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ANÁLISE: A alma encantadora das ruas

 

João do Rio (1881-1921), pseudônimo de Paulo Barreto, transformou a crônica jornalística em uma janela pela qual observava as glórias e as misérias do Brasil republicano. Em sua obra A Alma Encantadora das Ruas, composta por textos publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907, ele percorre as ruas do Rio de Janeiro para capturar a cosmópolis em um caleidoscópio. Nessa época, a cidade passava por uma rápida transformação, deixando de ser uma capital sonolenta para se tornar uma ambiciosa metrópole. João do Rio, um dândi que encontrava sua essência no hábito de flanar, explorou essas mudanças. Seus textos eram permeados por reminiscências decadentistas, mas seu olhar estava voltado para o presente e os tempos modernos.

João do Rio, cujo pseudônimo literário era esse, nasceu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1881 e faleceu na mesma cidade em 23 de junho de 1921. Ele iniciou sua carreira na imprensa aos 16 anos e se destacou como o primeiro jornalista brasileiro a adotar a abordagem moderna de reportagem. Suas grandes reportagens, como “As Religiões no Rio” e o inquérito “Momento Literário”, foram muito bem-sucedidas no Rio e em todo o Brasil. Esses trabalhos, especialmente o segundo, são fontes valiosas sobre o movimento literário do final do século XIX no Brasil. Além disso, João do Rio foi um renomado cronista e o pioneiro da crônica social moderna. Como teatrólogo, sua peça A Bela Madame também obteve grande êxito.

João do Rio (1881-1921), pseudônimo de Paulo Barreto, fez da crônica jornalística uma janela pela qual contemplava as glórias e as misérias do Brasil republicano. Sua obra A Alma Encantadora das Ruas, publicada em 1908, é composta por crônicas que revelam, de forma sensível, um aspecto psicológico e obsessivo. Os textos de João do Rio primam por uma referência emocional ao descrever a realidade observada, investigada e descoberta por ele como repórter jornalístico. Ele expõe o que vê com fortes tintas emotivas, demonstrando sentimentos que variam da docilidade à náusea.

Em sua crônica intitulada “A Rua”, João do Rio declara seu amor pelas ruas. Ele define a rua metalinguisticamente, utilizando conceitos dicionarizados e poéticos, mas acrescenta que ela é mais do que esses conceitos apontam. Para João do Rio, as ruas têm alma, são entidades vivas que pensam, têm ideias, filosofia e religião. Ele considera a rua como a civilização da estrada, moldando o indivíduo. Existe uma estética da rua, uma psicologia de construção e alinhamento. No entanto, ele adverte o leitor que compreender plenamente a rua requer ter um espírito vagabundo e praticar a arte de flanar, especialmente porque “a alma da rua só é inteiramente sensível a horas tardias”. O cronista conclui afirmando que é impossível evitar a rua, pois ela é interminável, universal e possivelmente sobreviverá ao próprio universo em trevas.

Outra crônica relevante é “O Que Se Vê nas Ruas”, na qual João do Rio aborda pequenas profissões. O cigano, vendedor ambulante de calças e anéis, é retratado como uma “ave de rapina”, enquanto o possível comprador é a “vítima”. Além disso, o Rio apresenta outras “pequenas profissões exóticas, produto da miséria”, como trapeiros sabidos, apanha-rótulos, selistas, ledoras de sorte, ratoeiros, caçadores e marcadores (fazem tatuagens). Esses trabalhadores são apresentados por meio do diálogo entre Eduardo e o narrador. Eduardo, de certa forma, humaniza os malandros, pois para ele “a moral é uma questão de ponto de vista”. Essa crônica revela uma crítica social importante.

