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Resenha: Configurações histórico-culturais dos povos americanos, de Darcy Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

O dinamismo do pensamento de Darcy Ribeiro sempre foi objeto de intensas polêmicas. A cada artigo ou livro que brotava de suas pesquisas e reflexões, ânimos e mentes nunca permaneciam indiferentes. Os dois ensaios do antropólogo que compõem este Configurações histórico-culturais dos povos americanos aparecem aqui devidamente analisados por intelectuais brasileiros e estrangeiros de peso que, no início dos anos 1970, foram convidados a expor suas impressões acerca das ideias de Darcy sobre as disparidades que pautaram a formação dos povos no continente americano e acerca de etapas fundamentais que vincaram a evolução sociocultural da humanidade. O primeiro ensaio presente neste volume configura-se em uma síntese de viés ensaístico de seu livro As Américas e a civilização, que aborda a gênese e os agentes provocadores dos desacertos no desenvolvimento dos povos americanos. O segundo, por sua vez, corresponde ao ensaio que encerra O processo civilizatório, livro de Darcy publicado pela primeira vez em 1968. Nessa curta reflexão, o antropólogo remonta aos primórdios da humanidade, momento visto como basilar para a justa compreensão de sua evolução sociocultural.

RESENHA

Foto: Arte digital

A Antropologia tem uma contribuição menor do que o desejável para o entendimento da formação das sociedades modernas e os seus desafios de desenvolvimento, refletindo uma tendência dos cientistas sociais de se focarem em problemas menores pouco relevantes socialmente. Contudo, alguns estudiosos tentaram contrariar essa tendência, tratando de questões amplas e socialmente pertinentes, o que oferece uma perspectiva antropológica crucial para compreender a evolução e a diferenciação das sociedades modernas e os fatores que influenciaram sua integração na tecnologia da civilização industrial.

O autor se propôs a entender a formação étnica das Américas, especificamente o Brasil, necessitando uma revisão dos conceitos usados pela Antropologia e a formulação de um novo esquema evolutivo para essas sociedades. O foco principal foi a formação de novas entidades étnicas através da interação de distintas sociedades e culturas no âmbito dos processos civilizatórios, definidos por grandes inovações tecnológicas e a disseminação de seus efeitos. Tais processos geraram diferentes configurações étnico-culturais, com sociedades atuando como agentes ou pacientes dessa expansão, resultando em macroetnias ou em etnias culturalmente subjugadas.

Desde o século XVI, revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial impulsionaram quatro processos civilizatórios que moldaram o mundo. Isso originou diferentes formações sociais e econômicas, como Impérios Mercantis, Imperialistas Industriais, entre outros, e a interação entre essas formações e as sociedades dominadas foi essencial para entender as configurações histórico-culturais emergentes.

Essas dinâmicas civilizatórias não apenas dizimaram populações e culturas subjugadas, mas também fomentaram a criação de novas culturas a partir da fusão de elementos dominadores e dominados. Esse processo foi caracterizado pela deculturação, onde elementos culturais originais foram substituídos por novos, adaptados às necessidades impostas pelas sociedades dominadoras. No longo prazo, essas protoetnias almejaram independência e buscaram afirmar suas identidades nacionais, culminando no surgimento de etnias nacionais.

As sociedades modernas variam em seu grau de modernização tecnológica e nas formas como foram etnicamente remodeladas. Comparar estudos de diferentes civilizações ajuda a construir uma teoria explicativa dos processos de formações étnicas e culturais. As situações coloniais ilustram como a aculturação e a deculturação operaram nessas sociedades dominadas, ressaltando a importância de entender como novos corpos culturais se formaram, muitas vezes vistos como culturas espúrias em contraste com as autênticas.

Por fim, os povos modernos emergentes de civilizações antigas subjugadas pelo colonialismo europeu ou de culturas criadas em feitorias tropicais, enfrentaram uma alienação cultural significativa. Este processo envolveu a erradicação de suas culturas originais e a imposição de concepções degradantes de si mesmos, impostas pelas sociedades dominadoras. No entanto, essas sociedades contemporâneas estão começando a se libertar dessas amarras, reconquistando sua identidade cultural genuína.

O autor ainda discorre sobre as forças transformadoras globais provocadas pela expansão europeia, enfatizando duas revoluções tecnológicas fundamentais: a Revolução Mercantil, que criou as primeiras civilizações com bases mundiais, e a Revolução Industrial, ainda atuante na uniformização socioeconômica e cultural. Essas revoluções remodelaram a flora, a fauna e a etnicidade global, massacrando culturas originárias, fundindo povos e padronizando técnicas produtivas e sistemas sociais e políticos.

