Foto: Colagem digital |
Uma criança alçada a santa, um padre em crise com a própria fé e uma investigação sobre a doutrina de kenosis. Um tríptico narrado a várias vozes, o novo romance de Otto Leopoldo Winck pincela uma história a partir da manhã na qual Rosália Klossosky acorda com misteriosas manchas vermelhas em ambas as mãos.
Costurando passado e presente com ecos do futuro, o autor cria uma trama que continua atual apesar de ter sido escrita há quase duas décadas. A luta por terra e moradia, os conflitos religiosos e os dramas particulares dos personagens ainda têm a mesma relevância que tinham no começo do milênio. O Brasil de ontem não é tão diferente do Brasil de hoje, afinal.
RESENHA
Na zona rural do Paraná, vivia uma família simples de origem polonesa. A filha única, que havia acabado de entrar na puberdade, acorda subitamente com os estigmas da Paixão de Cristo. Rosália, assim chamada, é levada ao centro de uma acalorada polêmica: algumas pessoas acreditam que ela é uma santa, um instrumento nas mãos de Deus; enquanto outros a veem como uma fraude ou mera superstição.
Quando certa manhã Rosália Klossosky se levantou, depois de sonhos inquietos - que sonhos, meu Deus! -, percebeu que havia uma mancha levemente rosada na palma de cada mão.
Uma hora a mãe entrou com uma terrina de sopa de beterraba, e depois de depositar o vasilhame fumegante fumegante sobre a cômoda, puxou as cobertas para acordar a filha. Foi então que viu: Rosália sangrava, nas mãos e nos pés. O lençol, a camisola, o acolchoado de penas de ganso, tudo, tudo estava empapado; até no piso de pinho sem lustro se formava uma pequena poça vermelha (p.28)
Após o ocorrido, dona Florentina, mãe de Rosália, chamara o doutor José Idelfonso Gûnther para analisar a filha. O médico cético receitou uma dieta em beterraba, cenoura e repolho, seguido de muito repouso e compressas de água nas partes. O médico era cético, mas aconselhou aos pais da garota - Florentina e Boleslau - a buscar auxílio do padre da paroquia local, padre Estanislau.
Eu não sou católico, vocês sabem, não acredito nessas coisas. Mas, penso que seria conveniente chamar o padre para dar uma olhada (p.34).
O padre, após relutar freneticamente, decide ir até Rosália. O padre então analisou as feridas e com quem traçava uma absoluta certeza, comparou as feridas no tórax de Rosália com as causadas por uma lança ao corpo de Jesus por um soldado romano. O soldado feriu-lhe um lado com a lança / eles olharão para aqueles que o transpassaram. (p.46)
Um longo período de tempo se passa e acontecem muitas transformações nas vidas das personagens. Rosália, agora uma mulher casada e mãe de três filhos, deixou para trás os estigmas que desapareceram. Ela se encontra em um acampamento de trabalhadores rurais sem-terra em uma fazenda ocupada, onde há uma tensão no ar devido a uma liminar de reintegração de posse impetrada por um juiz. A polícia pode aparecer a qualquer momento para cumprir o mandado. Durante a confusão causada pela ação policial, ocorre uma tragédia, testemunhada por Rosália e um padre que estava assessorando o acampamento.
A história é uma descrição da desilusão da vida do padre, que o narra freneticamente. A obra então contempla três períodos distintos na narrativa: Os estigmas de Rosália, a vida de Rosália anos após o ocorrido, e claro, a vida do padre Estanislau. A forma abordada pelo autor para trabalhar as linhas temporais e as narrativas é algo singular e explicitamente enriquecedor. Forte como a morte é, como seu nome propriamente anuncia, forte e imponente.
A narrativa da obra, elaborada em terceira pessoa, ecoa entre as vozes de diversos personagens que descrevem os acontecimentos que se desenvolvem sob forte tensão e suspense. A narrativa desenvolvida por Otto trabalha as nuances de diversos personagens ao passo que narra a vida, o crescimento e os demais acontecimentos que se entrelaçam com a vida de Rosália. A obra que possui um cunho filosófico e teológico forte, traz a tona a história das observações e vivências de um Padre que observa todo o desenvolvimento da vida de Rosália, logo, ela torna-se apenas uma peça para o desenvolvimento das especulações acerca do ocorrido e de sua vida adulta sem os estigmas, que, como parece, desaparecem por completo com a mesma proporção e rapidez com a qual surgiram a primeira vez.
O AUTOR
Doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro, capital. Depois de uma passagem por Porto Alegre, radicou-se em Curitiba. Em 2005 foi vencedor do prêmio da Academia de Letras da Bahia, com o romance Jaboc, publicado no ano seguinte pela editora Garamond. Em 2017 lançou pela Editora Appris o ensaio Minha pátria é minha língua: identidade e sistema literário na Galiza, resultado de sua pesquisa de doutorado, e no ano seguinte publicou um volume de versos, Cosmogonias, pela Kotter Editorial. Seu último romance, Que fim levaram todas as flores, saiu em 2019, numa parceria da Kotter com a Patuá. Leciona atualmente na PUCPR e no programa de pós-graduação stricto sensu da Uniandrade.
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