Os Tatuadores

Nesta crônica, a crítica aos aspectos socioeconômicos se evidencia. O narrador aborda um encontro entre um menino tatuador e um rapaz, apresentando a definição da palavra “tatuagem” e explorando seus significados em diferentes culturas. Em seguida, ele descreve três casos de tatuagens no Rio de Janeiro: as dos negros (associadas ao fetiche e ao crucificado), as dos turcos religiosos (com iniciais, corações e símbolos sagrados) e as das meretrizes e da classe baixa (com desenhos variados, como sereias, letras, cobras e até Cristo). O narrador acompanha o chefe dos tatuadores, Madruga, durante três meses, observando tatuadores e tatuados. Soldados, marinheiros, vagabundos, criminosos, prostitutas e portugueses são tatuados por diferentes motivos, seja por beleza ou significado. As tatuagens são feitas em várias partes do corpo, incluindo costas, pernas, braços e mãos, e até mesmo no peito, com figuras sagradas. Existem tatuagens religiosas, de amor, com nomes, de vingança, de desprezo, relacionadas à profissão, à beleza, à raça e até mesmo tatuagens obscenas. Após muita observação, o narrador conclui que ser tatuador pode ser mais interessante do que ser um amanuense de secretaria.

Orações

Nesta crônica, a crítica está no âmbito religioso. O narrador explora a diversidade de orações presentes na vida cotidiana. Há orações para curar todos os males, até mesmo para santos inexistentes segundo o Papa. As orações acompanham o homem desde o nascimento até a morte. Podem ser dirigidas diretamente a Deus, aos santos ou a Deus por meio dos santos. Existem orações para proteger contra trovões e raios, para salvar ou para causar a morte, para o bem e para remediar o mal, para pedir e para agradecer. Algumas orações até apresentam concordância pronominal incorreta. Essas preces tornam os vendedores supersticiosos.

Os Urubus

Por meio de um informante, o narrador descobre uma classe de pessoas que vive às custas da dor e do sofrimento alheio, especialmente relacionados ao luto. Esses indivíduos são conhecidos como “urubus”. Eles oferecem serviços funerários e atuam de forma organizada, acompanhando casos graves e mortes súbitas nos hospitais. Além disso, há “reporters” que anotam detalhes sobre esses eventos. Essa crônica revela uma visão crítica dessa atividade e sua estrutura bem definida.

Visões d’Ópio

Nesta crônica, um amigo informa ao narrador que o vício do ópio é ainda mais triste do que o vício do éter. O narrador é conduzido por uma jornada entre a rua da Misericórdia e a rua D. Manuel, onde, casa por casa, os dependentes de ópio, conhecidos como “chins”, são apresentados em graus crescentes de sua ligação com a droga. O quadro final é sombrio e provoca náuseas no visitante inexperiente.

Músicos Ambulantes

Os músicos ambulantes surgem periodicamente na cidade, em bandos. O Rio de Janeiro é essencialmente musical, e a música, considerada divina, comove as almas. Alguns músicos morrem na pobreza, enquanto outros enriquecem, mas levam uma vida quase lamentável. Entre os instrumentos, encontramos pianos e realejos, e há também os compositores de modinhas.

Velhos Cocheiros

O narrador é levado ao passado por Braga, que relembra sua história como cocheiro. Braga conduziu barões, ministros e outras autoridades, mas nunca enriqueceu. Essa nostalgia remete à monarquia e aos tipos finos e bem trajados da época. No entanto, o cocheiro mais antigo da cidade é Bamba.

Presépios

Os presépios espalhados pela cidade revelam o aspecto religioso. No centro pastoril, o narrador relembra Gil Vicente ao assistir a um Reisado em três atos. Os motivos para fazer um presépio variam desde promessas até simples desejos, e neles se misturam o religioso e o profano.

Como se Ouve a Missa do Galo

A missa do galo não tem hora para começar nem para acabar. Seja na Igreja de Santana ou na Catedral, uma multidão se aglomera para ouvi-la. Homens, mulheres, artistas e crianças pisam nos pés uns dos outros. Alguns gostam, outros se entediam. Ao sair desses lugares em direção a Copacabana, percebe-se que a situação não é diferente; entrar na Igrejinha é uma luta. No entanto, das dez mil pessoas que assistem, apenas uma realmente adora a Deus.

Cordões

Nesta crônica, o autor descreve o carnaval nas ruas do Rio. No Ouvidor, era impossível andar, e a cada esquina surgia o abre-alas. Alguns, como o narrador, fogem dos cordões, enquanto para outras pessoas, eles representam a própria vida.

Quatro aspectos da Miséria

Neste conjunto de crônicas, João do Rio explora diferentes facetas da miséria no Rio de Janeiro.

