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Resenha: Doze dias, de Tiago Feijó

Imagem: Arte digital /Divulgação

APRESENTAÇÃO

Um pai e um filho que não se veem há quinze anos, separados por uma indiferença mútua e persistente, rompida apenas uma vez a cada ano, quando o pai telefona ao filho para felicitá-lo pelo seu aniversário. Mas o acaso tratará de pôr fim a este frio afastamento. Certa manhã, o senhor Raul acorda com uma estranha dor que o impede de se levantar da cama; sozinho e abandonado, não lhe resta outra alternativa senão ligar para o filho e lhe pedir ajuda. Antônio viaja duzentos quilômetros com o intuito de levar o pai ao hospital e retornar à mesmice de sua vida, mas o desenrolar dos fatos o mantém por doze dias no hospital, como único acompanhante do doente, na saga em que se transformará a enfermidade inesperada daquele seu desditoso progenitor. Nas palavras do narrador, “doze dias encavalados neste único e enormíssimo dia”. Neste romance de desbravamento dos medos e das dores do outro, estes dois personagens, durante os doze dias que permanecerão juntos, terão a derradeira oportunidade de se conhecerem a si mesmos e de se perdoarem um ao outro, numa jornada em busca do tempo perdido. A desconstrução do enredo, que salta de capítulo em capítulo para dias aleatórios, salienta e expõe o labirinto afetivo do qual somos todos feitos. Ao fim deste torvelinho varado em doze dias, nem o perdão nem a vingança estarão acima do milagre da aceitação do outro.

RESENHA

Imagem: Tiago Feijó / Ed. Penalux / Reprodução

Antônio, professor de língua portuguesa, estava planejando seus dias e aulas quando recebeu um pedido inusitado do pai por telefone: a urgência e incapacidade de se locomover devido a uma forte dor abdominal provocada por uma hemorroida. Ele pensa, relutante, e deixa um bilhete avisando para a mãe sobre sua viagem em auxílio ao pai adoentado, o que traz à tona inúmeras lembranças de sua infância no interior, em uma casa repleta de anotações de seu crescimento e desenvolvimento. Ele, por horas, transita entre os cômodos, relembrando todo o ar de nostalgia provocado pela casa, sem se dar conta de que aquela decisão mudaria os rumos de sua vida e de seu relacionamento com seu pai para sempre.

Antônio dorme exausto na poltrona de um quarto hospitalar enquanto seu pai, senhor Raul, acorda atormentado pela dor e tenta sair da cama, removendo os equipamentos médicos. Determinado a levantar-se, Raul enfrenta dificuldades devido à sua fraqueza, mas consegue pôr-se de pé, apenas para perceber sua vulnerabilidade. Ele chama por Antônio, que acorda confuso e tenta ajudar o pai, mas rapidamente compreende a gravidade da situação. Apesar dos esforços de Raul para convencer o filho de que estão liberados do hospital, Antônio chama as enfermeiras. Três delas vêm em socorro, mas Raul resiste, implorando para não ser amarrado. Antônio, desolado e sem saber como ajudar, acaba afastando-se e liga para pedir ajuda, mas não consegue verbalizar sua angústia, que culmina em um choro incontido e desesperado. A narrativa deixa clara a impotência e o sofrimento de ambos, resultando na intervenção das enfermeiras para cuidar de Raul e a desesperança de Antônio, que fica desolado no corredor do hospital. Em primeira instância, podemos perceber que Antônio se encontra arrependido da viagem, até revelando sua surpresa e insatisfação com sua mãe ao telefone, uma vez que seu pai jamais mantivera contato por quinze anos, exceto, claro, pela casualidade de um telefonema nos aniversários.

Os dias passam e Antônio vê seu pai cada vez mais debilitado, sofrendo de um quadro de fístula perianal com um abscesso rompido, agravado por cirrose e diabetes, o que complica o procedimento cirúrgico e torna os planos de retornar à sua cidade cada vez mais distantes. Apesar de tudo, é nítida a preocupação do filho com o quadro clínico do pai. Quando o pai, senhor Raul, acorda, ele e Antônio têm uma conversa breve e fria, marcando a distância emocional entre os dois. O pai pergunta sobre a casa e se Antônio regou as plantas, enquanto Antônio, cumprindo suas tarefas, mostra-se distante e relutante em expressar afeto. O relato termina com os dois presos em um silêncio incômodo, com Antônio questionando sobre as coisas da casa do pai e o pai, sem responder, bebendo água para evitar qualquer diálogo.

