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[RESENHA #563] Dezessete anos, de Colombe Schneck


APRESENTAÇÃO

Em Dezessete anos, Colombe Schneck estabelece um diálogo direto com a escritora Annie Ernaux, Prêmio Nobel de Literatura. A ideia do livro surge como resposta ao que Schneck descreve como uma espécie de convocação de sua antecessora: “Senti como se ela se dirigisse a mim. Eu precisava contar o ocorrido naquela primavera de 1984”. Era preciso falar sobre a experiência do aborto, um dos atos mais frequentes e, também, mais secretos na história das mulheres. Assim, tal obra, agora no Brasil, traz uma importante contribuição a respeito desse tema tabu, sobre o qual tão pouco se falou na literatura e que envolve interditos ligados ao corpo da mulher.

RESENHA


O livro de Columbe Schneck é um relato difícil de ler de uma mulher no auge de seus dezessete anos que descobre o prazer e a perda do controle das ações. Ela era jovem, sentia-se, de alguma forma, presa, ela precisava descobrir-se livre de amarras e obrigações e sentimentos ociosos, queria desvendar o poder do sexo, da liberdade sexual e do poder de controlar o que poderia ou não experienciar. Seus pais, médicos, estavam apostos, presentes em alguns momentos, mas não em todos. Ela tinha dezessete anos e toda inocência de uma criança ou de alguém em tal período, ela sabia que era livre e feliz, mas ela queria uma confirmação.

A narrativa segue em forma de diário, ainda que não tendo datas ou marcações, a escrita mostra-se descontinuada, entre um trecho e outro, a autora aborda os sentimentos naquele momento, o que estava sentindo ou pensando. A procura pela liberdade sexual lhe custou tudo o que sempre sentiu: conforto e segurança. Após começar a sair com seu colega de sala, Vincente, ela decide ir mais a fundo, encontrá-lo sozinha, dormir em sua casa. Ele, de igual idade, possui toda liberdade que os pais dão a um garoto, o que é incomum para as meninas, talvez isso explique a busca pelo sentimento de liberdade da autora naquela ocasião. Ali, naquela cama de solteiro, de um garoto de dezessete anos, ela cria uma narrativa para que tudo flua bem, na cabeça dele, era era experiente, e apesar de não ser, foi o caminho adotado em sua narrativa para gerar confiança mútua, afinal, não se sabia se o grau de experiência de ambos era o mesmo.

O corpo era quente, os toques suaves e os movimentos sinfônicos, estava tudo ali...perfeito, a liberdade de poder escolher e vivenciar gritava por seus corpos. Aconteceu. FIM, era o fim, pelo menos naquele momento. A partir da escolha e do prazer, ela encontra-se desolada após um período, ela sabia que estava grávida, e todo abandono que ela jamais sentira, lhe toma conta do corpo. Ela não pode contar com os pais, o que eles pensariam sobre ela? O que ela estava sentindo naquele momento? era comum? Era um período difícil, e ela buscava algum tipo de refúgio, foi ai, que ela encontrou na literatura um amparo, alguém que havia sentido e passado por tudo o que ela passou: Annie Ernaux, em sua obra o acontecimento, onde ela descreve sua própria experiência com o aborto ilegal na França naquele período, o aborto, não é um tema lindo de ser, não é floreado e muito menos mágico, é o oposto disso. Ninguém em nenhum lugar, ainda que legal em alguns países, descreve sobre o processo e as dores sofridas e decorrentes do aborto, mas Ernaux descreveu...sua obra, na época, não teve grande repercussão, mas falou diretamente com ela... Seus sentimentos, tristezas e dores eram assim: palpáveis, era pele com pele e o desespero era o mesmo.

Era como se, nas palavras da autora, tivesse sido expulsa de seu mundo (p.28).  A culpa pesa ainda mais quando ela passa a refletir sobre o período histórico ao qual ela se encontra, afinal, tudo o que era pior já havia passado: guerras, luta por direitos, problemas civis, dentre outros. Então, porquê se sentir daquela forma naquele período? O que doía mais naquele momento?

Entro num mundo distinto, um mundo coercitivo no qual não se trata mais de fazer dever de casa, ver filmes, convidar ou não certas amigas. Trata-se de vida e de morte, da minha vida, do meu futuro, da minha liberdade, daquilo o que acontece no meu corpo e que pode ser a vida ou nada, e pelo qual sou responsável (p.28)

O livro é uma dor autodeclarada. A autora narra períodos difíceis, e podemos notar que, não cabe à nós julgar. Ela estava sozinha por diversos motivos, e os que mais doíam eram aqueles que a faziam ver que a culpa era toda sua, a escolha, sua liberdade e as consequências. Mas ela prossegue. Sua vida é o rastro do que sobrou naquele momento, todo processo, dor e acompanhamento médico são motivos de sobra para serem perseguidas, afinal, o que devemos sentir ao buscar ajuda e ouvir de um médico que interromper uma gravidez era uma atitude séria, impensada e que devesse ser pensada muito antes de concretizada? Alguém em busca de ajuda não deve ser julgada, pelo menos não com todo emocional fragilizado.

A obra de Colombe Schneck é isso: dor e crescimento. Uma obra escrita para reflexão interna e externa dos leitores, um exercício de compaixão. Não cabe à nós olhar com indiferença, apenas entender.

Dolorido do começo ao fim, um caminho repleto de dores e tristezas e insegurança. Uma obra de extrema importância e relevância. Dolorido como tem que ser.

A AUTORA

✨ Colombe Schneck, nascida em 9 de junho de 1966 na França, é escritora, jornalista e diretora de documentários. Autora de onze livros, de ficção e não ficção, recebeu prêmios da Académie Française, da Madame Figaro e da Society of French Writers, além de ter sido finalista dos prêmios Renaudot, Femina e Interallié. Seu trabalho foi traduzido para oito idiomas ao redor do mundo.

Bolsista da Villa Medicis de Roma e do Institut Français, além de uma bolsa Stendhal que permite que escritores franceses façam pesquisas e escrevam no exterior, ela também passou quinze anos como locutora do Canal Plus, France TV e Radio France.

Com uma obra de forte teor autobiográfico, plena de narrativas de filiação, relatos de infância, autoficções e romances autobiográficos, seu livro “Dezessete anos” foi lançado na França em 2015 e é o primeiro livro de Schneck a ser publicado no Brasil.

Trata-se da curta, densa e sóbria história de seu aborto, aos dezessete anos, a um mês de se formar no ensino médio. Um acontecimento nem banal nem dramático: nunca esquecido.

✍🏼 “E eis que aqui estou, aos dezessete anos, grávida, como tantas outras moças, como Annie Ernaux, filha de um pequeno comerciante de Yvetot, em 1964, como Marie-Claire, a adolescente de Bobigny, julgada em 1972. Fui atingida pela minha condição feminina, não sou mais aquela que se esquiva escrevendo a biografia de Napoleão, lendo cinco vezes seguidas a autobiografia de Lauren Bacall durante o verão dos meus onze anos.”

📚 O livro foi traduzido por Isadora Pontes e Laura Campos.

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