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[RESENHA #477] Octavio Amorim Neto - De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa brasileira

Octavio Amorim Neto - De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa brasileira


Octavio Amorim Neto - De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa brasileira


Em um polêmico artigo recentemente publicado nos Estados Unidos, os professores John Mearsheimer (Universidade de Chicago) e Stephen Walt (Harvard Kennedy School) foram inflexíveis em seu diagnóstico de que, em sua ânsia de testar hipóteses na literatura usando ferramentas e técnicas metodológicas cada vez mais trabalhos acadêmicos sofisticados sobre questões internacionais relegam o interesse em teoria e conceitos para segundo plano. Conclui-se que se, por um lado, temos sido contemplados em publicações especializadas com grande quantidade de "evidências" e "achados", apoiados na observação empírica e na experiência, por outro, a produção de grandes teses e narrativas com a capacidade de redirecionar a discussão acadêmica. Mais grave ainda é o desenvolvimento qualitativo: segundo os autores, a atomização da produção resulta em uma incapacidade crescente de entender os macroprocessos internacionais atuais, pois perdemos a capacidade de identificar boas variáveis ​​explicativas, formular questões de pesquisa relevantes e, ainda, acompanhar as conexões entre a parte e o todo (Mearsheimer e Walt, 2013). Longe de ser consensual, a posição reflete um foco de tensão no cânone da disciplina acadêmica das relações internacionais que tem o potencial de se espalhar e influenciar seus diversos subcampos.

Enquanto isso, no Brasil, a situação é diferente. A obra De Dutra a Lula: comportamento e determinantes da política externa brasileira, da cientista política Octavia Amorim Neto, foi reconhecida pela comunidade acadêmica como a primeira grande tentativa de aproximar metodologicamente a ciência política das relações internacionais. Amorim Neto se encarregou de apontar quais seriam as variáveis ​​determinantes para a condução da política externa brasileira entre 1945 e 2008, fazendo amplo uso de estatísticas descritivas e inferenciais. Uma das vozes que comentou o livro foi a professora Maria Regina Soares de Lima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), que descreveu a intenção no prefácio da obra:

Octavio [Amorim Neto] nos apresenta uma análise sistemática do alcance empírico dos argumentos produzidos na literatura qualitativa – que tem sido a modalidade predominante de estudos sobre a política externa brasileira. E o faz combinando viés quantitativo com grande sensibilidade histórica (p. ii).

Críticas e notícias publicadas em periódicos e na grande imprensa também refletem a boa aceitação que este trabalho tem recebido. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, "Octávio conta com dados estatísticos para criar um método de pesquisa quantitativo. Por isso, o volume interessa a cientistas políticos, internacionalistas e historiadores" (Folha de S.Paulo, 2012). A revista Pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo comemorou:

Se houve uma brilhante exceção na crescente quantificação do conhecimento, então foi a política externa, sempre analisada qualitativamente e na maioria das vezes em sentido subjetivo. O estudo de Octavia Amorim Neto introduz essa nova variável objetiva, invertendo certezas e confirmando hipóteses (Carlos Haag, 2012, p. 91).

O culminar de todo o processo foi a entrega do Prémio Victor Nunes da Leal, atribuído pela Associação Brasileira de Ciência Política a um júri de especialistas para o melhor livro científico na área de ciência política e relações internacionais do biénio 2010-2012 .

Reconhecidos os méritos de De Dutra e Lula - bem como as qualidades de seu autor como pesquisador e escritor - talvez seja o momento de avaliar mais criticamente seu conteúdo e prováveis ​​implicações para o campo de estudos. Política Externa Brasileira (PEB). Não há intenção aqui de repetir resenhas anteriores do livro (principalmente honestamente positivas). Ao contrário, esta revisão pretende discutir alguns pontos que, até onde pudemos rastrear, ainda não foram devidamente explorados pela academia.

Recapitulando: De Dutra a Lula é basicamente uma tentativa de capturar as principais forças que moldaram a política externa nos três principais ciclos da política brasileira – o Interregno Democrático (1946-1964), o Regime Militar (1964-1985) e a Nova República (1985-2008 ) - pelo método quantitativo.