Antônio e seu pai, Raul, passam uma noite desconfortável e abafada em uma sala de espera no hospital, enquanto aguardam pelo atendimento de Raul, que está em condição grave. Após uma noite cheia de idas ao banheiro e preocupações, Antônio acorda na manhã seguinte cansado e sem paciência, vagando pela praça em frente ao hospital e tentando ler sem sucesso. Ao retornar, descobre que o pai foi levado para exames. Antônio aguarda ansioso até que os enfermeiros chegam para transferir seu pai para a clínica cirúrgica. No novo quarto, encontram o senhor Francisco e sua esposa, Teresa, surpreendentemente recuperados e cheios de vida, causando sentimentos mistos em Antônio e seu pai. Enquanto para Antônio isso traz uma sensação de esperança, para Raul, a recuperação de Francisco parece um mau presságio. Pouco depois, Raul é chamado para a cirurgia e, após um aperto de mão com o filho, é levado. O doutor José Pedro fala com Antônio no corredor, mas Teresa, sentindo um pressentimento ruim, observa inquieta. Quando Antônio retorna, seu rosto revela que há más notícias, confirmando os temores de Teresa.
 
Enquanto reflete sobre o passado e a figura paterna, Raul reconhece que não foi um bom pai, mas pede novamente para Antônio regar as plantas, alegando que elas precisam viver. Antônio quase cede à proposta, mas se dá conta da manipulação. Raul sugere que, se necessário, chamaria a irmã de Antônio, Alice, para cuidar dele, o que irrita ainda mais Antônio, já que Alice não está presente. A história segue abordando temas profundos como negligência, ressentimento e a busca pela redenção, além de explorar as dinâmicas familiares complicadas em tempos de doença e sofrimento.

Raul então começa a se questionar sobre o motivo de nunca ter conseguido construir um amor duradouro e se entrega a lembranças dolorosas, especialmente de um caso com a amiga de Noemi, que levou ao fim de seu casamento. Agora, ele se vê dominado por um sentimento de arrependimento e saudade do que nunca viveu. Os momentos finais da partida de Francisco e Teresa são marcados por despedidas afetuosas e palavras de fé. Após a saída do casal, Raul e seu filho Antônio sentem um vazio profundo. Raul enfrenta um misto de agonia e raiva ao saber da visita de familiares no domingo, demonstrando seu rancor e resistência a qualquer forma de reconciliação ou compaixão. Este dilema moral e emocional é exacerbado pelo estado deteriorado de Raul, tanto físico quanto mental. Raul, em meio a delírios, acredita que Antônio quer se vingar por falhas passadas e insiste que ele traga sua irmã, Alice, para uma última visita. Ao tentar processar esses acontecimentos, Antônio é assaltado por sentimentos conflitantes de culpa e compaixão. No final, Raul confunde uma enfermeira com Alice e, mesmo delirante, continua suplicando por um copo d'água. A narrativa explora o tema do desespero humano frente à impotência e à inexorabilidade da morte.

Na improvisada UTI onde Antônio e seu pai, Raul, estão há quase três dias, a primeira luz do dia surge. Raul, atento ao que deixará após a morte, lamenta sua herança insignificante – bares, amigos, contas, amores perdidos, objetos triviais e memórias dolorosas. Ele questiona Antônio sobre o que deixará de lembrança, refletindo sobre seus erros e acertos. Em um gesto de vulnerabilidade, Raul revela uma grave deformidade física. Desesperado, pede a Antônio que lhe prometa não deixá-lo morrer no hospital, mas sim levá-lo de volta para seus locais de vida, como a praça, a rua ou o bar. Antônio, atordoado, faz a promessa, embora saiba que é impraticável cumpri-la.

A história segue girando em torno de um Natal melancólico vivido em uma cidade interiorana, onde as ruas estão cheias de pessoas comprando presentes, e as iluminadas decorações espalham uma ilusória sensação de felicidade e abundância. No entanto, o foco se volta para os irmãos Antônio e Alice e o bebê Bento, que estão em frente ao hospital onde o pai adoece gravemente na UTI. Alice faz a primeira visita ao pai, levando uma carta e sapatinhos de lã que nunca serão usados. Ela se emociona, mas mantém o choro silencioso para não incomodar o pai. Posteriormente, é a vez de Antônio, que inicialmente hesita, mas depois de entrar e ver seu pai, sente uma compaixão universal. Ele também deixa um talismã com o pai e se despede em silêncio. Ao retornarem e observarem a movimentação natalina e a chegada de uma jardineira decorada como trenó de Papai Noel, os irmãos se consolam, conscientes da proximidade da morte do pai. Alice sugere que voltem para casa. Antônio, após levar a irmã e o sobrinho para casa, decide passar a noite na casa da infância, refletindo sobre as sombras e os silêncios deixados pela ausência do pai, antes de cair em um sono exausto e profundo.

A história se finaliza com um enredo repleto de nostalgia. A atmosfera evocada pelo personagem-protagonista é de missão cumprida, saudade, tristeza e satisfação em concluir os últimos desejos do pai. A história criada por Feijó é um misto de emoções entre idas e vindas das memórias e lembranças de uma vida tortuosa vivida por uma família distante emocionalmente, com fortes tendências narcisistas do pai, o que o afastou de seus filhos. A iniciativa do pai em buscar uma redenção por meio do perdão dos filhos é uma válvula forte que revela que estamos sempre prontos para ir, mas sempre receosos sobre nosso legado, no caso, a ausência de afetividade familiar. Os momentos no hospital e as inúmeras visitas de amigos, parentes, filhos e netos são uma reflexão à parte, que transformam todo nosso emocional em um caminho vasto de sentimentalismo, trabalhando com proeza o sentimento de perdão evocado nas páginas. Um enredo poderoso e merecedor de diversos prêmios.

