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Resenha: Declaração de amor, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com a seleção dos mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade.


“Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar?”, pergunta Carlos Drummond de Andrade em um poema desta coletânea, organizada por dois de seus netos, Luis Mauricio Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, e pelo estudioso de sua obra Edmílson Caminha. Aqui, o amor não é tema abstrato, sonho, fantasia, mas atração plena de libido, de desejo, de pulsão de vida. Um dos maiores nomes da literatura mundial no século XX, o poeta não derrapa na pieguice, no melodrama, no apelo à emoção, mas cria versos que encantam o leitor pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Muitas vezes, também pela delicadeza e o senso de humor.


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com capa dura, a que se acrescentam seis poemas do livro Poesia errante: “A essa altura da vida”, “Amor – eu digo”, “Canção de namorados”, “Nossa história de amor”, “Papinho lírico no Dia dos Namorados” e “Quero sentir”. Declarações amorosas que nos fazem concordar com Drummond, quando escreveu: “Amor é primo da morte, / e da morte vencedor, / por mais que o matem (e matam) / a cada instante de amor.”


Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Poeta, contista e cronista, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira do século XX, foi autor, entre outros, de Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, Claro enigma, Fazendeiro do ar e Fala, amendoeira. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1987, aos 84 anos.


RESENHA


Declaração de Amor, relançado em edição revista e ampliada, reúne os mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da literatura mundial do século XX. Através da cuidadosa seleção de seus netos e do estudioso Edmílson Caminha, esta coletânea oferece um panorama comovente da visão única de Drummond sobre o amor.


Longe de ser um tema abstrato ou idealizado, o amor em Declaração de Amor é pulsante, carnal e cheio de vida. Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital. Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos, encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade.


Em "Amar", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza complexa e multifacetada do amor. Através de versos densos e carregados de simbolismo, o poeta explora as diversas formas que o amor pode assumir, desde a sua expressão mais pura até a sua faceta mais obscura. O poema abre com uma pergunta contundente: "Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?". Essa indagação estabelece o amor como o elemento central da existência humana, algo que nos conecta uns aos outros e define a nossa essência.



Drummond não se limita a uma definição simplista do amor. Ele explora as suas diversas nuances, desde a entrega total ("amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?") até a contemplação platônica ("amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante"). O poeta também reconhece a faceta dolorosa do amor, marcada pela perda e pela finitude. A imagem do mar que "traz à praia" e "sepulte" é uma metáfora poderosa para a efemeridade da vida e do amor. Essa dualidade se manifesta ainda na frase "Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas". O amor, em sua imensidão, pode ser direcionado tanto para objetos que o retribuem ("coisas pérfidas ou nulas") quanto para aqueles que o ignoram ou o rejeitam.


Apesar da dor e da ingratidão, o eu lírico reconhece a necessidade humana de amar, mesmo que isso signifique doar-se a algo que não nos retribui. A "procura medrosa, paciente, de mais e mais amor" revela a busca incessante por um amor que preencha o vazio existencial.


Em "Ausência", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do amor e a ilusão da busca pela sua plenitude. Através de versos simples e carregados de simbolismo, o poeta explora a frustração e a solidão do eu lírico diante da ausência do amor. O poema se inicia com a imagem do eu lírico subindo ao "Pico do Amor", acreditando encontrar lá a presença do sentimento tão almejado. A expectativa de encontrar o amor no topo da montanha reflete a crença humana na existência de um lugar ideal onde a felicidade e a plenitude residem. No entanto, ao chegar ao topo, o eu lírico se depara com a "serenidade de nuvens sussurrando ao coração: Que importa?". Essa frase revela a decepção e o vazio diante da ausência do amor. O pico, símbolo da busca pelo ideal, se torna um lugar de questionamentos e dúvidas.


O eu lírico então especula sobre a possibilidade de encontrar o amor em outros lugares, como em uma "lagoa decerto" ou em uma "grota funda". Essa busca por lugares próximos, mas ainda inacessíveis, representa a esperança do eu lírico em encontrar o amor em lugares inesperados. No entanto, a última estrofe traz a negação final: "Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam coisas que não são, e tremem de vir a ser.". Essa frase sugere que o amor que o eu lírico busca pode ser algo ilusório, algo que não existe na realidade e que apenas "treme de vir a ser".O poema termina com uma sensação de incerteza e inconclusão. O eu lírico fica sem saber onde encontrar o amor, ou se ele realmente existe. Essa ausência de respostas pode ser interpretada como um convite à aceitação da realidade e à superação da busca incessante por um ideal inatingível.


Em "Toada do Amor", Carlos Drummond de Andrade tece uma canção poética sobre a natureza cíclica e passional do amor, utilizando uma linguagem simples e direta, marcada por expressões coloquiais e imagens vívidas. O poema nos convida a refletir sobre a complexa relação entre amor, briga, perdão e a própria essência da vida. Os versos iniciais estabelecem o tom do poema: "E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga." Essa repetição cria um ritmo musical e enfatiza a natureza cíclica do amor, marcado por momentos de conflito e reconciliação.




O eu lírico reconhece a inutilidade de "xingar a vida", pois, apesar das dificuldades, a vida segue seu curso e a gente "vive, depois esquece." No entanto, o amor se diferencia dessa fluidez natural, retornando constantemente para "brigar" e "perdoar", como um "cachorro bandido trem". A metáfora "amor cachorro bandido trem" evoca a imagem de um animal selvagem e imprevisível, simbolizando a paixão e a intensidade do amor. Essa paixão, por vezes turbulenta, leva à "briga", mas também abre espaço para o "perdão", demonstrando a capacidade do amor de superar conflitos e se renovar. O eu lírico questiona: "Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha?". Essa pergunta revela a importância do amor como elemento fundamental da existência humana. Mesmo com suas contradições e desafios, o amor é visto como algo que dá sentido à vida, que a torna mais rica e intensa.


Na última estrofe, o eu lírico se dirige à "Mariquita" e pede o seu "pito", afirmando que "no teu pito está o infinito." Essa imagem simbólica pode ser interpretada de diversas maneiras, desde uma referência à sexualidade até uma metáfora para a própria vida, com suas possibilidades infinitas.


Em "Receita para não engordar sem necessidade de ingerir arroz integral e chá de jasmim", Carlos Drummond de Andrade nos convida a um banquete poético, onde o amor se torna o ingrediente principal para uma vida plena e livre de preocupações com dietas restritivas. Através de versos singelos e carregados de humor, o poeta nos oferece uma receita inusitada e deliciosa para alcançar a felicidade. O poema se apresenta como uma "receita", subvertendo a expectativa do leitor e convidando-o a pensar de forma diferente sobre os conceitos de dieta e bem-estar. O "regime sensacional" proposto por Drummond não se baseia em restrições alimentares, mas sim em uma prática constante e integral do amor.