  1. As Mariposas do Luxo: No crepúsculo, quando as mulheres operárias saem do trabalho e passam pela rua do Ouvidor, os contrastes sociais se tornam evidentes. Essas mulheres pobres, sonhadoras e curiosas observam os objetos de luxo nas vitrines, como mariposas atraídas pela luz.

  2. Os Trabalhadores de Estiva: Às cinco horas da manhã, o apito da máquina marca o início da vida dos trabalhadores. Homens musculosos, muitas vezes desiludidos e angustiados, realizam trabalhos braçais nos armazéns do cais e nos navios. Lutam por valorização e dignidade no trabalho árduo.

  3. A Fome Negra: Na Ilha da Conceição, onde há um grande depósito de manganês, o autor relata a vida dos trabalhadores das minas. Espanhóis e portugueses, ignorando o Rio, vivem quase nus. São vistos como autômatos, mas suas forças são abaladas por soluços de dor.

  4. Sono Calmo: O narrador é convidado por um delegado para visitar os círculos infernais do Rio. À noite, começa uma caça aos pivetes. Acompanhado pelo delegado e outras autoridades, ele visita uma das casas onde a pobreza da cidade dorme, no submundo miserável. Cômodo por cômodo, eles avistam pessoas deitadas em esteiras no chão, algumas nuas, outras vestidas, em um misto de sujeira, fome, pobreza e promiscuidade. O ar abafado é insuportável. Os que estão ali apresentam um doloroso espetáculo causado pela falta de sorte, mas, segundo o delegado, entre eles há gatunos, assassinos e outros seres repugnantes. A situação nos fundos é ainda pior: os pobres mendigos dormem ao redor das latrinas. O título é uma ironia em relação à realidade vivida pelos pobres e abandonados enquanto dormem.

Onde Às Vezes Termina a Rua

Neste conjunto de crônicas, João do Rio explora diferentes aspectos da vida nos subterrâneos do Rio de Janeiro.

  1. Crimes de Amor: O narrador, seguindo a sugestão do capitão Meira, entrevista detentos, focando nos assassinos por amor. Esses crimes são os mais confessáveis e normalmente não trazem o tom de afronta. Os próprios criminosos narram suas histórias, como o da Estrada Real, o do Catete, o do jovem de dezoito anos e o de Herculana.

  2. A Galeria Superior: Habitada por uma aglomeração de presos hostis e com uma promiscuidade enojante, a galeria superior revela o sistema penitenciário do Rio no início do século. Um lugar sujo e apertado, onde diferentes pessoas e crimes se igualam, tornando todos piores. A polícia é desorganizada e acusatória.

  3. O Dia das Visitas: O relato da ansiedade dos presos à espera do dia das visitas e do desespero e angústia dos visitantes que aguardam receber um cartão de entrada. O tumulto nos corredores, as frases, os gritos e as pragas criam uma atmosfera caótica. A única visita que realmente conforta e é respeitada é a da Irmã Paula.

  4. Versos de Presos: O narrador coleciona versos de poetas detentos, criando um cancioneiro de cadeia. Há poesias de todos os gêneros, textos fúnebres, sensuais e muitos poemas de amor. Os poetas variam de plagiários a simbolistas, heróicos e patriotas, assinando seus textos com iniciais e seus nomes entre parênteses.

A Musa das Ruas

Nesta crônica, o autor celebra a musa inspiradora que habita as ruas da cidade. Essa musa urbana, atemporal e onipresente, levou poetas de todo o país a cantar a vida. Ela gerou poesias, modinhas e seduziu damas de variadas origens. Criticou reis, servos e religiosos. Os grandes poetas podem ser parnasianos ou simbolistas, mas nas ruas surgem bardos ocasionais, satíricos e apaixonados. A musa tem seus críticos, mas seus versos se espalham, decorados, em todos os lugares, até mesmo nos bares. Para a musa, basta o fato do dia, a paixão e o violão. Ela é patriota e não revela seus ódios aos de fora. Sua poesia é irônica, lírica, desconsolada, triste, zangada, idílica, amorosa, descritiva, trocista e idealista. A musa é vagabunda, livre e eternamente inspiradora.

[RESENHA #485] O barão nas árvores, de Italo Calvino

CALVINO, Italo. O barão nas árvores. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.

