"Exátomos", de Vitor Miranda, é uma obra que nos convida a ponderar a respeito da vida, das relações humanas e do mundo em que vivemos. O livro é uma seleção de poemas que revelam a precisão dos átomos em todas as coisas existentes, nos fazendo questionar o que fizemos com essa existência.
Dividido em cinco partes, o livro abarca uma ampla gama de sentimentos e temas, desde a ironia e a descrença até a crítica social, o amor, a esperança e o desespero. É uma obra que nos leva a reconsiderar nossa própria existência e nos ajuda a crescer como indivíduos.
Logo no início, o autor nos presenteia com uma frase impactante: "a terra não é plana, mas é chata". Essa frase apenas arranha a superfície da sagacidade e do humor irônico de Vitor, que por vezes pode nos fazer crer que ele é um poeta niilista. Porém, ao ler com mais atenção, percebemos que por trás de seu deboche e raiva, há uma profunda mágoa pelo que o mundo poderia ser.
Exátomos nos incentiva a refletir sobre a finitude de cada momento preciso e nos incita a descobrir a beleza oculta na crueldade. Vitor expõe as mazelas do mundo em sua poesia, mas também se nutre dela, florescendo em meio ao caos. É uma poesia profunda que nos leva a repensar a vida e nos faz questionar nossas próprias ações e escolhas.
A versatilidade de Vitor como escritor é evidente nessa obra, na qual ele transita entre diferentes emoções e contextos. Exátomos é um convite à reflexão e uma demonstração do poder da poesia como uma arma para desafiar a finitude. É uma leitura que nos desafia e nos enriquece como seres humanos.
Em "poema", o autor descreve o poema como um sentimento fossilizado, uma matéria arqueológica. Ele o compara a um signo paleolítico, uma representação primitiva. A escuridão da árvore amazônica é mencionada, onde o escorpião dorme, associando o poema a algo que está adormecido e escondido. O autor também menciona o pião, que gira eternamente, simbolizando a vitalidade e movimento contínuo do poema.
O poema é descrito como um esqueleto de sonhos, representando as ideias e imagens que o compõem. A arcada dentária dos dinossauros é mencionada, sugerindo a antiguidade do poema e a presença de elementos poderosos e fortes. A expressão "ácido nucleico religião" sugere que o poema possui uma força vital, algo essencial para a existência e fé.
O poema é descrito como um objeto ausente de átomos, o que pode significar que ele não possui uma presença física palpável, mas sim uma natureza imaterial e intangível. Ele é descrito como o indizível intocável, algo que não pode ser explicado totalmente, mas que tem o poder de explodir, causar um impacto profundo. Isso sugere que o poema possui uma força explosiva, capaz de despertar emoções e reflexões intensas.
Já em derrota, o dramaturgo expressa a ideia de que a dor faz parte do percurso da vida. Para o poeta e a poesia, a dor é uma armadura que os protege contra a amargura que emerge. Isto significa que a expressão artística pode ser um refúgio e uma forma de lidar com os momentos difíceis. Porém, o poema ressalta que o amor é mais duradouro do que a derrota, mostrando que apesar das adversidades, o sentimento amoroso é capaz de superar as dificuldades e oferecer um renascimento emocional.
Em eterna cadência (p.78):
me disseram que já não sou adolescente para fazer loucuras de amor
me disseram que haviam coisas mais importantes na vida
me disseram que tempo é dinheiro e deus ajuda quem cedo madruga
me disseram que pássaros voam por fome e não por paixão
me disseram que amor não põe comida na mesa
me disseram desde o princípio que necessitava de uma profissão que me
desse dinheiro
me disseram que a vida é uma merda e que a poesia não serve pra nada
só não me disseram que ao escutar a eterna cadência de sua voz
deixaria de crer em tudo que me disseram
Este poema expressa a contradição entre as expectativas e pressões sociais e o poder transformador do amor verdadeiro. O eu lírico é confrontado com conselhos racionais, baseados em ideias de pragmatismo e sucesso financeiro, que o desencorajam de seguir seus desejos emocionais. No entanto, ao ouvir a voz da pessoa amada, o eu lírico é capaz de se libertar dessas ideias limitantes e começa a questionar tudo o que lhe foi dito. A "eterna cadência" da voz do ser amado representa a verdadeira paixão, que transcende as expectativas impostas pela sociedade e torna todas as suposições anteriores sem sentido. A poesia, nesse contexto, assume um significado poderoso, oferecendo uma perspectiva alternativa à ideia de que a vida é apenas uma "merda", sugerindo que é através do amor e da arte que podemos encontrar beleza e realização verdadeiras.
Já em as crianças do mundo:
as crianças de gaza
não são as crianças
da nossa sala de estar
as crianças de gaza
não estão mais
as crianças de gaza
não são as crianças
de auschwitz
as crianças de auschwitz
não estão adultas
as crianças adultas
não são as crianças
brasileiras do piauí
as crianças do piauí
não estão mais
não estão mais
as crianças do congo
as crianças do mundo
não estão em paz
Este poema que surge como um a onda protestante, aborda a triste realidade das crianças ao redor do mundo que estão sofrendo devido a conflitos e injustiças. O autor compara a situação dessas crianças com as crianças em ambientes mais privilegiados, como a sala de estar ou mesmo a infância mais segura em Auschwitz, ressaltando a diferença entre suas realidades. O poema também menciona crianças adultas, sugerindo que muitas delas se viram obrigadas a crescer rapidamente, perdendo a inocência e a oportunidade de aproveitar a infância. O autor menciona especificamente as crianças brasileiras do Piauí, indicando que mesmo em locais onde há pobreza e dificuldade econômica, a situação pode não ser tão precária como em outros lugares do mundo.
Por fim, o poema destaca que as crianças ao redor do mundo não estão vivendo em paz, provavelmente aludindo a conflitos armados, guerras e outras formas de violência que afetam as crianças em várias regiões. A mensagem central é que, infelizmente, muitas crianças estão privadas de uma infância tranquila e segura, sendo impactadas por problemas globais.
Em suma, Exátomos é uma obra magnífica e bela, que nos faz repensar nossa própria existência e nos ajuda a enxergar a vida de forma mais profunda e significativa. Vitor Miranda se revela um poeta talentoso e versátil, capaz de provocar emoções e reflexões por meio de suas palavras. Ler este livro é uma experiência transformadora e inspiradora.
O AUTOR
Sobre o poeta Vitor Miranda:
Estreou na literatura com o livro de contos “Num mar de solidão”, um dos contos, “Pise fundo meu irmão”, virou curta-metragem e Vitor recebeu um prêmio de melhor ator. Em 2016 aparece com sua primeira publicação independente, “Poemas de amor deixados na portaria”, livro que deu origem a Banda da Portaria. Como letrista tem parcerias com artistas como Alice Ruiz, Rubi, Luz Marina, Dani Vie, João Mantovani, João Sobral, Touché, Zeca Alencar e Heron Coelho. Em sua aproximação com figuras da poesia curitibana, lança pela Editora Kotter o livro “A gente não quer voltar pra casa”. Experimenta na linguagem em 2019 com o romance poema “A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty”. Inicia o projeto de entrevistas “Prosa com Poeta” no qual entrevista figuras como Alice Ruiz, Maria Vilani, Bobby Baq, Dionísio Neto, entre outros artistas. Organiza o Movimento Neomarginal onde exerce o ofício de agitador cultural. Volta aos contos com “O que a gente não faz para vender um livro?” pelo Selo Neomarginal onde destila todo seu sarcasmo. Em 2023 surge com “Exátomos” novamente pelo Selo Neomarginal.
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