo; a liberdade da mulher continua mistificada e, segundo a autora, “só há uma maneira de realiza-la autenticamente: projetá-la mediante uma ação positiva na sociedade humana”
3 CONCLUSÃO
Com a composição deste artigo, concluo que o ensaio de Simone – ao contrário do que foi dito na época –, não ridiculariza os homens, mas inspira e revela a maneira pela qual as mulheres são criadas exatamente para serem menos que os homens. É uma expressão de liberdade sexual e social para a mulher e, mesmo após meio século, O segundo sexo é relevante e esclarecedor, uma leitura – não simples, não relaxante – mas essencial para compreender a visão de mundo necessitada e ansiada por mulheres através dos anos e gerações.
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