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Mistérios de Nuremberg: A Vida de Kaspar Hauser

Imagem: Divulgação

K aspar Hauser é uma enigmática figura histórica cuja vida cercada de mistérios e incertezas desperta o fascínio de estudiosos e curiosos há quase dois séculos. Encontrado em 1828 no centro da cidade de Nuremberg, Alemanha, Hauser tinha apenas dezessete anos e parecia completamente deslocado do mundo ao seu redor. Carregando consigo apenas um bilhete endereçado ao Capitão von Wessenig, ele se tornou uma incógnita viva, um enigma personificado, cuja origem e trajetória anterior eram praticamente desconhecidas.

Os relatos sobre sua infância são tão surreais quanto sombrios: uma vida inteira trancafiado em um espaço minúsculo, sem qualquer interação humana regular, exceto pela visita esporádica de um misterioso mentor. Esse cenário cria uma atmosfera quase claustrofóbica e levanta inúmeras questões sobre a veracidade de sua história e os motivos que levaram ao seu confinamento e subsequente abandono. O curioso caso ganhou dimensões ainda mais intrigantes quando foi descoberto que as cartas que ele carregava pareciam ter sido escritas por ele mesmo, sugerindo uma possível manipulação de sua própria narrativa.

A história de Hauser é frequentemente associada a outras narrativas de "crianças selvagens", como Tarzan ou Mogli, figuras literárias criadas por animais que lutam para se inserir na civilização humana. No entanto, ao contrário dessas fábulas, a vida de Hauser tem uma complexidade real que desafia as explicações simples e coloca em cheque as noções de desenvolvimento humano em condições extremas. Filme biográfico de Werner Herzog em 1974 oferece um retrato cinematográfico detalhado dessa figura enigmática, explorando sua jornada e os esforços para integrá-lo à sociedade.

A singularidade da história de Kaspar Hauser reside não apenas na sua peculiar infância, mas também nas várias dúvidas e interpretações sobre sua veracidade. Os debates acadêmicos continuam a fervilhar, questionando se ele foi vítima de um crime indescritível ou um mestre da enganação. Independente das conclusões, Kaspar Hauser permanece um ícone histórico, desafiando nossas compreensões de identidade, desenvolvimento e verdade.

Quem foi Kaspar Hauser

Kapar Hauser foi um jovem, que, segundos relatos históricos viveu os primeiros dezessete anos de sua vida preso em uma cela sem nenhum contato com outros humanos até ser abandonado no centro da cidade de Nuremberg, na Alemanha em 1828. Acredita-se, que, Hauser tenha vivido sob a tutela de um homem que o alimentou até decidir por seu abandono. Hauser foi encontrado nas ruas tendo consigo apenas um bilhete endereçado ao capitão do 4º esquadrão do 6º regimento de cavalaria , Capitão von Wessenig.

Um autor anônimo relatou que o menino foi entregue à sua custódia ainda bebê, em 7 de outubro de 1812. Este cuidador afirmou ter ensinado o jovem a ler, escrever e seguir a religião cristã, sem nunca permitir que ele saísse de sua casa. Na carta, o menino expressava o desejo de se tornar um cavaleiro, assim como seu pai, e pedia ao destinatário, um capitão, que o acolhesse ou decidisse seu destino.

Anexada à primeira mensagem, havia uma carta curta, supostamente escrita pela mãe do menino para o antigo zelador. Esta carta identificava o garoto como Kaspar, nascido em 30 de abril de 1812, e mencionava que seu pai, um cavaleiro do 6º regimento, havia falecido. No entanto, mais tarde foi descoberto que ambas as cartas foram escritas pela mesma pessoa. A frase "ele escreve minha caligrafia exatamente como eu" levou analistas a concluir que o próprio Kaspar Hauser havia escrito as duas cartas.

