Nas palavras de Priscila Branco, que assina o prefácio do novo livro de Milena Martins Moura, “[em] O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, o único milagre possível é o ato poético […]: ‘Eu estou escrevendo / Isso é um milagre’”
Exercício de subversão, Milena Martins Moura faz o cordeiro – símbolo da castidade – sentar à mesa com os pecados. E gozar da companhia um do outro, “de corpo inteiro no indevido”.
Para a professora Paula Glenadel da Universidade Federal Fluminense (UFF), Milena “assume para si uma voz incomum entre sua geração”, tratando de temas bíblicos, ou dos “mistérios gregos”.
Neste O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, a opressão é esmagada e as palavras são desnudadas sem culpa, como aponta Anna Clara de Vitto na orelha.
A Eva de Milena é “serpente e desfrute” e vai “lambendo o caminho desviado”, dando atos de sujeito à primeira mulher. Em certo momento, Eva afirma: “estou nua e disso não me envergonho”.
RESENHA
A poeta enfrenta temas como religião, erotismo, profanação do sagrado e as proibições ligadas à liberdade feminina, em versos que usam a palavra como instrumento de independência. Priscila Branco ressalta, logo no início do prefácio, que essa coletânea de poemas é transgressora, pois propõe uma total inversão da tradição judaico-cristã, estabelecida em nossa sociedade por milhares de anos. E afirma: “O próprio ato de escrita e, agora, de leitura deste livro é a luta contra o sacrifício. Que a poesia possa sempre dar voz ao cordeiro e aos pecados, e que todo leitor ache um pedaço desse pão, mesmo que o cobertor esteja úmido em dias gelados.” Nessa mesma direção, Paula Glenadel oferece, no posfácio, uma análise sobre a abordagem ousada de Milena nessa obra. De acordo com ela, a fome e a sede são imagens que percorrem quase todos os poemas do livro. Para a professora, essas cenas se organizam em duas grandes séries de substâncias, a do pão, do vinho ou da água; e a da carne e do sangue, nas quais o sujeito se exercita na ocupação de lugares mutáveis. E essa transubstanciação, em suas palavras, “põe em destaque a ineficácia da transferência sacrificial tradicional, incapaz de saciar essa sede e, principalmente, essa fome”. Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, as mulheres existem como seres que desejam e é do desejo que o direito à subjetividade emerge. Para a autora, trabalhar esse tema sob essa perspectiva era algo inevitável, além de um ato político em desejo de si e de outras: “Eu sou uma mulher que foi criada sob o peso da culpa e que se cansou de ver seu desejo como um erro e seu corpo como impuro.”
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