A metáfora do "amor integral" é central para a compreensão do poema. O amor, em sua forma mais completa e plena, é apresentado como o alimento essencial para a alma, nutrindo-a e proporcionando-lhe a energia necessária para viver com alegria e vitalidade. Drummond nos convida a "praticar o amor integral" desde a "aurora matinal até a hora em que o mocho espia", sugerindo que o amor deve permear cada momento da nossa existência. Essa prática constante nos permite aproveitar ao máximo a vida, abraçando-a em toda a sua plenitude e efemeridade. O poema nos convida a abandonarmos as preocupações com dietas e a buscarmos a felicidade em experiências autênticas e significativas. O "arroz integral" e o "chá de jasmim", símbolos de regimes alimentares restritivos, são deixados de lado em favor de um amor que nos liberta da obsessão com o corpo e nos permite viver com mais leveza e liberdade.


A frase "Pois a vida é um sonho e, se tudo é pó, que seja pó de amor integral" nos convida a refletir sobre a finitude da vida e a importância de aproveitarmos cada momento ao máximo. O amor, em sua forma mais pura, nos permite transcender a efemeridade da existência e deixar um rastro de beleza e significado no mundo.


Em "O Chão é Cama", Carlos Drummond de Andrade nos convida a mergulhar na intensidade de um amor arrebatador que transcende os limites do convencional. Através de versos curtos e linguagem direta, o poeta celebra a urgência da paixão e a busca por refúgio no corpo do outro. O poema abre com a contundente afirmação: "O chão é cama para o amor urgente". Essa frase estabelece o tom da obra, caracterizado pela urgência, pela pulsão e pela impossibilidade de adiamentos. O amor em questão não se contenta com a espera, ele exige expressão imediata, mesmo que isso signifique prescindir do conforto e da privacidade de um quarto.


Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital.  Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade. Em suma, "Declaração de Amor" é uma obra-prima da poesia brasileira, que nos convida a uma jornada profunda e emocionante pelo universo complexo e multifacetado do amor, em todas as suas manifestações.

Resenha: Contos de aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Nascido em uma região rural, Drummond incorpora essa experiência em muitas dessas quinze histórias, a exemplo de “A salvação da alma”, em que a infância e a adolescência de cinco irmãos são atravessadas pelo clima bucólico e ingênuo do interior do país na primeira metade do século XX, e “O sorvete”, no qual dois meninos enfrentam o dilema de experimentar ou não pela primeira vez uma até então desconhecida iguaria.

Aos poucos, as histórias avançam em direção às grandes cidades, mostrando sua lenta transformação. O talento de Drummond para a clareza e a elegância narrativa colabora para a construção psicológica de seus personagens. Na longa narrativa tchekhoviana “O gerente”, o autor vai aos poucos construindo (e desconstruindo) o protagonista Samuel, um bancário que frequenta o jet set carioca e é acusado de um crime bizarro, sendo por isso apelidado pelos jornais de “o Vampiro dos Salões”. Drummond cadencia as revelações e deixa o leitor “espiar” os acontecimentos, ao mesmo tempo que mostra a complexidade de “pessoas comuns”.


RESENHA


O livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade apresenta uma série de narrativas que exploram temas como a infância, a vida interiorana, as relações familiares e sociais, e o cotidiano de forma geral. Através de contos curtos e objetivos, o autor consegue capturar a essência das situações descritas, levando o leitor a refletir sobre questões profundas e muitas vezes perturbadoras. Em cada conto, Drummond apresenta personagens complexos, muitas vezes confrontados com dilemas morais, sociais e existenciais. A narrativa muitas vezes aborda temas como a solidão, o medo, a morte, a busca por aceitação, a relação com o outro e a própria identidade. Além disso, o autor utiliza uma linguagem simples e direta, mas carregada de significados e simbolismos, o que enriquece a leitura e convida à reflexão.


A variedade de temas abordados nos contos de Drummond mostra a versatilidade e a profundidade do autor, que consegue transitar com maestria por diferentes gêneros e estilos literários. Sua capacidade de criar personagens marcantes e situações impactantes é uma das marcas registradas de sua obra, e em "Contos de Aprendiz" isso não é diferente. 


A salvação da alma: A história narra a relação conturbada entre cinco irmãos em uma cidade onde as brigas eram comuns. Com a partida do irmão mais velho, Miguel, os outros irmãos se viram sozinhos e continuaram com os conflitos entre si. Ester, a única filha, era explorada pelos irmãos para conseguir dinheiro. Com a chegada dos padres, os meninos foram levados para se confessar e Tito, o penúltimo filho, pediu perdão ao irmão mais novo com quem brigava constantemente. No entanto, após um incidente durante a punição, os irmãos não puderam comungar no dia seguinte.


Sorvete: Joel e seu colega moravam em uma pequena cidade e ficaram impressionados ao ver um anúncio de sorvete de abacaxi em uma confeitaria. Eles inicialmente foram ao cinema, mas não conseguiram se concentrar pensando no sorvete. Abandonaram o filme e foram experimentar o sorvete, mesmo odiando. Joel comeu até o fim para não ferir a honra da família, e seu amigo foi obrigado a fazer o mesmo.


A doida: Um grupo de crianças na cidade tem medo de uma mulher considerada louca, que vive isolada em uma casa. Um dia, eles tentam assustá-la, mas um dos meninos acaba descobrindo que ela está muito doente e decide ficar com ela até o final de sua vida.


Presépio: Das Dores era uma jovem ocupada com tarefas dadas pelo pai para que ela não ficasse ociosa. Mesmo assim, ela tinha um namorado chamado Abelardo. Na véspera de Natal, Abelardo foi visitá-la, atrasando a finalização do presépio, tarefa que apenas Das Dores sabia fazer corretamente. Ela estava dividida entre terminar o presépio e ir à missa de galo para ver Abelardo. Enquanto montava o presépio, só pensava nele, mesmo com várias distrações e a pressão do tempo passando rápido.


Câmara e cadeia: Valdemar estava na Câmara Municipal onde todos os homens discutiam sobre impostos, mas apenas ele estava trabalhando. Enquanto o calor abafava a sala, Valdemar foi até a janela e lembrou-se da cadeia que ficava embaixo da câmara. De repente, um preso fugido entrou na sala dos homens, contando sobre a sua fuga e as condições horríveis da cadeia. Valdemar tentou prendê-lo novamente, mas o preso acabou fugindo enquanto os policiais tentavam capturá-lo.


Beira rio: As terras da companhia lideradas pelo capitão Bonerges proibiam bebidas alcoólicas, o que deixava os trabalhadores desanimados. Um negro que vendia bebidas clandestinamente trouxe animação e disposição para o trabalho, mas foi expulso por Bonerges com a ajuda da polícia. Mesmo após ter sua vendinha destruída, o negro partiu calmamente, apesar dos tiros.


Meu companheiro: O homem na estrada pagou mais do que o necessário por um cachorrinho que não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o para casa e o nomeou Pirulito. Sua esposa não era muito fã de animais de estimação, mas o cachorro se aproximava mais do homem, que se tornou seu companheiro. Os dois conversavam e tinham uma conexão especial, apesar dos meninos implicarem que o cachorro gostava de gente "velha". Um dia, Pirulito desapareceu, deixando o homem triste e sem entender o motivo de seu amigo ter ido embora.


Flor, telefone e moça: Uma moça vivia ao lado de um cemitério e arrancou uma flor do chão, lançando-a fora sem pensar. Logo depois, começou a receber ligações de uma voz suplicante pedindo a flor de volta. Mesmo com a ajuda policial, a voz persistia, levando a família a buscar ajuda espiritual. A voz continuou até que a menina, perturbada, faleceu.


