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[RESENHA #582] Mulheres que interpretam o Brasil, org Lincoln Secco, Marcos Silva & Olga Brites

 

APRESENTAÇÃO

Assinada por uma constelação de consagrados estudiosos das ciências humanas, esta importante e necessária obra dedica cada um de seus 45 artigos a grandes mulheres brasileiras cujas trajetórias pessoal e profissional impactaram enormemente a história do país, mas que, quase sempre, tiveram seus feitos obscurecidos e suas vozes silenciadas pela história oficial – branca, masculina, patriarcal e burguesa.

Dessa forma, este livro, ao contrário das antologias do tipo “interpretação do Brasil”, que costumam ser restritivas em relação ao gênero, resgata algumas das contribuições femininas (nas mais diversas áreas) à incessante tarefa de interpretar o país e o mundo a fim transformá-los, a despeito de todas as inúmeras e difíceis barreiras impostas às mulheres.

Nas palavras dos organizadores da obra, “as interpretações do Brasil não se resumem à forma tradicional do ensaio ou da tese acadêmica. Há uma pluralidade de formas que serviram a outras leituras de nossa história. Elas impactaram a sociedade por meio das artes, cultura, atividade política e religiosidade tanto quanto os chamados clássicos do pensamento brasileiro, quase sempre restritos ao mundo masculino e das classes dominantes. Por isso, buscamos resgatar as mulheres que pensaram a realidade do país também a partir de sua diversidade social, fosse na Administração Pública, no teatro, na favela, nas religiões ou na universidade”, mulheres sem as quais, “qualquer História do Brasil seria simplesmente falsa”.

RESENHA


Mulheres que interpretam o Brasil / organização Lincoln Secco, Marcos Silva, Olga Brites. -- São Paulo: Editora Contracorrente, 2023. ISBN 978-65-5396-092-3

A obra mulheres que interpretam o Brasil é uma miscelânea de artigos de cunho acadêmico informativo acerca da contribuição de grandes mulheres para a construção do Brasil como o qual conhecemos. A obra é uma forma de demonstrar em rigor teórico e documentativo às inúmeras contribuições efetivadas pelas mulheres em diferentes áreas, períodos históricos e momentos. Todas as narrativas descrevem as dificuldades impostas pelo patriarcado, que, por muito tempo regulou a participação da mulher na sociedade, inibindo assim, sua participação direta e suas contribuições para o mundo moderno da cultura, sempre com histórias carregadas de preconceitos que excluíam toda e qualquer participação pública ativa e efetiva das mulheres nos quadros de diligência pública, o que claro, fomentou a busca pelo direito e reconhecimento de ser protagonista social, não agindo assim, como um mero personagem com participações diminutas, mas como alguém que desenvolveu e teceu práticas necessárias para o desenvolvimento da cultura e das artes como conhecemos hoje.

O livro aborda de forma clara e concisa a história e as trajetórias tomadas por grandes mulheres que enfrentaram dificuldades em seus períodos para se estabelecerem nos mais variados campos, não importa em qual ano, existia de forma palpável o impedimento de suas ações de forma concreta. Algumas mulheres encontraram-se sem saída pelo fato de serem atravessadas pela ausência de oportunidades e o analfabetismo na busca por melhoras de vida e no meio ao qual estavam inseridas, sendo atingidas diretamente por regulamentações historicamente machistas e construídas por homens. O Brasil como conhecemos não seria o que é sem a contribuição de grandes mulheres, que, historicamente delinearam caminhos que hoje podem ser construídos por tantos e tantas pessoas que buscam um desenvolvimento participativo social de maior relevância, não sendo mais ligados ao matrimônio ou ao lar como ferramenta de fomento para barragem de atividades.

O livro não fala com exclusividade de mulheres que contribuíram com trabalhos, mas também com suas histórias de luta e garra pelo desenvolvimento de suas metas por meio do poder da ação, mesmo em períodos, que, impediam de forma clara e traçada as mulheres que eram proibidas de produzir ou fomentar em participações de criações de livros, peças, música ou em carreiras de grandes renomes e/ou destaques públicos, inclusive, citando o fato de que a primeira mulher só conseguiu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras em 1977, 50 anos após a criação.

Dentre as mulheres citadas na obra, podemos mencionar: Alice Piffer, Ana Maria Machado, Ana Montenegro, Cecília Meireles, Inezita Barroso, Heleieth Saffioti, Mailde Pinto Galvão, Emília Viotti, Eneida Vilas Boas, Gilda de Melo, Déa Ribeiro, Clarice Lispector, dentre tantas outras.


Dentre as histórias mencionadas, destacamos:

Clarice Lispector

Clarice Lispector, uma das mais renomadas escritoras brasileiras do século XX, enfrentou diversas dificuldades ao longo de sua vida e carreira no Brasil. Nascida na Ucrânia em 1920, ela emigrou para o Brasil com sua família quando tinha apenas um ano de idade, fugindo da perseguição aos judeus durante a Revolução Russa. Essa experiência de imigração marcou profundamente sua identidade e influenciou sua escrita.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Clarice Lispector foi a língua portuguesa. Como ela não falava português quando chegou ao Brasil, teve que aprender a língua desde o início. Essa barreira linguística pode ter sido um desafio para expressar-se plenamente em suas obras, mas também pode ter contribuído para sua escrita única e inovadora, repleta de experimentações linguísticas e jogos de palavras.

