ISBN-10: 8522030820
Ano: 2015 / Páginas: 96
Idioma: português
Editora: Agir
Livro de criança? Com certeza. Livro de adulto também, pois todo homem traz dentro de si o menino que foi. Como explicar a adoção deste livro por povos tão variados, em tantos países de todos os continentes? Como explicar que ele seja lido sempre por tanto milhões e milhões de pessoas? Como explicar a atualidade deste livro traduzido em oitenta línguas diferentes?
RESENHA
Embora a notoriedade de O Pequeno Príncipe, demorei algum tempo para enfim conhecer a obra de Antoine de Saint-Exupéry. Um amigo havia me emprestado o livro há anos, mas não iniciei a leitura por motivos que hoje me são desconhecidos. Um outro tinha me enviado o e-book que até hoje repousa em paz na memória do meu computador sem nunca se quer ter sido consultado. Porém, recentemente outro amigo de bom gosto considerável me intimou a começar a leitura logo após eu tê-lo obrigado a ler Extraordinário da Palacio. Dessa vez, não me ludibriei e enfim me adentrei na obra sem hesitação. Obra essa que vinha de encontro as minhas expectativas e recomendações que tanto me foram feitas no passado. Li, portanto, e no final me indaguei sobre escrever ou não uma resenha, visto que na internet já tem um vendaval de resenhas da mesma obra. No entanto, não consegui ficar calado e ansioso que sou, comecei a escrever esse texto que embora acompanhe o rótulo de "resenha" poderia muito bem ter o rótulo de "impressões".
O texto da obra vem acompanhado de um teor infantil, pois a obra é classificada como um livro para crianças, e apresenta na sua linguagem "ingênua" temas universais inerentes ao comportamento humano. Nossa maneira de enxergar o mundo a partir do nosso ponto de vista de "gente grande" é abordada no livro através de personagens caricatos e ao mesmo tempo familiares dada a similaridade de alguns com perfis tão comuns na nossa sociedade contemporânea. Publicado em 1943 no Estados Unidos e na França, o livro que sutilmente descreve o comportamento humano lá de trás continua descrevendo o comportamento humano de hoje e, sem dúvida, continuará descrevendo as outras gerações que virão mais a frente por causa do nosso desvelado individualismo.
O texto é narrado por um aviador que, após sofrer uma pane no deserto do Saara, termina cruzando com uma figura extraordinária a qual ele chama de Pequeno Príncipe, uma criança de cabelos loiros como a cor do trigo que vem acompanhada de uma ingenuidade mesclada com astúcia. O Pequeno Príncipe, habitante de um planeta onde ele diz já ter visto o sol se pôr mais de quarenta e quatro vezes em um dia, decide abandonar seu lar e partir em uma jornada pelo universo depois de se desentender com sua única companhia, uma flor. O jovem passa por seis planetas habitados por indivíduos peculiares que apresentam perfis frequentemente encontrados no nosso dia-a-dia, sendo cada um desses seis planetas habitados por uma única pessoa e, depois de todos eles, ele passa pelo planeta Terra.
No primeiro planeta, o príncipe conhece um rei cujas ordens são dadas apenas se o que foi ordenado já é esperado que se aconteça. Por exemplo, ordenar que o sol se ponha na hora em que o sol se põe todos os dias. Na sua prepotência, o rei representa a necessidade de estabelecer aparências e a afirmação do que não se é tão comum no nosso meio. No segundo planeta, o príncipe encontra um homem vaidoso que, nitidamente, representa a vaidade do ser humano que está ligada ao recebimento de elogios, mas nunca de críticas. No terceiro planeta, o Pequeno Príncipe encontra um bêbado que se embriaga para esquecer a vergonha de beber e que de alguma forma representa a fraqueza do homem e sua inabilidade em lidar com os seus problemas. No quarto planeta, ele encontra um empresário que se diz ser dono das estrelas (porque nunca ninguém antes disse ser dono das mesmas e ele se viu no direito de ser dar tal título) e que está sempre ocupando seu tempo com cálculos. O empresário, portanto, representa a ganância tão presente no homem e necessidade de ter o que nem se quer será utilizado.
O Pequeno Príncipe continua sua jornada até chegar ao quinto planeta, onde ele encontra um acendedor de lampião que de dia apaga e a noite acende o lampião em um lugar onde o dia não dura quase nada e, por causa disso, o acendedor não tempo para aproveitar sua vida. O acendedor acaba representado, portanto, o tempo que gastamos nos dedicando tanto ao trabalho sem aproveitar a vida a nossa volta. Na verdade, tenho trabalhado oito horas por dia desde o início de Junho e chego em casa já indo direto para cama sem aproveitar nada do dia que ainda me resta e, confesso, me senti meio acendedor de lampião quando li esse excerto. Mas tirando as minhas lamúrias, no sexto planeta o Pequeno Príncipe encontra o geógrafo, que conhece montanhas e rios, mas que nunca visitou nenhum desses tantos lugares que há em seu planeta, pois ele apenas descreve o que os olhos de exploradores viram. O geógrafo, portanto, se assemelha as pessoas que não saem do campo da teoria, as que apenas observam a vida passar e não se agitam um instante.
Finalmente, o Pequeno Príncipe chega ao planeta Terra e descreve o lugar como uma mistura do que viu em todos os outros planetas. O nosso querido planeta, portanto, é uma festa de pessoas peculiares que aparentam ser o que não são e que se mergulham em vaidade enquanto não sabem lidar com seus problemas de forma madura e que também não aproveitam a vida e não se deixam permitir. "Na vida a gente nasce, morre e no meio a gente se permite", mas não foi exatamente esse cenário que o pequeno príncipe encontrou por essas bandas de cá e ele expressa isso no texto não com desapontamento, mas apenas com ares de observação.
Os não leitores do livro de certo já devem estar chateados comigo (se é que chegaram até esse ponto do texto), mas não pude deixar de expressar meus sentimentos enquanto caminhava na obra e, por causa disso, alguns (muitos) spoilers me escapuliram. Na verdade, gostaria de continuar falando do resto do livro e incluir as partes que incluem a serpente e a raposa, mas deixo para aqueles que ainda não leram para se aventurarem na obra. Não façam, porém, como eu que posterguei por tanto tempo a leitura. O livro tem menos de cem páginas e uma viagem de ônibus de uma hora (essa é a minha vida) é o suficiente para iniciar e finalizar a obra. Mas vale reafirmar que o livro vai bem além do que ousei descrever. Em um mundo tão cheio de gente grande como o nosso, o autor tenta resgatar através das suas palavras a pureza que acompanha as crianças. Dentre as tentativas de nos fazer enxergar o mundo como os pequeninos, deixo no final do texto o trecho que explicita bem o que interpretei como uma dica para se conseguir tal proeza.
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