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Resenha: Configurações histórico-culturais dos povos americanos, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

O dinamismo do pensamento de Darcy Ribeiro sempre foi objeto de intensas polêmicas. A cada artigo ou livro que brotava de suas pesquisas e reflexões, ânimos e mentes nunca permaneciam indiferentes. Os dois ensaios do antropólogo que compõem este Configurações histórico-culturais dos povos americanos aparecem aqui devidamente analisados por intelectuais brasileiros e estrangeiros de peso que, no início dos anos 1970, foram convidados a expor suas impressões acerca das ideias de Darcy sobre as disparidades que pautaram a formação dos povos no continente americano e acerca de etapas fundamentais que vincaram a evolução sociocultural da humanidade. O primeiro ensaio presente neste volume configura-se em uma síntese de viés ensaístico de seu livro As Américas e a civilização, que aborda a gênese e os agentes provocadores dos desacertos no desenvolvimento dos povos americanos. O segundo, por sua vez, corresponde ao ensaio que encerra O processo civilizatório, livro de Darcy publicado pela primeira vez em 1968. Nessa curta reflexão, o antropólogo remonta aos primórdios da humanidade, momento visto como basilar para a justa compreensão de sua evolução sociocultural.

RESENHA

Foto: Arte digital

A Antropologia tem uma contribuição menor do que o desejável para o entendimento da formação das sociedades modernas e os seus desafios de desenvolvimento, refletindo uma tendência dos cientistas sociais de se focarem em problemas menores pouco relevantes socialmente. Contudo, alguns estudiosos tentaram contrariar essa tendência, tratando de questões amplas e socialmente pertinentes, o que oferece uma perspectiva antropológica crucial para compreender a evolução e a diferenciação das sociedades modernas e os fatores que influenciaram sua integração na tecnologia da civilização industrial.

O autor se propôs a entender a formação étnica das Américas, especificamente o Brasil, necessitando uma revisão dos conceitos usados pela Antropologia e a formulação de um novo esquema evolutivo para essas sociedades. O foco principal foi a formação de novas entidades étnicas através da interação de distintas sociedades e culturas no âmbito dos processos civilizatórios, definidos por grandes inovações tecnológicas e a disseminação de seus efeitos. Tais processos geraram diferentes configurações étnico-culturais, com sociedades atuando como agentes ou pacientes dessa expansão, resultando em macroetnias ou em etnias culturalmente subjugadas.

Desde o século XVI, revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial impulsionaram quatro processos civilizatórios que moldaram o mundo. Isso originou diferentes formações sociais e econômicas, como Impérios Mercantis, Imperialistas Industriais, entre outros, e a interação entre essas formações e as sociedades dominadas foi essencial para entender as configurações histórico-culturais emergentes.

Essas dinâmicas civilizatórias não apenas dizimaram populações e culturas subjugadas, mas também fomentaram a criação de novas culturas a partir da fusão de elementos dominadores e dominados. Esse processo foi caracterizado pela deculturação, onde elementos culturais originais foram substituídos por novos, adaptados às necessidades impostas pelas sociedades dominadoras. No longo prazo, essas protoetnias almejaram independência e buscaram afirmar suas identidades nacionais, culminando no surgimento de etnias nacionais.

As sociedades modernas variam em seu grau de modernização tecnológica e nas formas como foram etnicamente remodeladas. Comparar estudos de diferentes civilizações ajuda a construir uma teoria explicativa dos processos de formações étnicas e culturais. As situações coloniais ilustram como a aculturação e a deculturação operaram nessas sociedades dominadas, ressaltando a importância de entender como novos corpos culturais se formaram, muitas vezes vistos como culturas espúrias em contraste com as autênticas.

Por fim, os povos modernos emergentes de civilizações antigas subjugadas pelo colonialismo europeu ou de culturas criadas em feitorias tropicais, enfrentaram uma alienação cultural significativa. Este processo envolveu a erradicação de suas culturas originais e a imposição de concepções degradantes de si mesmos, impostas pelas sociedades dominadoras. No entanto, essas sociedades contemporâneas estão começando a se libertar dessas amarras, reconquistando sua identidade cultural genuína.

O autor ainda discorre sobre as forças transformadoras globais provocadas pela expansão europeia, enfatizando duas revoluções tecnológicas fundamentais: a Revolução Mercantil, que criou as primeiras civilizações com bases mundiais, e a Revolução Industrial, ainda atuante na uniformização socioeconômica e cultural. Essas revoluções remodelaram a flora, a fauna e a etnicidade global, massacrando culturas originárias, fundindo povos e padronizando técnicas produtivas e sistemas sociais e políticos.