No esquema explicativo de inspiração neorrealista, a convergência política entre Brasil e Estados Unidos significaria a capacidade deste país (considerado hegemônico na ordem global) influenciar as ações do primeiro. No entanto, a grande tese deixada por Amorim Neto ao final do esforço argumentativo é que, a partir de dados relativos ao período de 1946 a 2008, ficaria evidente o distanciamento do Brasil das posições assumidas pelos Estados Unidos na política internacional. Num continuum que vai de 1946 a 2008 (veja gráfico na página 69), observa-se uma tendência de convergência cada vez menor entre os votos do Brasil e dos Estados Unidos em diversos assuntos da Assembleia Geral. das Nações Unidas. Disso decorre a conclusão, já colocada ao final do texto, de que:

Desde a segunda metade do século XX, quando a economia brasileira cresceu e se industrializou, a população se expandiu, a sociedade se urbanizou e os gastos militares e o tamanho das forças armadas cresceram, o país foi aos poucos se sentindo em condições de se distanciar de seu grande aliado (p. 171).

A passagem acima serve, intencionalmente ou não, de combustível para todos os que acreditam na existência do "antiamericanismo" na condução da política externa na última década. Essa impressão é reforçada pelo seguinte trecho:

O aumento da participação ministerial da esquerda - ou seja, justamente no centro de gravidade do sistema político brasileiro, o poder executivo - cria excelentes condições políticas para que partidos bem organizados e com fortes preferências de atuação internacional no Brasil mudem a política externa, no sentido de seu distanciamento dos Estados Unidos (p. 175).

No entanto, Amorim Neto admite sua confusão ao perceber que mesmo quando a esquerda estava completamente ausente do poder no país (1964-1985), a distância entre o Brasil e os Estados Unidos continuou a aumentar. O autor levanta então uma hipótese auxiliar ad hoc: a proximidade fática das agendas diplomáticas da esquerda e da direita durante a ditadura militar pode ter sido o que levou à suspensão temporária da lógica delineada no parágrafo anterior.


Outra importante lição de De Dutra para Lulu diz respeito ao papel insignificante (estatisticamente insignificante) do Legislativo na definição da política externa a ser seguida pelo Estado brasileiro. No entanto, o autor vai além das evidências encontradas e apresenta uma nova hipótese, que aparentemente não encontra respaldo nos números apresentados: “Uma razão para os supostos excessos de diplomacia praticados entre 2003 e 2010 pode ser encontrada na ausência de um freio doméstico sobre o poder executivo. A ausência de controle do poder executivo aponta imediatamente para o papel do Congresso na política externa” (p. 176). A proposição é condicional — ex hypothesi — porque, afinal, como adverte Amorim Neto, o objetivo do livro não é "posicionar-se sobre se a política externa de Lula foi excessivamente ideológica" (p. 176).

Receio discordar da linha de interpretação explorada no livro na tela. Primeiro, construindo a falácia da distração em sua tese principal. A dificuldade decorre do recorte temporal da obra (1945-2008), que provoca uma distorção logo no início da análise. Explicado: Eurico Gaspar Dutra foi provavelmente o presidente que mais decisivamente alinhou o Brasil com as posições dos EUA ao longo da história da política externa republicana. Mais equilibrado que Castelo Branco ou Collor de Mello. Seu mandato corresponde ao que o historiador Gerson Moura (1990) considerou "alinhamento sem recompensa" porque, embora o Brasil tenha apoiado os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (desde 1943) e permanecido incondicionalmente associado ao país (nos primeiros anos de Dutra), ele obteve pouco concreto em troca: não conseguiu um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou um Plano Marshall para a América Latina. É tão natural que todos os sucessores de Dutra tenham se afastado de seu americanismo extremo e objetivamente malsucedido. Corresponde, por assim dizer, à normalização da curva de política externa.

