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[RESENHA #610] Mil placebos, de Matheus Borges

APRESENTAÇÃO

E se o “homem do subsolo” de Dostoiévski tivesse acesso aos fóruns do 4chan? E se Poe, na hora de conceber suas novelas policiais, tivesse acesso aos futuros psicopatológicos que povoavam a mente de Ballard? E se nada disso fosse necessário, pois o capitalismo alienante e o submundo tecnológico estivessem levando, agora mesmo, jovens como o narrador deste livro a percorrerem o percurso trágico da solidão do espírito à desagregação mental, culminando em atos de violência impensável?

Questões como essas podem vir à mente do leitor que acompanha a trajetória do protagonista desse romance, um rapaz introspectivo e antissocial, mas de aguda percepção acerca das contradições da pós-modernidade, que cai na toca de coelho dos fóruns da internet. Quando a garota por quem é apaixonado tem um fim trágico e o administrador de seu fórum favorito desaparece misteriosamente, ele se deixa levar por impulsos investigativos que colocam em risco sua rotina e sua lucidez, para não dizer sua própria vida.

Em seu primeiro romance publicado, Matheus Borges demonstra seus poderes singulares de construção psicológica, evocação de detalhes e observação atenta da nossa realidade fraturada e saturada de informação. Humor pontual com tempero absurdo, comentário social e suspense noir-cibernético se somam a uma aura de paranoia pynchoniana, sem nunca perder de vista a emoção genuína que sustenta os personagens e faz o leitor antecipar cada pista e desenlace.

RESENHA


No seu primeiro romance, Matheus Borges combina habilmente o humor e o suspense noir, criando uma história com uma “aura de paranoia pynchoniana”. O protagonista deste livro é um jovem introspectivo e antissocial, porém altamente perceptivo em relação às contradições da pós-modernidade. Ele se envolve profundamente nos labirintos dos fóruns da internet. Quando a garota pela qual ele é apaixonado encontra um destino trágico e o administrador do seu fórum favorito desaparece misteriosamente, ele se entrega a impulsos investigativos que colocam em risco sua rotina e sua sanidade.

A obra é narrada por um usuário de fórum da web, mesclando-se, categoricamente, no universo das investigações policiais em uma síntese mundo contemporâneo-virtual. A personagem criada por Matheus é o retrato de diversas pessoas que se encontram desconectadas com a realidade por meio de eventos, aqui, conheceremos um pouco do obscurantismo por trás das relações fragilizadas e afetas pela distância, mas também adentraremos na rede de conexões que aproximam pessoas que estão quilômetros de distância.

A narrativa ganha forma quando o protagonista principal decide investigar uma série de acontecimentos que afetam sua realidade no mundo virtual. A partir deste ponto, somam-se pontos intrínsecos de uma narrativa frenética e altamente alucinante em busca de respostas. Seu único refúgio, ou pelo menos, o mais palpável, era um fórum, que acabara naquele instante, e isso, não poderia ficar sem respostas. Eyeball Kid, seu pseudônimo no mundo virtual, decide então agarrar-se a esperança de entender e compreender a realidade real por trás das tragédias do mundo digital. O autor descreve uma série investigativa instigante e repleta de reviravoltas delirantes, um enredo fascinante que dialoga com a realidade paralela a qual vivemos.

A obra traz a tona uma série de assuntos existentes na realidade, mas pouco explorados em enredos como este. O autor aborda o isolamento social e a vivência digital em paralelo à rede de acontecimentos repleto de suspense que se somam ao enredo paulatinamente intrigante. 

A presença de pílulas e medicamentos e a facilidade de comprá-los, bem como o interesse ávido do personagem pelo meio digital, são uma capsula catapultada em direção aos delírios repletos de pistas falsas e digressões que fomentam um enredo misterioso com um final inesperado. Uma obra ricamente delirante e fascinante.

O AUTOR


Matheus Borges nasceu em Porto Alegre, 1992. É formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil. Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias no Brasil e no exterior, bem como em coletâneas e antologias. No cinema, atuou como roteirista em A Colmeia, longa metragem vencedor de cinco prêmios na edição 2021 do Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, é mestrando no programa de pós-graduação em letras da UFRGS. Em 2022, publicou seu primeiro livro, o romance Mil Placebos. Nas redes sociais: @matheusmedeborg

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