APRESENTAÇÃO
Quais as doenças que afligiam índios e europeus nos primeiros séculos do Brasil? Como os nativos se defendiam de males até então desconhecidos por eles, como gripe e sarampo? A pesquisadora e médica Cristina Gurgel nos mostra um capítulo importante da História do Brasil, o encontro (e desencontro) de duas culturas sob a ótica das doenças e dos males que afetaram seus habitantes.Ao contrário do que se propaga, a autora defende a ideia de que os princípios terapêuticos básicos da medicina indígena e europeia tinham muito em comum. Ambos os povos possuíam uma concepção da doença como uma invasora, sendo, portanto, necessário forçar sua saída do organismo. Para que isso ocorresse, empregavam-se cerimônias e substâncias que diferiram conforme a cultura e a disponibilidade e qualidade de matérias-primas medicamentosas. Valiam-se igualmente de rezas, vomitórios, purgantes e sangrias. Assim, quando ambas as medicinas - europeia e indígena - se uniram, não houve um grande choque cultural, mas uma complementação, que fez surgir a autêntica medicina popular brasileira.Repleto de imagens e boxes explicativos, Doenças e curas é imperdível para quem quer conhecer melhor o início - doloroso - da nossa História.
O livro "Doenças e Curas: O Brasil nos Primeiros Séculos" de Cristina Gurgel é uma obra que se propõe a estudar a história da medicina e das doenças no período colonial brasileiro. A autora parte do pressuposto de que as doenças e as práticas médicas exerceram um papel fundamental na conformação da sociedade colonial, influenciando não apenas os aspectos demográficos, mas também os âmbitos socioeconômico, político e cultural.
Nos primeiros capítulos, Gurgel aborda as teorias sobre as origens dos povos ameríndios e as consequências biológicas do isolamento geográfico desses grupos. A autora discute as evidências arqueológicas e paleoparasitológicas que apontam para a presença de parasitas intestinais nas populações pré-colombianas, bem como a hipótese de que a ausência de animais domésticos tenha sido um fator determinante para a fragilidade imunológica desses povos diante de doenças infectocontagiosas.
Em seguida, Gurgel apresenta um panorama da sociedade indígena brasileira nos séculos XVI e XVII, com ênfase nas práticas médicas e nas enfermidades que acometiam essas populações. A autora destaca a diversidade cultural entre os diferentes grupos, bem como a importância dos pajés e da utilização de recursos da flora nativa no tratamento de doenças. Ademais, são discutidas as possíveis causas da elevada mortalidade indígena frente a epidemias de doenças infecciosas trazidas pelos colonizadores.
O quarto capítulo aborda as consequências da expansão marítima europeia para a saúde das populações envolvidas. Gurgel analisa as precárias condições de higiene e alimentação a bordo das embarcações, bem como a disseminação de doenças infectocontagiosas, como o escorbuto e o tifo, entre os tripulantes. A autora também discute o papel desempenhado pela medicina popular e erudita no tratamento desses males.
Neste capítulo, Gurgel se debruça sobre o choque entre os universos culturais indígena e europeu, com ênfase nos impactos da colonização sobre a saúde e a organização social dos povos nativos. A autora analisa a descrição feita por Pero Vaz de Caminha sobre o primeiro contato entre portugueses e indígenas, bem como o papel desempenhado pelos jesuítas na catequização e na assistência médica aos nativos.
Nos capítulos finais, Gurgel aborda as condições de saúde da população colonial, tanto nas vilas e cidades quanto nos sertões. A autora destaca a precariedade da assistência médica, a atuação de profissionais como boticários, barbeiros e cirurgiões, bem como a importância da medicina popular, que mesclava elementos das tradições indígena, africana e europeia.
Ao final do livro, Gurgel apresenta uma reflexão sobre a importância do estudo das doenças e das práticas médicas para a compreensão da história do Brasil colonial. A autora enfatiza que a medicina, longe de ser um campo neutro e ahistórico, esteve intrinsecamente relacionada aos processos sociais, econômicos e políticos que conformaram a sociedade brasileira nos primeiros séculos de colonização.
"Doenças e Curas: O Brasil nos Primeiros Séculos" é uma obra de grande relevância para o campo da história da medicina e da saúde pública no Brasil. Cristina Gurgel realiza uma abordagem interdisciplinar, articulando conhecimentos das áreas de história, antropologia, arqueologia e ciências da saúde, a fim de compreender as dinâmicas que envolveram as doenças e as práticas médicas no período colonial. A riqueza de fontes primárias e secundárias mobilizadas, bem como a clareza da exposição, tornam este livro uma leitura indispensável para pesquisadores e estudantes interessados na temática.