Além disso, o recorte temporal De Dutra a Lula não leva em conta os antecedentes históricos do fenômeno do americanismo (e também do antiamericanismo) no PEB. Ele não leva em conta, por exemplo, que no momento imediatamente anterior à adesão do Brasil ao bloco dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial, com Vargas na presidência, ele acatou ofertas explícitas de aproximação com a Alemanha nazista - e, com isso, distanciar-se das posições dos diplomatas americanos. Se voltarmos à geração que fundou a linha americanista do PEB, ainda notamos que mesmo o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa não conseguiram se distinguir dos americanos em repetidas e cruciais ocasiões (como na Segunda Conferência de Haia, 1907). Resumindo: na história da República, o governo Dutra está à margem da política externa – e por isso a narrativa criada por Amorim Neto é tendenciosa.

Ao revelar as razões do aumento das diferenças entre Brasil e Estados Unidos desde a segunda metade do século XX, sugere-se que o crescimento econômico e demográfico do Brasil, aliado à urbanização e ao investimento militar, fizeram com que o país "sentisse-se em condições de distanciando-se passo a passo de seu grande aliado na primeira metade do século passado [XX]” (p. 171). Alternativamente, ofereço a seguinte narrativa: o recuo do Brasil das posições estadunidenses não foi conduzido por um simples acúmulo de atributos de poder ("capacidade", no jargão da escola realista de relações internacionais), mas pela gradual autonomização do país em relação ao resto do mundo - entendido na tradição PEB como a capacidade de criar sua própria norma de comportamento na política internacional - que trouxe, como epifenômeno, a redução do grau de convergência dos votos Brasil/EUA na Assembleia Geral da ONU. É significativo que, durante o Império do Brasil, o americanismo não fosse discutido na política externa. A tradição associativa (ou "reboquista", na estranha tradução de Amorim Neto) foi o europeísmo do século XIX. No entanto, os associativistas sempre foram desafiados pelos autonomistas – independentemente dos rótulos que historiadores e cientistas políticos dariam às duas correntes ao longo dos anos: agrários vs. industriais, entregadores vs. nacionalistas, liberais vs. desenvolvimental, interdependente vs. Soberano, Americanistas Vs. globalistas etc

A ligação diplomática com os EUA deve ser entendida não como essência ou ideologia eterna do PEB, mas como opção pragmática dos que formulam a integração internacional do país, sujeita a constante reavaliação segundo o cálculo estratégico dos estadistas da história histórica dada. momento. Essa marcha pela autonomização do Brasil ajuda a entender, por exemplo, por que os governos de dois presidentes comprometidos com os ideais de esquerda na política externa - Jânio Quadros e João Goulart, arquitetos da "Política Externa Independente" - conseguiram apresentar índices de convergência de votos com os Estados Unidos consistentemente superior aos das duas reconhecidas americanistas da Nova República - Fernanda Collora de Mella e Fernanda Henrique Cardosa. Assim, o processo de ascensão e autoafirmação do Brasil no cenário internacional, transformado em liderança da política externa, parece ter pouca relação direta com o (anti-)americanismo.

Ao superestimar o peso da variável independente "composição ministerial" na formulação da política externa brasileira, além de sugerir um nexo causal entre o papel morno do legislativo na PEB e a implementação de uma política externa (supostamente) "ideológica", Amorim Neto parece omitir dois outros aspectos importantes do processo: a) o histórico isolamento burocrático do Itamaraty, autarquia que por várias décadas exerceu um virtual monopólio sobre as fases de formulação e implementação das relações exteriores brasileiras. política, por delegação, tácita ou explícita, do chefe do poder executivo (Cheibub, 1985)1; eb) a tendência mundial – e não apenas brasileira – de concentração das competências sobre os atos internacionais de um Estado soberano nas mãos do chefe do poder executivo, seja no presidencialismo, seja no parlamentarismo (Milner, 1997), ao contrário ao papel secundário do poder legislativo na formação da política externa, nomeadamente mesmo nos Estados Unidos da América (Jacobs e Page, 2005). A insistência do autor em "ideologia exagerada" e "fortes preferências partidárias" na condução atual da política externa, sem oferecer ao leitor o suporte factual adequado, pode ser uma ilusão.