Inicialmente, imaginava-se que Hauser fosse uma criança selvagem vinda das florestas. Durante várias conversas com o prefeito Binder, Hauser começou a revelar uma versão diferente de sua história de vida, que ele mais tarde detalharia por escrito. Segundo esse relato, Hauser passou a maior parte de sua vida preso em uma cela escura e solitária. Ele descreveu a cela como tendo aproximadamente dois metros de comprimento, um metro de largura e um metro e meio de altura. Nesse espaço reduzido, sua única mobília era uma cama de palha e ele tinha apenas quatro brinquedos de madeira para se entreter: dois cavalos e um cachorro.

Hauser relatou que todas as manhãs encontrava pão de centeio e água ao lado de sua cama. Em algumas ocasiões, a água tinha um sabor amargo que, ao ser consumida, fazia-o dormir mais profundamente que de costume. Nessas situações, ao despertar, ele notava que sua palha havia sido trocada e que seu cabelo e unhas estavam cortados. Hauser afirmou que o primeiro ser humano que conheceu foi um homem que o visitou pouco antes de sua libertação, tomando muito cuidado para não mostrar o rosto. Esse homem o ensinou a escrever seu nome, guiando sua mão. Depois que Hauser aprendeu a ficar de pé e caminhar, ele foi levado para Nuremberg. O homem misterioso também lhe ensinou a frase "Eu quero ser um cavaleiro, como meu pai foi", em um antigo dialeto bávaro, embora Hauser alegasse que não compreendia o significado das palavras.

Em 17 de outubro de 1829, Kaspar Hauser foi encontrado no porão da residência de Daumer, com um ferimento ainda recentíssimo na testa. Ele alegou ter sido atacado enquanto utilizava a privada; o agressor, um homem encapuzado, não apenas o feriu, mas também o ameaçou com severidade ao dizer: "Você ainda precisa morrer antes de deixar a cidade de Nuremberg." Segundo Hauser, ele reconheceu a voz do atacante como a do homem que o havia trazido para a cidade. Inicialmente, Hauser fugiu para o primeiro andar, onde ficava seu quarto, como indicava o rastro de sangue. No entanto, em vez de procurar socorro imediato, ele desceu as escadas e se escondeu no porão, acessado por um alçapão. Preocupadas, as autoridades disponibilizaram uma escolta policial e transferiram Hauser para os cuidados de Johann Biberbach, uma figura de autoridade na cidade. Este ataque alimentou especulações sobre sua origem, que variavam entre a Hungria, Inglaterra e até a Casa de Baden.

No entanto, existem céticos que acreditam que o próprio Hauser tenha infligido o ferimento com uma navalha, a qual ele teria levado de volta para seu quarto antes de fugir para o porão. Segundo essa teoria, Hauser poderia estar buscando atrair a pena alheia para evitar uma punição decorrente de uma recente desavença com Daumer, que começara a acreditar que o jovem tinha uma propensão para mentir.

No dia 14 de dezembro de 1833, Hauser retornou para casa com um grave ferimento no peito esquerdo. Conforme seu relato, ele tinha sido atraído até o Ansbach Court Garden, onde um desconhecido o atacou com uma faca enquanto lhe entregava uma bolsa. Tristemente, Hauser sucumbiu ao ferimento três dias depois, em 17 de dezembro de 1833.

O enigma de Kaspar Hauser


O enigma de Kaspar Hauser é um filme biográfico dirigido por  Werner Herzog e estrelado por Bruno S. e Walter Ladengast, em 1974, que narra a vida de Hauser sobre a ótica dos bilhetes encontrados em seu poder na data do ocorrido, em 1828.

O filme narra a intrigante jornada de Kaspar Hauser, que passa os primeiros dezessete anos de sua vida acorrentado em um pequeno porão, com apenas um cavalo de brinquedo para se distrair e sem qualquer interação humana, exceto pela presença fugaz de um homem misterioso, sempre vestindo um sobretudo preto e uma cartola, que trazia sua comida.

Em um dia de 1828, esse mesmo homem decide libertar Hauser. Ensina-lhe algumas frases básicas e como andar, antes de deixá-lo nas ruas de Nuremberg. A presença de Hauser na cidade desperta enorme curiosidade, levando-o a ser exibido em um circo, até ser resgatado por um professor benevolente, Georg Friedrich Daumer, que se empenha em educá-lo pacientemente.

