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Resenha: Globalização: as consequências humanas Zygmunt Bauman

APRESENTAÇÃO

Sem intencionar oferecer todas as respostas sobre o tema, o sociólogo polonês mostra nessa detalhada história da globalização as raízes e as consequências desse processo, tentando dispersar um pouco da névoa e da banalização que cercam o termo "globalização".

RESENHA

Zygmunt Bauman, um sociólogo polonês que iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados, e lecionou nas Universidades de Leeds e Varsóvia, é conhecido por suas publicações como: Amor líquido, Vidas desperdiçadas, Modernidade e Holocausto, e o consumismo pós-moderno.

No primeiro capítulo, Bauman introduz uma reflexão sobre as grandes corporações, onde as decisões são tomadas por acionistas que estão distantes da realidade em que a organização está inserida e se preocupam apenas com a lucratividade das empresas. Como resultado da globalização, eles mudam as empresas de local sem se preocupar com os funcionários que estão presos a essa localidade devido à família. Assim, aqueles que não estão presos à localização mudam o destino de acordo com suas decisões, e aqueles que estão presos estão destinados a sofrer as consequências desse processo. E quando os obstáculos surgem, o capital, por não estar preso ao espaço, migra para locais mais pacíficos a fim de não se desgastar com problemas.

A distância e a fronteira geográfica deixaram de existir e as palavras “perto”, “longe”, “dentro” e “fora” perderam sentido à medida que a comunicação evoluiu, juntamente com o progresso dos meios de transporte. “Desenvolveram-se de forma consistente meios técnicos que também permitiram à informação viajar independente dos seus portadores físicos.” (BAUMAN, 1999, p.17). Segundo Bauman, a rede de computadores proporcionou um aumento na velocidade de transmissão da informação, sendo esta mais rápida que a viagem dos corpos. De acordo com Bauman, esse aumento na velocidade de transmissão tornou a comunicação cada vez mais barata, reduzindo assim, o custo entre local e global. “A comunicação barata inunda e sufoca a memória, em vez de alimentá-la e estabilizá-la.” (BAUMAN, 1999, p. 19). Essa afirmação do autor faz referência à velocidade com que as informações chegam e ao excesso delas devido ao baixo custo. Essa velocidade e mobilidade deixaram o espaço sem interação, onde as elites estão cada vez mais isoladas e inacessíveis. Porém, este encurtamento das distâncias abrange apenas aqueles que têm liberdade para se locomover.

O autor expõe que passou-se a padronizar os espaços geográficos através da criação de medidas padrão, de distância, superfície e volume, mapas, a fim de que o ser humano seguisse os caminhos da uniformidade e homogeneidade, desde a construção das cidades, visando a “cidade perfeita”, onde os que não se adaptassem aos padrões de normalidade eram excluídos dessa sociedade. Porém, segundo Richard Sennet citado por Bauman, em uma sociedade tão homogênea fica difícil lidar com as diferenças e situações de incerteza, e isto desintegrou as relações sociais humanas e deixou as pessoas cada vez mais solitárias. “A experiência das cidades americanas analisadas por Sennet aponta para uma regularidade quase universal: a suspeita em relação aos outros, a intolerância face à diferença, o ressentimento com estranhos e a exigência de isolá-los e bani-los, assim como a preocupação histérica, paranoica com a “lei e a ordem”, tudo isso tende a atingir o mais alto grau nas comunidades locais mais uniformes, mais segregadas dos pontos de vista racial, étnico e de classe” (BAUMAN, 1999, p.54).

Em ‘Modernidade e Holocausto’, Bauman propõe ao leitor uma visão mais crítica e refinada da perspectiva vista e propagada pela sociologia em relação ao Holocausto. Ele argumenta que a maneira como os sociólogos abordam este assunto subestima sua verdadeira importância. Eles apresentam o Holocausto como um evento da história judaica, confortavelmente atípico e inconsequente para a sociedade cristã europeia, um ponto culminante do antissemitismo, mas que pouco questiona a compreensão de uma tendência histórica que a modernidade teria do processo civilizador e muito menos revisa os tópicos ortodoxos da investigação sociológica. De ambas as formas, o Holocausto é apresentado como uma possibilidade “natural” com a qual devemos contar, e, acima de tudo, “explicar”, “compreender” ou “dar sentido” ao estudar a sociedade moderna.

Bauman nos convida a refletir mais profundamente sobre o assunto, buscando descobrir mais sobre o que o Holocausto tem a dizer sobre a sociologia do que o contrário. Ele nos faz perceber que o Holocausto foi mais um produto da modernidade e não um fracasso, como a corrente mais ortodoxa da sociologia nos faz acreditar: proclamando o Holocausto como uma derrota da modernidade em suprimir desejos estranhos da irracionalidade humana, ao invés de reconhecê-la como uma possibilidade. Ele sugere que separar civilização e crueldade selvagem, talvez não seja o mais correto, pois ambos coexistem na modernidade e um, talvez, não “sobreviva” sem o outro, pois tanto a criação quanto a destruição são aspectos inseparáveis da sociedade civilizada como conhecemos. Em sua proposta, o Holocausto é um importante e confiável teste das possibilidades ocultas da sociedade moderna.

Bauman destaca o quão necessário foi a compreensão do moderno modo burocrático de racionalização e sua busca cega por eficiência, instrumentos para o extermínio em massa, derivados de especificações bem desenvolvidas e firmemente arraigadas da divisão do trabalho. Ele explica que tudo só foi possível porque houve cooperação entre vários departamentos da burocracia estatal alemã, um cuidadoso planejamento, projeção da tecnologia e do equipamento técnico adequados, cálculo de orçamentos, e levantamento dos recursos necessários, ou seja, competência da rotina burocrática de escritório. A seu ver, a escolha do extermínio físico foi um esforço mais dedicado do Estado alemão em encontrar soluções racionais para sucessivos “problemas” que surgiam doravante as circunstâncias cambiantes.

No entanto, ele nos alerta que nunca antes, em nenhum massacre ou genocídio parecido a busca pela “Solução final” entrou em conflito com a execução do objetivo e a eficiência em executar. A honra do funcionalismo público estaria na capacidade obedecer, de forma conscienciosa, a ordem superior, como se aquilo expressasse sua própria vontade. A disciplina do servidor público substituiria a responsabilidade moral. Exterminar tudo que não esteja dentro da regra interna da organização lhe daria a mais elevada virtude moral.

Ou seja, o sucesso administrativo do Holocausto se deu devido à utilização - como bem coloca o autor - de “pílulas de entorpecimento moral” que a tecnologia e a burocracia modernas colocavam à disposição. Afinal, grande parte dos autores não despejou o gás nas câmaras e nem atirou nos judeus. O distanciamento físico e psíquico do agente da ação de suas consequências, ou melhor, da invisibilidade de seus resultados moralmente repugnantes e principalmente, tornar invisível a humanidade da própria vítima, impulsionaria e, em partes, explicaria os fatores sócio-psicológicos por trás da eficiência do método.

Sobre o autor

Sobre o autor

ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra — com destaque para o best-seller Amor líquido. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970.

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