O autor propõe explorar as uniformidades histórico-culturais decorrentes desse processo, agrupando os povos extraeuropeus em quatro categorias: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Os Povos-Testemunho são remanescentes de antigas civilizações espoliadas pela expansão europeia. Os Povos-Novos, como os americanos, surgiram da fusão de indígenas, negros e europeus. Povos-Transplantados referem-se a populações europeias implantadas em territórios ultramarinos mantendo suas características originais. Finalmente, os Povos-Emergentes são nações africanas e asiáticas que evoluíram a partir de estruturas tribais ou coloniais.

Essas categorias foram criadas para explicar como esses povos, apesar de culturalmente distintos, mantiveram algumas singularidades, formando assim configurações socioeconômicas homogêneas. O autor se aprofunda na forma como os Povos-Testemunho integraram as tradições europeias e as suas próprias, enfrentando desafios na adaptação à modernidade imposta pelo colonialismo. O Japão e a China foram exemplos de sucesso parcial, enquanto outros países ainda lutam contra as deformações e marginalização provocadas pela dominação histórica. O documento conclui destacando que, além dos desafios de desenvolvimento socioeconômico, os Povos-Testemunho enfrentam a difícil tarefa de integrar suas populações marginais, preservando ao mesmo tempo suas identidades culturais e respeitando a autonomia das etnias diferenciadas. A verdadeira integração requer a aceitação de seu caráter multiétnico e a abolição das políticas de assimilação compulsória.

O autor retrata ainda as forças transformadoras das Revoluções Mercantil e Industrial, impulsionadas pelos povos ibéricos e, posteriormente, outros europeus. A Revolução Mercantil iniciou a criação de civilizações de base mundial, enquanto a Revolução Industrial promoveu a uniformização socioeconômica e cultural globais, levando a uma civilização comum. Estas revoluções civilizatórias reordenaram a natureza, estandardizando flora e fauna globalmente, e transfiguraram povos ao dizimarem etnias e fundirem raças, línguas e culturas. Este impacto homogeneizou as técnicas produtivas, os modos de ordenação social e política e o conhecimento, crenças e valores.

No plano mundial, as diferenças étnicas são menos relevantes diante das uniformidades causadas pela expansão europeia. Estas uniformidades podem ser socieconômicas, relacionadas ao grau de integração na civilização industrial moderna, ou histórico-culturais, surgidas de distintos processos de formação étnica. Assim, é possível classificar os povos extraeuropeus em quatro configurações histórico-culturais: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Cada grupo possui características específicas de formação étnica, mas não podem ser considerados entidades socioculturais independentes. As unidades operativas são as sociedades e culturas particulares, e os estados nacionais.

Os Povos-Testemunho são representantes de civilizações antigas espoliadas pela expansão europeia, enfrentando a tarefa de integrar suas tradições culturais com a influência europeia. Estes povos lidam com um conflito interno entre manter suas tradições e a modernização forçada. O Japão e a China são exemplos de sucesso nesta integração, enquanto outros Povos-Testemunho continuam a enfrentar divisões internas.

Nas Américas, os Povos-Testemunho sofreram um processo de europeização compulsória, resultando em uma configuração étnica misturada. Nações modernas como Índia, China, México e países andinos representam este grupo, lidando com heranças históricas de espoliação e desafios de desenvolvimento socioeconômico e cultural.

Povos-Novos, formados na América pelo encontro e fusão de europeus, indígenas e negros, apresentam uma etnia mestiça predominantemente. Povos-Transplantados, comunidades formadas por europeus em novas terras, mantiveram suas características culturais originais. A classificação de povos extraeuropeus baseia-se na formação histórica e nos desafios enfrentados por cada grupo, como a integração de tradições e desenvolvimento econômico-social. As nações da América do Sul, por exemplo, apresentam configurações híbridas, refletindo a complexa interação cultural e histórica. Em resumo, o conteúdo aborda a influência europeia na formação das configurações étnicas e culturais atuais, evidenciando a complexidade das interações civilizatórias iniciadas pelas revoluções mercantil e industrial.

O autor examina as grandes configurações histórico-culturais de povos extraeuropeus, classificando-os em quatro categorias e avaliando seu desenvolvimento. Observa uniformidades e discrepâncias, destacando como a estratificação social impactou o desenvolvimento. Os Povos-Transplantados como EUA e Canadá alcançaram maior progresso devido à sua formação flexível e igualitária, enquanto os Povos-Novos e Povos-Testemunho enfrentam maiores obstáculos devido a uma formação hierárquica, marginalização cultural e social, e desigualdade econômica enraizada.