Resenha: Breve inventário de pequenas solidões, de Tiago Feijó

APRESENTAÇÃO

Depois de estrear na literatura com o livro de contos “Insolitudes” (2015), vencedor do Prêmio Ideal Clube de Literatura, e ter publicado na sequência dois romances, “Diário da casa arruinada” (2017) e “Doze dias” (2022), ambos também premiados, Tiago Feijó volta ao gênero de estreia com esta belíssima coletânea de textos curtos, pelos quais o autor busca estabelecer uma temática definida: a solidão, ou melhor, aquelas pequenas solidões às quais todos nós estamos sujeitos.  Das “insolitudes” para as solitudes, o autor mantém a mesma acuidade na escrita, o mesmo cuidado na composição primorosa das frases e dos diálogos, a mesma preocupação em permear sua prosa com achados poéticos e sutis reflexões. Pelos contos enfeixados neste novo livro, um tênue fio vai costurando as histórias, enredando o leitor em várias tramas e texturas, nas quais os personagens, sejam pessoas ou animais, são marcados por algum tipo de isolamento, de perda ou incomunicabilidade. Em outras palavras, por suas solidões, pequenas solidões. Seja o que for, uma coisa é certa: quem se aventurar nesta obra estará em ótima companhia.

RESENHA

Tiago Feijó retorna ao seu gênero inicial com uma deslumbrante coletânea de textos breves. Com ela, o autor busca criar uma temática específica: a solidão, ou mais precisamente, aquelas pequenas solidões que afetam a todos nós. Migrando das "insolitudes" para as solitudes, Tiago mantém a mesma precisão na escrita, o esmero na composição das frases e diálogos, além da constante preocupação em imbuir sua prosa com toques poéticos e reflexões sutis. Ao longo dos contos reunidos neste novo livro, um delicado fio conecta as histórias, envolvendo o leitor em diversas tramas e texturas. Seja com pessoas ou animais, os personagens enfrentam algum tipo de isolamento, perda ou falta de comunicação, manifestando suas pequenas solidões. O certo é que quem decidir explorar esta obra encontrará excelente companhia.

O conto o destino de Beethoven narra a trajetória de um pássaro conhecido cientificamente como Thraupis Ornata e popularmente como sanhaçu-rei, desde o seu nascimento na Serra do Quebra Cangalha até seu infame destino. O pássaro nasce em um ninho artesanal em uma árvore embaúba e, aos dezoito dias, lança-se para seu primeiro voo ainda com penas acinzentadas. Em busca de alimento, ele acaba caindo em uma armadilha ao tentar comer um mamão e é capturado por humanos junto com outros pássaros.

O conto solenemente narra a inquietação de Dona Quitéria, uma observadora permanente da vizinhança, ao perceber o sumiço de seu vizinho, Sr. Orvílio, e seus trinta cachorros. Inicialmente, ela estranha o silêncio absoluto vindo da casa dele, ao contrário do habitual barulho dos cães e do homem que costumava falar sozinho. Com a ajuda da vizinhança, especialmente da moça Matilda e de uma mulher chique que fornecia ração mensalmente, Dona Quitéria investiga, mas não encontra sinais do Sr. Orvílio ou de seus cães.

O conto Ele é só um menino narra um episódio da vida do protagonista, um entregador de pizzas. No começo, ele chega ao apartamento 83, onde um homem apressado pega a pizza e desaparece para buscar o pagamento. Pressionado pela demora, o entregador relutantemente entra no apartamento, que está repleto de sinais de desordem e uso de drogas. A atmosfera é tensa, com música de Mick Jagger tocando ao fundo. Enquanto o entregador aguarda, um menino mascarado de Batman e armado com um sabre de luz de brinquedo aparece e ignora-o, imerso em suas brincadeiras. O narrador reflete sobre sua vida difícil: um irmão morto em um tiroteio, uma mãe doente em casa e um trabalho mal remunerado. Ele recorda a infância com seu irmão e os problemas que enfrentaram, incluindo o envolvimento do irmão com drogas.

O condenado narra a história de um homem que, após causar um trágico acidente de carro onde duas meninas gêmeas morreram, resolve se isolar em uma velha propriedade rural. Ele chega ao sítio em uma caminhonete, tranca a porteira e estaciona seu veículo em frente à casa, que foi do seu pai. Ao olhar ao redor, ele parece absorver a natureza ao seu redor, como se estivesse se despedindo do mundo.

