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[RESENHA #537] O que é meu, de José Henrique Bortoluci



APRESENTAÇÃO: Neste ensaio biográfico de rara sensibilidade, que já teve os direitos vendidos para dez editoras estrangeiras, o sociólogo e professor José Henrique Bortoluci parte de entrevistas realizadas com seu pai, que durante cinquenta anos foi motorista de caminhão, para retraçar a história recente do país e da própria família. Por meio de uma prosa elegante e afetuosa ― que combina depoimentos e anedotas do pai e seus colegas com referências literárias e reflexões sobre o Brasil ―, capítulos marcantes de nosso passado e de nosso presente se revelam pelos olhos de um cidadão comum, que vivenciou a ditadura militar e seus delírios megalomaníacos, como a construção da Rodovia Transamazônica e as marcas violentas da chegada do suposto “progresso” ao interior do país. Bortoluci tem consciência de que a matéria-prima de sua escrita é composta por camadas, mediada pela memória, pela subjetividade de quem narra, pelo tempo. Mas essa impureza da matéria é justamente a chave para a concisão deste texto que, por nunca falar de uma coisa só, se desdobra em registros e territórios pouco explorados em nossa literatura. A devastação que assola o país também permite que o autor se aproxime de outro assunto doloroso: o câncer que acomete seu pai e o tratamento médico pelo qual ele passa durante a escrita do livro. As marcas no corpo do paciente são também as estradas que cortam o país, cicatrizes de um projeto desenvolvimentista que até hoje perdura em nosso imaginário político. A distância que ele percorre com o caminhão também é aquela que foi se abrindo entre seu destino e o do filho, hoje professor universitário. Além de um feito literário e uma valiosa reflexão histórica e sociológica do país, este livro é também uma tentativa comovente e exitosa de unir novamente os dois caminhos.

RESENHA

“O que é meu é um texto primoroso, que nos guia através da história e das estradas desse país, enquanto faz o luto da finitude de um pai. José Henrique Bortoluci se revela um autor cuja sensibilidade e talento só engrandecem ainda mais sua reconhecida trajetória como pesquisador. Arrebatador.” — Vera Iaconelli

O que é meu é um livro de não ficção; relatos pessoais do autor José Henrique Bortoluci. A obra é uma descrição poética acerca da vida do pai, José Bortoluci, conhecido por Didi na família ou por Jaú nas estradas. José é pai de dois filhos, formado no ceio da família tradicional brasileira sob forte influência da família tradicional, criado para ser um filho ávido, com ideais que o fizeram pensar que dentro da essência de um homem está o trabalho e dinheiro. Trabalhador desde cedo, José, começou cuidando dos irmãos e adquirindo certa posição de destaque aos doze anos do lado do avô, tomando posição de mais novo homem da casa, levando em consideração sua posição como filho mais velho [à chegar na adolescência], teve de virar homem desde cedo para cuidar dos irmãos mais novos e dos afazeres no sítio onde moravam, uma vez que seu pai morrerá ainda em sua adolescência. 

A escrita de Bortoluci, é suave, poética e transeunte, a experiência que temos ao ler este livro é que o autor trabalha a noção de brevidades, aqui, o enredo descrito é apenas transcrito pelo autor e motivado pelo pai com relatos de sua vasta experiência como caminhoneiro nas estradas, que fora palco de sua vida entre 1965 à 2005, quando decidiu aposentar-se. José, conta-nos de suas dores e tristezas, das dificuldades em se trabalhar no caminhão todos estes anos, dos aprendizados e das saudades, e claro...da emoção que era reencontrar amigos amigos pelo caminho, nas estradas. A maioria dos amigos de estrada de José morreram, todos jovens, antes da casa dos cinquenta anos, todos repletos de sonhos. Dentre todos estes jovens, destaca-se um de nome Nestor. Nestor é mais um amigo vivo nas lembranças, responsável por tantas aventuras e por tantas alegrias e encontros pelas estradas e pelos caminhos da vida, fora um dentre tantos que marcaram a vida e lembranças deste empenhado profissional das estradas.

A obra conta com uma série de panos de fundo que fundem-se em um só durante a escrita, como o golpe militar de 1964, a guerrilha do Araguaia no entorno da construção transamazônica, perseguições aos jovens revolucionários e camponeses, período de fortes tensões políticas, dentre tantas outras. Estas descrições transitam entre memórias e lembranças narradas em forma de biografia pelo autor e em forma de verso pelo pai, José.

Esta obra foi vendida para diversos outros países antes de ser publicada no Brasil, e agora...sei o porquê. Bortoluci trabalha com uma escolha sutil de palavras, possuindo forte habilidade descritiva para narrar os fatos expondo as dores, os amores e as lembranças de seu pai, como um tributo em vida. Ao passo de que conhecemos a trajetória sofrida entre saudade e retorno para casa, conhecemos e somos apresentados à um mar de narrativas acerca dos grandes momentos marcantes na estrada, da saudade de amigos, dos momentos e das diversas histórias que foram fruto de uma vida bem vivida. A narrativa que ocorre em digressões [alterna-se em passado e presente com frequência] visita as memórias do pai, as narrativas e apresentações do filho e as descrições de momentos dolorosos na vida da família e no enfrentamento de uma doença que limitou em diversos sentidos o pai, mas que em momento algum lhe tirou o brilho ou a vontade de viver, assim como anos na estrada, o pai se reinventou.

Enfim, não há nada que se possa ser dito além disso, toda experiência merece ser vivida, ou melhor, lida. A decisão de Bortoluci em trazer para as páginas a história de seu pai é algo que nos liberta de nós mesmos. A história de alguém que perdeu inúmeros amigos, vários irmãos, viveu períodos difíceis dentro da esfera social política brasileira, conheceu e colecionou momentos únicos e intensos durante toda adolescência e do desenvolvimento dela, adquiriu dores, novos parágrafos e novas pausas, mas sempre prosseguindo com vírgulas intermináveis entre os intervalos de uma nova escrita e outra, fazendo das palavras e das lembranças seu maior trunfo, sua maior e mais confortável revisitação.

O livro pode ser adquirido na Amazon por apenas R$53.91, ou no site oficial da editora fósforo por R$59,90.

O AUTOR

José Henrique Bortoluci é doutor em sociologia pela universidade de Michigan e, desde 2015, leciona na Fundação Getulio Vargas. O que é meu, seu livro de estreia, será publicado em dez idiomas por editoras de prestígio como Fitzcarraldo, Grasset, Iperborea, Aufbau, Literatura Random House, Nordsedts e Aschehoug.

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