A exploração colonial afetou profundamente essas regiões, criando estruturas sociais rígidas e desiguais que dificultam a industrialização. Esses povos foram usados para enriquecer elites locais e estrangeiras, sem incentivo para desenvolver suas próprias economias. A industrialização, quando presente, ocorre de forma distorcida, voltada para exportação e sem benefícios para a população em geral. Há uma crescente marginalização socioeconômica, criando uma grande massa de desfavorecidos com potencial para fomentar mudanças sociais futuras.

A resistência ao progresso se deve ao controle oligárquico e à exploração externa, resultando em uma forma deformada de industrialização que não promove renovação social. Portanto, para superar esses desafios e alcançar um desenvolvimento mais equitativo, seria necessário reestruturar profundamente as bases socioeconômicas e políticas dessas regiões.

O estudo da evolução sociocultural revela que as sociedades humanas se transformaram significativamente a partir da Revolução Agrícola, cerca de 10 mil anos atrás. Essa revolução, juntamente com o desenvolvimento pastoril, impulsionou a integração de novas tecnologias e modelou a vida social ao longo dos milênios. Em seguida, a Revolução Urbana trouxe mudanças tecnológicas e sociais adicionais, e muitas sociedades evoluíram para Estados Rurais Artesanais, dividindo-se em contingentes urbanos e rurais.

A Revolução do Regadio, ocorrida cerca de 7 mil anos atrás, deu origem às primeiras Civilizações Regionais, baseadas na irrigação, e foi seguida pela Revolução Metalúrgica, que deu lugar aos Impérios Mercantis Escravistas. Após a decadência dessas civilizações, a Revolução Pastoril no início da era cristã trouxe novas mudanças com chefias nômades motivadas por tecnologias e ideologias religiosas.

No século XV, a Revolução Mercantil, alavancada pelos avanços na navegação e armas de fogo, resultou na expansão global da Europa e no surgimento de Impérios Mercantis Salvacionistas. Esse período também viu a formação do Capitalismo Mercantil, que impulsionou um novo processo civilizatório a partir da Europa. A Revolução Industrial, três séculos depois, ativou a configuração das sociedades capitalistas avanzadas como uma nova formação sociocultural, o Imperialismo Industrial. Essas revoluções tecnológicas, culminando na Revolução Termonuclear, unificaram a humanidade sob um mesmo sistema produtivo e mercantil, configurando uma Civilização da Humanidade global. As oito revoluções tecnológicas identificadas (Agrícola, Urbana, do Regadio, Metalúrgica, Pastoril, Mercantil, Industrial e Termonuclear) moldaram a evolução sociocultural e continuam a influenciar a sociedade moderna.

O autor analisa a formação étnica das Américas, com especial atenção ao Brasil, revisando conceitos antropológicos e propondo um esquema evolutivo para essas sociedades. O foco é a formação de novas entidades étnicas resultantes da interação entre diferentes culturas e sociedades, impulsionada por grandes inovações tecnológicas. Esses processos civilizatórios, iniciados no século XVI com revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial, resultaram em configurações étnico-culturais variadas. Novas culturas e identidades nacionais emergiram de fusões entre elementos dominadores e dominados.

A classificação dos povos extraeuropeus em quatro categorias (Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes) ajuda a entender as uniformidades históricas e culturais resultantes da expansão europeia. Os Povos-Testemunho enfrentam desafios na integração cultural e modernização, com exemplos de sucesso e fracasso. Os Povos-Novos nas Américas demonstram a mestiçagem cultural, enquanto os Povos-Transplantados mantêm características europeias. Finalmente, os Povos-Emergentes trazem nações africanas e asiáticas em evolução. O impacto da colonização europeia moldou a flora, a fauna e a etnicidade globais, homogeneizando técnicas produtivas e sistemas sociais. Para superar os desafios de desenvolvimento e marginalização, essas sociedades precisam reestruturar profundamente suas bases socioeconômicas e políticas, até se libertarem das imposições coloniais e reafirmarem suas identidades culturais genuínas. Uma obra magistral.

Resenha: As Américas e a Civilização: Processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos, de Darcy Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

As Américas e a civilização constitui-se no segundo livro a compor a série “Estudos de Antropologia da Civilização” concebida por Darcy Ribeiro que é compostas por O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1 - Teoria do Brasil, e Os índios e a civilização.