O conto nossos mortos descreve uma cena doméstica de uma mãe e sua filha preparando e compartilhando o almoço de domingo. A narrativa começa com a mãe cozinhando, verificando a maciez da carne assada e sentindo-se tentada pelo cheiro do tempero. A filha, enquanto isso, arruma a mesa com uma leveza quase poética, criando um ambiente de expectativa e lembrança. A filha inicia uma conversa sobre o pai falecido, lembrando como ele gostava da comida feita pela mãe e os rituais que ele tinha ao comer. A lembrança inclui o modo peculiar como ele preparava seu prato com feijão e farinha, evocando uma memória vívida e carinhosa de um hábito familiar.

O conto Dueto narra a tumultuada e trágica experiência de duas mulheres intercalada entre duas histórias de abandono, violência, e redenção através do amor e da compaixão por animais. Na primeira parte, acompanhamos uma mãe que, em uma noite de desespero, escapa de casa com os filhos e a cadela Nequinha. Papai, furioso, alega que a responsabilidade de levar a cadela é dela, chamando-a de cadela “nojenta.” Ainda presa na dor e no caos emocional, a mãe joga Nequinha para fora do carro em uma estrada solitária. A filha observa, dilacerada pela crueldade do ato e pela compreensão tardia do significado do nome Nequinha, dado pelo pai em um momento de desprezo. Na segunda parte, uma mulher dirige pela estrada e quase atropela um animal pequeno e assustado, que descobre ser uma cadelinha. Ela recolhe a cadela e decide adotá-la, chamando-a Preciosa. O leitor é levado a vivenciar o crescimento da relação entre as duas, desde seu primeiro encontro até a formação de um vínculo profundo. No entanto, Preciosa adoece gravemente de cinomose, uma doença devastadora. O conto descreve a luta desesperada da mulher para salvar a cadela, uma batalha que se mostra infrutífera. Quando Preciosa morre, a mulher, determinada a fazer sentido do sofrimento e do amor que recebeu, começa a resgatar cães abandonados, um para cada dia da luta de Preciosa, como uma forma de dizer "eu te amo" na língua dos cachorros.

Um Instante Infinito de Paz é uma narrativa que começa numa noite calma, onde um pai e sua filha compartilham um momento tranquilo até que ele percebe que ela está com febre alta. Desatento, ele dá dipirona à menina seguindo as instruções da ex-mulher. O pai prepara a filha para dormir, ligando a TV num desenho animado enquanto seus pensamentos vagam por preocupações cotidianas, incluindo a vontade de fumar e a dívida do cartão de crédito. O cenário muda drasticamente quando a menina começa a ter uma convulsão. O pai fica inicialmente paralisado pelo choque e desespero, mas, em seguida, tenta agir rapidamente. Confuso, ele luta para segurar a filha e levá-la ao hospital. A situação é de extrema urgência; enquanto correm, ele enfrenta dificuldades em abrir portas e ligar o carro, mas a adrenalina o impulsiona a seguir em frente.

O Telefonema conta a história de um homem solitário refletindo sobre a difícil tarefa de telefonar para seu irmão com quem não tem contato há anos. A narrativa revela que a família desmoronou após o pai adoecer e morrer, e o irmão mais velho abandonar a casa após um intenso conflito com a mãe por causa de um novo homem que ela trouxe para viver com eles.

O conto "A anônima Maria Auxiliadora de Jesus narra a história de Maria Auxiliadora de Jesus, desde seu nascimento no sertão brasileiro até sua vida adulta. Maria nasceu com dificuldades e foi salva por uma velha parteira. Cresceu em uma família pobre e numerosa, sendo uma criança distinta, introspectiva e imersa em contemplações da natureza. Desde cedo, Maria mostrou-se diferente, admirada pelos irmãos e pais por suas habilidades e comportamentos diversos. Seus primeiros contatos com a escola foram precários e difíceis, mas a professora Benedita Formosa foi quem a introduziu ao mundo das letras. Aprender a ler e escrever abriu novos horizontes para Maria, que descobriu a magia das palavras e sua capacidade de atravessar o tempo e o espaço.

Balada do Impossível, amor através das páginas relata a intensa conexão entre uma personagem de um romance antigo e um leitor. A protagonista, cuja narrativa é contada em primeira pessoa, descreve como foi primeiramente observada por esse leitor. Ele a lê ansiosamente, revelando os detalhes de sua aparência e caráter. A protagonista sente o desejo do leitor e, com o tempo, esta atração se transforma em uma paixão profunda e desesperada.

"Breve Inventário de Pequenas Solidões" é uma obra que reafirma Tiago Feijó como um dos grandes mestres na arte de entrelaçar narrativa e emoção. Cada conto presente na coletânea é um testemunho tocante das solitárias nuances do cotidiano, capturado com uma habilidade literária impressionante. Uma obra que cativará amantes de bons contos e boas doses de reflexão.

Resenha: Fict-Essays e contos mais leves, de Bert Jr.

