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Resenha: O Último Tiro da Guanabara, de Bruna Meneguetti



APRESENTAÇÃO

O Último Tiro da Guanabara é um romance histórico que mostra as intrigas e os bastidores que levaram ao Golpe Preventivo liderado pelo general Lott em novembro de 1955. Após a vitória de Juscelino Kubitschek e João Goulart nas eleições de 1955, Carlos Luz, Café Filho e Carlos Lacerda articulam um golpe para impedir a posse dos eleitos. Para prevenir os passos dos adversários, JK e Jango contratam o vidente Isaías, que terá papel fundamental para impedir o golpe. O romance narra um momento importante da História, que poderia ter antecipado a ditadura militar em nove anos, no ponto de vista de um vidente cego. Isaías interfere diretamente nos fatos históricos, ajudando o general Lott a adotar uma postura em defesa da Constituição e da posse do presidente eleito. Os limites entre a ficção e a História é o grande dilema do romancista histórico. Até que ponto o ficcionista pode alterar a História Oficial? O chamado novo romance histórico latino-americano, inaugurado por Alejo Carpentier, tem como principal característica possibilitar ao escritor questionar os documentos oficiais e fazer sua própria versão da História. Filiando-se à tradição do romance histórico latino-americano, Bruna Meneguetti não se atém às amarras do romance histórico clássico. Com intenso trabalho de pesquisa, a autora reconstrói o Brasil dos anos 1950, preenchendo as lacunas e recontando a História Oficial. O Último Tiro da Guanabara é bem-sucedido ao trazer à tona um episódio pouco conhecido da História do Brasil de maneira bem-humorada, fluida e instigante.

RESENHA

O romance "O Último Tiro da Guanabara", de Bruna Meneguetti, apresenta uma narrativa complexa e bem fundamentada historicamente sobre os eventos políticos que marcaram a transição de governo no Brasil entre 1955 e 1956. Ambientado em um período de grande instabilidade e disputas pelo poder, o livro retrata de forma envolvente os bastidores das articulações entre políticos, militares e grupos de interesses diversos que buscavam influenciar o rumo dos acontecimentos.

A trama gira em torno da figura de Isaías Monteiro, um vidente cego que se vê envolvido nesse jogo político devido a seus dons especiais. Isaías possui a habilidade de enxergar os símbolos e cores que emanam das pessoas, revelando seus pensamentos, sentimentos e até mesmo o futuro. Essa característica faz com que ele se torne um ator central nos eventos que se desenrolam, pois tanto Juscelino Kubitschek quanto Carlos Luz buscam seus serviços para tentar prever e manipular os rumos da crise.

Além de Isaías, a narrativa apresenta uma série de personagens históricos relevantes, como o general Henrique Lott, o presidente Café Filho, o deputado Carlos Lacerda e o coronel José Bittencourt, entre outros. Esses indivíduos são retratados de forma complexa, com suas motivações, dilemas e ambiguidades, conferindo verossimilhança ao enredo.

Um dos elementos de destaque no livro é a personagem de Cecília Gomes, uma camareira que também se envolve nos acontecimentos devido à sua proximidade com Isaías. Cecília representa a perspectiva dos setores populares e das mulheres, que buscam formas de intervir e influenciar os rumos da crise política, mesmo diante das limitações impostas pela sua condição social e de gênero.

O romance de Bruna Meneguetti demonstra um profundo conhecimento dos eventos históricos que marcaram o período, recorrendo a diversas fontes primárias e secundárias para recriar com precisão o contexto político da época. Questões como o suicídio de Getúlio Vargas, a crise que levou à renúncia de Café Filho, as disputas entre a UDN e o PSD, as articulações dos militares e a posse de Juscelino Kubitschek são abordadas de forma detalhada e bem fundamentada.

Além disso, a autora consegue entrelaçar de maneira orgânica os fatos históricos com a trama ficcional, explorando de forma crítica as motivações, interesses e jogos de poder que permeavam a política brasileira naquele momento. Temas como a fragilidade da democracia, o papel das Forças Armadas, a influência dos grupos econômicos e a manipulação da opinião pública são abordados com nuance e profundidade.

Do ponto de vista formal, o romance apresenta uma estrutura narrativa complexa, com múltiplas perspectivas e saltos temporais. A autora utiliza recursos como a alternância entre capítulos com datas específicas, flashbacks e a inserção de documentos históricos (como cartas e notícias de jornais) para construir uma trama envolvente e repleta de reviravoltas.

A linguagem empregada é cuidadosa e precisa, com descrições detalhadas dos ambientes, das ações e dos estados mentais dos personagens. O uso do ponto de vista do vidente Isaías, que enxerga o mundo de forma sinestésica através de cores e símbolos, confere à narrativa uma dimensão simbólica e metafórica, enriquecendo a compreensão dos conflitos e tensões apresentados.

"O Último Tiro da Guanabara" é uma obra de ficção histórica de alta qualidade, que consegue aliar o rigor da pesquisa acadêmica com a criatividade e o envolvimento da narrativa literária. A autora demonstra um domínio impressionante dos eventos políticos da época, transformando-os em uma trama complexa e instigante, que convida o leitor a refletir sobre os meandros do poder e os desafios da democracia brasileira.

O romance de Bruna Meneguetti se destaca como uma contribuição relevante para a compreensão desse importante momento da história do país, oferecendo uma perspectiva ficcional que complementa e enriquece o entendimento dos fatos históricos. Trata-se, portanto, de uma leitura obrigatória para aqueles interessados em explorar as nuances e os bastidores da política brasileira do século XX.

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