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Resenha: Dentes de leite, Antonio Pokrywiecki



APRESENTAÇÃO

Em sua estreia na contística, Antonio Pokrywiecki percorre — com propósito e, quando quer, com maldade — a ambiguidade dos signos do medo e do trauma. A imprevisibilidade que assombra pode ser tão assustadora quanto os próprios monstros. E os monstros também não fogem. Mas podem ser provisórios.

RESENHA

Em "Dentes de leite", de Antônio Pokrywiecki somos apresentados a um conjunto de narrativas interligadas que se desenrolam em igual intensidade. Iniciando em 'o balneário', tendo como pano de fundo uma praia local que serve não apenas como cenário, mas como um símbolo profundo de introspecção e transformação nas relações interpessoais. A obra, rica em nuances emocionais, mergulha nas complexidades das conexões humanas, abordando temas como amor, solidão e a inevitável passagem do tempo. A narrativa inicia-se com um grupo de amigos, liderados por X, que se reúnem anualmente em uma praia que, embora marcada pela especulação imobiliária, carrega lembranças de um tempo em que a beleza do lugar era inquestionável. As reflexões de X sobre as mudanças nas relações à medida que envelhecem, culminam em momentos de melancolia e saudade, marcado pela lembrança do guarda 5, onde um homem rememora a morte de seu irmão, evocando a dualidade do luto e a continuidade da vida.

A história se desdobra em experiências de G e H na praia menos frequentada, Guarda 17, onde enfrentam um ambiente insalubre. Mesmo assim, a ousadia de nadar nessas águas questionáveis reflete uma busca silenciosa por intimidade, revelando como a busca por conexão pode superar as adversidades. Outro ponto alto da narrativa é a descrição de uma família que visita um balneário tranquilo, onde o pai, V, lida com a transição da filha Z para a adolescência. As preocupações que surgem com essa nova fase da vida de Z impõem a V uma reflexão sobre seu papel como pai e as novas dinâmicas familiares que se estabelecem, reafirmando como a percepção das relações muda com o tempo. Além dessas perspectivas, a obra também nos apresenta um momento tocante da infância, com uma criança que chora na beira da praia, e a luta de um homem que questiona suas aptidões como pai, mergulhando em uma onda de arrependimento e aversão ao compromisso que o cerca. Essas vozes, solitárias e interligadas, enriquecem a trama, trazendo à tona as inquietações que cada um carrega.

A obra prossegue com a inserção do conto ''o anjo exterminador'', que narra a vida de um marido ao lado de Suzanna,  em um mundo distópico. Eles moram em uma "Torre de Aço e Vidro" e transitam por um sistema de roldanas que traz para eles objetos e lixo. No entanto, o cenário é sombrio. Eles têm consciência da existência de "Cidadãos Miseráveis" que habitam as casas humildes, e a presença do "Anjo Exterminador" sugere uma sociedade rígida e opressora. Suzanna, sempre se preocupa com essas pessoas, e o marido tenta consolar sua preocupação, mesmo relutando em encarar a dureza da realidade. Além disso, a dupla enfrenta o mistério do desaparecimento de seu gato. Apesar das dificuldades e da inquietude que os cercam, o marido sente que a presença de Suzanna torna tudo mais leve e significativo.

O capítulo "Nico e Kira" oferece uma visão introspectiva sobre as dificuldades enfrentadas por um casal em meio a crises de emprego e os desafios do cotidiano. A narrativa começa com a demissão de Nico, um trabalhador que dedicou uma parte significativa de sua vida à fábrica de colchões, sendo substituído por máquinas mais modernas. A frustração e o desamparo que ele sente ao receber a notícia são palpáveis, especialmente no momento em que tenta esconder a demissão de sua esposa, Kira. Enquanto Nico se entrega à contemplação de sua nova realidade, Kira, em seu trabalho como manicure, também enfrenta suas próprias inseguranças e desafios. O contraste entre as profissões e suas respectivas demissões sugere que o mercado de trabalho é implacável e não discrimina. Kira tenta entender seu valor e lugar nesse novo cenário, refletindo sobre a hierarquia existente no salão de beleza onde trabalha e as dificuldades que vêm com a instabilidade de suas atividades.

A obra segue com outros contos de igual relevância, mostrando as habilidades de escrita imponentes apresentadas por Antônio Pokrywiecki, demonstrando uma habilidade ímpar em criar um espaço literário rico, onde a praia atua como um espelho da condição humana, evidenciando a complexidade das relações nos diferentes estágios da vida. Com uma prosa sensível e pensativa, o autor nos convida a refletir sobre o amor, a solidão, a passagem do tempo e o incessante desejo de conexão que define a experiência humana. Em sua totalidade, a obra é uma exploração profunda das nuances emocionais que permeiam a vida e as interações humanas, encerrando cada narrativa em uma leveza tocante e ao mesmo tempo dolorosa.

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