João Carlos Viegas nasceu no Rio de Janeiro, um roteirista de rádio e tevê com persistência para ser escritor. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro se formou em Letras e na Universidade Federal Fluminense, em Comunicação Social/Jornalismo. Além de O Terceiro Cúmplice, escreveu os romances O Segredo dos Nomes, Um sábado depois do fim do mundo e Segura essa, JDSalinger; com o último ganhou o prêmio Álvaro Maia de melhor romance no I Prêmios Literários Cidade de Manaus, em 2006. Também publicou Carmem Costa, uma cantora do rádio, livro sobre importante fase da música popular brasileira. Atualmente, trabalha no romance Incidente Joana D’Arc.
Hoje, o autor nos conta um pouco sobre o enredo e processo criativo de uma de suas obras mais proeminentes.
Como você descreveria a personalidade de Garret?
R.: Alguém que não se adapta à realidade e busca um universo paralelo. Nestes tempos de metaverso, Garret é um personagem contemporâneo.
A cena inicial do livro é bastante dramática, com Garret tendo que vestir seu pai morto. Como essa cena estabelece o tom para o resto do livro?
A morte tem sempre um ritual em todas as comunidades e religiões. Ao vestir o pai morto, Garret dá o toque ritualístico ao livro. Tal atitude é importante para se entender as obsessões do personagem.
Garret é descrito como um “contador de histórias fenomenal”. Você pode compartilhar mais sobre o que torna suas histórias tão cativantes?
Garret busca uma realidade paralela e tal patamar só pode ser alcançado com a criação de histórias. Por isso, ele fala da tia que cantava óperas. Por isso, busca na memória lembranças como o pai subindo as escadarias da Penha de joelhos para pagar promessa. Garret é um espectador das histórias que conta, talvez, essa postura o faça um contador especial de casos. A menina com a estrela de David no tornozelo e o professor Gedeão que fala com os mortos são fundamentais para o encanto de Garret como contador de histórias.
Garret também é um “narrador não confiável”. Como isso afeta a maneira como a história é contada e como o leitor percebe os eventos?
Todo contador de história não é muito confiável. Machado de Assis nos ensinou que “Quem conta um conto aumenta um ponto” e Fernando Pessoa classificou o poeta como um fingidor. Acredito que Garret é por aí.
O pai de Garret teve um surto psicótico e subiu de joelhos a escadaria da Igreja da Penha. Como esse evento moldou Garret e sua visão de mundo?
Pagar promessas é um ritual que afeta a cabeça de quem testemunha esse ato de fé extrema. Imagine um menino vendo o pai se flagelando? Claro que essa visão fez de Garret alguém que deseja a purificação através do sacrifício e ele não se poupa porque sabe que as conquistas que almeja vão exigir flagelos. Nem sempre físicos, mas flagelos.
O livro é descrito como tendo um “tom de comédia”. Como você equilibra os elementos de comédia com os temas mais sérios do livro?
Da mesma forma que nos equilibramos num mundo onde crianças judias, palestinas e ucranianas são massacradas em guerras estúpidas. O humor (é isso aprendi no tempo em que convivi com grandes humoristas quando fui roteirista do Chico Anysio) não é um riso inconsequente. Pelo contrário, com humor se faz críticas contundentes. Ditadores têm aversão ao humor porque sabem que é a forma mais eficaz de mostrar como o opressor é ridículo. Em “O Terceiro Cúmplice”, acredito que consegui esse tom crítico através de situações de humor num enredo sério.
Como a realidade paralela inventada por Garret ajuda a escapar do cotidiano que lhe entedia?
Garret (não pronunciem “garré” porque ele não gosta) busca o equilíbrio no universo paralelo, o equilíbrio que a realidade não lhe permite. É estranho, não é? Tentativa de fugir da realidade para se equilibrar. Mas é isso que Garret quer. Talvez, ele seja uma Inteligência Artificial. Mas é humano.
Quais são alguns dos personagens icônicos, cenários oníricos e desfechos improváveis que os leitores podem esperar encontrar no livro?
O mendigo sem rosto, a menina com a Estrela de David no tornozelo, a vizinha Amália e o grupo que se reúne no edifício onde Garret foi morar. Tudo e todos têm um tom de mistério que vai sendo desvendado e mais intrigante a trama do livro se torna. Por isso, “O Terceiro Cúmplice” é um livro que dá prazer a quem lê.
Sem revelar muito, o que os leitores podem esperar do final da história? O final do livro surpreende porque não apela para a “revelação de segredos”. Naturalmente, o leitor vai entendendo o que acontece e conclui: “Ah! Então, era isso!”. Tenho certeza de que leitoras e leitores vão gostar do final porque é construído por quem lê o romance.
Como você descreveria seu estilo de escrita e como ele evoluiu ao longo de sua carreira?
Misturo tudo. Meu estilo é a mistura de estilo. Roteiro de rádio e tevê, palavras-cruzadas, oralidade… sou um mestiço brasileiro com um estilo de escrever buscando essa mistura.
Quais autores ou obras literárias influenciaram seu estilo de escrita?
São muitos. Machado de Assis e Nélida Piñon. Oscar Wilde e Vinícius de Moraes. JDSalinger e Cervantes. Tantos e tantas. Aprendi muito ouvindo rádio também.
Como você equilibra o desenvolvimento do enredo e a profundidade dos personagens em sua escrita?
Procuro criar o personagem dentro do enredo. Sempre penso como alguém agiria envolvido em tal história. Dessa forma, começo a pensar como se fosse o personagem naquela situação. Aprendi isso no jornalismo e procuro trazer para a ficção. Parece que tem dado certo.
Você pode compartilhar um pouco sobre seu processo de escrita? Por exemplo, você esboça a história completa antes de começar a escrever, ou você permite que a história se desenvolva à medida que escreve?
Primeiro, vem a história na minha cabeça. Depois, vou adaptando as cenas, os personagens, as situações...... como meus livros não são lineares (princípio, meio e fim de forma rígida) comparo minha escrita à montagem de um jogo. As peças vão encaixando na história e formando o livro.
Quais são alguns dos desafios que você enfrentou ao escrever este romance e como você os superou?
O maior desafio de um escritor brasileiro é escrever. O que ouvi e ainda ouço que brasileiro não lê e — quando lê — não lê escritor nacional. Uma vez, uma idiota falou que minha escrita é carioca demais e leitor brasileiro não gosta de cariocas. Portanto, o desafio está fora do livro: é chegar ao leitor. Por isso, sou persistente e escrevo na tentativa de vencer os desafios.
Como a experiência de João Carlos Viegas como jornalista, roteirista e radialista influenciou sua abordagem à literatura?
A minha experiência profissional me fez escrever de forma diversificada. Na forma e no conteúdo, procuro produzir uma obra capaz de atingir o maior número possível de pessoas. Com esse objetivo, misturo ficção com documentário, prosa com poesia. A música popular brasileira também tem grande influência no que escrevo. Acredito que devo isso à experiência em rádio e tevê. Mas o que faço é literatura e é como escritor que eu quero ser reconhecido.
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