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A saga da escravidão no Brasil: das capitanias hereditárias à Lei Áurea


Por volta da década de 1530, quando os portugueses estabeleceram as primeiras medidas efetivas de colonização no Brasil, a escravidão foi instituída como prática. Inicialmente direcionado aos nativos do país, uma tendência mudou gradativamente para a predominância da escravização dos africanos que foram trazidos ao país pelo comércio negro entre os séculos XVI e XVII.

A escravização no Brasil atendeu à demanda portuguesa por trabalhadores manuais (um tipo de trabalho que eles desprezavam) e, durante os séculos XVI e XVII, isso estava relacionado principalmente ao cultivo da cana-de-açúcar. Inicialmente, os portugueses utilizaram um sistema de troca com os povos indígenas como forma de relações laborais, mas rapidamente optaram pela escravatura.

O Brasil sofreu com a malevolência da escravidão, transportando um volume imenso de africanos durante três séculos. De tal forma que o estereótipo do trabalhador cativo em solo nacional se coligou com a aparência negra. Isso é uma indicação clara dos preconceitos raciais subjacentes ao regime servil no país.

A crueldade e desumanidade da escravidão no Brasil ainda são perceptíveis, mesmo após mais de 130 anos desde a abolição. A pobreza, a violência e a discriminação enfrentadas pelos negros refletem diretamente um país que normalizou o preconceito contra esse grupo marginalizado na sociedade.

É importante que nos lembremos de que a escravidão afetou milhões de indígenas e perpetuou o preconceito contra este grupo em nosso país. O resultado direto disso foi não só o racismo, mas também uma redução drástica na população desses povos desde os tempos coloniais até hoje - enquanto havia milhões no século XVI, agora restam apenas cerca de 800 mil registrados pelo IBGE.

Também é possível acessar: Compreenda como se deu a batalha dos escravos pela extinção no século XIX.

Origem da escravidão no Brasil


O sistema escravista foi introduzido no Brasil durante as primeiras décadas da colonização, especificamente em 1530, quando os portugueses implementaram as capitanias hereditárias e começaram a colonizar a América portuguesa. Antes dessa época, a mão-de-obra para a exploração portuguesa do Pau-Brasil dependia de uma relação comercial com os povos indígenas.

A partir de 1534, os portugueses implementaram capitanias hereditárias e começaram a promover o cultivo da cana-de-açúcar, bem como a construir engenhos para a produção de açúcar. Por se tratar de uma atividade de mão-de-obra intensiva que exigia trabalhadores qualificados, recorreram à escravatura para superar a falta de mão-de-obra; eles não estavam dispostos a realizar eles próprios um trabalho tão árduo. Como resultado, os povos indígenas suportaram inicialmente o peso da escravização.

Até meados do século XVII, os nativos eram a principal fonte de trabalho escravo utilizada pelos portugueses. No entanto, posteriormente eles ficaram em segundo lugar para os africanos que superaram o seu número. Embora fosse mais fácil e menos dispendioso para os colonizadores portugueses escravizar um indígena ao invés de um africano, diversas complexidades surgiam com esta prática.

Inicialmente, havia uma questão cultural a ser considerada, pois os povos indígenas não estavam habituados à ideologia de trabalho constante para gerar excedente dentro da cultura europeia. Além disso, os jesuítas viam neles possíveis seguidores do catolicismo - um conflito que causou grandes empecilhos já que os colonizadores desejavam escravizar completamente tais indivíduos enquanto o clero criava barreiras contra isso.

Frequentemente ocorriam conflitos entre colonos e jesuítas, sendo comum bandeirantes atacarem as missões para capturar os índios ali instalados e vendê-los como escravos. Apesar disso, a pressão dos jesuítas contra a escravidão indígena poderia gerar problemas legais aos colonos que não os subjugassem durante uma "guerra justa".