A baronesa: Luis vivia na casa da rica baronesa há muito tempo, mas só a viu algumas vezes. Quando ela morreu, correu para buscar Renato, o sobrinho-neto, e juntos foram até a casa da baronesa em busca de suas jóias. Renato pegou um colar que sobrara do corpo da baronesa, incomodando sua posição de morte, e depois eles fizeram a partilha justa das jóias no banheiro.


O gerente: Samuel, o gerente bem-sucedido do banco, vive uma série de incidentes estranhos que envolvem mulheres perdendo a ponta dos dedos após serem cumprimentadas por ele. Apesar de ser acusado, a polícia não encontra provas contra ele, e ele é afastado do banco e vai morar em São Paulo. Anos depois, encontra uma das vítimas que teve que amputar o braço devido a uma infecção. Eles se encontram novamente, mas apenas bebem muito e no dia seguinte Samuel volta a São Paulo sem concluir seus negócios no Rio.


Nossa amiga: Uma menina de três anos vivia entre duas casas e para evitar a mão bisbilhoteira foi criada a personagem Catarina, uma borboleta "bruxa" que quebrou um cachorrinho de vidro. Também havia o personagem Pepino, um velho bêbado que assustava as crianças. Mesmo com medo, a menina acabava indo de uma casa para outra, sendo enganada com a promessa de uma festa com Pepino. Por fim, ela brincava de mamãe, usando frases de adultos em suas brincadeiras.


Miguel e seu furto: Miguel era um homem simpático, mas sem ocupação na vida. Após perder seu sustento, ele dormia em jornais e teve a ideia de roubar o mar. Com as novas regras impostas, Miguel se tornou incrivelmente rico, queimava sua riqueza para ter onde guardar suas aquisições. Mas, um dia, crianças nadaram no mar e o povo retomou sua posse. Miguel depositou sua fortuna em bancos e passou a colecionar conchinhas para lembrar de sua ex-propriedade.


Conversa de velho com criança: Um homem idoso e uma menina chamada Maria de Lourdes conversam em um ônibus. O homem, chamado Ferreira, descobre o nome da menina sem precisar perguntar, e a menina descobre o nome dele da mesma maneira. A menina traz um pacote de balas que parece ser seu tesouro, enquanto o homem carrega sacolas de compras e está em pé. Quando o cobrador vem cobrar a passagem, o homem tem dificuldade em encontrar a moeda e acaba deixando-a cair na rua, mas não precisa pagar a passagem pois não encontraram a moeda. A menina oferece uma bala ao homem, indicando que são amigos próximos, e o homem percebe que ela fez isso para poder comer também. Ao descerem do ônibus, o homem se questiona se são realmente amigos próximos ou apenas avô e neta que se dão muito bem.


Extraordinária conversa com uma senhora de minhas relações: Um homem tem uma conversa com uma senhora conhecida em um ônibus, onde ele tenta lembrar quem ela é através de sua voz. Eles trocam cumprimentos e ele nota o vestido dela e suas curvas. Ela pergunta como ele está e ele responde com versos, mas depois corrigi para uma resposta mais educada. Ela fala sobre suas preocupações, mas ele está mais preocupado em ultrapassar limites. Quando ela desce do ônibus, ele reflete que foi a conversa mais extraordinária que teve com uma dama de sua relação.


Um escritor nasce e morre: Um escritor talentoso nasce em uma cidade pequena após ouvir sobre o Pólo Norte na escola. Se destaca na escrita desde jovem e é reconhecido pela sua professora. Ele cresce, escreve contos e poesias, sempre se mantendo humilde e criticando outros escritores. Uma voz em sua mente o chama de artista nato. Aos trinta anos, ele falece, deixando um legado de obras literárias.


O livro se chama "Contos de Aprendiz" porque cada uma das histórias apresentadas no livro mostra personagens em processos de aprendizagem e transformação. Os contos exploram as experiências dos personagens, suas relações e conflitos, levando-os a enfrentar dilemas morais, sociais e existenciais. Ao longo das narrativas, os personagens são confrontados com situações que os fazem refletir e crescer, aprendendo lições importantes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre o mundo ao seu redor. Dessa forma, o título "Contos de Aprendiz" reflete a jornada de aprendizagem e amadurecimento dos personagens ao longo das narrativas apresentadas no livro.


Em resumo, o livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade é uma obra que explora de forma criativa e profunda as nuances da vida, os dilemas da existência e as complexidades das relações humanas. Através de narrativas envolventes e personagens cativantes, o autor nos leva a refletir sobre questões essenciais do ser humano e do mundo que nos cerca. A leitura do livro é essencial para quem busca entender melhor a obra de Drummond e se aprofundar em sua visão de mundo e de literatura.

Resenha: Amar se aprende amando, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

“O mundo é grande e cabe / nesta janela sobre o mar. / O mar é grande e cabe / na cama e no colchão de amar. / O amor é grande e cabe / no breve espaço de beijar.” Com versos assim, que conciliam sofisticação e simplicidade, esta


coletânea exalta o mais nobre “sentimento do mundo”.

Publicado originalmente em 1985, apenas dois anos antes da morte de Drummond, Amar se aprende amando nos revela as diferentes facetas do amor. Para falar delas, o poeta sempre encontra um viés inusitado (como nos saborosos neologismos “sempreamar” e “pluriamar”), que evidencia sua aversão à retórica e evita a pieguice que ronda a poesia quando se fala das “coisas do coração”. Seus versos fazem aquilo que para muitos é impossível: traduzem sentimentos indescritíveis em palavras.

Se o amor romântico, aquele precedido pela paixão arrebatadora, tem destaque em poemas impactantes como “Amor” e “Lira do amor romântico”, Drummond também mostra que “O amor antigo tem raízes fundas, / feitas de sofrimento e de beleza”. Na segunda seção do livro, abre o leque para compor poemas magistrais sobre o amor fraterno, com destaque para o comovente “Companheiro”, feito para os 80 anos do amigo Pedro Nava. Na última parte, o poeta incorpora o cronista em versos tirados da realidade brasileira, que, àquela altura, caminhava para uma transição democrática depois dos amargos “anos de chumbo”.


RESENHA


Em Amar se aprende amando, Drummond fala sobre o amor na velhice e como ele muda com o passar dos anos. O poeta reflete sobre a importância de cultivar o amor e aprender com ele, mesmo diante de um mundo marcado pela brutalidade e pela indiferença. Ele aborda questões políticas e sociais, como a violência e a desigualdade, e como esses elementos afetam o amor e a esperança. Drummond mostra que, apesar das dificuldades, é preciso continuar cultivando o amor e mantendo a esperança viva, sem expectativas de uma felicidade universal.


Essas reflexões acerca do envelhecimento do corpo, que fazem alusão à capa da obra na qual se retrata o dorso de um corpo jovem, são destacadas por Drummond em suas reflexões do poema "Fazer 70 anos". Ele inclui a ideia de que atingir a idade de 70 anos não é uma tarefa simples, pois ao longo da vida somos confrontados com perdas e transformações no âmago de nosso ser. O poema fala sobre a necessidade de lidar com as memórias e ruínas do passado, bem como com a incerteza do futuro. Além disso, há uma reflexão sobre a dualidade de sentimentos que acompanha a chegada dos 70 anos, como a alegria misturada com a tristeza. Por fim, o poema destaca a importância da amizade e do apoio mútuo nessa fase da vida, ressaltando a estranha felicidade que pode surgir da velhice.