As reflexões aqui presentes vieram à lume durante o período em que o intelectual esteve no exílio. Trata-se de uma análise profunda dos processos histórico-culturais vividos pelos povos gestados na América a partir de uma perspectiva inovadora , na qual buscou-se evitar abordagens tradicionais marcadas por visões eurocêntricas.

O desafio a que Darcy se colocou neste livro é dos mais espinhosos: tratar de forma conjunta das particularidades e percursos que marcaram as diferentes populações do vasto continente americano. Como extremo estudioso da História que foi, o antropólogo reúne num só livro os caminhos e descaminhos dos habitantes da América do Norte, Central e do Sul. E faz isso com a propriedade de quem não apenas estudou suas origens e experiências históricas, como também de quem percorreu boa parte das terras americanas.

RESENHA

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A obra 'as Américas e a civilização', de Darcy Ribeiro analisa dois esquemas conceituais que abordam o desenvolvimento desigual das sociedades americanas: o acadêmico (sociologia e antropologia) e o marxismo dogmático. O esquema acadêmico entende o atraso como um descompasso entre estruturas tradicionais e modernas, destacando estudos de dualidade estrutural e modernidade versus tradicionalismo. Ao discutir sociedades subdesenvolvidas como híbridas, os estudos falham ao mistificar fatos e ignorar tecnologias avançadas usadas na colonização. No plano socioeconômico, estrutural e familiar, são examinadas classes sociais, sistemas produtivos e modelos familiares tradicionais versus modernos. O marxismo dogmático vê o atraso como etapas de um processo evolutivo unilinear, utilizando teses clássicas de Marx para identificar resíduos feudais e capitalistas na América Latina. Ambos os esquemas são criticados por suas limitações explicativas e manutenção do status quo. Propõe-se uma terceira abordagem, focada nos fatores dinâmicos das mudanças sociais e tecnológica, associativa e ideológica, utilizando uma metodologia dialética para entender as disparidades de desenvolvimento e as interações entre sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas.

A história dos últimos séculos é marcada pela expansão da Europa Ocidental, que impôs sua civilização a outros povos através de violência, cobiça e opressão. Nesse processo, o mundo foi reorganizado de acordo com os interesses europeus. As duas principais ondas de expansão foram protagonizadas pelos ibéricos (portugueses e espanhóis) e pelos russos, cada um em suas áreas. Os europeus ocidentais, impulsionados por duas revoluções tecnológicas, a Mercantil e a Industrial, lideraram essas mudanças. A Revolução Mercantil, com inovações como a navegação oceânica e as armas de fogo, permitiu a expansão marítima, enquanto a Revolução Industrial trouxe novas fontes de energia e produção em massa. A expansão ibérica foi influenciada pela tecnologia islâmica e pela luta contra os muçulmanos, culminando na conquista e colonização das Américas. Eles impuseram seu domínio cultural e econômico, contribuindo para a Revolução Mercantil antes de serem ultrapassados pela Revolução Industrial. As nações ibéricas, Portugal e Espanha, não conseguiram se modernizar plenamente e tornaram-se dependentes das novas potências capitalistas-industriais. A Europa central e nórdica, menos avançada inicialmente, amadureceu mercantilmente e, posteriormente, liderou a Revolução Industrial. Isso proporcionou dominação global e expansão cultural, levando à criação de uma civilização policêntrica pela competição entre as novas potências emergentes. Em suma, a dominação europeia reconfigurou o mundo, sendo vital tanto na contribuição tecnológica quanto na imposição cultural e econômica. Esta dinâmica transformou a história global, sendo elemento crucial na evolução dos sistemas socioculturais até a era contemporânea.

No processo de expansão europeia, muitas culturas autônomas se viram agregadas a um único sistema econômico, resultando na perda de autenticidade e na emergência de formas espúrias de cultura. Essa uniformização, decorrente de processos de deculturação e de estereótipos dominadores, levou a uma miséria e desumanização comuns entre os povos extraeuropeus. Contudo, emergiu uma identidade humana elementar compartilhada por todos, baseada em aspirações comuns de fartura, lazer, liberdade e educação. As sociedades reconfiguradas buscaram recuperar sua autenticidade e independência, apesar das influências dominadoras que operavam a partir do antigo centro reitor europeu. Questionaram a capacidade do sistema global de atender às aspirações humanas de prosperidade, justiça e beleza, expondo a inautenticidade do projeto colonial.