Em 1570, a pressão exercida pelos jesuítas sobre a Coroa levou à promulgação de uma lei que proibia a escravização dos indígenas. No entanto, mesmo com tal determinação legal em vigor, os índios continuaram sendo submetidos ao cativeiro - sobretudo nas regiões menos prósperas economicamente e quando havia exceções no envio de africanos para o tráfico.

Outro obstáculo à escravização dos povos indígenas foi a sua suscetibilidade a doenças como varíola, gripe, sarampo, etc. A falta de defesa biológica foi um fator determinante na história da colonização na América. Ao longo deste período ocorreram inúmeras epidemias que mataram milhares de povos indígenas. Além das doenças, as taxas de mortalidade entre as populações indígenas também resultaram da guerra e da própria escravidão.

Durante a década de 1570, os indígenas eram chamados de “negros da terra” e custavam até três vezes menos que um escravo africano. O historiador Stuart Schwartz afirmou que nesse período um escravo indígena custaria cerca de 7 mil reais enquanto um africano poderia ser vendido por aproximadamente 20 mil reais. Durante esta época, demorava um mínimo de treze meses, mas normalmente entre treze e dezasseis meses, até que um senhor recuperasse o seu investimento ao comprar um indivíduo escravizado de África.

Como mencionamos, os indígenas eram a principal mão de obra escrava até meados do século XVII, e há inúmeras pesquisas que mostram que o número de escravos indígenas era maior nos engenhos instalados pelo país. Essa situação começou a mudar gradativamente, e foi a prosperidade da economia canavieira que permitiu que lugares como Pernambuco e Bahia recebessem tantos africanos.

Escravização

Por Jean-Baptiste Debret - Wilfredo Rafael Rodriguez Hernandez, Domínio público,

No Brasil, a partir da década de 1550, os primeiros africanos foram trazidos através do comércio escravo praticado pelos portugueses ao longo de três séculos. Anteriormente à época das chegadas dos africanos no país sul-americano, Portugal já mantinha feitorias na costa africana e relações comerciais com reinos locais que incluíam o tráfico de escravizados.

À medida que a colonização do Brasil avançava, a demanda por mão de obra tornou-se tão grande que estimulou um comércio próspero em grande escala. O sucesso do comércio de escravos negros está, portanto, ligado a esta necessidade de trabalhadores na colónia e revelou-se altamente lucrativo não só para os traficantes, mas também para a Coroa.

Ao longo dos 300 anos de tráfico de negros, aproximadamente 4,8 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil, tornando nosso país o que mais recebeu africanos escravizados ao longo de três séculos em todo o continente americano.

Inicialmente, os escravos africanos foram empregados para suprir as demandas de produção açucareira em nossas fazendas. A existência destes indivíduos foi severa e destacada pela brutalidade dos proprietários e das figuras coloniais do poder. A carga laboral diária estende-se até 20 horas por dia, sendo o trabalho nas instalações mais extenuante e arriscado comparativamente às atividades que afetam nos campos agrícolas.

Os engenhos - onde a cana-de-açúcar era esmagada para a extração do caldo - eram locais comuns de acidentes, resultando na perda de membros ou braços dos escravos. Nas fornalhas e caldeiras – onde era cozido o caldo da cana – as queimaduras eram os acidentes mais frequentes que atingiam os escravos. Esta etapa do trabalho era tão cansativa que era reservada aos escravos rebeldes e fugitivos.

Algumas grandes plantações passaram a possuir 100 ou mais escravos, o que significa que o proprietário de escravos nem sempre tinha contato direto com todos eles. Os escravos dormiam em pisos duros, em alojamentos apertados chamados senzalas, e eram monitorados de perto em busca de qualquer tentativa de fuga. A sua dieta era escassa e inadequada, obrigando muitos escravos a complementar as suas refeições com alimentos cultivados em pequenas parcelas que cultivavam aos domingos.