O poema "Reconhecimento do Amor" fala sobre a descoberta e aceitação do amor em uma amizade. O eu lírico descreve como inicialmente não entendia o verdadeiro significado do amor e como, aos poucos, foi se deixando envolver por ele de forma suave e doce. Através da amizade e da entrega mútua, o eu lírico percebe que o amor dissipa a individualidade e une os amantes em uma só essência, onde não há mais separação entre eles. O poema enfatiza a importância do amor como força transformadora e redentora, que transcende a razão e a própria existência individual para se integrar em um todo perfeito. No final, o eu lírico expressa a sua felicidade em estar completamente mergulhado no mar do amor, onde não há mais espaço para a superficialidade do mundo exterior. É um poema que celebra a beleza e a plenitude do amor verdadeiro.


O envelhecimento e as datas do calendário são vistos como mitos, enquanto o amor é descrito como algo atemporal, que nasce a cada momento. O poema destaca a ideia de que o amor é a conexão que une dois corações para a eternidade. O autor reflete sobre como o tempo não passa quando se trata do amor que sentimos no coração. Ele descreve o amor como algo eterno, que transcende qualquer medida de tempo. O autor enfatiza que o amor é a essência da vida e que, além do amor, não há nada.


O autor nos fala sobre a busca do ser humano por outro ser, que ao ser encontrado, gera um sentimento de estar completo e dividido ao mesmo tempo. O amor é descrito como um selo sublime que dá cor, graça e sentido à vida. No entanto, apesar da beleza e do perfume da rosa que simboliza o amor, o narrador não consegue senti-lo diretamente.


Em síntese, o livro 'Amar se aprende amando' é uma obra profunda e reflexiva que aborda questões universais como o amor, o envelhecimento e a busca pela felicidade. Drummond consegue conectar o leitor com suas palavras poéticas e sensíveis, levando-o a refletir sobre a importância do amor e da esperança mesmo em meio às adversidades da vida. O livro é uma verdadeira lição sobre como cultivar o amor e manter a fé nos dias difíceis, tornando-se uma leitura inspiradora.

Resenha: Moça deitada na grama, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte Digital

 APRESENTAÇÃO


Carlos Drummond de Andrade inaugura este volume contemplando uma moça esparramada na grama: “Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: ‘Moça deitada na grama. Moça deitada na grama. Deitada na grama. Na grama’. Pois o espetáculo me embevecia. Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida”. Essa e outras situações irrompem nas crônicas de Drummond para provar que a realidade também é feita de lirismo ― e vice-versa.

Derradeiro livro entregue à editora, em 1987, Moça deitada na grama é uma seleção das últimas crônicas escritas pelo poeta, que por décadas colaborou para os jornais mais relevantes do país. O insólito e o lírico são faces de uma mesma moeda nestes textos que descrevem o Rio de Janeiro e seus moradores, em situações cômicas e despretensiosas, com boas doses de filosofia.


RESENHA


"Moça deitada na grama" é um livro que nos convida a contemplar a realidade sob uma perspectiva lírica e despretensiosa, por meio das últimas crônicas escritas por Carlos Drummond de Andrade antes de sua partida. Nesta obra, o poeta nos leva por situações cotidianas e singelas do Rio de Janeiro e de seus moradores, com um olhar que mescla humor, filosofia e poesia. Com uma seleção de textos que vão desde a reflexão sobre o lirismo encontrado em uma simples moça deitada na grama até a crônica sobre a linguagem dos animais, Drummond nos faz refletir sobre a beleza e a complexidade do mundo ao nosso redor. Na obra de Drummond, encontramos uma poesia que se destaca pela liberdade formal e pela abordagem de questões sociopolíticas. Apesar disso, o que mais ressalta em seus textos são os temas do dia a dia, que, embora enraizados em sua cultura, transmitem uma mensagem universal.


Nesta obra, Drummond tece fortes críticas à sociedade, essa característica de descrever cenas cotidianas de forma despretensiosa que, como sabemos, aproximam-se da realidade em igual caráter, apresentam um novo Drummond em seus últimos dias, um poeta preocupado não somente com as aparências e com as descrições minuciosas do espaço e do deleite da vida, mas do que fazemos deste deleite na linha entre a ação e o tempo. Drummond apresenta cada linha um parâmetro de debate sociológico profundo acerca de sexualidade, relações sociais e situações freneticamente repletas do inesperado com uma dose de humor, característica do autor em criar e descrever enredos que aproximam o leitor da realidade expressa em suas críticas.


Em 'moça deitada na cama', texto de título homônimo ao livro, ao descrever a cena de uma mulher deitada na grama aproveitando o dia e sendo abordada por um guarda, que, baseado em cenas características da preocupação - ou ausência dela - de civilidade acerca das regras convencionais que regem os espaços públicos, sobretudo, de uma crítica profunda acerca da igualdade de gênero, pede para que ela se retire do espaço. Aqui, Drummond traz uma reflexão sociológica sobre as questões de gênero, poder e hierarquia presentes na sociedade. A moça, deitada na grama, representa a liberdade, o conforto e a tranquilidade, mas é rapidamente interrompida por um guarda que a aborda de forma autoritária e sexista, impondo-lhe regras e normas sociais. Historicamente, as mulheres têm sido constantemente subjugadas e controladas pela sociedade patriarcal, que impõe padrões de comportamento e limita sua liberdade. A moça da poesia desafia essas normas ao questionar o porquê de não poder deitar-se na grama como os homens e ao defender a igualdade de direitos.


Seguindo suas linhas, o autor expressa, sobretudo no texto 'o medo e o relógio', novamente a figura de uma mulher sendo abordada por um homem na rua e sendo 'roubada', após sair para resolver algumas questões. Aqui, Drummond trabalha diversas nuances que se relacionam com as intenções das personas, do homem que fica em casa adoentado e seguro de que sua mulher conseguirá, com destreza e foco, concluir a tarefa, a mulher, com medo do seio social e dos problemas que podem decorrer de sua saída sozinha na cidade, que, como podemos concluir, estabelece uma linha de pré-julgamento da mulher em relação ao homem que, em contraponto, rouba um relógio que, até a confirmação de suas incertezas - ou parte delas - ocorreu o que ela mais esperava: o inesperado. Esse fluxo de consciência dentro da narrativa expressa um trabalho característico de análise de tempo e ação dos personagem acerca de sua inevitabilidade de julgamentos acerca das pessoas, dos momentos e dos medos. O texto é uma forma de elucidar o enfraquecimento contemporâneo das certezas que carregamos baseados em ideais pré-estabelecidos por nós sem uma análise prévia da situação. A descrição do autor é extremamente cativante e transforma seu enredo em uma deliciosa experiência literária dos acontecimentos que nos são palpáveis.