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

O humor inteligente e afiado de Bert Jr. alça voo e vem a público em Fict-Essays e contos mais leves, coletânea que apresenta sete contos inéditos. Alguns mais sutis, outros mais complexos, mas sempre com uma narrativa de estilo forte, vivo e sagaz, os textos abordam situações inusitadas da vida comum, enfrentadas por personagens peculiares. Em suas próprias palavras: “Surpreendeu-me a velocidade com que o livro emergiu, trazendo à tona personagens e situações bastante diferentes entre si, como também o tom humorístico subjacente, comum a todos os contos. O resultado foi que me diverti muito no processo e agora desejo compartilhar essa sensação maravilhosa com o público”.


RESENHA

A obra fict-essays e contos mais leves, do autor Bert Jr, é um livro de contos leves publicados pela editora Labrador. O primeiro conto, Neandertala Brasiliensis, narra a história de Faberson, um jovem estudante universitário na antessala dos 20 anos de idade, viu sua vida mudar após assistir ao filme "O dia depois de amanhã" no cinema. O filme despertou nele um fascínio pela Pré-História e o levou a se envolver cada vez mais com o estudo dessa área. Seu interesse era tão grande que ele se tornou um arqueólogo e se juntou a um grupo de amigos chamado "Alphabrains" durante seus estudos na pós-graduação em Arqueologia.

O grupo, formado por Faberson, o colombiano Pablo (também conhecido como Escobar Díaz) e o californiano Peter Palmer (apelidado de Spider) compartilhou ideias, projetos e sonhos por quase cinco anos. Mesmo com conflitos e rusgas, eles se mantiveram unidos e influenciaram o desenvolvimento intelectual um do outro. Durante uma experiência com uma pastilha alucinógena, Faberson teve um sonho enigmático que despertou uma inquietação profunda nele. Esse sonho se tornou um ponto de virada em sua vida e motivou os Alphabrains a discutirem o futuro e as adaptações necessárias diante de desafios como o aquecimento global.

A narrativa é rica em detalhes, explorando não apenas o desenvolvimento acadêmico de Faberson e seus amigos, mas também as dinâmicas de grupo e as reflexões sobre a evolução humana e a adaptação a mudanças climáticas. O conto apresenta uma combinação cativante de ficção científica, elementos filosóficos e uma pitada de humor, tudo isso narrado de forma fluida e envolvente. O conto é profundo em questões como a relação entre os personagens, especialmente as  Faberson, e o impacto do sonho em sua jornada. Além disso, algumas partes da narrativa aceleram o processo narrativo do conto, o que faz com que o leitor conta-se imerso na narrativa do autor.

O conto explora de maneira interessante temas como a evolução humana, a adaptação a mudanças e a importância do trabalho em equipe. Com uma escrita envolvente e personagens cativantes, ele proporciona uma leitura instigante e reflexiva sobre o potencial humano diante de desafios futuros.

Já no conto 'VegaLight' nos apresenta a personagem Talívida Mara, uma mulher que se tornou vegana e decidiu se aprofundar nos benefícios dos alimentos para melhorar sua saúde e acelerar a queima de calorias de forma saudável. Ao descobrir as propriedades da alcachofra e do pimentão, Talívida se sente encantada e decide incluir esses vegetais em sua dieta diária durante os encontros com uma irmã gêmea onívora.

A história nos apresenta o sucesso de Talívida como autora de um livro sobre sua dieta chamada VegaLight, que mistura leveza e energia. A personagem se torna uma referência de beleza e saúde, inspirando aqueles ao seu redor a adotar uma alimentação mais saudável. O conto explora não apenas a dieta de Talívida, mas também sua rotina de exercícios e os segredos de sua beleza.

As regras simples da dieta VegaLight são apresentadas de forma clara e detalhada, tornando fácil para o leitor entender como aplicar esse regime alimentar em sua vida. As preferências pessoais de Talívida em relação aos alimentos são descritas com detalhes, mostrando seu cuidado e atenção com a escolha dos ingredientes para suas refeições.

No decorrer do conto, percebemos como Talívida se torna não apenas uma adepta da dieta VegaLight, mas também uma verdadeira influenciadora, inspirando outras pessoas a adotarem hábitos alimentares mais saudáveis. Sua imagem de beleza e saúde se torna o melhor cartão de visita para sua dieta, conquistando seguidores e admiradores tanto do sexo feminino quanto masculino.

'VegaLight' é uma história envolvente que nos faz refletir sobre a importância de uma alimentação saudável e equilibrada, mostrando como pequenas mudanças nos nossos hábitos podem trazer grandes benefícios para nossa saúde e bem-estar.É uma grande propaganda para os veganos conhecerem a mais sobre a alimentação.

O conto um tal recital narra a história de Said Cozid, um solitário e talentoso violonista que vive em um pequeno apartamento com uma varanda estreita. Said passa seus dias dedicado ao violão, preparando um repertório e uma peça autoral para um recital em sua varanda, que ele chama de "audição varandística".

O autor nos leva a mergulhar nos pensamentos e dilemas de Said, que se preocupa não só com a qualidade técnica e interpretativa de suas peças, mas também com aspectos como a estrutura do repertório, o estilo de interpretação, e até mesmo a possibilidade de quebrar o violão no final do recital para um efeito dramático.

