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[RESENHA #991] Esboço de uma teoria da cultura, de Zygmunt Bauman


O livro Ensaios sobre o conceito de cultura, originalmente intitulado Culture as práxis (Cultura como práxis), foi escrito por um Bauman anterior à sua fama por abordar a liquidez da era moderna. Nesta obra, composta por três capítulos, Bauman revisita a evolução do conceito de cultura desde a filosofia grega antiga até o pós-estruturalismo. O primeiro capítulo explora a cultura como conceito, enfatizando sua natureza ambígua e sua incorporação em três universos discursivos distintos: hierárquico, diferencial e genérico. Bauman introduz o conceito hierárquico de cultura, destacando sua origem e a importância da educação e refinamento na sociedade. Ele discute a ideia de que a cultura é uma propriedade humana que pode ser adquirida, transformada e moldada. Para Bauman, a cultura hierárquica é carregada de valores e serve como um ideal a ser alcançado.

Bauman analisa que, para os antigos gregos, o ideal cultura-natureza não se dividia como estamos acostumados hoje em dia. O que era moralmente bom também era esteticamente belo e mais próximo da verdade da natureza. A unidade preordenada da realização era expressa no conceito de kalokagathia, que combinava o belo e o bom, discutido por todos os pensadores do período clássico. A parte "bom" do conceito correspondia aproximadamente às palavras admirar e louvar. Quanto à questionável hierarquia da cultura em geral e da kalokagathia em particular, Bauman destaca a análise de Gellner sobre a "bobilidade", que é um artifício sociológico através do qual a classe privilegiada absorve parte do prestígio de certas virtudes valorizadas sem precisar praticá-las. Existe uma relação estreita entre a noção de bobilidade e a lógica estrutural dos processos vivos, mas a avaliação do papel da hierarquia em uma sociedade conflituosa depende do contexto estrutural que é escolhido como referência.

Os conflitos em torno da noção hierárquica de cultura podem refletir o descontentamento dos grupos marginalizados. No entanto, atualmente, o conceito hierárquico não está mais ligado à antiga kalokagathia. O intelecto e o dinheiro podem impulsionar a mobilidade social ascendente, e Bauman argumenta que a cultura em sua forma hierárquica foi reinventada em favor dos eruditos e intelectuais.

A cultura como conceito diferencial é utilizado para explicar as diferenças entre as comunidades humanas, situando-se entre os conceitos residuais das ciências sociais. Historicamente, antropólogos têm utilizado este conceito para compreender e compartilhar as verdades culturais de diferentes grupos sociais. Por outro lado, o conceito genérico de cultura aborda a dicotomia entre o mundo humano e o mundo natural, destacando os atributos que distinguem a espécie humana. Neste contexto, a cultura é considerada uma característica universal e exclusiva dos seres humanos, sendo uma abordagem específica e humana para a vida. Alguns defensores deste conceito estão mais alinhados com a abordagem tradicional, mas situados na transição histórica do mundo animal para o mundo humano.

O segundo capítulo do livro aborda a Cultura como Estrutura, destacando que a estrutura é oposta à desordem e consiste em um conjunto de regras que regem as transformações entre elementos interconectados. Bauman vê a estrutura como o ordenamento das interações na sociedade, sendo essencial para a dinâmica sociocultural. Ele argumenta que a estrutura é fundamental para a cognição e o conhecimento, sendo composta por regras históricas que guiam a atividade mental e prática do ser humano. A estrutura social é percebida como uma lei transcendental e uma fonte de liberdade criativa. Bauman acredita que a abordagem estrutural da práxis humana oferece uma solução para a dualidade da cultura e da estrutura social. No terceiro capítulo, ele explora a cultura como práxis, destacando que o conceito transcende a dualidade entre subjetivo e objetivo. A cultura atua no encontro entre o humano e o mundo real, objetivando a subjetividade. Bauman defende que a cultura representa a práxis humana e eleva a autopercepção da condição humana além da experiência privada.