Se havia muita gente no local, de repente apareceu mais ainda. O bolo se adensou, e era difícil as pessoas se mexerem. O homem que agarrara o braço de dona Irene queria correr, mas aí é que não dava mesmo jeito de escapar. Num lance rápido, ele colocou alguma coisa na mão dela, que não compreendeu bem o gesto mas apertou o objeto, e só um instante depois viu que era relógio. Quando deu fé que este lhe fora restituído – coisa surpreendente, difícil de acreditar e mais ainda de acontecer –, já o cara tinha sumido. Coração aos pulos, emocionada pelo roubo e pela devolução imprevista, o que dona Irene desejou foi tomar um helicóptero e fugir incontinenti dali. Como não há helicópteros à disposição de senhoras aitas, ela tomou um táxi para chegar em casa ainda arfante, com o multíplice receio do que lhe pudesse acontecer até abrir a porta do apartamento – e mesmo depois, quem sabe lá o que pode irromper de terrível hoje em dia? (p. 20)


Alguns resumos de outros textos presentes na obra:


Aviso na vitrineO texto fala sobre a experiência de um cliente que frequenta uma farmácia há dez anos e se vê desolado com o fechamento repentino do estabelecimento. Ele lamenta a falta de aviso prévio e a mudança repentina em seus hábitos, destacando a importância que aquela farmácia tinha em sua vida. O texto também aborda a reflexão do personagem sobre sua possível responsabilidade no fechamento da farmácia, e sua incerteza sobre como lidar com a situação. No final, ele questiona onde irá encontrar um lugar que proporcione a mesma familiaridade e gentileza que ele encontrava na antiga farmácia.


O saveiro e a nuvem: O narrador conta a história de como teve que vender seu saveiro chamado Nuvem do céu é você, que era o nome de uma mulher que ele admirava. Mesmo após vender o barco, ele insistiu que o nome não poderia ser vendido junto com o casco. Anos depois, ao retornar à Bahia, descobre que outro homem comprou o saveiro com o nome e se envolveu com a mulher que inspirou o nome. Sentindo-se traído, ele tenta tirar o nome do barco e acaba preso. Ao ser libertado, decide não dar nome a mais nada, pois acredita que os nomes têm importância apenas para as pessoas, não para as coisas.


O assalto diferente: A narradora conta sua experiência de ter sido assaltada, onde os assaltantes levaram suas joias e dinheiro, mas não a levaram junto com eles. Ela especula sobre a possível cumplicidade da mulher que estava no carro dos assaltantes e se sente grata por não ter sido levada. Os amigos com quem conversa elogiam sua postura e consideram que os assaltantes agiram como cavalheiros. No final, a narradora revela que os assaltantes a devolveram suas joias e dinheiro com um cartão pedindo desculpas, levando-a a se considerar uma mulher formidável digna dessa homenagem.


Uma notícia completamente falsa: O protagonista da notícia falsa, Elisiário Batista de Aguiar, reclama ao diretor de um jornal por ter tido sua honorabilidade pública e privada ferida devido a informações errôneas. Ele contesta o fato de ter sido confundido com Antenor Crisóstomo de Sousa, não ser funcionário da Caixa Econômica Federal, ter passado o sábado em casa com amigos, não frequentar bares embriagado, não ter invadido um mercado e não conhecer a sra. Ingrid Feldman. Elisiário também nega a intenção de fundar um partido político e investiga a origem das informações falsas para levar os responsáveis à justiça. Ele pede retificação da notícia e agradece as providências.


Infação, mon amour: A inflação tornou-se uma parte inseparável da vida do narrador, apesar de inicialmente ser vista como um monstro assustador. Ele tentou compreendê-la através de diversas teorias econômicas, mas sem sucesso. Agora, ele aceita a inflação como parte de sua vida cotidiana, até mesmo pensando nela como seu anjo da guarda. No entanto, quando fica sabendo de uma campanha publicitária para combatê-la, ele se vê defendendo a inflação, pois se acostumou com sua presença e não quer se livrar dela. Conclui seu texto declarando seu amor incondicional à inflação.


Os etceteras da vida: O autor fala sobre os "etcéteras da vida", como a construção de um motel em Buritizeiro, problemas de desigualdade de gênero, o desaparecimento dos sacos de trigo antigos e até mesmo a ausência de uma rolinha que costumava cumprimentá-lo todas as manhãs. Ele destaca a importância de prestar atenção nas pequenas coisas da vida e sugere sorrir para si mesmo diante do espelho todas as manhãs como um ato de autocuidado e positividade. Etcéteras, segundo ele, são o que realmente importa e podem ser fonte de imaginação e importância escondida.


João Brandão e João Pedro Rampal: João Brandão e João-Pedro Rampal são dois personagens que vivem uma experiência musical única em uma noite gelada. Enquanto Rampal se apresenta em um concerto na Sala Cecília Meireles para centenas de pessoas, Brandão prefere ficar em casa, ouvindo sua música preferida em um LP do músico. A música é intensa e pura, capaz de mergulhar Brandão em seu próprio mundo interior, onde ele se sente parte da música, em um estado de pura existência. A experiência de ouvir música à noite é transformadora para Brandão, que se sente renovado e em sintonia com sua essência mais profunda. Ao final da noite, o silêncio da agulha do LP marca o término dessa imersão musical, deixando Brandão com uma sensação de renascimento e conexão com a realidade.


Os textos têm em comum a narrativa de experiências vividas pelos personagens, com destaque para reflexões sobre suas rotinas, sentimentos e pensamentos. As narrativas abordam aspectos do cotidiano, como a perda de lugares importantes, relações pessoais, experiências pessoais singulares e reflexões sobre a vida e ações dos personagens. Há também uma abordagem poética e subjetiva nas narrativas, que exploram sentimentos e sensações dos personagens diante das situações descritas. "Moça deitada na grama" é uma obra que nos cativa desde a primeira crônica, nos envolvendo em reflexões profundas sobre a vida cotidiana e as relações humanas. O olhar sensível e poético de Carlos Drummond de Andrade nos leva a enxergar a beleza nos detalhes simples do dia a dia, nos fazendo questionar nossos próprios valores e preconceitos. Suas críticas sociais são habilmente entrelaçadas com momentos de humor e filosofia, criando uma atmosfera rica e envolvente. Certamente, este livro é uma verdadeira joia da literatura brasileira, que nos convida a olhar para o mundo ao nosso redor com novos olhos e corações abertos.

[RESENHA #972] Lição de coisas, de Carlos Drummond de Andrade

Se o gosto de Drummond pela experimentação já se notava em poemas como “No meio do caminho”, de Alguma poesia, seu livro de estreia, neste Lição de coisas esse fazer se intensifica. A partir de provocações colocadas pelo concretismo, o poeta itabirano aqui se abre para explorar de maneira mais intensa forma e conteúdo – em especial, o conteúdo visual e sonoro –, “sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente”, como mineiramente se sublinha na nota da primeira edição.

As nove partes que compõem Lição de coisas – “Origem”, “Memória”, “Ato”, “Lavra”, “Companhia”, “Cidade”, “Ser”, “Mundo” e “Palavra” – representam os fundamentos da poética drummondiana: a terra, a família, as lembranças, os afetos, as amizades, as admirações, a consciência dos problemas do homem e dos perigos do mundo. Os poemas que aqui se encontram são dos mais conhecidos de Drummond: “O padre, a moça”, levado para o cinema pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade, e “Para sempre”, belo canto de louvor às mães que circula nas redes sociais sempre que se quer homenageá-las.