A narrativa nos mostra o processo criativo e a paixão de Said pela música, enquanto ele trabalha no desenvolvimento de sua própria composição, "Varandeana", com a intenção de impressionar o público e a crítica especializada.

O conto é marcado por detalhes minuciosos sobre a música, os desafios enfrentados por um músico em busca da perfeição e da originalidade, bem como a busca por uma identidade musical própria. Com uma escrita fluida e envolvente, o autor nos conduz pelo universo íntimo de Said Cozid, um personagem complexo e fascinante que encontra na música não só uma paixão, mas também um caminho para se expressar e se destacar no cenário artístico.

Já no conto 'sincronicidade', mergulha nas complexidades da psicossociologia, explorando a formação e o funcionamento das bolhas megaegogênicas e as relações de poder subjacentes à sociedade. O autor, Dr. Raul Reis, apresenta o conceito de megaego como um ente que acumula poder, mas que, devido a traços ultranarcísicos, tende a perdê-lo por não saber lidar com as imperfeições dos outros e com uma ordem que não depende apenas dele para subsistir.

Ao longo do conto, o autor discute a importância da identificação conarcísica, que ocorre entre os megaegos e que contribui para a estabilidade das relações de poder. Ele também apresenta a ideia de conexões conarcísicas secundárias, as quais podem ser estabelecidas por indivíduos comuns, projeta uma imagem idealizada de si mesmos nos megaegos.

Dr. Raul Reis especula sobre as possíveis ramificações do fenômeno das bolhas megaegogênicas, traçando dois cenários futuros - um otimista e um pessimista. No cenário otimista, a dissolução das projeções conarcísicas secundárias levaria a convulsões sociais, mas também a um fortalecimento dos laços afetivos e a um desenvolvimento mais equilibrado e saudável. Já no cenário pessimista, os megaegos manipulariam a moral pública e as leis para produzir uma elite super-humana, levando a humanidade a uma divisão entre os dotados de faculdades superiores e os demais.

O conto provoca reflexões profundas sobre as dinâmicas sociais, as relações de poder e a busca pelo entendimento da complexa realidade política e social. Com uma escrita densa e reflexiva, "Conarcisismo" desafia o leitor a questionar as estruturas dominantes e a considerar os possíveis caminhos para o futuro da humanidade.

"Freddy Quin" é um conto que nos apresenta o personagem Quintino, um homem excêntrico, porém talentoso, que é indicado para um cargo na agência de publicidade ZeroBala por seu amigo Rodrigo Dambrósio. Logo de início, Quintino se mostra encantado com suas novas funções e faz um juramento silencioso de fidelidade ao trabalho.

No decorrer da história, vemos as peculiaridades de Quintino, como seu modo peculiar de falar e agir, que acabam causando preocupações para Dambrósio. Mesmo assim, Dambrósio acredita no talento de Quintino e o defende dos outros sócios da agência, que querem indicar outras pessoas para o cargo disputado.

Quando a agência se depara com uma campanha importante para uma empresa de microtratores, Quintino se destaca ao apresentar ideias criativas e inspiradoras, que surpreendem a todos presentes na reunião. Sua forma de pensar fora da caixa e sua capacidade de enxergar o que realmente importa na vida trazem um novo olhar para a campanha, mostrando seu valor e talento.

No final, o conto nos faz refletir sobre a importância de valorizar as pessoas por seu verdadeiro potencial e não apenas por suas peculiaridades. Quintino é um exemplo de como a genialidade pode estar presente nos lugares menos óbvios, e como devemos dar oportunidades para aqueles que pensam de forma diferente. A narrativa habilmente construída pelo autor nos envolve e nos faz apreciar a singularidade de cada personagem, tornando "Freddy Quin" uma leitura cativante e instigante.

O conto "Ensino Fundamental", nos leva de volta aos anos 70, em um colégio de elite no Sul do país, onde Beto, um dos garotos do Primário, desfruta dos momentos de diversão no recreio, correndo atrás de tampinhas de refrigerante e bolas de meia. A narrativa traz à tona as diferenças sociais entre os alunos, mas o protagonista, Beto, parece não se importar com essas questões, vivendo sua infância de forma simples e despreocupada.

O texto também aborda de forma crítica a presença das irmãs da ordem católica no colégio, que punem os alunos de forma violenta. A figura do padre Adamásio, professor de religião, revela-se como um personagem controverso, com uma verdadeira vocação para consolar viúvas e senhoras em crise conjugal.

A história toma um rumo inesperado quando Beto se encanta por uma aluna mais velha, que se destaca pela sua beleza e elegância. O conto explora a inocência e a ingenuidade do protagonista, que recebe conselhos de um colega para se aproximar da garota através de uma carta.

Com uma escrita envolvente e detalhada, o autor nos transporta para o universo da infância, com suas brincadeiras, relações sociais e descobertas. "Ensino Fundamental" é um conto que, além de retratar a vida escolar de forma nostálgica, também nos faz refletir sobre as complexidades e sutilezas da convivência humana.