Os povos americanos, profundamente afetados pelo domínio europeu, perderam sua autonomia e passaram por um processo de deculturação, tornando-se sociedades espúrias com culturas alienadas. Projetos coloniais visavam principalmente a exploração econômica, deixando a constituição de novas sociedades como um subproduto não desejado. Apesar disso, os povos colonizados lutaram pela reconstituição de suas identidades culturais, primeiro como etnias diferenciadas e, mais tarde, como nações independentes.

O autor ainda descreve a formação dos povos novos nas Américas, destacando sua configuração histórico-cultural única. Esses povos surgiram da miscigenação e dominação de populações indígenas, africanas e europeias, principalmente sob o regime colonial europeu. A escravidão e a plantation foram fundamentaos na organização produtiva e na conformação das sociedades das Américas. As fazendas de monoculturas agroindustriais e extrativismo mineral modelaram a estrutura social e econômica, integrando e deculturando diversas etnias sob extrema opressão. No sul dos Estados Unidos e nas Antilhas, plantação e escravidão criaram sociedades mais brutalmente capitalistas. Mesmo com variações regionais, a matriz escravista e a grande proporção de negros escravizados deixaram marcas profundas. A miscigenação entre europeus, indígenas e negros formou uma sociedade complexa e mestiça, impregnada de tensões raciais e sociais duradouras. Imigrantes europeus e asiáticos no século XIX desempenharam papéis significativos na modernização tecnológica e na institucionalização dos povos novos, aportando qualificações técnicas e culturais, empurrando as sociedades para uma modernidade mais integrada. A resistência política desses imigrantes, sobretudo aqueles das áreas urbanas, contribuiu para a formação de movimentos trabalhistas e sindicais, desafiando o status quo político e social. Os povos novos, portanto, resultam de complexas integrações e adaptações culturais, refletindo um mosaico de contribuições étnicas e dinâmicas socioeconômicas que moldaram seus perfis e desafios contemporâneos.

O autor ainda destaca que os povos transplantados das Américas são descendentes de migrantes europeus que buscaram novos começos no Novo Mundo, trazendo consigo famílias e expectativas de liberdade e prosperidade. Esses grupos se estabeleceram em territórios pouco habitados, frequentemente desalojando as populações indígenas. Na América do Norte, o colonizador europeu evitou a mistura com os nativos, enquanto nos territórios como a Argentina e o Uruguai, os europeus competiram com e subjugaram populações mestiças.

Os povos transplantados destacam-se pelo perfil europeu em aspectos como paisagem, estrutura racial predominantemente caucasoide, cultura e economia capitalista industrial. Diferentes dos demais blocos culturais das Américas, enfrentam problemas específicos devido a suas características e matrizes culturais distintas, como católica latina no sul e protestante anglo-saxônica no norte. Fatores gerais como o modo de colonização, processos de assimilação cultural e formas de integração econômica contribuem para distinguir esses povos dos demais da região. As sociedades transplantadas, principalmente no Norte, tendem a ser mais igualitárias, enquanto as nações formadas através da escravidão e subjugação de indígenas e negros desenvolveram-se de maneira mais hierárquica e autoritária.

O desenvolvimento desigual criou uma polarização entre os povos transplantados desenvolvidos do Norte e as sociedades menos desenvolvidas do Sul, resultando em tensões e conflitos de interesse. Minorias europeias em áreas interioranas, como no Brasil e na Costa Rica, atuaram como agentes dinâmicos no desenvolvimento regional. Assim, a análise histórica e os diferentes processos de formação étnico-cultural elucidam a complexidade dessas sociedades, ressaltando a necessidade de uma compreensão aprofundada para explicar suas formas e desempenhos distintos.

Para explorar o desenvolvimento dos povos latino-americanos, é preciso analisar primeiramente os modelos industriais e o histórico de atrasos econômicos. O texto apresenta dois paradigmas para entender as trajetórias de sociedades desenvolvidas e as barreiras enfrentadas pelas regiões menos desenvolvidas. Com a Revolução Industrial, nações pioneiras na industrialização como Inglaterra, França, Países Baixos e Estados Unidos se tornaram potências dominantes, promovendo constelações imperialistas. Este avanço industrial foi acompanhado por três tipos de reordenação nas relações globais: a obsolescência dos vínculos coloniais, novas áreas submetidas ao colonialismo ou neocolonialismo, e a hierarquização entre nações industriais e dependentes.