Esta nova edição reúne também uma dedicatória do poeta para a esposa, Dolores, e outra para a filha, Maria Julieta, e sua família; a crônica “Livros novos”, que Drummond publicou no jornal Correio da Manhã; e quatro poemas (“A música barata”, “Cerâmica”, “Descoberta” e “Intimação”), constantes, como inéditos, na Antologia poética do autor, publicada em 1962, e incluídos no Lição de coisas a partir da segunda edição, lançada em 1965.

Com esta edição, convidamos leitores e leitoras a desfrutar poemas que, para além da experimentação, compreendem temas caros a nosso querido poeta, como a memória, o humor e a mineração de si mesmo e do outro. Percebe-se assim que, para além de qualquer observação sobre a técnica de seus textos, o que encontramos é muitas vezes a humanidade mais singela. Sua expressão poética simples, porém sempre coesa, ainda nos espanta pela ternura. Esta lição, talvez por isso, fica e permanece. São poemas que, como pequenas joias, tornam-se cada vez mais valiosos “na correnteza esperta do tempo”.

RESENHA

O novo livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade é uma obra que traz consigo uma forte busca pela simplicidade e verdade na expressão dos sentimentos. Dividido em nove partes distintas, cada uma delas dedicada a um tema específico, o poeta revela sua essência de maneira única e profunda.

Nas histórias narradas, tanto fictícias quanto imaginárias, o poeta não se prende à trama, mas sim à busca por um significado transcendental. Em suas palavras, ele faz referências tocantes a figuras humanas, pintores do passado, poetas contemporâneos e personagens cômicos. O Rio de Janeiro, uma cidade com suas próprias circunstâncias históricas, surge como uma personificação, tornando-se uma presença marcante na obra. As reminiscências do autor são reduzidas ao mínimo, como se fosse um ensaio de memórias, onde o objeto é visto de forma rápida e o sujeito se torna um espelho.

O autor, envolvido com o povo do campo e afetado pelos eventos da época, revela-se desiludido e sem esperança. No entanto, ele utiliza a extraordinária palavra, como que para não deixá-la completamente extinta do texto daquele período. Dessa forma, o novo livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade apresenta-se como uma obra poderosa, que abraça a complexidade do mundo e das emoções humanas, revelando-se tanto um espelho da realidade quanto uma busca por algo transcendental. Retratando o Rio de Janeiro como uma presença viva e fazendo referências emocionantes a diversas figuras, o poeta nos convida a refletir sobre a vida e a esperança em meio à desilusão.

Análise do poema os dois vigários:

“Há cinqüenta anos passados,
Padre Olímpio bendizia,
Padre Júlio fornicava.
E Padre Olímpio advertia
e Padre Júlio triscava.
Padre Júlio excomungava
quem se erguesse a censurá-lo
e Padre Olímpio em seu canto
antes de cantar o galo
pedia a Deus pelo homem.
Padre Júlio em seu jardim
colhia flor e mulher
num contentamento imundo.
Padre Olímpio suspirava,
Padre Júlio blafesmava.
Padre Olímpio, sem leitura
latina, sem ironia,
e Padre Júlio, criatura
de Ovídio, ria, atacava
a chã fortaleza do outro.
Padre Olímpio silenciava.
Padre Júlio perorava,
rascante e politiqueiro.
Padre Olímpio se omitia
e Padre Júlio raptava
patroa e filhas do próximo,
outros filhos lhe aditava.
Padre Júlio responsava
os mortos, pedindo contas
do mal que apenas pensaram
e desmontava filáucias
de altos brasões esboroados
entre moscas defuntórias.
Padre Olímpio respeitava
as classes depois de extintos
os sopros dos mais distintos
festeiros e imperadores.
Se Padre Olímpio perdoava,
Padre Júlio não cedia.
Padre Júlio foi ganhando
com tempo cara diabólica
e em sua púrpura calva,
em seu mento proeminente,
ardiam em brasas. E Padre
Olímpio se desolava
de ver um padre demente
e o Senhor atraiçoado.
E Padre Júlio oficiava
como oficia um demônio
sem que o escândalo esgarçasse
a santidade do ofício.
Padre Olímpio se doía,
muito se mortificava
que nenhum anjo surgisse
a consolá-lo em segredo:
“Olímpio, se é tudo um jogo
do céu com a terra, o desfecho
dorme entre véus de justiça.”
Padre Olímpio encanecia
e em sua estrita piedade,
em seu manso pastoreio,
não via, não discernia
a celeste preferância.
Seria por Padre Júlio?
Valorizava-se o inferno?
E sentindo-se culpado
de conceber turvamente
o augustíssimo pecado
atribuído ao Padre Eterno,
sofre — rezando sem tino
todo se penitenciava.
Em suas costas botava
os crimes de Padre Júlio,
refugando-lhe os prazeres.
Emagrecia, minguava,
sem ganhar forma de santo.
Seu corpo se recolhia
à própria sombra, no solo.
Padre Júlio coruscava,
ria, inflava, apostrofava.
Um pecava, outro pagava.
O povo ia desertando
a lição de Padre Olímpio.
Muito melhor escutava
de Padre Júlio as bocagens.
Dois raios, na mesma noite,
os dois padres fulminaram.
Padre Olímpio, Padre Júlio
iguaizinhos se tornaram:
onde o vício, onde a virtude,
ninguém mais o demarcava.
Enterrados lado a lado
irmanados confundidos,
dos dois padres consumidos
juliolímpio em terra neutra
uma flor nasce monótona
que não se sabe até hoje
(cinqüenta anos se passaram)
se é de compaixão divina
ou divina indiferença.”

O poema apresenta uma análise crítica sobre a hipocrisia religiosa e moralidade ambígua. A narrativa descreve a trajetória de dois padres, Padre Olímpio e Padre Júlio, ao longo de cinquenta anos. Padre Olímpio é retratado como um homem religioso e piedoso, enquanto Padre Júlio é um indivíduo imoral e pecaminoso.

Através de contrastes, o poema sugere que ambos os padres, apesar de suas diferenças morais, são igualmente falíveis e sujeitos a tentações. Padre Olímpio desaprova as ações de Padre Júlio, mas se mantém em silêncio e se abstém de interferir. Enquanto isso, Padre Júlio continua a cometer atos imorais e se aproveitar de sua posição clerical.

A crítica à instituição religiosa surge quando fica claro que Padre Júlio, apesar de seu comportamento imoral, não sofre consequências e consegue manter sua posição e autoridade. Enquanto Padre Olímpio, que se esforça para viver de acordo com os princípios religiosos, é consumido pela culpa e não recebe apoio divino.

A última estrofe do poema deixa em aberto se a flor que nasce após a morte de ambos os padres é um sinal de compaixão divina ou indiferença. Isso pode sugerir um questionamento sobre a existência de um julgamento divino justo diante das ações contraditórias e complexas dos seres humanos.

Em suma, o poema critica a falta de coerência moral e a hipocrisia dentro da instituição religiosa através da representação de dois padres com comportamentos morais opostos, que eventualmente são igualados pela morte e deixam em aberto a natureza da compaixão divina.