Outra dificuldade enfrentada por Lispector foi o machismo e o conservadorismo presentes na sociedade brasileira da época. Como mulher, ela teve que lutar para ser reconhecida como uma escritora séria e talentosa, em um contexto em que as mulheres eram muitas vezes marginalizadas e suas vozes minimizadas. No entanto, ela persistiu em sua carreira literária e se tornou uma das mais importantes vozes femininas da literatura brasileira.

Lispector também contribuiu para a valorização da literatura feminina no Brasil. Suas personagens femininas são complexas e multifacetadas, explorando questões de gênero, sexualidade e maternidade de maneira inovadora. Sua escrita sensível e poderosa inspirou e continua a inspirar muitas escritoras brasileiras, abrindo espaço para a expressão de vozes femininas na literatura nacional.

Ana Maria Machado

Ana Maria Machado é uma escritora brasileira renomada, conhecida por suas obras voltadas para o público infantil e juvenil. Ao longo de sua vida e carreira no Brasil, ela enfrentou algumas dificuldades, assim como teve uma influência significativa e importância nacional com suas contribuições.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Ana Maria Machado foi a falta de reconhecimento e valorização da literatura infantil no Brasil. Em um país onde a literatura adulta sempre foi mais prestigiada, ela teve que lutar para que suas obras voltadas para crianças e jovens fossem levadas a sério. No entanto, ela persistiu em sua dedicação à literatura infantil, acreditando na importância de proporcionar leitura de qualidade para as novas gerações.

Além disso, Ana Maria Machado também enfrentou desafios em relação à temática de suas obras. Muitas vezes, suas histórias abordam questões sociais, políticas e culturais, o que nem sempre foi bem recebido por certos setores da sociedade brasileira mais conservadora. No entanto, ela continuou a escrever sobre temas relevantes e atuais, contribuindo para uma literatura infantil que estimula a reflexão e a consciência social.

Apesar das dificuldades, a influência e a importância de Ana Maria Machado no Brasil são indiscutíveis. Sua escrita cativante e envolvente conquistou milhões de leitores, tanto jovens como adultos. Ela foi a primeira escritora brasileira a receber o Prêmio Hans Christian Andersen, um dos mais prestigiosos prêmios internacionais da literatura infantil. Esse reconhecimento elevou sua visibilidade e trouxe destaque para a literatura infantil brasileira.

Ana Maria Machado também foi uma das fundadoras da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) no Brasil, uma organização que promove a leitura e a literatura infantil no país. Seu trabalho na FNLIJ e seu engajamento em projetos de incentivo à leitura contribuíram para a disseminação da importância da literatura infantil na formação das crianças e jovens brasileiros.

Inezita Barroso

Inezita Barroso foi uma importante cantora, instrumentista, atriz e folclorista brasileira, conhecida por seu trabalho na preservação e divulgação da cultura popular brasileira. Ao longo de sua vida e carreira, ela enfrentou algumas dificuldades, mas também teve uma influência significativa e importância nacional com suas contribuições.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas por Inezita Barroso foi o preconceito e a desvalorização da música tradicional brasileira, especialmente a música caipira. Em uma época em que a música estrangeira, como a música popular internacional, era mais valorizada e difundida no Brasil, ela teve que lutar para que a música caipira e outras manifestações culturais do país fossem reconhecidas e apreciadas.

Além disso, Inezita Barroso enfrentou resistência e preconceito por ser mulher em um meio predominantemente masculino. Ela foi uma das primeiras mulheres a se destacar como intérprete e pesquisadora da música folclórica brasileira, o que a colocou em uma posição desafiadora em uma sociedade que muitas vezes limitava o papel das mulheres na música e na cultura.

Algo que podemos notar na história de todas as mulheres que interpretaram o Brasil como sendo verdadeiramente rico em cultura, todas elas encontram-se com a face da ausência de oportunidade, suas carreiras ficaram estagnadas por um bom tempo até a concretização por meio de muita luta com o machismo e com a produção cultural masculina em seus respectivos tempos. Salientamos que a luta feminina difundiu-se em todas as áreas existentes disponíveis dotadas de alguma relevância, todas repletas de nuances predominantemente masculinas, sendo um forte entrave para concretização de suas produções artísticas em terra nacional.

A obra publicada pela Editora Contracorrente é de extrema importância e relevância acadêmica e social, uma vez que sua publicação fomentou e abriu espaço para debates acerca da relevância histórica da participação feminina nos mais variados campos. Uma obra magistral e repleta de simbolismos que devem ser encarados como arbitrariamente concernentes à nossa realidade, uma vez que as entraves burocráticas do reconhecimento permanecem firmes, necessitando de ajustes e fomentos que travam a participação pública das mulheres no seio estrutural da sociedade.

O livro pode ser adquirido através do site da editora contracorrente por R$91,00, em sites de varejo online ou em plataformas como Amazon.

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