A ruptura desse sistema se deu, inicialmente, pela Alemanha e Japão que se industrializaram seguindo um modelo capitalista tardio. Nações como Itália e países como Turquia, Brasil e Argentina tentaram seguir esse caminho mais tarde. Além do desenvolvimento capitalista tardio, emergiram outros modelos. Nações marginalizadas como Canadá, Austrália e Nova Zelândia avançaram industrialmente devido a isolamento econômico durante crises e guerras. Este progresso foi impulsionado principalmente pela exploração interna de recursos e oportunidades comerciais.

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O autor segue também analisando o modelo socialista, iniciado pela União Soviética, que rompe com o capitalismo industrial e propõe uma formação sociocultural nova. A União Soviética conseguiu industrializar-se rapidamente, inspirando outras nações como China e países do Leste Europeu a seguir um caminho semelhante de desenvolvimento acelerado. Além desses modelos, o texto discute duas variantes de reordenação sócio-econômica: países industrializados que enfrentaram crises adotaram políticas intervencionistas, e países subdesenvolvidos que se industrializaram capitalizando tensões internacionais, como Turquia, Brasil e Argentina, mas com resultados limitados. Por último, o modelo socialista revolucionário atrai nações atrasadas pelas altas taxas de crescimento e a capacidade de elevar grandes massas populacionais, como visto na União Soviética. Esse modelo destaca-se pela capacidade de acelerar a evolução social, transformando economias agrícolas em potências industriais. Esses diversos caminhos de desenvolvimento mostram esforços variados de nações para romper com a dominação imperialista e superar os desafios internos ao progresso econômico.

A Revolução Industrial gerou uma divisão entre povos avançados e atrasados, onde os retardatários não vivem uma fase evolutiva anterior, mas são intencionalmente mantidos em uma posição subserviente e dependente pelos países desenvolvidos. Esses povos subdesenvolvidos experimentam apenas os reflexos da modernização, sem integrar nossa tecnologia. A industrialização espontânea é dificultada pela auto-perpetuação do subdesenvolvimento, pela dominação das elites internas associadas a interesses estrangeiros, pela transferência de excedentes econômicos e pela intervenção política estrangeira que reforça a ordem estabelecida.

Essa situação resulta em uma modernização superficial, beneficiando uma minoria elitista e empobrecendo as massas. As tentativas de revolução e desenvolvimento autônomo, como no México e Bolívia, enfrentaram resistências e limitações. Casos como China e Japão mostraram que o desenvolvimento é possível com maior autonomia, enquanto outras nações permanecem estagnadas. A industrialização das nações subdesenvolvidas manteve-se distorcida e dependente de capitais estrangeiros, não conseguindo criar uma economia autônoma. O contraste é evidente quando comparado com os "povos transplantados" (EUA, Canadá, Austrália), que se desenvolveram sem as barreiras oligárquicas e com uma base mais democrática. A luta pelo desenvolvimento em países subdesenvolvidos mostra que a emancipação requer confrontar e superar tanto interesses internos quanto externos que perpetuam a ordem vigente, impedindo assim um desenvolvimento genuíno e autônomo.

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A obra "As Américas e a Civilização: Processo de Formação e Causas do Desenvolvimento Desigual dos Povos Americanos", de Darcy Ribeiro, é magistral em sua complexidade e profundidade, abordando questões históricas, sociais e econômicas com uma clareza que ilumina as razões por trás do desenvolvimento desigual das sociedades americanas. A obra se destaca por sua capacidade de criticar tanto os esquemas conceituais acadêmicos quanto o marxismo dogmático, oferecendo uma abordagem mais holística e dinâmica.

Primeiramente, Ribeiro é hábil em contextualizar a história das Américas dentro de um panorama global, analisando como a expansão europeia, impulsionada pelas revoluções Mercantil e Industrial, redesenhou o mundo em conformidade com os interesses europeus. Esse contexto é fundamental para compreender a forma como os povos americanos foram subjugados e reconfigurados, perdendo autonomia e autenticidade cultural. Sua análise do impacto da tecnologia islâmica nas navegações ibéricas e nas técnicas de colonização demonstra uma profundidade rara, ao ligar diferentes pontos da história global em sua análise.

Além disso, a interação entre diferentes etnias - indígenas, africanas e europeias - é descrita de maneira detalhada e sensível, revelando como a miscigenação e a opressão moldaram a estrutura social e cultural das Américas. A maneira como Ribeiro aborda a formação das “sociedades espúrias” agrega uma camada significativa à compreensão dos efeitos de uma colonização violenta, enquanto destaca o esforço contínuo dos povos colonizados em reconstituir suas identidades culturais e formas de resistência.