Análise do poema pombo correio:

Os garotos da Rua Noel Rosa
onde um talo de samba viça no calçamento,
viram o pombo-correio cansado
confuso
aproximar-se em vôo baixo.

Tão baixo voava: mais raso
que os sonhos municipais de cada um.
Seria o Exército em manobras
ou simplesmente
trazia recados de ai! amor
à namorada do tenente em Aldeia Campista?

E voando e baixando entrançou-se
entre folhas e galhos de fícus:
era um papagaio de papel,
estrelinha presa, suspiro
metade ainda no peito, outra metade
no ar.

Antes que o ferissem,
pois o carinho dos pequenos ainda é mais desastrado
que o dos homens
e o dos homens costuma ser mortal
uma senhora o salva
tomando-o no berço das mãos
e brandamente alisa-lhe
a medrosa plumagem azulcinza
cinza de fundos neutros de Mondrian
azul de abril pensando maio.

3235-58-Brasil
dizia o anel na perninha direita.
Mensagem não havia nenhuma
ou a perdera o mensageiro
como se perdem os maiores segredos de Estado
que graças a isto se tornam invioláveis,
ou o grito de paixão abafado
pela buzina dos ônibus.
Como o correio (às vezes) esquece cartas
teria o pombo esquecido
a razão de seu vôo?

Ou sua razão seria apenas voar
baixinho sem mensagem como a gente
vai todos os dias à cidade
e somente algum minuto em cada vida
se sente repleto de eternidade, ansioso
por transmitir a outros sua fortuna?

Era um pombo assustado
perdido
e há perguntas na Rua Noel Rosa
e em toda parte sem resposta.

Pelo quê a senhora o confiou
ao senhor Manuel Duarte, que passava
para ser devolvido com urgência
ao destino dos pombos militares
que não é um destino.

O poema "pombo correio" retrata uma cena em que um grupo de garotos observa a chegada de um pombo-correio cansado e confuso, que voa baixo e se entrelaça entre folhas e galhos de uma árvore. Os garotos questionam qual seria a mensagem que o pombo trazia ou se ele teria se esquecido da razão de seu voo. 

Através dessa situação aparentemente simples, o poema levanta reflexões sobre temas como a comunicação, o amor, a desatenção e a busca por um propósito na vida. O pombo-correio é apresentado como símbolo de uma mensagem a ser entregue, possivelmente de amor, sugerindo um elemento romântico na história. No entanto, a mensagem é perdida ou esquecida, deixando no ar uma sensação de mistério e indagação.

A figura da senhora que salva o pombo e acaricia suas plumagens é uma representação de cuidado e proteção. Ela lhe dá atenção e ternura, assim como os pequenos garotos poderiam fazer, mesmo que de forma desastrada. Por sua vez, a referência aos sonhos municipais e ao Exército em manobras sugere uma tentativa de relacionar o cotidiano com os acontecimentos maiores e mais sérios da vida.

A presença da Rua Noel Rosa como cenário ajuda a ambientar a narrativa, evocando o ambiente urbano e, possivelmente, remetendo a elementos da cultura brasileira, como o samba. A menção à perda de mensagens importantes e segredos de Estado que se tornam invioláveis ressalta a fragilidade da comunicação e a decepção que pode ser causada pela falta de recebimento de uma mensagem esperada.

No último trecho, a referência ao senhor Manuel Duarte e aos pombos militares que não têm um destino definido mostra que, assim como o pombo-correio, todos nós buscamos um propósito em nossas vidas. A sensação de desorientação, perda e busca por respostas permeia toda a narrativa, criando uma atmosfera de incerteza e inquietação.

Os poemas de Carlos Drummond de Andrade são verdadeiras obras-primas da literatura brasileira. Sua escrita é profunda, sensível e poética, capturando os mais diversos aspectos da condição humana. Uma característica marcante de seus poemas é a sua capacidade de abordar temas universais de maneira singular, encontrando beleza nos detalhes do cotidiano.

Além disso, Drummond de Andrade apresenta uma linguagem única e uma habilidade única de contar histórias através de seus versos. Seus poemas têm o poder de transportar o leitor para outros lugares, tempos e emoções, despertando sentimentos e reflexões profundas.

Outro aspecto admirável nos poemas de Drummond de Andrade é a sua constante inovação estilística. O poeta é capaz de experimentar diferentes formas e técnicas poéticas, elevando a sua escrita a outro nível de originalidade e criatividade.

É impossível não se encantar com a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Seus versos são atemporais, tocando o coração de leitores de todas as gerações. Sua contribuição para a literatura brasileira é inestimável e seus poemas continuarão a nos inspirar e emocionar por muitos anos.

[RESENHA #948] O amor natural, de Carlos Drummond de Andrade


APRESENTAÇÃO:  A poesia de motivação erótica tornou-se mais presente na obra de Drummond em seus últimos anos de vida. “Como se Eros estivesse jogando sua última cartada contra Tânatos”, escreveu, certa vez, Affonso Romano de Sant’Anna. De fato, entre 1984 e 1985, Drummond publicou Corpo e Amar se aprende amando, livros que já abordavam, se bem que de forma não tão explícita, a complexa temática do sexo e do desejo físico. Um terceiro volume de poemas amorosos, porém, permaneceu inédito até sua publicação póstuma, em 1992. É este O amor natural.

Aqui, desde o início, Drummond evoca o amor para que lhe sirva de guia. É o amor que em seus versos deverá reunir “alma e desejo, membro e vulva”. Segue-se, então, um desfile de imagens eróticas, em que o poeta rememora ou reinventa felações e sodomias; incursões a um “crespo jardim” e a uma “erma hospedaria”; orgasmos que em si conteriam nada menos que a “explicação do mundo”. A própria eternidade, sugere Drummond, é “puro orgasmo”.

A “boca milvalente”, a língua “lambilonga” e a bunda ― “bundamel bundalis bundacor bundamor” ― surgem, assim, como doces elementos de fantasia, libertando a sensualidade do poeta. Mas o que impera nestes versos, além do prazer físico, é certa saudade do amor, “palavra essencial” a integrar o chão, a cama e o cosmo.

As novas edições da obra de Carlos Drummond de Andrade têm seus textos fixados por especialistas, com acesso inédito ao acervo de exemplares anotados e manuscritos que ele deixou. Em O amor natural, o leitor encontrará o posfácio do poeta e tradutor argentino Manuel Graña Etcheverry, e bibliografias selecionadas de e sobre Drummond.

Bibliografias completas, uma cronologia de vida e obra do poeta e as variantes no processo de fixação dos textos encontram-se disponíveis por meio do código QR localizado na quarta capa deste volume.


RESENHA

O livro "O amor natural", do renomado escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade, foi publicado postumamente em 1992. Esta obra excepcionalmente poética e lírica traz consigo uma carga emocional intensa e revela uma diversidade de emoções, experiências e reflexões sobre o tema do amor.

A história do livro remonta ao período da década de 1950, quando Drummond decidiu escrever uma série de poemas eróticos. No entanto, apesar de seu esforço, ele nunca chegou a publicá-los em vida, pois considerava a temática erótica inaceitável para a sociedade conservadora da época.

