Publicado em 1954, Fazendeiro do ar é um dos livros decisivos de Carlos Drummond de Andrade. É um conjunto de versos que, tendo saído depois da voga classicizante de Claro enigma (publicado três anos antes), continua na tarefa de observar a vida e de inquirir o sentido das coisas. Há no volume diversas amostras do melhor de Drummond sobre a “indesejada das gentes”: poemas como “Viagem de Américo Facó”, “O enterrado vivo” ou então o inesquecível ciclo de poemas sobre cemitérios - na melhor tradição de Paul Valéry -, entre outros. Como em Claro enigma, há a presença de formas fixas (o soneto, por exemplo) a serviço de uma lírica preocupada em investigar o ciclo da vida. Com seu tom noturno a atravessar suas páginas, Fazendeiro do ar não por acaso principia com o soneto “Habilitação para a noite”, um clássico da lírica drummondiana, cuja estrofe inicial parece fornecer a temperatura geral do livro: “Vai-me a vista assim baixando / ou a terra perde o lume? / Dos cem primas de uma joia, / quantos há que não presumo”. Ao mesmo tempo, o livro celebra o erotismo (no poderoso “Escada”) e a vida (“A Luis Mauricio, infante”), aprofundando ainda mais a empresa drummondiana de tentar compreender a complexidade da vida íntima e social.
RESENHA
Fazendeiro do ar é um livro de poesia publicado em 1954 por Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros do século XX. O livro reúne 39 poemas que abordam temas como a morte, o amor, a memória, a solidão, o tempo e a existência humana.
O título do livro sugere uma contradição entre o fazendeiro, que é alguém ligado à terra, e o ar, que é um elemento intangível e fugaz. Essa contradição reflete a tensão entre o real e o ideal, entre o concreto e o abstrato, entre o passado e o presente, que perpassa os poemas de Drummond.
O livro se divide em quatro partes: "Habilitação para a noite", "Cemitério", "Escada" e "A Luis Mauricio, infante". Cada parte tem uma temática e um tom próprios, mas todas se relacionam entre si pela busca de sentido e de transcendência diante da finitude da vida.
Na primeira parte, "Habilitação para a noite", o poeta se prepara para enfrentar a escuridão, a morte e o desconhecido. Ele questiona sua identidade, sua fé, sua arte e sua história. Ele reconhece sua fragilidade, sua solidão e sua angústia. Ele se sente um estrangeiro no mundo, um "gauche" na vida, como diz no poema "Poema de sete faces".
Na segunda parte, "Cemitério", o poeta visita os túmulos de seus antepassados, de seus amigos e de seus amores. Ele evoca suas lembranças, suas saudades, seus afetos e seus conflitos. Ele dialoga com os mortos, mas também com os vivos, com os leitores, com os poetas e com a própria poesia. Ele reflete sobre a morte, mas também sobre a vida, sobre o que fica e o que se perde, sobre o que se herda e o que se lega.
Na terceira parte, "Escada", o poeta celebra o amor, o erotismo, a sensualidade e a beleza. Ele se entrega ao desejo, à paixão, à fantasia e à imaginação. Ele se eleva, se ilumina, se renova e se transforma. Ele cria uma escada de versos que o leva ao encontro do outro, mas também de si mesmo, de sua essência e de sua expressão.
Na quarta e última parte, "A Luis Mauricio, infante", o poeta dedica seus poemas ao seu neto recém-nascido, filho de sua filha Maria Julieta. Ele se dirige ao bebê com ternura, com esperança, com humor e com sabedoria. Ele lhe conta sobre o mundo, sobre a vida, sobre a poesia e sobre si mesmo. Ele lhe transmite seus valores, seus ensinamentos, seus conselhos e seus votos. Ele lhe oferece sua herança, sua experiência, sua amizade e seu amor.
"Habilitação para a noite", nesse conjunto de poemas, o autor aborda temas como a passagem do tempo, a solidão, a morte e a busca por um sentido na vida.
No poema "No exemplar de um velho livro", Drummond faz alusão ao passado, resgatando memórias que se encontram esquecidas nas páginas de um livro antigo. Ele traz à tona a importância dos registros históricos para manter vivas as lembranças e a identidade de um povo.
