A visão dessa indeterminação é, sem dúvida, desanimadora, ele diz. Pode levar ao total desengajamento, à total desunião. Mas, por outro lado, pode ser vista também como uma luz no fim do túnel. Nunca a busca de uma humanidade comum foi tão ardente e imperativa como hoje. É fazendo uma referência a Amin Maalouf que Bauman comprova isso: segundo o escritor franco-libanês, que trata das pressões culturais sofridas por imigrantes nos países de escolha, quanto mais o imigrante souber que seus costumes de origem são respeitados no novo país, mais aberto ele será às oportunidades neste local e menos se aferrará à sua própria cultura, distanciando-se. Essa é uma maneira de ver que há um diálogo possível entre as culturas, e que a troca é uma possibilidade. Citando a conclusão de Bauman a respeito disso: Maalouf “aponta mais uma vez para o que já percebemos antes: para a relação próxima entre o grau de segurança, de um lado, e a ‘desativação’ da questão da pluralidade cultural, com uma superação da separação cultural e a aceitação de fazer parte da busca por uma humanidade comum, de outro”.
É a insegurança que tende a converter o multiculturalismo num multicomunitarismo, como vimos antes. Diferenças culturais, sejam grandes ou irrisórias, são usadas na construção de “muralhas defensivas ou plataformas de lançamentos de mísseis”. Cultura é sinônimo de uma fortaleza sitiada. A segurança, conclui Bauman, é inimiga da comunidade cercada de muros e protegida por cercas. Mas deveria, ao contrário, ser uma condição necessária ao diálogo das culturas. Sem essa segurança, há pouca chance de que as comunidades se abram para trocas umas com as outras. Com a segurança, diz o autor, agora tomado pelo otimismo, “as perspectivas da humanidade parecem brilhar”.
E, no parágrafo que encerra esse último capítulo – seguido de um posfácio que reitera a relação conflituosa entre comunidade e segurança – Zygmunt Bauman faz uma espécie de desabafo e alerta quanto à luta contra a insegurança, ao dizer que em lugar de mirar às fontes de insegurança, [a construção de comunidades] afasta delas a atenção e a energia. Nenhum dos contendores ganha em segurança na guerra contínua entre ‘nós’ e ‘eles’; todos, porém, viram alvos fáceis para as forças globalizantes – as únicas forças que se beneficiam com a suspensão da procura por uma humanidade comum e com o controle conjunto sobre a condição humana. (ibidem, p.128)
Sobre o autor
ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra — com destaque para o best-seller Amor líquido. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970.
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