Ribeiro também descreve brilhantemente os diferentes modelos de desenvolvimento seguidos por várias nações americanas, desde os pioneiros da industrialização até os esforços tardios e os modelos socialistas revolucionários. Esta parte do enredo é crucial para entender as disparidades atuais, e a comparação entre os "povos transplantados" e os povos subdesenvolvidos proporciona insights valiosos sobre as diferenças estruturais que persistem até hoje.

Finalmente, a metodologia dialética proposta no texto para explorar as desigualdades oferece uma nova perspectiva, crítica e evolutiva, que extrapola as limitações dos modelos tradicionais. A ideia de que o subdesenvolvimento é intencionalmente perpetuado e que a modernização real é apenas superficial para as massas é uma crítica contundente ao status quo, desafiando o leitor a reavaliar sua compreensão da história e dos atuais desafios socioeconômicos enfrentados pelas nações americanas. Em suma, "As Américas e a Civilização" de Darcy Ribeiro é uma obra-prima que transcende a simples narrativa histórica, fornecendo uma análise detalhada e crítica dos processos que moldaram as Américas, enquanto encoraja uma reflexão profunda sobre as possibilidades de futuro para as sociedades ainda lutando para superar seu passado colonial.

Resenha: Gentidades, de Darcy Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

No livro "Gentidades" estão reunidos três textos do antropólogo Darcy Ribeiro que denotam sua fluência para desvendar os mistérios do homem. O educador analisa "Casa-grande & senzala", obra-mestra de Gilberto Freyre, reflete a respeito do índio Uirá que, um desterrado em sua própria terra, e escreve sobre Salvador Allende, presidente do Chile cuja história política Darcy acompanhou de perto. Esta obra atesta o dom de Darcy para seduzir nossas mentes com sua visão clara e ao mesmo tempo profunda sobre os dilemas humanos.


RESENHA

O livro gentidades, do autor, historiador e antropólogo Darcy Ribeiro, publicado pela editora global em língua portuguesa é uma miscelânea de três grandes ensaios do autor acerca em uma análise sucinta a obra 'casa grande e senzala', de Gilberto Freyre, o índio Uirá que vai ao 'encontro' de Maíra, e finalmente, sobre Salvador Allende, presidente do chile.

No primeiro capítulo, Gilberto Freyre - uma introdução a casa grande & senzada, o autor faz uma análise detalhada da obra e do método de Gilberto Freyre, mas também apresenta críticas e questionamentos. Destaca a importância de "Casa-grande & senzala" como a obra mais importante da cultura brasileira, elogiando a capacidade de Gilberto Freyre de recriar o contexto social concreto e único da sociedade colonial brasileira. No entanto, aponta a falta de uma teoria subjacente consistente na obra, questionando a ambiguidade política e o caráter reacionário do autor. Além disso, destaca a falta de um método claro e sistematizado, ressaltando a pluralidade de métodos utilizados de forma não convencional e até mesmo contraditória por Gilberto Freyre. No entanto, apesar das críticas, o autor reconhece o valor e a importância da obra do autor para a literatura e a antropologia brasileiras.

O capítulo, Uirá vai ao encontro de Maíra, narra as experiências de um índio Urubu que sai à procura de Deus, culminando em seu suicídio em novembro de 1939. O autor explora as raízes sociais e mítico-religiosas por trás da jornada de Uirá, relacionando-a a movimentos messiânicos e de revivalismo vividos por índios desesperados com a expansão da sociedade brasileira.

A análise do autor sobre a documentação coletada ao longo do tempo destaca a importância de compreender as reações individuais e coletivas de pessoas que se veem desesperadas e desiludidas com a vida como ela se apresenta. O autor também explora a cosmogonia Tupi e a figura de Maíra, o criador, como parte integrante da visão de mundo dos índios Urubu, demonstrando como essas crenças influenciaram o comportamento de Uirá em sua busca. A narrativa segue desde a vida tribal dos índios Urubu até a chegada de Uirá às cidades, onde é mal compreendido e acaba enfrentando violência e incompreensão, culminando em sua tentativa de encontrar Maíra no rio Pindaré e finalmente em seu ato final de suicídio.

O autor aborda questões complexas sobre identidade, desespero, crenças e a interação entre diferentes culturas, oferecendo uma reflexão profunda sobre a natureza humana e as diferentes formas de buscar significado em meio ao sofrimento e à desilusão. É uma leitura densa e provocativa que convida o leitor a refletir sobre as consequências da expansão civilizadora e seus impactos nas sociedades tradicionais.