O Barão das Árvores de Italo Calvino, traduzido por Nilson Moulin, é um livro simples, fácil e gostoso de ler. Tem também uma resenha musical do grupo Cordel do Fogo Encantado - trata-se da música O listech (também conhecida como O barão das árvores) do terceiro e último álbum Transfiguração. Como diz a canção:

“Contarei a história do barão

Que comia na mesa com seu pai

Era herdeiro primeiro dos currais

Mas gritou num jantar

‘Não quero nada!’

Nesse dia subiu num grande galho

Nunca mais o barão pisou na terra”

A diferença é que no livro Cosme é o herdeiro do Barão de Rondo. O pai era um fidalgo que aspirava a títulos mais elevados, como duque, e por isso fazia questão da etiqueta dos filhos (além de Cosmo, havia Biagio, o irmão mais novo, e Batista, a irmã maluca que gostava de caçar caracóis, ratos e nojentos animais), sempre com a esperança de ser convidado para uma festa ou outro grande evento para promover uma possível candidatura ao ducado. A mãe era chamada de general porque suas preocupações eram de natureza militar.

Por pressão familiar, principalmente do pai, e caprichos da irmã, Cosme decide não comer a sopa de caracóis preparada por Batista no almoço:

“Recordo (a história toda é narrada pelo irmão Biágio) que soprava vento do mar e mexiam-se as folhas. Cosme disse: ‘Já falei que não quero e não quero!’, e afastou o prato de escargots. Nunca tínhamos visto desobediência tão grave” (p. 7).

O episódio ocorreu em 15 de junho de 1767. Naquele dia, antes que o pai o chutasse da mesa, enquanto o irmão comia a nojenta sopa de caracóis de medo, Cosme já havia deixado o almoço e subido em uma árvore do jardim. No mesmo dia, pôde perceber o que se escondia atrás dos muros da fazenda de seu pai, como o jardim Rodargem, os vizinhos e inimigos da família Rondo.


Espiando por entre os galhos, Cosme observa a menina no balanço de Viola e, brincando, diz a ela que ela nunca mais tocará o chão, enquanto ela duvida. No entanto, ele levou isso tão a sério que nunca mais pôs os pés no chão. Desde então, Cosme de Rondo vive nas copas das árvores. Lá ele fazia de tudo: tinha que aprender novos hábitos, como andar de galho em galho, dormir sem cama, fazer as necessidades sem vala, etc...

Cosme viveu assim, independente da vida normal cheia de deveres que todos levavam, conseguiu dedicar-se a várias coisas, mas a mais interessante de todas foi como adquiriu o gosto pela leitura. Um certo bandido João do Mato apresentou-o aos livros; Quer dizer, ele adorava ler, e um dia, num impulso inesperado, jogou uma corda para um bandido subir em uma árvore para escapar dos guardas, deu alguns livros para o terrível João do Mato, que se apaixonou pela leitura. Pediu então livros a Cosmo, cada vez em maior número, a ponto de o herói ter de estabelecer uma correspondência contínua com um livreiro da região, que lhe arranjava os livros mais importantes da época.

João do Mato tornou-se um leitor voraz e exigente: não queria qualquer romance, queria bons romances, bons livros filosóficos, etc. Também aí Cosme começou a ler um livro após o outro. Chegou a estabelecer correspondência com Voltaire, Rousseau e Diderot.

Aqui entra a parte interessante e divertida do livro, quando Italo Calvino começa a brincar com as ideias desses importantes filósofos do século XVIII. Um episódio engraçado ocorre no capítulo 19, com o fim do romance de Cosme e Úrsula, quando, para esquecer a dor que sentiu durante a separação, decidiu dedicar-se aos estudos:

"Na convalescença, imóvel numa nogueira, acalmou-se nos seus estudos mais exigentes. Nessa época, começou a escrever O Projeto de Constituição de um Estado Ideal Baseado na Copa das Árvores, no qual descrevia uma República da Árvore imaginária habitada por homens justos. Ele começou como um tratado sobre leis e governos, mas sua propensão para inventar histórias complicadas acabou levando a melhor sobre ele enquanto escrevia, e o resultado foi uma série de aventuras, duelos e histórias eróticas, que foram inseridas no capítulo sobre sim conjugal. O epílogo do livro deveria ter sido este: o autor que fundou o estado perfeito acima das árvores e persuadiu toda a humanidade a se estabelecer ali e viver feliz, desceu para habitar na terra deserta. Deveria ter sido, mas o trabalho permaneceu incompleto. Enviou o resumo a Diderot e assinou simplesmente: Cosme Rondo, leitor da Enciclopédia. Diderot agradeceu com um bilhete” (pp. 155-156).

