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[RESENHA #1019] Os perigos de fumar na cama, de Mariana Enriquez

Foto: colagem digital


Em seu novo e aclamado livro de contos, Mariana Enriquez nos leva a explorar diferentes aspectos do terror, fazendo uso de recursos narrativos inspirados nos clássicos do gênero. Desde uma menina que descobre ossos no quintal até um homem marginalizado causando desgraça em um bairro rico, as histórias mergulham no sinistro do cotidiano, exibindo um erotismo obscuro e poderosas imagens que deixam sua marca inegável.

Sinopse da obra: Uma menina descobre ossos no quintal, e não são de um animal. Uma cena bucólica de verão, garotas se banhando no lago de uma pedreira, transforma-se num inferno motivado por ciúme e inveja. Um homem marginalizado semeia desgraças em um bairro rico após ser maltratado. Barcelona se transforma em um cenário perturbador, marcado pela culpa e do qual é impossível escapar. Uma presença fantasmagórica busca um sacrifício em um balneário. Uma garota que tem fetiche por homens com doenças cardíacas. Uma estrela do rock vítima de uma morte horrível é homenageada por fãs de um jeito inimaginável. Um sujeito que filma clandestinamente casais transando e mulheres de salto alto andando pelas ruas recebe uma proposta que mudará sua vida.

Com uma voz radicalmente contemporânea, a autora renova o terror e permite aos leitores adentrarem em um universo repleto de fantasmas, bruxas e mortos que voltam à vida. Suas narrativas fazem eco aos grandes mestres da literatura, como Shirley Jackson, Thomas Ligotti e Julio Cortázar, revelando os abismos sombrios da alma humana, as correntes ocultas da sexualidade e da obsessão.

A voz argentina na literatura de Enriquez nos presenteia mais uma vez com sua genialidade e originalidade em contos meticulosamente desenvolvidos sobre a ótica e perspectiva do terror e do suspense. O primeiro conto, o desenterro da anjinha, somos apresentados a uma história inusitada de uma garota que acaba encontrando em seu quintal os ossos de uma garotinha chamada de anjinha, uma das irmãs falecidas de sua avó, que passa a persegui-la diariamente em sua casa após o esquecimento de partes do seu corpo no quintal da antiga casa da família que fora vendida.


Foto: colagem digital


Já no conto, a virgem da pedreira, somos apresentados a uma locução extremamente visceral acerca do passeio de um grupo de amigos a uma pedreira para um banho, enquanto encontra ao que pensam, a estátua de uma virgem, a partir dai, a narrativa ganha forma e se desenvolve os perigos escondidos na inveja de três garotas em relação ao relacionamento de Silvia e Diego.

Talvez, se visse o corpo feio dela, as pernas bem grossas, que Silvia dizia que era porque tinha jogado hóquei quando criança, mas metade de nós havia jogado hóquei e nenhuma tinha aqueles pernis; a bunda chata e os quadris largos, que a deixavam tão mal de calça jeans; se visse esses defeitos (além dos pelos que ela nunca depilava direito, talvez não conseguisse arrancar pela raiz, era muito morena), talvez Diego deixasse de gostar de Silvia e finalmente prestasse atenção em nós. (p.16)

Já no conto, o carrinho, conheceremos a história de Juancho, um morador de rua marginalizado em um bairro rico em busca de vingança. Após ser socorrido e ajudado por uma moradora de classe alta após os ataques de Horácio. A partir dai, o bairro começa a sofrer com o desemprego, fome e ausência de perspectiva. Um conto magistral elencado nos enredos mais estruturados acerca da feitiçaria e marginalização.

Naquela noite, sentimos cheiro de carne queimada. Mamãe estava na cozinha; nós nos aproximamos para repreendê-la, tinha ficado maluca, fritar um bife àquela hora, eles iam perceber. Mas mamãe tremia ao lado da bancada. — Isso não é carne comum — disse. Mal abrimos a persiana e olhamos para cima. Vimos que a fumaça chegava da varanda da casa da frente. E era preta, e não cheirava como nenhuma outra fumaça conhecida. — Que velho favelado filho da puta — disse mamãe, e começou a chorar. (p.34)

No conto, o poço, conheceremos sobre a memória de Josefina, uma mulher que se lembra de uma viagem de sua infância em que sua família parecia sempre viver com medo. Sua mãe e avó eram superprotetoras, sempre com medo de que algo ruim acontecesse às meninas. Durante a viagem a Corrientes, Josefina visita a casa de uma senhora misteriosa, onde ela se sente atraída pelo poço que há no jardim e pela figura do São Morte. A experiência na casa da senhora a deixa intrigada e um pouco assustada. Ao voltar para casa, Josefina começa a sentir um medo que nunca havia sentido antes, o que a faz questionar o que realmente aconteceu na casa da senhora e o que aquilo significou para ela.

Josefina se levantou com o resto do ar que sobrava em seus pulmões, com a nova força que endurecia suas pernas. Não duraria muito, tinha certeza, mas, por favor, que fosse o suficiente, o suficiente para correr até o poço e se jogar na água da chuva, e tomara que não tenha fundo, afogar-se ali com a foto e a traição. A Senhora e Mariela não a seguiram, e Josefina correu o máximo que pôde, mas quando alcançou as bordas do poço suas mãos molhadas escorregaram, os joelhos se dobraram e ela não conseguiu, não conseguiu subir, e mal pôde ver o reflexo de seu rosto na água antes de cair sentada na grama alta, chorando, aflita, porque tinha muito muito medo de pular (p.47)

Os fãs de obras como "As coisas que perdemos no fogo" e "Nossa parte de noite" terão agora a chance de se deliciar mais uma vez com a mente fantástica de Mariana Enriquez, uma autora que desafia as convenções do gênero e nos convida a enfrentar o desconhecido, o inquietante e o perturbador.

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