O enredo de "O amor natural" se desenrola através de uma seleção de cinquenta e sete poemas que exploram diversos aspectos do amor físico e romântico. Drummond captura a essência das relações amorosas, desde os momentos de desejo e conquista até as experiências de intimidade, envelhecimento e perda. Sua escrita é carregada de sensibilidade e nostalgia, levando o leitor a uma reflexão profunda sobre a experiência humana do amor.

Os poemas "Amor — pois que é palavra essencial", "Era manhã de setembro", "O que se passa na cama", "A moça mostrava a coxa", "Adeus, camisa de Xanto" e "Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas" de Carlos Drummond de Andrade são uma expressão lírica do amor e da sensualidade, tema recorrente na poesia do autor.

No poema "Amor — pois que é palavra essencial", o autor explora a importância e o significado do amor como essencial para a vida humana. Drummond apresenta o amor como uma força vital que permeia todas as esferas da existência, destacando sua importância na superação de desafios pessoais e coletivos.

Em "Era manhã de setembro", o poema evoca uma atmosfera de nostalgia e melancolia ao descrever a manhã de setembro. O autor utiliza elementos sensoriais para retratar a sensação de transitoriedade e efemeridade da vida, destacando a beleza efêmera do momento presente.

Já em "O que se passa na cama", Drummond aborda a intimidade e a sexualidade com um tom poético e provocador. O poema sugere um jogo de sedução entre amantes, em que o autor revela uma cena erótica com delicadeza e sensualidade, explorando a subjetividade do momento íntimo.

"A moça mostrava a coxa" e "Adeus, camisa de Xanto" seguem a mesma linha temática de sensualidade e amor erótico. Nos poemas, Drummond utiliza uma linguagem poética para descrever o corpo feminino, exaltando sua beleza e provocando um erotismo sutil.

Por fim, "Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas" é um poema que combina elementos da natureza com a sensualidade do corpo feminino. Drummond cria uma metáfora poética ao comparar as pétalas de anêmonas castanhas com nalgas, misturando os elementos da flora com a sensualidade humana.

No geral, esses poemas de Drummond exploram o lado sensual e erótico do amor, utilizando uma linguagem poética e delicada para transmitir emoções e sensações. O autor consegue equilibrar a sensualidade com a beleza da poesia, criando imagens vívidas e provocativas que convidam o leitor a mergulhar em um universo de intimidade amorosa.

Não existe momento certo para começar a leitura de um livro intitulado "O amor natural". A intensidade das palavras poéticas destruirá qualquer possibilidade de reflexão e, na maioria das vezes, levará os leitores a se envolverem obsessivamente com as personagens. Os sentimentos avassaladores transmitidos pelas palavras de Drummond de Andrade são capazes de interromper qualquer outra leitura, e só resta aos leitores chegar ao fim desse amor tão natural e carnal.

Os poemas eróticos de Drummond de Andrade, publicados pela primeira vez em 1992, estão novamente disponíveis nas livrarias portuguesas. A editora responsável é a Companhia das Letras, que recentemente adentrou o mercado português e já obteve grande sucesso com o lançamento do livro "O Irmão Alemão" no ano passado. Essa escolha não poderia ser mais acertada e satisfatória para os leitores, pois a descrição de um corpo nu através de palavras poderosas é uma força da natureza. A exploração dos prazeres carnais, através de mãos e línguas, é uma verdadeira descoberta para o ser humano.

A jornada pelo prazer no corpo de uma mulher começa com o primeiro poema intitulado "Amor - pois que é a palavra essencial". O amor guia a exploração dos territórios carnais, e Drummond descreve o corpo entrelaçado em outro como uma fusão perfeita de dois seres que, para Platão, se tornam um só. Durante o ato, as sensações são mais poderosas do que os próprios sentimentos, e são expressas através de gemidos e palavras sussurradas. Não há fraquezas nos poemas de prazer de Drummond, e todas as sensações se sobrepõem às reflexões.

Corpos, bocas, órgãos genitais e muitos outros membros são retratados nas palavras de Drummond de Andrade, e não é surpreendente que o poeta tenha hesitado em publicar esses poemas. Sendo um livro póstumo, cabe ao leitor a responsabilidade e a criatividade ao desbravar essas páginas. Ao longo desse amor natural, o corpo feminino é considerado sagrado, enaltecendo a bunda e celebrando a liberdade de buscar outros desejos. Entre a adoração ao corpo da mulher, o erotismo e o amor, as palavras são cuidadosamente selecionadas para reverenciar um dos comportamentos mais primitivos entre homem e mulher: o sexo.

Em "O amor natural", o erotismo se torna arte e o conhecimento do corpo é poder. Num tempo em que a pornografia de mau gosto ganha cada vez mais força, é uma bênção ter acesso a palavras tão cuidadosas sobre amor e sexo. Vinte e quatro anos se passaram desde a primeira edição deste livro, mas a importância do erotismo ainda é relevante. Que outras obras de escritores talentosos, assim como Drummond, venham mostrar que escrever sobre sexo também pode ser uma forma de arte, e não apenas uma combinação de frases pornográficas e viciantes destinadas a leitores que não possuem tempo para reflexão.

Em relação à mensagem principal do livro, Drummond nos leva a refletir sobre as complexidades das relações amorosas e sobre a importância de abraçar nossa vulnerabilidade e aceitar as mudanças da vida. Ele também nos lembra que o amor é uma experiência universal, compartilhada por todos os seres humanos, independentemente de sua idade, origem ou contexto social.

Levando em consideração o contexto histórico, social e político da época em que foram escritos, os poemas de "O amor natural" são uma expressão de resistência e quebra de tabus. Drummond, ao escrevê-los, desafiou as normas sociais conservadoras e reivindicou o direito de explorar a temática erótica na literatura brasileira.

Em termos geográficos e antropológicos, o livro não aborda especificamente essas questões. No entanto, a universalidade dos temas e emoções explorados por Drummond tornam a obra relevantes para qualquer cultura ou contexto.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902, e foi um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX. Sua escrita se destacava pela simplicidade e profundidade, retratando temas universais sobre a existência humana, muitas vezes utilizando-se de uma linguagem coloquial. Entre suas obras mais conhecidas estão "Sentimento do Mundo" e "A Rosa do Povo".

Comparando "O amor natural" com outras obras de Drummond, podemos destacar uma constante na sua escrita: a introspecção. O autor tinha um talento único para explorar as complexidades da alma humana e revelar suas inquietações em sua poesia. Embora "O amor natural" seja único em sua temática e abordagem, ele reflete a sensibilidade característica do autor e sua capacidade de provocar emoções e reflexões profundas.

Em relação à crítica das informações coletadas, é necessário ressaltar que a abordagem histórica, social, política, geográfica e antropológica acerca do enredo de "O amor natural" é sutil. Embora o contexto histórico da época tenha influenciado a decisão de Drummond de não publicar esses poemas em sua vida, o livro em si foca principalmente nas emoções e nas experiências humanas universais, deixando de lado aspectos mais específicos dessas áreas.

No entanto, é importante ter em mente que cada leitor pode interpretar a obra de forma diferente e encontrar suas próprias conexões com os temas e simbolismos presentes em "O amor natural". Afinal, a poesia de Drummond é uma experiência pessoal e subjetiva, que nos convida a buscar significado e compreensão dentro de nós mesmos.

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