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O Massacre Silenciado de Aschendorfermoor: Uma Investigação Sobre as Vítimas Esquecidas do Emsland

Imagem: Estado de Minas / Reprodução

Na vasta extensão de turfeiras da região de Emsland, noroeste da Alemanha, o campo de Aschendorfermoor permanece como um testemunho silencioso de um dos capítulos mais sombrios da Segunda Guerra Mundial. Integrante do complexo de 15 campos conhecidos como Emslandlager, Aschendorfermoor foi palco de sofrimento, trabalho forçado e violência sistemática contra prisioneiros de diversas nacionalidades. Embora menos conhecido que campos como Auschwitz ou Dachau, suas histórias de horror, incluindo possíveis massacres, clamam por reconhecimento. Esta investigação jornalística mergulha em arquivos, testemunhos e memórias, com destaque para a figura controversa de Willi Herold, o “Carrasco de Emsland”, cuja passagem pelo campo deixou um rastro de brutalidade.

Um Campo na Fronteira do Esquecimento

Localizado próximo à cidade de Papenburg, na fronteira com os Países Baixos, Aschendorfermoor operou entre 1933 e 1945 como parte do sistema nazista de campos de prisioneiros de guerra e trabalho forçado. Prisioneiros, incluindo conscritos luxemburgueses, soviéticos, poloneses e dissidentes políticos, eram submetidos à extração de turfa em condições desumanas: jornadas exaustivas em pântanos gelados, alimentação insuficiente, alojamentos precários e punições cruéis. A taxa de mortalidade era alarmante, mas a verdadeira extensão das mortes – e a possibilidade de execuções sumárias – permanece obscurecida pela destruição de documentos nazistas e pela negligência histórica.

O memorial Kriegsgräberstätte Aschendorfermoor, administrado pela Gedenkstätte Esterwegen, presta homenagem às vítimas, com placas que destacam conscritos luxemburgueses mortos no campo. No entanto, a escassez de registros detalhados dificulta a reconstrução dos eventos. Esta investigação busca responder: houve massacres em Aschendorfermoor? E qual foi o papel de figuras como Willi Herold nesses atos de violência?

Willi Herold: O “Carrasco de Emsland”

Willi Herold / Wikipédia
Um dos nomes mais infames associados aos Emslandlager é Willi Herold, um jovem desertor alemão que, aos 19 anos, tornou-se símbolo da brutalidade desenfreada nos campos. Herold, que ficou conhecido como o “Carrasco de Emsland” após sua passagem por Aschendorfermoor em 1945, era um soldado da Wehrmacht que desertou e assumiu a identidade de um oficial da Luftwaffe. Usando um uniforme roubado de capitão, ele formou um grupo de seguidores e tomou o controle do campo de Aschendorfermoor nos últimos meses da guerra, quando o caos reinava no regime nazista.

Em Aschendorfermoor, Herold ordenou a execução sumária de dezenas de prisioneiros, sob o pretexto de “restaurar a ordem” e punir supostos desertores ou sabotadores. Relatos históricos indicam que ele comandou fuzilamentos em massa, muitos realizados sem qualquer julgamento formal. Um documento encontrado no Bundesarchiv menciona a execução de pelo menos 30 prisioneiros em abril de 1945, sob ordens de um “oficial não identificado” – amplamente aceito como Herold. Seu reinado de terror foi breve, mas devastador, deixando um impacto duradouro na memória dos sobreviventes.

“Herold era um oportunista que explorou o colapso da autoridade nazista para exercer poder absoluto”, explica a historiadora alemã Dra. Anna Meier, especialista em campos de trabalho forçado. “Em Aschendorfermoor, ele agiu como juiz, jurado e carrasco, sem qualquer supervisão.” A brutalidade de Herold, retratada no filme Der Hauptmann (2017), é um lembrete de como indivíduos comuns, em tempos de guerra, podem se transformar em agentes de violência extrema.

Além das ações de Herold, a investigação revelou outros indícios de violência estrutural em Aschendorfermoor. No Bundesarchiv, relatórios fragmentados dos Emslandlager mencionam “incidentes” no campo, incluindo um documento de 1943 que descreve a execução de “prisioneiros subversivos” após uma suposta tentativa de fuga. O número de mortos não é claro, mas o tom sugere que tais atos eram rotina.

Testemunhos de sobreviventes, coletados pela Gedenkstätte Esterwegen, reforçam a narrativa de horror. Um ex-prisioneiro polonês, identificado como K.W., relatou em 1946 ter presenciado o fuzilamento de 12 prisioneiros soviéticos, acusados de sabotagem. “Os corpos foram jogados na turfa, e ninguém voltou a mencioná-los”, escreveu. Outro relato, de um conscrito luxemburguês, descreve mortes por espancamentos e exaustão, frequentemente registradas como “acidentes” pelos guardas.