Além disso, é preciso apontar a fragilidade do organograma elaborado pelo autor para a elaboração da política externa brasileira entre 1946 e 2008 (ver Figura 3.1 na página 81). Amorim Neto se confunde ao dar às Forças Armadas um papel central no processo decisório do PEB, uma suposta emulação do sistema estadunidense de formulação de política externa. Em um país constitucional e historicamente associado ao pacifismo como o Brasil, onde a gestão política das questões de defesa nacional e internacional está a cargo do Ministério da Defesa, comandado por servidores públicos desde sua criação em 1999, há uma clara superestimação da componente militar. . Além disso, a busca por uma síntese do processo decisório brasileiro em política externa em tão longo período de tempo, que inclui tantas e tão profundas mudanças nas estruturas institucionais do Estado, parece artificial. O autor também demonstra desconhecimento da “horizontalização da PEB”, ou seja, o compartilhamento cada vez maior das competências internacionais do Estado brasileiro entre os ministérios Esplanada. Como mostram estudos recentes, mais de 90% dos ministérios (ou órgãos com status ministerial) no Brasil já possuem departamentos, conselhos ou coordenações de assuntos internacionais. Alguns ministérios, como o da cultura ou do esporte, mobilizam intensamente suas estruturas para a atuação internacional, apesar de Itamarata (Badin e França, 2010; Faria, 2012). Limitar a atual produção de PEBs aos Ministérios das Relações Exteriores e da Fazenda é no mínimo anacrônico.

As dificuldades de Dutra a Lulu não se limitam ao estudo da política externa brasileira. Os problemas são evidentes no método escolhido (acompanhamento dos votos do Brasil e dos Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU) e na principal variável proxy do trabalho. Começarei observando a estrutura organizacional da Organização das Nações Unidas (ONU). É composto por cinco órgãos principais – a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado – e a Corte Internacional de Justiça. Como consequência da diferenciação funcional da burocracia, cada órgão desempenha um papel específico e tem uma composição diferente. O único desses órgãos com orientação universalista (geográfica e tematicamente) é a Assembleia Geral (AG), que acolhe todos os 193 países membros da ONU em suas sessões plenárias em estrita igualdade de condições. No entanto, a assembléia não é capaz de coagir seus membros. A prerrogativa de criar normas vinculantes é exclusiva do Conselho de Segurança (CS), órgão restrito com participação limitada a 15 Estados membros da ONU – dos quais 5 são cativos2 e os outros 10 temporários.

E que consequência isso tem para a dinâmica da ONU? Embora a Assembléia Geral tenha considerável legitimidade política, suas decisões têm apenas valor simbólico. (Nas hipóteses mais otimistas, os juristas dirão que se trata de soft law, ou seja, conteúdo normativo capaz de influenciar os Estados, mas não de produzir efeitos jurídicos por si só.) As decisões mais dramáticas no que diz respeito à ordem internacional são sempre . adotada no Conselho de Segurança da ONU. Assim, embora consultar o banco de dados de votos registrados desde 1945 por todos os países da ONU sobre os mais diversos temas seja uma ação possível apenas no nível da Assembleia Geral, é legítimo perguntar: qual é o real significado do que os países atribuem à esses votos? Com que seriedade e motivação são conduzidos esses debates? O que realmente está em jogo para os deputados estaduais? Qual a mobilização de recursos por parte de cada estado para tais discussões?

Em certo sentido, pode-se argumentar que este é precisamente o espírito daqueles que conceberam a Carta da ONU: equilibrar o idealismo da representação política universal (a Assembleia) com o realismo militarizado dos poderes (o Conselho). Uma linha plausível de ação diplomática – e que o Brasil já praticou antes – é afirmar certos cargos na Assembleia Geral, mas não no Conselho de Segurança. O "pragmatismo responsável" - forma como a política externa ficou conhecida sob Médici e Geisel - conseguiu se equilibrar entre as concessões ao terceiro mundo na AG e o não confronto com as potências da CS (entre 1968 e 1988, o Brasil esteve ausente do se do fórum de segurança). Os Estados Unidos também expressaram posições e níveis variados de envolvimento com a ONU em sua história diplomática recente. Depois de desfrutar da hegemonia dentro da instituição de 1945 a 1960, eles se viram ameaçados pela independência política dos "satélites" soviéticos - ex-colônias européias localizadas na África, Ásia e Oriente Médio. Michael Dunne observou que desde então "os americanos perderam suas ilusões sobre a ONU, onde o bloco 'afro-asiático' parecia representar um terceiro mundo que era politicamente pouco confiável e economicamente muito exigente, e os latino-americanos não eram mais dependentes [dos EUA ]” (Dunne apud Lopes, 2012, p. 198). O Japão e a Europa Ocidental, elementos-chave da esfera de influência americana, começaram a divergir dos Estados Unidos em questões específicas dentro das Nações Unidas. Em 1971, a República Popular da China aderiu à organização, assumindo o lugar de representação de Formosa (Taiwan) no Conselho de Segurança. A ONU estava se tornando cada vez mais, como descreveu o embaixador Daniel Patrick Moynihan, "um lugar perigoso para os americanos". Assim, durante décadas os Estados Unidos viraram as costas a uma instituição que já não podiam controlar, até tentarem um regresso triunfante com o fim da Guerra Fria (cf. Lopes, 2012).


