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[RESENHA #618] História do inferno, de George Minois

APRESENTAÇÃO

Neste livro, o olhar arguto e global de Georges Minois traz ao leitor contemporâneo uma súmula das concepções de inferno que acompanharam as principais civilizações humanas. Veremos também que, mesmo em face do declínio das crenças tradicionais e da Igreja católica, dos questionamentos à ideia de inferno nos próprios ambientes eclesiásticos, o conceito ainda se faz presente e relevante, como se a história do inferno fosse também a história do homem confrontado com sua própria existência.

RESENHA

A ideia de inferno é recorrente nas civilizações, encontrada nos textos mais antigos, presente nas concepções religiosas e até mesmo em visões ateístas contemporâneas. O uniforme é multiforme, adaptando-se às diferentes sociedades, e pode ser visto como um lugar sinistro ou como um lugar ou estado de extrema angústia existencial durante a vida. Desde os primórdios da humanidade, a ideia de inferno está associada aos sofrimentos, ódios, às contradições e à impotência inerentes à condição humana — ligada ou não ao julgamento e castigo, a ameaça do inferno contempla os temores de cada civilização, muitas das vezes espelhando seus fracassos sociais e suas ambiguidades. Dentre as diversas concepções de inferno, a mais detalhada e desesperadora talvez seja do inferno cristão, em que o sofrimento permeado por remorso e pela eternidade das penas afeta os sentidos e a mente. É uma construção racional, um contraponto a uma religião baseada na ideia de salvação do espírito, e que supostamente respeita o livre arbítrio humano. Antes da ideação do inferno cristão, porém, outras reflexões religiosas imaginavam um além-como continuação triste da vida terrena, onde os infelizes desta terra continuariam sofrendo. Neste livro, o olhar arguto e global de George Minois traz ao leitor contemporâneo uma sumula das concepções de inferno que acompanharam as principais civilizações do mundo.[texto da orelha da obra]

História do inferno é um livro de estudos/ficção/análise da construção da imagem do inferno em suas múltiplas faces e variáveis existentes na sociedade, religião e/ou pensando popular. Escrito pelo autor e historiador francês George Minois, esta é a terceira edição da obra, publicado no Brasil pela editora Fundação Editora UNESP.

A história do inferno é um dos grandes fomentadores dos debates religiosos acerca do globo. O inferno possui diversas descrições acerca das religiões existentes, algumas, atribuindo o inferno apenas as atitudes de seus frequentadores como sendo uma forma de punição a desobediência. Na religião cristã, o inferno é o local de punição dos impios e dos pecadores, já para religiões como testemunhas de jeová, o inferno nada mais é do que a sepultura e a morte da consciência humana, não existindo punição, paraíso ou inferno. Pouco se sabe acerca da construção da figura do inferno, porém, Minois trabalha com maestria para explicar o seu surgimento nas religiões antigas e contemporâneas. 

O inferno é abordado tanto como uma questão religiosa quanto como uma invenção popular. O autor mescla esses dois conceitos para demonstrar que foi a pressão popular que levou a Igreja a estabelecer uma doutrina oficial sobre o assunto. Mediante imagens narrativas alucinantes, o texto revisita visões macabras e torturas inimagináveis, para depois analisar como os teólogos racionalizaram tudo isso, transformando o inferno em uma arma de dissuasão e prova da justiça divina implacável.

Heróis, poetas e visionários empreenderam jornadas ao inferno e trouxeram consigo descrições horripilantes que refletiam os fantasmas de sua época: um lugar de sobrevivência desesperada, de punição eterna ou simplesmente um espaço abstrato. A diversidade dessas representações constitui um dos aspectos mais transcendentais e enigmáticos da história humana. O que me recorda das mais diversas narrativas religiosas acerca da morte e da punição, uma das características mais marcantes da modernidade atual é a divisão de ideias acerca do final da vida e do pós-morte, e que, claro, é minuciosamente analisado por Minois nesta obra.

O autor analisa o surgimento do inferno nas civilizações orais, como na áfrica, xamânicos, germânico, escandinavo, mesopotâmicos, egípcios, hinduístas e as várias descrições do inferno na literatura e no pensamento filosófico.

Para o autor, o inferno surgiu primeiramente no imaginativo popular caracterizado e atribuído, sobretudo, as categorias mais pobres e afetadas pela escassez de oportunidades, em uma tentativa de seguir uma linha tênue de obediência para adquirirem um lugar ao sol perante o perdão de Deus e fugir da danação eterna, uma vez que, este seria o primeiro passo para driblar a história terrena repleta de pobreza e sofrimento, marcado pela ausência de conhecimento e oportunidades. (p.60).

O desejo de revanche não é estranho a essa curiosidade: os sacrifícios exigidos a essa via pelos fiéis, devem ser compensados tanto por um gozo futuro, tanto, quanto uma punição para aqueles que foram felizes neste mundo. (p.60)

Essa obra é indispensável para aqueles que se interessam pela evolução da cultura, pois “História do Inferno” oferece um diagnóstico preciso da nossa contemporaneidade. Mostra o desaparecimento do inferno tradicional e sua identificação com as angústias cotidianas da consciência moderna. Uma descrição mais detalhada acerca da obra de Minois, culminaria, digo com certeza, em uma série de spoilers que acabariam com os estudos elaborados pelo professor, desta forma, fica a indicação para uma leitura pura e fluida acerca deste genuíno estudo.

O AUTOR

Georges Minois é professor de História e historiador das mentalidades religiosas. Dele, a Editora Unesp publicou História do riso e do escárnio (2003), A idade de ouro (2011), História do ateísmo (2014), História do futuro (2016), História do suicídio (2018), História da solidão e dos solitários (2019), As origens do mal (2021) e Henrique VIII (2022).


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