O conto "Quatro Teses sobre Deus" aborda de maneira divertida e irônica a questão da existência de Deus e a relação entre Ciência e religião. O narrador, de forma sarcástica, questiona a ideia de que a Ciência pode explicar tudo e descarta a possibilidade de um universo sem a presença de um Ser superior, comparando a ideia a um diálogo entre rochas.

O texto critica a visão materialista da Ciência, argumentando que ela não é capaz de explicar a origem misteriosa de tudo e seu destino, apenas descrever como as coisas funcionam no universo. Além disso, o conto ironiza as teorias científicas sobre o Big Bang e a origem da vida, sugerindo que são tão absurdas quanto a ideia de um Ser supremo criando o universo.

Ao personificar as diferentes áreas da Ciência como personagens em uma peça teatral, o autor destaca a diversidade e complexidade do conhecimento científico, mas também ressalta suas limitações e lacunas. No final, o narrador sugere que, apesar de toda a complexidade da Ciência, ainda existe uma dimensão misteriosa e transcendental que não pode ser explicada apenas pelos métodos científicos.

Em resumo, "Quatro Teses sobre Deus" é um conto provocativo e bem-humorado que questiona as certezas da Ciência e convida o leitor a refletir sobre a relação entre a busca pelo conhecimento e a espiritualidade.

A partir deste ponto, o que se pode observar no contexto geral da obra é o uso e o destrinchamento de características pertencentes às áreas de estudo da qual o conto se debruça, o que revela, que, talvez, o livro seja destinado à um público específico, que, de certa forma, apreciará as nuances e curiosidades expressas nos contos, como qualquer estudante de alguma licenciatura ou área ligada à alimentação, história ou nutrição. Como podemos observar em VegaLight (página 47): A alcachofra. além de reduzir os níveis do colesterol e açúcar no sangue, combate a anemia, e de bônus, nos livra dos gases intestinais. Ou até mesmo no primeiro conto, neandertala brasiliensis: nos longos períodos gelados, os neandertais tinham preferência por acampar no interior de caverna, abrigos naturais nos quais era mais fácil aquecer e proteger o grupo (p.25)

Em suma, o livro de Bert Jr cumpre o que promete com boas doses de bom humor, enredos cativantes e descrições pouco convencionais. A narrativa do autor é algo marcante, o que pode ajudar os leitores a identificar seus próximos trabalhos com mais afinco. Uma prosa libertadora de um livro extremamente bem escrito e elaborado. Um charme à parte o trabalho editorial desenvolvido pela editora labrador.


O AUTOR
BERT JR., cujo nome de batismo é Colbert Soares Pinto Junior, nasceu em Porto Alegre (RS), em 1962. É formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco. Como diplomata já serviu em cinco países, foi cônsul-geral e atualmente exerce a função de embaixador. Aos 18 anos, dois poemas de sua autoria foram premiados em um concurso que tinha Mario Quintana e Lya Luft como membros do júri. Sempre gostou de música, considerando-se um violonista amador intermitente. Mantém um canal no YouTube e uma página no Facebook para a divulgação de trabalhos literários e musicais. Fict-Essays e contos mais leves é seu livro de estreia na ficção.

[RESENHA #979] Mogens, de Jens Peter Jacobsen

No final do século XIX, a Dinamarca viveu um período de intensa efervescência intelectual e literária, sendo que essa época foi marcada por influências significativas. Enquanto George Brandes proferia discursos sobre as principais correntes da literatura do século XIX, Henrik Ibsen questionava de maneira profunda e incisiva a teoria evolucionária e o darwinismo que encontravam eco na Inglaterra, do outro lado do Mar do Norte. Nesse cenário de conflitos e controvérsias entre o velho e o novo, teorias eram defendidas e atacadas com extrema violência. Entretanto, nesse contexto, Jens Peter Jacobsen se destacou como um artista singular, preocupado unicamente em ser um criador de beleza e um buscador da verdade.


As suas obras, repletas de cores vívidas e que jamais desbotam, mostram a paixão de Jacobsen pela forma e estilo, estampando-os suavemente, mas com força e intimidade, assemelhando-se ao toque singular de um violino ao interpretar a leitura da vida. Além disso, Jacobsen é muito mais do que um simples estilista; ele é preciso em sua observação e minucioso nos detalhes, revelando uma compreensão profunda e íntima do coração humano. Os seus personagens são construídos a partir de uma combinação entre experiência e imaginação, revelando como são moldados e modificados por fatores físicos, hereditários e ambientais.


Jacobsen acreditava que todo livro de verdadeiro valor deve incorporar a luta de uma ou mais pessoas contra tudo o que tenta obstruir sua existência única. Esse espírito essencial permeia toda a sua obra, sendo presente em personagens como Mogens. Nascido em 1847, em uma pequena cidade dinamarquesa, Jens Peter Jacobsen já demonstrava talento para a ciência desde jovem, mas acabou optando pela literatura após contrair tuberculose. O restante de sua vida foi vivido de maneira simples e corajosa, sendo marcada por uma devoção apaixonada à literatura e batalhas constantes contra problemas de saúde.