Kaspar mostra rápido progresso: aprende a ler e escrever e desenvolve perspectivas singulares sobre lógica e religião. No entanto, é a música que verdadeiramente o cativa. Sua singularidade atrai acadêmicos, clérigos e nobres, curiosos para entender sua mente singular. Entretanto, sua vida não fica livre de perigos. Ele é brutalmente atacado pelo mesmo desconhecido que o libertou, resultando em uma grave lesão na cabeça que o deixa inconsciente. Após se recuperar, é novamente alvo de um ataque misterioso, desta vez sendo esfaqueado no peito.

O filme retrata meticulosamente a história verdadeira de Kaspar Hauser, utilizando textos de cartas autênticas encontradas com ele e mantendo fidelidade aos detalhes do seu confinamento e libertação. Personagens como o Professor Daumer e Lord Stanhope são inspirados em figuras históricas reais, respectivamente Georg Friedrich Daumer e Philip Henry Stanhope, o 4º Conde Stanhope.

Dúvidas dos especialistas

A história de Kaspar Hauser é marcada por várias contradições em seus relatos sobre seu tempo na prisão. Em 1970, o psiquiatra Karl Leonhard afirmou que, se Hauser realmente tivesse passado sua infância nas condições que descreveu, ele não teria conseguido se desenvolver além do nível mental de um idiota e, provavelmente, nem teria sobrevivido. Para Leonhard, a história de Hauser é tão repleta de absurdos que é surpreendente que tenha sido acreditada e continue a ser acreditada por muitas pessoas atualmente.

Leonhard também rejeitou as opiniões de Heidenreich e Hesse sobre Hauser. Ele defendeu a ideia de que Hauser era um vigarista patológico, visto que sua constituição histérica e a persistência de uma personalidade paranoica permitiram que ele desempenhasse seu papel de maneira imperturbável. Analisando diversos relatos sobre o comportamento de Hauser, Leonhard concluiu que se pode identificar uma tendência histérica e paranóica em sua personalidade.

A ideia central da história de Hauser é alvo de diversos debates e comparada à histórias como Tarzan ou Mogli, figuras que foram criadas por animais e adquiriram uma certa repulsa aos padrões normativos de comportamento, não sendo assim, domesticados com facilidade, apresentando em sua essência dificuldade de compreensão ou desenvolvimento sócio-cognitivo, o que dificulta até certo ponto o desenvolvimento de um vocabulário e de um comportamento social. Podemos observar no desenvolvimento do enredo do filme que poucos aspectos da vida de Hauser são revelados de fato, isso ocorre pela ausência de documentações acerca de sua origem e vida, o que provocam debates acerca de como o seu desenvolvimento de fala e sua capacidade de andar.

A história de Hauser é discutida nos meios acadêmicos buscando uma compreensão mais assertiva acerca de como o seu desenvolvimento se tornou possível, se levarmos em consideração suas alegações de cárcere por toda a sua vida. Uma criança recém-nascida, por exemplo, se desenvolve através dos estímulos recebidos por outros adultos, como a fala, o caminhar e o desenvolvimento cognitivo e social acerca do comportamento e educação recebidos, relevando uma proximidade mais continuada com os responsáveis por sua criação até certa fase quando estão prontos para viverem em sociedade e estabelecer vínculos de afeto e desenvolver suas competências sociais e emocionais. Hauser é descrito como um homem ausente dos princípios básicos da convivência, sobretudo, na obra cinematográfica, onde ele revela possuir uma incapacidade de caminhar por conta própria nos primeiros meses de sua liberdade, ele também revela uma dificuldade em se expressar em falas e frases que elucidem de fato o que se deseja, tornando assim a tarefa de educa-lo ou compreendê-lo ainda mais complicada, se levarmos em consideração a ausência de proximidade dele com as novas pessoas e a nova atmosfera após seu abandono.

A história de Hauser pode ser acompanhada em sua obra cinematográfica que está disponível integralmente no Youtube.

Assista ao filme:


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