O autor propõe explorar as uniformidades histórico-culturais decorrentes desse processo, agrupando os povos extraeuropeus em quatro categorias: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Os Povos-Testemunho são remanescentes de antigas civilizações espoliadas pela expansão europeia. Os Povos-Novos, como os americanos, surgiram da fusão de indígenas, negros e europeus. Povos-Transplantados referem-se a populações europeias implantadas em territórios ultramarinos mantendo suas características originais. Finalmente, os Povos-Emergentes são nações africanas e asiáticas que evoluíram a partir de estruturas tribais ou coloniais.

Essas categorias foram criadas para explicar como esses povos, apesar de culturalmente distintos, mantiveram algumas singularidades, formando assim configurações socioeconômicas homogêneas. O autor se aprofunda na forma como os Povos-Testemunho integraram as tradições europeias e as suas próprias, enfrentando desafios na adaptação à modernidade imposta pelo colonialismo. O Japão e a China foram exemplos de sucesso parcial, enquanto outros países ainda lutam contra as deformações e marginalização provocadas pela dominação histórica. O documento conclui destacando que, além dos desafios de desenvolvimento socioeconômico, os Povos-Testemunho enfrentam a difícil tarefa de integrar suas populações marginais, preservando ao mesmo tempo suas identidades culturais e respeitando a autonomia das etnias diferenciadas. A verdadeira integração requer a aceitação de seu caráter multiétnico e a abolição das políticas de assimilação compulsória.

O autor retrata ainda as forças transformadoras das Revoluções Mercantil e Industrial, impulsionadas pelos povos ibéricos e, posteriormente, outros europeus. A Revolução Mercantil iniciou a criação de civilizações de base mundial, enquanto a Revolução Industrial promoveu a uniformização socioeconômica e cultural globais, levando a uma civilização comum. Estas revoluções civilizatórias reordenaram a natureza, estandardizando flora e fauna globalmente, e transfiguraram povos ao dizimarem etnias e fundirem raças, línguas e culturas. Este impacto homogeneizou as técnicas produtivas, os modos de ordenação social e política e o conhecimento, crenças e valores.

No plano mundial, as diferenças étnicas são menos relevantes diante das uniformidades causadas pela expansão europeia. Estas uniformidades podem ser socieconômicas, relacionadas ao grau de integração na civilização industrial moderna, ou histórico-culturais, surgidas de distintos processos de formação étnica. Assim, é possível classificar os povos extraeuropeus em quatro configurações histórico-culturais: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Cada grupo possui características específicas de formação étnica, mas não podem ser considerados entidades socioculturais independentes. As unidades operativas são as sociedades e culturas particulares, e os estados nacionais.

Os Povos-Testemunho são representantes de civilizações antigas espoliadas pela expansão europeia, enfrentando a tarefa de integrar suas tradições culturais com a influência europeia. Estes povos lidam com um conflito interno entre manter suas tradições e a modernização forçada. O Japão e a China são exemplos de sucesso nesta integração, enquanto outros Povos-Testemunho continuam a enfrentar divisões internas.

Nas Américas, os Povos-Testemunho sofreram um processo de europeização compulsória, resultando em uma configuração étnica misturada. Nações modernas como Índia, China, México e países andinos representam este grupo, lidando com heranças históricas de espoliação e desafios de desenvolvimento socioeconômico e cultural.

Povos-Novos, formados na América pelo encontro e fusão de europeus, indígenas e negros, apresentam uma etnia mestiça predominantemente. Povos-Transplantados, comunidades formadas por europeus em novas terras, mantiveram suas características culturais originais. A classificação de povos extraeuropeus baseia-se na formação histórica e nos desafios enfrentados por cada grupo, como a integração de tradições e desenvolvimento econômico-social. As nações da América do Sul, por exemplo, apresentam configurações híbridas, refletindo a complexa interação cultural e histórica. Em resumo, o conteúdo aborda a influência europeia na formação das configurações étnicas e culturais atuais, evidenciando a complexidade das interações civilizatórias iniciadas pelas revoluções mercantil e industrial.

