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Resenha: Modernidade e Holocausto, de Zygmunt Bauman

APRESENTAÇÃO

Vencedor do prêmio Amalfi, concedido ao melhor livro de sociologia publicado na Europa em 1989, Modernidade e Holocausto discute o que a sociologia pode nos ensinar sobre o Holocausto, concentrando-se mais particularmente, porém, nas lições que o Holocausto tem a oferecer à sociologia. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman ressalta como o significado do Holocausto pôde ser subestimado em nossa compreensão de modernidade: ora o Holocausto é reduzido a algo que aconteceu com os judeus, ora é visto como representando aspectos repulsivos da vida social que o progresso da modernidade irá gradualmente superar. Não há nada comparável a esse livro na literatura sociológica. Sutil, porém intenso e perturbador, causará grande impacto tanto naqueles que lidam diretamente com a disciplina da sociologia como nos interessados por um dos fenômenos mais terríveis de nosso tempo.

RESENHA

Em ‘Modernidade e Holocausto’, Bauman convida o leitor a adotar uma perspectiva mais crítica e, digamos, mais apurada sobre a visão propagada pela sociologia em relação ao Holocausto. Ele argumenta que a maneira como os sociólogos abordam este assunto subestima sua verdadeira importância. Eles apresentam o Holocausto como um evento da história judaica, confortavelmente atípico e inconsequente para a sociedade cristã europeia, um ponto culminante do antissemitismo, mas que pouco questiona a compreensão de uma tendência histórica que a modernidade teria do processo civilizador e muito menos revisa os tópicos ortodoxos da investigação sociológica. Ou, de outra forma, um episódio destacado de uma ampla categoria de conflitos sociais semelhantes, derivados de uma “predisposição natural”, inextinguível da espécie humana, ao preconceito e agressão. De ambas as formas, o Holocausto é apresentado como uma possibilidade “natural” com a qual devemos contar, e, acima de tudo, “explicar”, “compreender” ou “dar sentido” ao estudar a sociedade moderna.

Bauman nos convida a refletir mais profundamente sobre o assunto, buscando descobrir mais sobre o que o Holocausto tem a dizer sobre a sociologia do que o contrário. Ele nos faz perceber que o Holocausto foi mais um produto da modernidade e não um fracasso, como a corrente mais ortodoxa da sociologia nos faz acreditar: proclamando o Holocausto como uma derrota da modernidade em suprimir desejos estranhos da irracionalidade humana, ao invés de reconhecê-la como uma possibilidade. Ele sugere que separar civilização e crueldade selvagem, talvez não seja o mais correto, pois ambos coexistem na modernidade e um, talvez, não “sobreviva” sem o outro, pois tanto a criação quanto a destruição são aspectos inseparáveis da sociedade civilizada como conhecemos. Em sua proposta, o Holocausto é um importante e confiável teste das possibilidades ocultas da sociedade moderna.

Bauman destaca o quão necessário foi a compreensão do moderno modo burocrático de racionalização e sua busca cega por eficiência, instrumentos para o extermínio em massa, derivados de especificações bem desenvolvidas e firmemente arraigadas da divisão do trabalho. Ele explica que tudo só foi possível porque houve cooperação entre vários departamentos da burocracia estatal alemã, um cuidadoso planejamento, projeção da tecnologia e do equipamento técnico adequados, cálculo de orçamentos, e levantamento dos recursos necessários, ou seja, competência da rotina burocrática de escritório. A seu ver, a escolha do extermínio físico foi um esforço mais dedicado do Estado alemão em encontrar soluções racionais para sucessivos “problemas” que surgiam doravante as circunstâncias cambiantes.

No entanto, ele nos alerta que nunca antes, em nenhum massacre ou genocídio parecido a busca pela “Solução final” entrou em conflito com a execução do objetivo e a eficiência em executar. A honra do funcionalismo público estaria na capacidade obedecer, de forma conscienciosa, a ordem superior, como se aquilo expressasse sua própria vontade. A disciplina do servidor público substituiria a responsabilidade moral. Exterminar tudo que não esteja dentro da regra interna da organização lhe daria a mais elevada virtude moral.

Ou seja, o sucesso administrativo do Holocausto se deu devido à utilização - como bem coloca o autor - de “pílulas de entorpecimento moral” que a tecnologia e a burocracia modernas colocavam à disposição. Afinal, grande parte dos autores não despejou o gás nas câmaras e nem atirou nos judeus. O distanciamento físico e psíquico do agente da ação de suas consequências, ou melhor, da invisibilidade de seus resultados moralmente repugnantes e principalmente, tornar invisível a humanidade da própria vítima, impulsionaria e, em partes, explicaria os fatores sócio-psicológicos por trás da eficiência do método.

Finalmente, o autor sugere que uma lição crucial do Holocausto reside na necessidade de levar a sério a crítica e ampliar o debate crítico sobre o “processo civilizador”, incluindo sua tendência a deslegitimar as motivações éticas da ação social. Se reconhecemos em nossa sociedade a subordinação do uso da violência a cálculos racionais, então devemos reconhecer o Holocausto como resultados legítimos da tendência civilizadora e seu grande potencial.

Sobre o autor

Sobre o autor

ZYGMUNT BAUMAN (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra — com destaque para o best-seller Amor líquido. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970.

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