A passagem continua a ser uma crítica ao uso irracional das ideias desses filósofos franceses do século XVIII. Isso significa que só quem leu a Enciclopédia pode ter a ideia de escrever tal Projeto de criação de um estado ideal baseado nas árvores, que imagina apenas os homens como habitantes, como aparecem em Rousseau e Diderot. A propósito, a ironia de Italo Calvino pode muito bem ser estendida ao primeiro, que escreve o famoso aforismo sobre o "bom selvagem", já que Cosme vivia aos olhos dos outros como um selvagem. Em muitas passagens do livro, Biagio conta como seu irmão era comparado aos índios da América, com seus hábitos selvagens de viver nas árvores e imitar os sons dos animais, caçar e comer comida fria (como Cosme conseguia esquentar alguma coisa nas árvores). . ?).

Em seguida, no capítulo 20, Biagio relata uma viagem que fez a Paris, onde foi convidado para uma festa em homenagem a Voltaire. Ele diz que sempre evitou falar quem era o irmão por causa das provocações que sofria...

“…Mas eu disse isso em voz alta quando fui convidado para uma recepção em Paris em homenagem a Voltaire. O velho filósofo estava sentado em sua cadeira, mimado por uma multidão de damas, alegre como um pássaro e travesso como um porco-espinho. Quando soube que vinha da Penúmbria, apostrofizou para mim:

– C’est chez vous, mon cher chevalier, qu’il y a ce fameux philosophe qui vit sur les arbres comme un singe? [É em sua terra, meu caro cavaleiro, que tem o famoso filósofo que vive sobre as árvores como um macaco?]

E eu, lisonjeado, não pude me conter ao lhe responder:

– C’est mon frère, monsieur, le baron de Rondeau. [É meu irmão, senhor, o barão de Rondó]

Voltaire ficou muito surpreso, talez pelo fato de que o irmão daquele fenômeno parecesse uma pessoa tão normal, e se pôs a fazer-me perguntas, como:

– Mais c’est pour approcher du ciel, que votre frère reste là-haut? [Mas é para se aproximar do céu, que seu irmão fica lá no alto?]

– Meu irmão afirma – respondi – que aquele que pretende observar bem a terra deve manter a necessária distância. – E Voltaire apreciou muito a resposta.

– Jadis, c’était seulement la Nature qui créait des phénomènes vivants – concluiu –; maintenant c’est la Raison. [Antes, era somente a Natureza quem criava fenômenos vivos; agora é a Razão] – E o velho sábio mergulhou de novo na conversa das suas hipócritas teístas” (pp. 157-158).

O episódio brinca com as recepções realizadas nos palácios parisienses, frequentemente frequentadas por figuras como Voltaire. Houve leituras de obras, interpretações de peças musicais e teatrais, cortejo de moças e muita comida e bebida. Mesmo nesses lugares as idéias mais recentes foram discutidas, como Voltaire faz nesta passagem, quando faz uma pequena observação sobre a criação da Razão, que substitui a Natureza. Aqui vale lembrar a ideia de que uma pessoa nasce no século XVIII (essa ideia é de Michel Foucault e está em Les mots et les choice [Palavras e Coisas]), ou seja, é nesse momento que um ser vê a si mesmo como pessoa, como um ser diferente dos outros seres, ou seja, dotado de Razão (é uma ideia que surge já naquele período do Renascimento, na Itália, mas permanece pouco desenvolvida até o Iluminismo).

Depois houve episódios da Revolução Francesa, que o barão das árvores decidiu apoiar. Ele conhece os soldados de Napoleão e depois os soldados russos, que seguiram os passos do exército ocidental derrotado pelo frio da Rússia e recuaram.

Cosimo passou por outras aventuras como combate a piratas e incêndios. Foi declarado bobo e filósofo... Também se apaixonou, mas só quem já leu o livro saberá dessa parte, pois uma das partes mais tocantes não pode faltar nessa simples resenha.

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