O livro "Althusser e o materialismo aleatório" reúne as contribuições de dois destacados intérpretes do pensamento de Louis Althusser, Alysson Leandro Mascaro e Vittorio Morfino, em um profícuo diálogo sobre a última fase da obra deste influente filósofo marxista. A obra se estrutura em dois capítulos, nos quais os autores exploram diferentes aspectos da temática do encontro e da forma social, central para a compreensão do materialismo althusseriano dos anos 1980.
No primeiro capítulo, intitulado "Encontro e forma: política e direito", Alysson Leandro Mascaro aborda a relação entre encontro e forma, que perpassa a produção de Althusser e alcança seu ápice em textos da década de 1980, como "A corrente subterrânea do materialismo do encontro". O autor argumenta que essa temática, que já se fazia presente nos escritos althusserianos sobre ideologia e reprodução social nas décadas de 1960 e 1970, encontra no campo do direito um terreno fértil para ser explorada.
Mascaro demonstra que a forma jurídica, derivada da forma mercadoria, revela-se fundamental para a compreensão da articulação entre determinação e acaso na constituição das relações sociais capitalistas. Ao analisar a transição entre os modos de produção, o autor evidencia como o encontro e o aleatório assumem papel decisivo, contrapondo-se a qualquer teleologia ou motor intrínseco da história. Nesse sentido, a forma política estatal e a forma de subjetividade jurídica, embora derivadas da forma mercadoria, guardam particularidades próprias e se relacionam apenas de modo secundário, rompendo com a tradição liberal ou juspositivista que concebe o Estado e o direito como mutuamente constitutivos.
Essa leitura de ascaro dialoga diretamente com os debates da derivação do Estado, cujo expoente mais importante é Joachim Hirsch, bem como com a tradição do marxismo jurídico, representada por Evguiéni Pachukanis. Ao situar a forma jurídica como chave para a compreensão da ideologia e da subjetividade no capitalismo, o autor estabelece um paralelo profícuo entre o horizonte althusseriano e as reflexões de Bernard Edelman e Nicole-Edith Thévenin sobre a materialidade da ideologia jurídica.
Desse modo, Mascaro argumenta que a relação entre encontro e forma pode ser mais bem pensada nos campos econômico e político a partir da perspectiva da forma de subjetividade jurídica. Como esta é derivada da forma mercadoria, que por sua vez determina também uma forma política estatal, a investigação sobre encontro e forma poderá revelar entrecruzamentos e concretudes históricas incontornáveis para a análise da sociabilidade capitalista.
No segundo capítulo, intitulado "Um ou dois materialismos aleatórios?", Vittorio Morfino realiza um minucioso exame da trajetória de sua própria interpretação sobre o "materialismo aleatório" de Althusser, desde a organização da coletânea "Sul materialismo aleatorio" até seus escritos mais recentes. O autor identifica a presença de duas tendências distintas nos textos althusserianos dos anos 1980: uma de inspiração lucreciana, proveniente dos anos 1960, e outra de caráter escatológico ou messiânico, que emerge na segunda metade dessa década.
Morfino demonstra como Althusser introduz, já nos anos 1960, conceitos como encontro, conjunção e ausência determinada, com o objetivo de superar os impasses da teoria da causalidade estrutural e da noção de gênese. Essa reelaboração teórica, articulada com referências a autores como Maquiavel, Espinosa e Darwin, teria prosseguido nos escritos da década seguinte, embora tensionada por uma tendência messiânica que enfatiza o primado do vazio e a transformação das margens em centro.
Ao analisar essa transição, Morfino estabelece um paralelo com a distinção proposta por Ingo Elbe entre o "velho" e o "novo" marxismo. Assim como Althusser representaria, para Elbe, a passagem do "marxismo ocidental" para o "novo marxismo", seus escritos dos anos 1980 evidenciariam uma reelaboração da teoria da causalidade estrutural, com a introdução de novos conceitos que buscam pensar a constituição das formas sociais a partir do encontro e do aleatório.
Nesse sentido, a hipótese interpretativa sugerida por Morfino, que propõe uma periodização mais precisa dos textos althusserianos dos anos 1980, identificando uma predominância da tendência lucreciana em 1982 e da tendência escatológica em 1985-1986, revela-se um interessante ponto de partida para futuras investigações sobre a última fase do pensamento de Althusser.
Ao final, a obra "Althusser e o materialismo aleatório" oferece uma leitura aprofundada e rigorosa sobre a última fase do pensamento de Althusser, destacando sua relevância para a compreensão do capitalismo e da política contemporânea. As análises de Mascaro e Morfino evidenciam a riqueza teórica desses escritos, bem como sua capacidade de iluminar questões centrais do marxismo e do direito.
Nesse sentido, a obra se insere em um movimento mais amplo de resgate e atualização do legado althusseriano, que vem ganhando força nas últimas décadas, com trabalhos como os de Ingo Elbe, Márcio Bilharinho Naves, Celso Naoto Kashiura Júnior e Stefano Pippa. Trata-se de um esforço coletivo de repensar o marxismo a partir das contribuições de Althusser, em diálogo com os desafios teóricos e políticos do presente.
Assim, "Althusser e o materialismo aleatório" se apresenta como uma importante referência para aqueles interessados em compreender as nuances do pensamento de Althusser, bem como sua relevância para a análise crítica da sociabilidade capitalista e das formas de subjetivação que lhe são inerentes. A articulação entre encontro, forma e direito, desenvolvida por Mascaro, e a identificação das tendências lucreciana e escatológica nos escritos dos anos 1980, proposta por Morfino, constituem aportes significativos para o aprofundamento dos estudos sobre a última fase da obra deste influente filósofo marxista.
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