APRESENTAÇÃO
Nos dias de hoje, somos bombardeados por informações de todos os lados. Como separar o que é importante e significativo do que é supérfluo e descartável? Essa foi a intenção do sociólogo Zygmunt Bauman ao ser convidado pela revista italiana La Repubblica delle Donne - publicação de caráter cultural dirigida sobretudo ao público feminino - a escrever cartas comentando aspectos do que o sociólogo chama de "mundo líquido moderno". Foram dois anos (de 2008 a 2009) em que Bauman escreveu quinzenalmente para os leitores italianos sobre temas como iPod; Twitter; Facebook; Barack Obama; cartões de crédito e gripe suína. Esse livro apresenta uma seleção de 44 desses textos. Poucos eventos escapam ao olhar atento de Bauman, que apresenta breves e brilhantes análises da vida contemporânea. Surpreende a capacidade do sociólogo em descobrir significados sob atos aparentemente simples - uma chamada ao celular, a exposição de uma foto no Facebook, um outdoor, a lista de gastos do cartão de crédito. Todos esses fatos que parecem casuais e desconectados se unem para reforçar a aflição do homem no mundo líquido: buscar sua identidade. E o sociólogo faz um alerta: apenas unidos poderemos combater os "males sociais", optar pelo individualismo seria o mesmo que nos preparar para nossa própria biodegradação e reciclagem.
RESENHA
Zygmunt Bauman, nascido em Poznań em 19 de novembro de 1925, é um sociólogo polonês que começou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e foi afastado da universidade em 1968. Em seguida, emigrou da Polônia e reconstruiu sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, antes de se estabelecer na Grã-Bretanha. Em 1971, tornou-se professor titular da Universidade de Leeds, cargo que ocupou por duas décadas. Durante esse tempo, conheceu o filósofo islandês Ji Caze, que influenciou sua prolífica produção intelectual. Por seu trabalho, recebeu os prêmios Amalfi em 1989, por sua obra "Modernidade e Holocausto", e Adorno em 1998, pelo conjunto de sua obra. Atualmente, é professor emérito de sociologia nas universidades de Leeds e Varsóvia.
Em sua obra "44 Cartas do Mundo Líquido Moderno", Bauman lança um olhar sobre a contemporaneidade, buscando entender comportamentos, dicotomias e paradoxos desse novo paradigma social. Ele utiliza a dialética das cartas como forma de registro, através das quais traça uma interação com o leitor sobre a diacronia comportamental e de linguagem, caracterizada pelas mudanças nas condições de vida, padrões de normalidade, conceitos de certo e errado, diferentes pontos de vista, conflito de gerações com ganho de quantidade e perda de qualidade de vida.
Em cartas como: "Conversas entre Pais e Filhos", "Online. Offline", "Como Fazem os Pássaros", "Sexo Virtual" e "Estranhas Aventuras da Privacidade", o autor apresenta como eixo central a abertura de novas possibilidades, com um grande gancho para o desenvolvimento profundamente ligado à cibernética. Nesta arena, discute-se como a comunicação e a conexão são rápidas e a forma como isso derrota facilmente a vida real, remodelando uma nova identidade social.
Na carta "Estranhas Aventuras da Privacidade", o contraponto está em como manter e controlar a exposição e a disponibilidade entre um espaço de acesso livre e a necessidade de preservação de um grupo ou pessoa. Nesse local de conflitos, os julgamentos estão camuflados, pois não há uma imposição de resposta. Tudo é reavaliado e negociado de forma permanente, criando, assim, duas condições: reconhecimento/ tolerância, instabilidade/tensão.
Da carta 10 a 16, busca-se entender a relação entre pais e filhos. A luz dessa discussão vem permeada por assuntos como responsabilidade, auto – disciplina, padrões de normalidade, certo e errado, pontos de vista diferentes, conflitos de linguagem,... O momento de aquisição de valores passa a se diluir em outras práticas, como a substituição de regras por presentes, fragilizando a perda da identidade e respeito. Bauman comenta e traça um registro da “Geração X e Y” e as diferenças, vantagens e desvantagens, cultos ao corpo, falta de apelo crítico, que os torna vítima – fashion (moda ou moto – contínuo).
Da carta 17 a 25, o tema central é o consumo. Devido ao instinto de sobrevivência, o homem é obrigado a consumir. Só que o consumo consciente perdeu forças, dando lugar ao consumismo desenfreado. O ritmo frenético das mudanças, a sociedade capitalista, tudo faz com que a cultura se torne um armazém de ofertas variadas para todas as classes sociais distintas (A – E). Com isso, há um esvaziamento cultural, queda e perda substancial da educação. “A cultura no nosso mundo líquido não tem povo para cultivar, tem clientes para seduzir” (página 91). O que era simples ficou complexo, as indústrias criam pânico para vender “remédios”(em todos os sentidos), pois não há capilaridade de informações.
Das cartas 27 a 37, o tema dominante é a economia. A cada ano, celebra-se a possibilidade de melhorias, mas a imprevisibilidade econômica estabelece a regra do efeito borboleta. Pequenas mudanças geram um grande volume do déficit econômico mundial, não se pode calcular o incalculável. As incertezas do mundo global estão presentes no mundo contemporâneo. Como propôs GRAMSCI, "O velho está morrendo", ou seja, a ideia de estado-nação está acabada. Para escapar da crise, cria-se a militarização do eu, separação das percepções entre os mais velhos e os novos,... Na verdade, estes artigos desejam "informar sobre a vida ocupacional, seguir regras, estabelecer parâmetros de consumo".
Finalmente, chegamos às últimas cartas, que vão da 37 a 44: O raciocínio analógico e as tendências estatísticas nos fazem pensar mais a prever acontecimentos. As cidades são centros dos eixos da globalização, desmantelamento dos impérios coloniais (processo migratório, naturalização da diáspora, gerando uma desconfiança dos estrangeiros resultando em um esvaziamento cultural).
Vivemos em um mundo globalizado, onde, cada vez mais, as relações se tornam superficiais e descartáveis. Bauman tenta, em seus 44 artigos, resgatar à consciência das pessoas essa superficialidade que vem tomando conta do nosso dia-a-dia e modificar esse quadro, através de uma reflexão esclarecedora. Cabe a nós, leitores, colocarmos as mãos em nossas consciências e rever os nossos critérios de adoção de convivência conosco e com as pessoas ao nosso redor. Só assim, poderemos modificar esse quadro.
Sobre o autor
ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra — com destaque para o best-seller Amor líquido. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970.
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