Mais tarde, Bauman começa a explorar a relação entre cultura e natureza com a teoria de Lévi-Strauss, que, em busca da universalidade entre todas as formas de cultura, inicia seu estudo antropológico com a proibição do incesto, que é o ponto de encontro mais evidente entre natureza e cultura. Ele discute o nojo e os tabus sociais relacionados aos produtos das necessidades fisiológicas humanas e chega à fronteira entre "nós" e "eles", que pode gerar um forte sentimento de xenofobia ou preconceito contra os marginalizados quando o outro é tratado com aversão. Neste caso, o outro é visto como viscoso, um termo frequentemente utilizado para se referir à ambiguidade percebida no estranho.

No entanto, antes da percepção humana da viscosidade, existe a práxis. A relação entre ambas proporciona um projeto que resulta em uma pesquisa rica e descobertas significantes. A perspectiva defendida no livro sugere a reorganização de várias descobertas adquiridas sob diferentes estruturas analíticas, embora em parte exija o estabelecimento de um novo projeto, que vai além do escopo do estudo em questão.

Bauman discute a cultura e a sociologia, examinando como esta última estudou o campo cultural ao longo de sua trajetória científica. Ele conclui que a cultura é singularmente humana, pois apenas os seres humanos podem reivindicar um significado mais profundo. As normas e ideais oferecem a única perspectiva a partir da qual essa condição é vista como a realidade humana e adquire dimensões humanas. O professor polonês sugere que essa perspectiva deve ser adotada pela sociologia para elevar-se ao patamar das humanidades, além de ser uma ciência, a fim de resolver um antigo dilema e entrar em contato direto com a práxis humana.

Bauman vê a cultura como a inimiga da alienação, uma vez que liberta o humano de um estado de revolta constante, abrindo portas para uma multiplicidade de realidades e permitindo a expressão de vontades e desejos anteriormente reprimidos. Ele argumenta que à medida que a práxis humana mantém sua natureza de revolta incontrolável, as profecias de um mundo sem significado perdem sua validade.

Na reedição realizada quase três décadas após a publicação original, Bauman acrescentou uma introdução na qual atualiza e analisa o livro com uma compreensão mais aprofundada das transformações culturais e sociais, abordando temas como o multiculturalismo. Ele reformula o paradoxo da cultura, explicando que o que serve para preservar um padrão também enfraquece seu poder, já que a cultura se autoperpetua à medida que o impulso de modificar, alterar e substituir o padrão persiste.

Atualizou e adaptou sua visão de cultura à sua teoria sobre a liquidez da modernidade no livro A Cultura no Mundo Líquido, originalmente publicado em 2011. No texto, o autor aborda a transformação da cultura de estimulante para tranquilizante em meio aos processos que modificaram a modernidade para sua fase líquida. Bauman enfatiza como a cultura passou a servir à manutenção do status quo e à reprodução monótona da sociedade. Apesar do pessimismo do autor em relação à modernidade líquida, ainda é possível enxergar a cultura como impulsionadora de mudanças, como demonstrado na luta feminista presente na música, literatura e audiovisual contemporâneo. O estudo aprofundado dos fenômenos culturais atuais poderia proporcionar uma melhor compreensão do impacto das manifestações de revolta, levando em consideração como a sociedade de consumo transforma a cultura em produto a ser consumido.

A análise dos três conceitos apresentados no primeiro capítulo do livro abordado nesta resenha revela a persistência do conceito hierárquico. Mesmo na música popular, considerada menos sofisticada que a clássica, há uma clara distinção de status entre diferentes artistas. Um exemplo disso é a diferenciação de refinamento existente entre a tropicália e o sertanejo, evidenciando a aplicação da intelectualidade na hierarquia cultural, mesmo que o aspecto financeiro também influencie. 

Quanto ao conceito diferencial, Bauman observou fatores que inspiraram Canclini a escrever sobre a mistura de culturas na era da globalização. A obra analisada nesta resenha reflete as preocupações de Bauman, indo além do formalismo acadêmico ao criticar a xenofobia e os preconceitos contra as classes marginalizadas. No entanto, dada a complexidade e multiplicidade do termo cultura, novos estudos são necessários para aprofundar e atualizar as questões abordadas.

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