Já em "Brinde no banquete das musas", o poeta celebra sua habilidade de transformar a realidade por meio das palavras. Ele se coloca como um servo das musas, capaz de criar belas obras de arte que, por sua vez, desafiam e transcendem a própria realidade.
"Domicílio" trata da solidão e da busca por um lugar para pertencer. O poeta sente-se deslocado e desamparado em meio à multidão, buscando refúgio em seu próprio ser. Esse poema expressa a angústia existencial presente na obra de Drummond.
Em "O quarto em desordem", o eu lírico mergulha em suas próprias lembranças e reflexões, levando-o a percorrer caminhos tortuosos e incertos. A desordem do quarto é uma metáfora para as contradições e conflitos internos que permeiam a vida humana.
"Retorno" é um poema que aborda a passagem do tempo e a nostalgia que acompanha a memória. Drummond evoca a imagem das estações do ano para trazer à tona a sensação de efemeridade e de transformação constante que existe na vida de cada indivíduo.
Em "Conclusão", o poeta reflete sobre a finitude da existência e sobre a inevitabilidade da morte. Ele compreende que todos estão fadados a um fim, mas encontra conforto na ideia de que sua poesia poderá sobreviver além de sua existência física.
A "distribuição do tempo" é tema de um dos poemas dessa coletânea. Drummond reflete sobre a sucessão de dias e noites, trazendo à tona a compreensão de que o tempo é um elemento inevitável na vida de todos, independentemente de suas escolhas ou vontades.
"Viagem de Américo Facó" é um poema que relata a jornada de um personagem fictício em busca do desconhecido. A viagem representa não apenas um deslocamento físico, mas também uma busca por significado e sentido na vida.
"Circulação do poeta" aborda a relação do poeta com a cidade e com o mundo ao seu redor. Drummond percebe a solidão e a incompreensão a que os poetas são muitas vezes submetidos, mas também reconhece a importância de sua arte na vida das pessoas.
"Conhecimento de Jorge de Lima" é uma homenagem que Drummond presta ao poeta Jorge de Lima, reconhecendo sua influência e sua importância na construção da própria poesia.
Em "O enterrado vivo", o poeta dramatiza a imagem do próprio enterramento físico e emocional. Drummond revela seu sentimento de inadequação e o medo diante da finitude e da incompreensão da existência.
Por fim, "Cemitérios" traz uma reflexão sobre a morte e a vida. O poeta questiona o significado dos cemitérios e o impacto que eles têm em sua própria existência. Ele percebe que, apesar de serem locais de tristeza e desolação, os cemitérios também são espaços de memória e de reflexão sobre a condição humana.
Através dos poemas de "Habilitação para a noite", Carlos Drummond de Andrade aborda temas universais que fazem parte da experiência humana. Sua linguagem poética e suas reflexões profundas sobre a existência proporcionam ao leitor uma oportunidade de se conectar com o próprio ser e com o mundo ao seu redor.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Formou-se em farmácia, mas nunca exerceu a profissão. Trabalhou como jornalista, funcionário público e escritor. Foi um dos principais representantes da segunda geração modernista brasileira, ao lado de nomes como Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Escreveu mais de 50 livros, entre poesia, prosa, crônica e tradução. Morreu no Rio de Janeiro, em 1987, poucos dias após a morte de sua filha.
Drummond é considerado um poeta universal, que soube retratar com maestria e originalidade os temas mais profundos e universais da condição humana. Sua poesia é marcada pela linguagem coloquial, pelo humor, pela ironia, pela crítica, pela reflexão, pela emoção e pela invenção. Sua obra influenciou e continua influenciando gerações de leitores e escritores, dentro e fora do Brasil.
Fazendeiro do ar é um livro que revela a maturidade, a diversidade e a riqueza da poesia de Drummond. É um livro que convida o leitor a acompanhar o poeta em sua jornada de descoberta, de questionamento, de celebração e de comunhão com a vida. É um livro que desafia o leitor a pensar, a sentir, a sonhar e a se fazer poeta.
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