Se o gosto de Drummond pela experimentação já se notava em poemas como “No meio do caminho”, de Alguma poesia, seu livro de estreia, neste Lição de coisas esse fazer se intensifica. A partir de provocações colocadas pelo concretismo, o poeta itabirano aqui se abre para explorar de maneira mais intensa forma e conteúdo – em especial, o conteúdo visual e sonoro –, “sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente”, como mineiramente se sublinha na nota da primeira edição.
As nove partes que compõem Lição de coisas – “Origem”, “Memória”, “Ato”, “Lavra”, “Companhia”, “Cidade”, “Ser”, “Mundo” e “Palavra” – representam os fundamentos da poética drummondiana: a terra, a família, as lembranças, os afetos, as amizades, as admirações, a consciência dos problemas do homem e dos perigos do mundo. Os poemas que aqui se encontram são dos mais conhecidos de Drummond: “O padre, a moça”, levado para o cinema pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade, e “Para sempre”, belo canto de louvor às mães que circula nas redes sociais sempre que se quer homenageá-las.
Esta nova edição reúne também uma dedicatória do poeta para a esposa, Dolores, e outra para a filha, Maria Julieta, e sua família; a crônica “Livros novos”, que Drummond publicou no jornal Correio da Manhã; e quatro poemas (“A música barata”, “Cerâmica”, “Descoberta” e “Intimação”), constantes, como inéditos, na Antologia poética do autor, publicada em 1962, e incluídos no Lição de coisas a partir da segunda edição, lançada em 1965.
Com esta edição, convidamos leitores e leitoras a desfrutar poemas que, para além da experimentação, compreendem temas caros a nosso querido poeta, como a memória, o humor e a mineração de si mesmo e do outro. Percebe-se assim que, para além de qualquer observação sobre a técnica de seus textos, o que encontramos é muitas vezes a humanidade mais singela. Sua expressão poética simples, porém sempre coesa, ainda nos espanta pela ternura. Esta lição, talvez por isso, fica e permanece. São poemas que, como pequenas joias, tornam-se cada vez mais valiosos “na correnteza esperta do tempo”.
RESENHA
O poema "pombo correio" retrata uma cena em que um grupo de garotos observa a chegada de um pombo-correio cansado e confuso, que voa baixo e se entrelaça entre folhas e galhos de uma árvore. Os garotos questionam qual seria a mensagem que o pombo trazia ou se ele teria se esquecido da razão de seu voo.
Através dessa situação aparentemente simples, o poema levanta reflexões sobre temas como a comunicação, o amor, a desatenção e a busca por um propósito na vida. O pombo-correio é apresentado como símbolo de uma mensagem a ser entregue, possivelmente de amor, sugerindo um elemento romântico na história. No entanto, a mensagem é perdida ou esquecida, deixando no ar uma sensação de mistério e indagação.
A figura da senhora que salva o pombo e acaricia suas plumagens é uma representação de cuidado e proteção. Ela lhe dá atenção e ternura, assim como os pequenos garotos poderiam fazer, mesmo que de forma desastrada. Por sua vez, a referência aos sonhos municipais e ao Exército em manobras sugere uma tentativa de relacionar o cotidiano com os acontecimentos maiores e mais sérios da vida.
A presença da Rua Noel Rosa como cenário ajuda a ambientar a narrativa, evocando o ambiente urbano e, possivelmente, remetendo a elementos da cultura brasileira, como o samba. A menção à perda de mensagens importantes e segredos de Estado que se tornam invioláveis ressalta a fragilidade da comunicação e a decepção que pode ser causada pela falta de recebimento de uma mensagem esperada.
No último trecho, a referência ao senhor Manuel Duarte e aos pombos militares que não têm um destino definido mostra que, assim como o pombo-correio, todos nós buscamos um propósito em nossas vidas. A sensação de desorientação, perda e busca por respostas permeia toda a narrativa, criando uma atmosfera de incerteza e inquietação.
Os poemas de Carlos Drummond de Andrade são verdadeiras obras-primas da literatura brasileira. Sua escrita é profunda, sensível e poética, capturando os mais diversos aspectos da condição humana. Uma característica marcante de seus poemas é a sua capacidade de abordar temas universais de maneira singular, encontrando beleza nos detalhes do cotidiano.
Além disso, Drummond de Andrade apresenta uma linguagem única e uma habilidade única de contar histórias através de seus versos. Seus poemas têm o poder de transportar o leitor para outros lugares, tempos e emoções, despertando sentimentos e reflexões profundas.
Outro aspecto admirável nos poemas de Drummond de Andrade é a sua constante inovação estilística. O poeta é capaz de experimentar diferentes formas e técnicas poéticas, elevando a sua escrita a outro nível de originalidade e criatividade.
É impossível não se encantar com a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Seus versos são atemporais, tocando o coração de leitores de todas as gerações. Sua contribuição para a literatura brasileira é inestimável e seus poemas continuarão a nos inspirar e emocionar por muitos anos.
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