O seu método de trabalho era lento e meticuloso, evitando os círculos literários da capital para ter tempo de realizar a sua obra antes que o tempo lhe fosse tirado. Sob a influência de George Brandes, que o encorajou, Jacobsen publicou diversos romances. Embora de pequena quantidade, a sua contribuição para a literatura escandinava foi monumental, já que ele criou um novo método de abordagem literária e uma nova forma artística que influenciou diversos escritores desde então.


Mogens é uma obra de contos escrita pelo autor dinamarquês Jens Peter Jacobson, a obra marca a passagem do romantismo para o naturalismo. A escrita é marcada pela presença da descrição rica e detalhada do espaço ao qual o enredo se desenvolve, tendo suas descrições do tempo e do espaço em quase toda a obra ao qual os acontecimentos se discorrem. A princípio, a obra narra a vida de um homem, de nome Mogens, que está apreciando a natureza e a chuva, ele molha-se, canta e dança despretensiosamente enquanto é observado por uma pequena garotinha em um arbusto próximo, ele então observa seu cachecol preso e decide vê-la mais de perto enquanto seu rosto e corpo estão molhados pela água da chuva que cai. Ela assusta-se e corre desesperadamente entre a floresta e desaparece, ele, após percorrer um longo trajeto em busca da garota, decide adiar sua busca e cai na gargalhada rindo de todo acontecimento, que, em primeira análise, causa estranhamento no leitor não somente pela reação do homem, mas por sua implacável decisão de busca pela garota em meio à floresta. 


Fazia um calor sufocante, o ar tremulava e tudo ao redor guardava silêncio; as folhas dormitavam nas árvores, e nada se mexia além das joaninhas nas urtigas e das folhas murchas que se espalhavam pela grama [...] (p.6)


Tudo cintilava, luzia e chapinhava. Troncos, galhos, tudo brilhava de umidade, cada pequena gosta que caía na terra, na grama, na escada junto à cerca, no que quer que fosse, dividia-se e espalhava-se em mil pérolas delicadas [...] (p.7)


A história segue narrando o encontro do Magistrado do Cabo de Trafalgar e sua filha com Mogens. Ao caminharem até a porta da casa do guarda da floresta, Nikolai, a menina assustou-se pois viu nele o reconheceu nele o homem que cantarolava na floresta. Eles então decidem sair para velejar em seu barco, trocando breves conversas com a filha do magistrado.


“Mas poesia? Oehlenschlager, Schiller e os outros?”
“Oh, claro que os conheço; tínhamos uma estante cheia deles em casa, e a Srta. Holm —  — lia-os em voz alta depois do almoço e à noite; mas não posso dizer que me importei com eles; Eu não gosto de versos.
“Não gosta de versos? Você disse que sim, sua mãe não está mais viva?
“Não, meu pai também não.”
Ele disse isso com um tom um tanto taciturno e hostil, e a conversa foi interrompida por um momento e tornou possível ouvir claramente os muitos pequenos sons criados pelo movimento do barco na água. A garota quebrou o silêncio:
“Você gosta de pinturas?”


O conto segue entre os discursos proferidos por Kamilla e Mogens que se mostra cada vez menos interessado nos tópicos, pois suas vontades e desejos eram o oposto dos quais a Kamilla poderia prever, até mesmo seu gosto pela matéria e pela natureza era um ponto distinto em sua consciência. A obra também narra um relacionamento marcado por poucas palavras, mas com uma admiração latente que se forma entre os dois. Com o tempo, o relacionamento de ambos amadurece em admiração, fazendo-o criar coragem e pedi-la em namoro:

[...] Eu quero perguntar uma coisa à senhorita, mas antes prometa que não vai rir de mim [...] Aqui está a mesa e lá está a cerca. Se a senhorita não quiser ser minha noiva, eu vou sair correndo, pular com o cesto por cima da cerca e desaparecer. Um. (p. 26)

Kamilla continua - Dois. A expressão do rapaz é de pura palidez - eu quero, ela diz. A partir deste ponto a história se debruça sobre a relação de ambos, um acontecimento que remete ao luto e ao inesperado, ao encontro de uma jovem moça chamada Laura, ao destino e desatino entre o caminho de Mogens e uma moça de nome Tora.

Como o próprio período da obra propõe como estética e influência, a obra de Jacobsen é profundamente focada em eventos traumáticos - a criação longe do pai, a morte da mãe, a perda do primeiro amor, os momentos de fraqueza e reflexões dolorosas - como imaginar a morte de uma amante mesmo com ela viva - até mesmo seus devaneios e cânticos em meio ao nada na natureza. As descrições da natureza e dos arredores ocupam grande parte da narrativa, o que pode ser, para alguns, cansativo, mas para os apreciadores da boa arte de escrever e viver um clássico, esta característica é a primazia da felicidade do leitor, que permite que sintamos e nos conectemos de forma mais íntima com o autor e com sua vida.


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