A presença de Herold em 1945 agravou a situação. Sob seu comando, o campo tornou-se um palco de execuções arbitrárias, com prisioneiros selecionados ao acaso para servir de exemplo. “Herold não precisava de motivos reais para matar”, afirma Meier. “Ele usava o medo como ferramenta de controle.”

Mas, afinal, quem foi Willi Herold?

Willi Paul Herold, nascido em 1925 em Lunzenau, Alemanha, era um jovem de 19 anos quando se tornou uma figura central em uma das histórias mais bizarras e brutais do final da Segunda Guerra Mundial. Originalmente um aprendiz de limpador de chaminés, Herold foi convocado pela Wehrmacht em 1943 e serviu como paraquedista (Fallschirmjäger) em batalhas como Monte Cassino. Em abril de 1945, com a Alemanha à beira da derrota, ele desertou de sua unidade perto de Gronau, na fronteira com os Países Baixos. Em fuga, Herold encontrou um carro militar abandonado contendo o uniforme de um capitão da Luftwaffe, decorado com condecorações como a Cruz de Ferro de Primeira Classe. Ao vestir o uniforme, ele assumiu a identidade de um oficial, iniciando uma trajetória de poder e violência que culminou em atrocidades no campo de prisioneiros de Aschendorfermoor, parte dos Emslandlager.

No campo, Herold, autoproclamado líder da “Kampfgruppe Herold”, instaurou um regime de terror, ordenando a execução de mais de 100 prisioneiros – incluindo desertores, prisioneiros políticos e outros – em apenas oito dias. Ele justificava suas ações com a alegação de possuir “plenos poderes concedidos pelo próprio Führer”. Sua farsa terminou quando foi capturado pelos Aliados, julgado e executado em 1946, aos 21 anos. A história de Herold, embora documentada em arquivos históricos e em trabalhos como o livro Der Henker vom Emsland de T.X.H. Pantcheff (1993), permaneceu relativamente obscura até Schwentke decidir transformá-la em filme.

Imagem/poster: Wikipédia
A escolha de Herold como protagonista não foi casual. Schwentke viu na história um potencial para explorar temas universais: a sedução do poder, a obediência cega à autoridade e a transformação de vítimas em algozes. “Eu queria fazer um filme sobre violência, sem escapatórias morais. Um filme que perturbasse, não que reconciliasse”, declarou o diretor em entrevista. A figura de Herold, um jovem comum que se torna um monstro em circunstâncias extremas, oferecia um espelho desconfortável para o público, desafiando a ideia de que apenas psicopatas cometem atrocidades.

A história de Willi Herold culminou em um filme que narra sua história, Der Hauptmann, ou, o capitão, em pt-br. Leia uma análise do enredo do filme para maiores detalhes acerca da obra.



A Criação do Filme O Capitão: Contando a História de Willi Herold

Em 2017, o diretor alemão Robert Schwentke trouxe às telas O Capitão (Der Hauptmann), um drama histórico que mergulha em um dos episódios mais perturbadores e menos conhecidos da Segunda Guerra Mundial: a trajetória de Willi Herold, o jovem desertor da Wehrmacht que se tornou o infame “Carrasco de Emsland”. Interpretado por Max Hubacher, Herold é retratado como um anti-herói trágico, cuja ascensão meteórica de soldado raso a falso oficial revela as profundezas da crueldade humana e os mecanismos de poder em um regime em colapso. Este artigo explora o processo de criação do filme, desde a concepção da ideia até sua recepção, destacando as escolhas artísticas, os desafios históricos e o impacto cultural de uma obra que desafia convenções narrativas.

Com uma narrativa filmada em preto e branco, O Capitão não apenas reconta a história real de Herold, mas também provoca reflexões sobre moralidade, autoridade e a fragilidade das estruturas sociais em tempos de crise. Exibido na seção de Apresentações Especiais do Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2017, o filme conquistou aclamação crítica, com 85% de aprovação no Rotten Tomatoes, e foi descrito como uma obra que “apresenta pontos assustadoramente persuasivos sobre o lado negro da natureza humana”. A seguir, detalhamos como O Capitão foi concebido, produzido e recebido, com ênfase no contexto histórico de Willi Herold e nas decisões criativas que moldaram essa poderosa narrativa.

As Vítimas de Luxemburgo: Um Foco Particular

Os conscritos luxemburgueses, conhecidos como “Zwangssoldaten” (soldados forçados), são um grupo central nesta história. Após a ocupação de Luxemburgo em 1940, jovens foram obrigados a servir na Wehrmacht. Aqueles que desertaram ou resistiram, como muitos enviados a Aschendorfermoor, enfrentaram punições severas. O memorial do campo destaca suas mortes, mas os detalhes são escassos.