Os escravos alocados na casa-grande, o domicílio do proprietário dos cativos, recebiam tratamento privilegiado em relação aos que trabalhavam no campo ou nos engenhos de açúcar. Outros foram designados para desempenhar diversos cargos nas cidades. Independentemente da função exercida, havia um contraste nítido quanto à alimentação e vestimentas entre tais grupos de indivíduos subjugados pela instituição escravocrata.

Para evitar a fuga, vários escravos foram acorrentados, enquanto outros usaram máscaras de ferro. No caso da região mineradora, usamos uma máscara de Flandres para evitar que engolissem diamantes ou evitassem embriaguez e até o suicídio por ingestão de terra.

O propósito da violência sistemática contra os escravos era instilar medo em relação aos seus senhores e evitar fugas e rebeliões. No entanto, para as escravas, esse tipo de violência assumia um carácter ainda mais perverso: para além das dificuldades relacionadas ao trabalho imposto que já suportavam, eram frequentemente vítimas de estupro perpetradas por donos ou administradores.

Escravos rebeldes ou aqueles que cometessem delitos menores poderiam enfrentar punições severas. Entre as punições infligidas a eles, as chicotadas eram particularmente comuns. Muitos dos escravos punidos receberam 300 chicotadas ou mais – o suficiente para levar um ser humano às portas da morte.

De acordo com o relato resgatado pelo historiador Thomas Skidmore, os escravos foram submetidos a punições extremamente brutais por ofensas consideradas insignificantes. Alguns deles foram lançados vivos na fornalha ou mortos de maneiras bárbaras e desumanas, enquanto outros sofriam enforcamento ou envenenamento como forma de execução.

Entretanto, a escravização e a violência direcionadas aos africanos não eram aceitas pacificamente por eles. A história da escravidão africana no Brasil é descrita pela resistência e luta dos africanos que fugiram, criaram comunidades independentes (quilombos), se rebelaram contra seus opressores matando feitores e senhores de engenho entre outras ações revolucionárias. Alguns grandes exemplos dessa resistência foram o Quilombo dos Palmares e a Revolta dos Malês.

O fim da escravidão

A Lei Áurea foi aprovada pelo Senado e assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, tornando o Brasil o último país do continente americano a abolir o trabalho escravo. A abolição não se deve manter a monarquia brasileira, mas sim ao engajamento popular e resistência dos próprios escravos que lutaram por sua liberdade.

O movimento abolicionista cresceu no país na década de 1870, mas um marco importante a ser considerado é a proibição do comércio negreiro através da Lei Eusébio de Queirós em 1850. Essa legislação interrompeu o fluxo contínuo de escravos para o Brasil e permitiu significativamente sua quantidade no território brasileiro.

O movimento abolicionista no Brasil se manifestou de diversas formas. Surgiram muitas associações com esse objetivo, foram organizadas conferências e eventos públicos para discutir o tema, dinheiro foi arrecadado para libertar escravos, advogados passaram a defender os direitos dos escravos junto aos seus senhores, jornalistas publicaram diversos artigos defendendo a causa da abolição e indivíduos comuns acolheram em suas casas fugitivos em busca de proteção.

Os escravos desempenharam um papel importante na subversão da instituição da escravidão, fugindo em massa ou isoladamente e criando comunidades de resistência conhecidas como quilombos. Eles também organizaram rebeliões que resultaram na morte de seus senhores. Durante uma década de 1880 houve numerosas revoltas e fugas por parte dos escravizados.

A pressão exercida pela população livre e pelos escravos tornou-se tão intensa que, no final da década de 1880, uma desordem era visível - o Império já não tinha mais controle sobre a situação. Sendo obrigado à ação por esta pressão crescente, o Império acabou promulgando em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea.

A população reagiu à promulgação da lei com grande alegria, e as celebrações se estenderam por vários dias. No entanto, não foram adotadas medidas de apoio aos negros libertos após a abolição, o que resultou em sua marginalização contínua - sofrimento preconceito e violência -, além de terem dificuldades para acesso a possibilidades educacionais ou oportunidades justas no mercado profissional.

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