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[RESENHA #761] Os dragões não conhecem o paraíso, de Caio Fernando Abreu


Numa espécie de boas-vindas a Os dragões não conhecem o paraíso, Caio Fernando Abreu nos fornece um leque de possibilidades de leitura para este livro vencedor do prêmio Jabuti em 1988: “Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias independentes, girando sempre em torno de um mesmo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Mas se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado, mas de algum modo ― suponho ― completo.”

RESENHA

Os dragões não conhecem o paraíso é um livro de contos do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, publicado em 1988 e vencedor do prêmio Jabuti no mesmo an¹. O livro reúne treze histórias que giram em torno do tema do amor, em suas diversas formas e manifestações: amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Os contos são narrados em primeira ou terceira pessoa, com um estilo marcado pela linguagem coloquial, pela ironia, pelo lirismo e pela sensibilidade do autor, que explora as angústias, os desejos, as frustrações e as esperanças dos personagens.

Os personagens de Caio Fernando Abreu são, em sua maioria, pessoas comuns, que vivem em grandes cidades, que sofrem com a solidão, a violência, a falta de sentido, a busca por si mesmos. São homens e mulheres, jovens e adultos, heterossexuais e homossexuais, que se relacionam de forma intensa, conflituosa, apaixonada, desesperada ou resignada com o outro e consigo mesmos. Alguns dos personagens são recorrentes em outros livros do autor, como o jornalista Pedro, o escritor Caio, o fotógrafo Júlio, o poeta João, o ator Marcelo, entre outros. Eles formam uma espécie de rede afetiva, que se entrelaça e se desfaz ao longo das histórias.

Os contos de Os dragões não conhecem o paraíso se alimentam do que está presente em nossos cotidianos, isto é, a fragmentação da realidade, com suas ambiguidades, em que os indivíduos representam o seu papel sem muitas preocupações com o texto, a identidade se perde e os personagens se assemelham a embalagens vazias. No entanto, o autor também recorre a elementos fantásticos, míticos, simbólicos, que conferem uma dimensão poética e metafórica às narrativas. Assim, os dragões, que dão título ao livro, são uma metáfora para os seres humanos, que não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia. Outros símbolos que aparecem nos contos são os anjos, as borboletas, as flores, os espelhos, os sonhos, os fantasmas, os vampiros, os lobisomens, os unicórnios, que revelam aspectos da alma humana, como a inocência, a beleza, a fragilidade, a duplicidade, o desejo, o medo, a morte, a transcendência.

O livro é um retrato da sociedade brasileira dos anos 1980, marcada pela redemocratização, pela epidemia da AIDS, pela violência urbana, pelo consumismo, pela crise de valores, pela busca de novas formas de expressão e de identidade. O autor, que viveu nessa época, foi um dos expoentes da chamada literatura marginal, que se caracterizou pela ruptura com os padrões estéticos e ideológicos vigentes, pela experimentação formal e temática, pela abordagem de questões existenciais, sociais e políticas, pela valorização da subjetividade, da diversidade, da marginalidade. Caio Fernando Abreu nasceu em 1948, em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, e morreu em 1996, em Porto Alegre, vítima de complicações decorrentes da AIDS. Foi jornalista, dramaturgo, tradutor e escritor, autor de romances, novelas, contos, crônicas, cartas e poemas. Sua obra é considerada uma das mais importantes e influentes da literatura brasileira contemporânea, tendo sido traduzida para vários idiomas e adaptada para o cinema, o teatro, a televisão e a música.

Os dragões não conhecem o paraíso é um livro que nos convida a mergulhar no universo de Caio Fernando Abreu, um universo de intensidade, de contradição, de beleza, de dor, de amor. Um universo que nos faz refletir sobre a nossa própria condição humana, sobre os nossos sentimentos, sobre as nossas escolhas, sobre os nossos limites, sobre os nossos sonhos. Um universo que nos faz sentir, que nos faz viver, que nos faz voar. Um universo que nos faz conhecer os dragões que habitam em nós.

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