Em Luxemburgo, a associação Mémorial de la Déportation forneceu cartas e diários de famílias afetadas. Uma carta de 1944, escrita por uma mãe luxemburguesa, implora por notícias de seu filho, enviado ao campo após desertar. “Ele não queria lutar pelos alemães”, diz o texto. Registros confirmam que o jovem morreu em Aschendorfermoor, possivelmente durante o período de terror imposto por Herold. Historiadores locais sugerem que muitos casos registrados como “causas naturais” encobriam execuções ou maus-tratos.

Jean-Paul Hoffmann, curador do Musée National de la Résistance et des Droits Humains, em Luxemburgo, destaca a importância de resgatar essas histórias. “Os conscritos luxemburgueses eram vítimas de uma dupla traição: forçados a servir um regime opressor e punidos por resistir. Aschendorfermoor, especialmente sob Herold, foi um inferno para eles.”

Além de Herold, outros oficiais nazistas contribuíram para as atrocidades em Aschendorfermoor. O Hauptsturmführer Karl Weber, comandante do campo entre 1942 e 1944, é mencionado em arquivos como responsável por punições cruéis. No entanto, Weber desapareceu dos registros após a guerra, sem evidências de julgamento.

Willi Herold, por outro lado, enfrentou consequências. Capturado pelos Aliados em maio de 1945, ele foi julgado por crimes de guerra, incluindo os assassinatos em Aschendorfermoor. Condenado à morte, Herold foi executado em 1946, aos 21 anos. Sua história, porém, é uma exceção: muitos outros responsáveis pelos Emslandlager escaparam da justiça. “A atenção internacional focou em campos maiores, deixando lugares como Aschendorfermoor em segundo plano”, explica o historiador britânico Dr. James Carter, da Universidade de Londres.

O Memorial: Memória ou Silêncio?

Uma visita ao Kriegsgräberstätte Aschendorfermoor revela um espaço de reflexão, mas com lacunas. As cruzes brancas do cemitério homenageiam as vítimas, mas as placas são genéricas, mencionando “vítimas do nazismo” sem detalhar episódios como os comandados por Herold. A curadora Sabine Müller reconhece as limitações: “A falta de registros completos dificulta contar a história plena de Aschendorfermoor. Estamos buscando mais documentos para incluir figuras como Herold na narrativa.”

Na comunidade de Papenburg, o campo ainda é um tema sensível. Um morador idoso, que pediu anonimato, compartilhou: “Quando eu era criança, ninguém falava sobre Aschendorfermoor. Era um segredo incômodo.” Essa omissão reflete a dificuldade da Alemanha pós-guerra em confrontar seu passado nazista.

Aschendorfermoor levanta questões difíceis: quantos morreram nas mãos de Herold e outros? Quem eram essas vítimas, além dos nomes em pedra? Por que a justiça foi tão limitada? A investigação sugere que o campo foi palco de massacres, agravados pela brutalidade de figuras como Willi Herold, mas a ausência de registros completos impede uma contagem precisa.

Organizações como a Yad Vashem e o Centro Simon Wiesenthal defendem mais pesquisas sobre campos regionais, enquanto em Luxemburgo planeja-se uma exposição em 2026 sobre os conscritos mortos em Aschendorfermoor. Na Alemanha, a Gedenkstätte Esterwegen busca digitalizar arquivos para preservar a memória.

Esta matéria é um apelo para que as vozes de Aschendorfermoor – conscritos luxemburgueses, prisioneiros soviéticos, vítimas de Herold – sejam ouvidas. Honrar seu sofrimento exige compromisso com a verdade, seja por novos memoriais, pesquisas ou narrativas como esta. Que o silêncio dos pântanos de Emsland seja, finalmente, quebrado.


Fontes Consultadas:

  • Bundesarchiv, Berlim: Relatórios dos Emslandlager (1942-1945).

  • Gedenkstätte Esterwegen: Testemunhos de sobreviventes e arquivos do memorial.

  • Mémorial de la Déportation, Luxemburgo: Cartas e documentos de famílias.

  • Entrevistas com Dra. Anna Meier, Dr. James Carter, Jean-Paul Hoffmann e Sabine Müller.

  • Arquivos da Cruz Vermelha Internacional, Genebra.

  • Museu Nacional de la Résistance et des Droits Humains, Luxemburgo.

  • Documentos sobre o julgamento de Willi Herold, National Archives, Reino Unido.

Nota: Esta investigação acompanhará novos desenvolvimentos, incluindo a digitalização de arquivos. Para contribuir com informações, entre em contato: zindacta@gmail.com

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