O autor examina as grandes configurações histórico-culturais de povos extraeuropeus, classificando-os em quatro categorias e avaliando seu desenvolvimento. Observa uniformidades e discrepâncias, destacando como a estratificação social impactou o desenvolvimento. Os Povos-Transplantados como EUA e Canadá alcançaram maior progresso devido à sua formação flexível e igualitária, enquanto os Povos-Novos e Povos-Testemunho enfrentam maiores obstáculos devido a uma formação hierárquica, marginalização cultural e social, e desigualdade econômica enraizada.

A exploração colonial afetou profundamente essas regiões, criando estruturas sociais rígidas e desiguais que dificultam a industrialização. Esses povos foram usados para enriquecer elites locais e estrangeiras, sem incentivo para desenvolver suas próprias economias. A industrialização, quando presente, ocorre de forma distorcida, voltada para exportação e sem benefícios para a população em geral. Há uma crescente marginalização socioeconômica, criando uma grande massa de desfavorecidos com potencial para fomentar mudanças sociais futuras.

A resistência ao progresso se deve ao controle oligárquico e à exploração externa, resultando em uma forma deformada de industrialização que não promove renovação social. Portanto, para superar esses desafios e alcançar um desenvolvimento mais equitativo, seria necessário reestruturar profundamente as bases socioeconômicas e políticas dessas regiões.

O estudo da evolução sociocultural revela que as sociedades humanas se transformaram significativamente a partir da Revolução Agrícola, cerca de 10 mil anos atrás. Essa revolução, juntamente com o desenvolvimento pastoril, impulsionou a integração de novas tecnologias e modelou a vida social ao longo dos milênios. Em seguida, a Revolução Urbana trouxe mudanças tecnológicas e sociais adicionais, e muitas sociedades evoluíram para Estados Rurais Artesanais, dividindo-se em contingentes urbanos e rurais.

A Revolução do Regadio, ocorrida cerca de 7 mil anos atrás, deu origem às primeiras Civilizações Regionais, baseadas na irrigação, e foi seguida pela Revolução Metalúrgica, que deu lugar aos Impérios Mercantis Escravistas. Após a decadência dessas civilizações, a Revolução Pastoril no início da era cristã trouxe novas mudanças com chefias nômades motivadas por tecnologias e ideologias religiosas.

No século XV, a Revolução Mercantil, alavancada pelos avanços na navegação e armas de fogo, resultou na expansão global da Europa e no surgimento de Impérios Mercantis Salvacionistas. Esse período também viu a formação do Capitalismo Mercantil, que impulsionou um novo processo civilizatório a partir da Europa. A Revolução Industrial, três séculos depois, ativou a configuração das sociedades capitalistas avanzadas como uma nova formação sociocultural, o Imperialismo Industrial. Essas revoluções tecnológicas, culminando na Revolução Termonuclear, unificaram a humanidade sob um mesmo sistema produtivo e mercantil, configurando uma Civilização da Humanidade global. As oito revoluções tecnológicas identificadas (Agrícola, Urbana, do Regadio, Metalúrgica, Pastoril, Mercantil, Industrial e Termonuclear) moldaram a evolução sociocultural e continuam a influenciar a sociedade moderna.

O autor analisa a formação étnica das Américas, com especial atenção ao Brasil, revisando conceitos antropológicos e propondo um esquema evolutivo para essas sociedades. O foco é a formação de novas entidades étnicas resultantes da interação entre diferentes culturas e sociedades, impulsionada por grandes inovações tecnológicas. Esses processos civilizatórios, iniciados no século XVI com revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial, resultaram em configurações étnico-culturais variadas. Novas culturas e identidades nacionais emergiram de fusões entre elementos dominadores e dominados.

A classificação dos povos extraeuropeus em quatro categorias (Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes) ajuda a entender as uniformidades históricas e culturais resultantes da expansão europeia. Os Povos-Testemunho enfrentam desafios na integração cultural e modernização, com exemplos de sucesso e fracasso. Os Povos-Novos nas Américas demonstram a mestiçagem cultural, enquanto os Povos-Transplantados mantêm características europeias. Finalmente, os Povos-Emergentes trazem nações africanas e asiáticas em evolução. O impacto da colonização europeia moldou a flora, a fauna e a etnicidade globais, homogeneizando técnicas produtivas e sistemas sociais. Para superar os desafios de desenvolvimento e marginalização, essas sociedades precisam reestruturar profundamente suas bases socioeconômicas e políticas, até se libertarem das imposições coloniais e reafirmarem suas identidades culturais genuínas. Uma obra magistral.

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