APRESENTAÇÃO
Até a última gota é um livro-performance. As quatro narrativas que compõem a coletânea se encontram no conflito entre os dramas pessoais de seus protagonistas e os problemas que estão na ordem do dia da sociedade. Temas como desigualdade social, crise dos refugiados, machismo e transfobia se cruzam com questões intimistas como o luto, desejo e rancor. Portanto, aqui, o leitor encontrará mais do que apenas boas histórias.
Ele(a) vai encontrar estruturas inteligentes que desafiam visões bidimensionais do mundo. São narrativas densas, por vezes delirantes e vertiginosas, que buscam capturar o caos de uma sociedade sempre a ponto de explodir. Afinal, como se acalmar em um mundo com tantos temas urgentes? Um bom ponto de partida pode estar na leitura dessas histórias.
RESENHA
Até a última gota é um livro de ficção escrito pelo autor e jornalista brasileiro Danilo Brandão. O livro possui como foco uma narrativa contemporânea que visa trazer de forma clara as nuances descritas na prosa atual, apresentando uma narrativa lúdica acerca das vivências cotidianas de seus personagens centrais. As histórias abordam temas diversos e alternam entre as problemáticas e a frequência dos fatos que se tornaram comuns no Brasil nos últimos anos: machismo, transfobia, medo, insegurança e oportunismo. A prosa criada pelo autor é repleta de bom gosto, com intercalações pontuadas e classificações que nos lembram José Saramago - embora, mesmo assim, não negue a influência de outros autores - transformando o enredo em uma verdadeira via de mão dupla ao narrar os acontecimentos de forma crua e lúdica.
A obra se desdobra entre passado, presente e futuro, narrando com deslocamento de frases e contexto, o que requer uma leitura mais atenta do leitor que pode facilmente se perder da narrativa, uma vez que a escrita utiliza um recurso próprio de amostragem de acontecimentos, transmitindo através das pontuações (ou da ausência delas) os sentimentos de euforia dos personagens, criando uma atmosfera de vislumbre entre as críticas aguçadas e introspectivas em seus enredos.
O primeiro conto narra a vida de um repórter que carrega o fardo de sua mãe e decide realizar uma visita até a cidade de Roraima para cobrir uma matéria no jornal local sobre uma série de pessoas em situação de desabrigo, deixadas à própria sorte na rodoviária central da cidade.
O segundo conto, homônimo ao título da obra, conta a história de um personagem trans que reflete sobre questões sociais do livro “Ilíada” enquanto transita nas linhas de um metrô. Durante o percurso, o personagem encontra uma figura conhecida de seu destino e a partir daí, inicia-se uma série de reflexões sobre vida, preconceito, masculinidade tóxica e abandono parental.
O terceiro conto narra a história de um porteiro de uma clínica de reabilitação para viciados em drogas. A narrativa faz críticas severas ao apoio e assistência recebidos pelos internos, assim como ao oportunismo empregado pelos colaboradores do local, que, em sua essência, abusam continuamente dos residentes. Há vários pontos interessantes neste conto, a maioria deles ligados ao abandono familiar das vítimas dos vícios, bem como aos pensamentos e preconceitos enraizados na busca pela ressocialização. É claro que a obra aborda outras nuances críticas sociais, mas as mais evidentes estão relacionadas à internação e às problemáticas decorrentes de um local tomado pelo caos e abandono.
Em síntese, a obra do autor Danilo Brandão nos convida a refletir acerca do existencialismo e da pluralidade de acontecimentos que não são enxergados no Brasil. Histórias de abandono, ausência de oportunidades, vícios, transsexualidades, medo e inseguranças são pautas frequentes elaboradas pelo autor. Um livro contemporâneo carregado de energias críticas e simbólicas do retrato do Brasil que só se é enxergado por quem possui olhos atentos para a sociedade.
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