Outra questão que distorce a análise de Amorim Neto é a tendência relatada de que temas comuns originalmente discutidos na Assembleia migrassem para o Conselho de Segurança nos últimos tempos. Atualmente, repetem-se as discussões da CS sobre os temas "segurança humana", "segurança alimentar", "segurança ambiental", "segurança energética", etc. - a configuração do que se chama de "securitização da agenda internacional". Aparentemente também reflete a percepção dos atores de que o órgão da ONU que realmente importa é o Conselho de Segurança; o resto é "talk shop". Daí a mencionada mudança do eixo político da organização. Por fim, cabe lembrar que ao longo da história das Nações Unidas coexistiram dois registros – o formal e o informal. Isso se aplica a praticamente toda organização política que não represente o excepcionalismo da ONU, não fosse o fato de que nos últimos 25 anos a técnica de construção de maioria (majoritarismo) foi gradativamente substituída pela construção de consenso entre os Estados membros. Essa tendência é particularmente pronunciada no Conselho de Segurança, resultando em um baixo uso do veto expedito a partir da década de 1990, uma forma informal de dirimir divergências e dissipar as contradições mais gritantes. Além disso, estruturas paralelas aos fóruns da ONU, como coalizões intergovernamentais, interferem na votação estatal porque levam ao estabelecimento de posições em bloco e padrões de votação, igualando (ou aumentando) as diferenças entre os países (Kahler, 1992; Prantl, 2005 ). Infelizmente, essa complexidade do voto não é discutida em De Dutra e Lula.

Por fim, Amorim Neto conclui seu texto com um eloquente parágrafo de disclaimer em que afirma que o modelo de análise desenvolvido no livro é historicamente ultrapassado. No entendimento do autor, seus pressupostos são desafiados pela "universalização das relações internacionais do Brasil", sua "ascensão ao status de global player", "a emergência da China como principal parceiro comercial do país", "declínio imperial dos Estados Unidos desde 2003 " bem como "a proliferação de atores envolvidos no processo decisório doméstico [PEB]” (p. 177). É justo. E talvez fosse oportuno indagar, diante de todas as ressalvas levantadas, se De Dutra a Lula ainda seria uma leitura de referência para iniciantes e iniciados em política externa. Naturalmente, é muito cedo para responder à pergunta de forma conclusiva ou para estimar o impacto do livro na comunidade de pensamento de relações internacionais no Brasil. O tempo dirá a importância desse esforço inaugural.

As correções que fazemos nesta revisão não devem de forma alguma diminuir a extensão da proeza analítica de seu autor. Tampouco devem ser lidas como um manifesto anti-empírico, muito menos levar o leitor à conclusão de que a chegada de ativistas quantitativos no campo dos estudos de política externa brasileira é um evento indesejável e perigoso. Definitivamente não é sobre isso. A evolução do estado atual exige novas e novas abordagens ao objeto, preferencialmente com enfoque empírico – sejam estudos de caso ou estudos comparativos. No entanto, em contrapartida ao esforço académico de Amorim Neto, subsiste uma clara necessidade de aperfeiçoamentos conceptuais e teóricos. Somente um melhor equilíbrio entre velhas e novas abordagens de EBP pode levar a um porto seguro.

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