No terceiro capítulo, Salvador Allende e a esquerda desvairada, o autor analisa a trajetória de Salvador Allende, presidente do Chile, e a luta da esquerda desvairada em seu governo. Allende é descrito como um estadista corajoso e lúcido, que buscava construir o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade. O autor destaca a importância de Allende e sua luta, ressaltando que ele foi uma figura solitária enfrentando desafios e pressões tanto internas quanto externas. O autor revela as dificuldades enfrentadas por Allende, como a oposição da direita e a falta de apoio internacional, além das contradições e erros cometidos pela esquerda desvairada, que contribuíram para a queda do governo da Unidade Popular. A falta de unidade e a radicalização de alguns setores da esquerda prejudicaram o governo de Allende, facilitando a conspiração da direita e a intervenção estrangeira no Chile. O autor destaca a necessidade de autocrítica por parte das esquerdas, reconhecendo os erros cometidos durante o governo de Allende. Ele ressalta a importância de aprender com a experiência chilena e buscar um caminho mais pragmático e eficaz para a construção do socialismo. O autor finaliza refletindo sobre o legado de Allende e o desafio de seguir seu exemplo, lutando por um socialismo democrático e participativo mesmo diante de adversidades. É um texto potente e reflexivo, que convida à análise crítica e ao aprendizado com a história.

Em "Gentidades", Darcy Ribeiro demonstra mais uma vez sua habilidade ímpar em desvendar os mistérios da humanidade através de textos profundos e instigantes. Sua análise crítica e reflexiva sobre obras e figuras emblemáticas como "Casa-grande & senzala", o índio Uirá e Salvador Allende, revela a profundidade de seu pensamento e sua capacidade de seduzir o leitor com sua clareza e perspicácia. A maneira como o autor aborda questões complexas como identidade, desespero e luta política, evidencia sua sensibilidade para as nuances da condição humana. "Gentidades" é uma obra que encanta e provoca reflexões profundas, convidando o leitor a repensar conceitos e a compreender a complexidade do mundo que nos cerca. Uma leitura imprescindível para quem busca entender melhor a história e a sociedade em que vivemos.

Resenha: Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno, de Darcy Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

Os índios e a civilização é obra da maturidade intelectual de Darcy Ribeiro. No livro, ele analisa com profundidade as relações entre as etnias indígenas e o contingente populacional em processo de expansão de novas áreas no território brasileiro ao longo da primeira metade do século XX.

O objetivo da reflexão de Darcy é expor de forma bem fundamentada – ladeado pelo conhecimento de quem compreendeu a diversidade dos povos indígenas com rara clarividência – como os primeiros habitantes do Brasil lidaram com a o crescimento da pecuária, da agricultura e com o avançado processo de urbanização ocorrido no país no período.

Ao mesmo tempo em que Darcy flagra as marcas do extermínio dos povos indígenas neste movimento de inserção deles na moderna sociedade brasileira, ele visualiza as formas de adaptação que possibilitariam sua sobrevivência e a perpetuação de seu rico legado.

RESENHA

O livro, os índios e a civilização, aborda a situação das populações indígenas no Brasil, evidenciando as dificuldades enfrentadas por esses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. O autor destaca que a história e a cultura desse país vasto e desigual são marcadas por contrastes violentos, onde tribos indígenas isoladas coexistem com grandes metrópoles modernas. Ao longo do século XX, o processo de aculturação e assimilação das populações indígenas no Brasil não ocorreu como se esperava. Em vez de serem absorvidos pela sociedade nacional, muitos desses grupos foram exterminados, e os sobreviventes permaneceram como povos distintos, mantendo sua identidade indígena e sofrendo as consequências da dominação.

O autor relata as bases de seu estudo, que incluem observações diretas feitas ao longo de anos de trabalho como etnólogo, exame de arquivos do Serviço de Proteção aos Índios, entrevistas com especialistas e revisão da bibliografia etnológica existente. Ele destaca a importância de compreender as dinâmicas de interação entre índios e não índios para desenvolver uma teoria geral de mudança sociocultural. Darcy Ribeiro propõe uma nova abordagem para analisar o processo de transfiguração étnica das populações indígenas, que se tornaram índios-genéricos, despojados de sua especificidade cultural, mas não assimilados pela sociedade nacional. O autor destaca a necessidade de reavaliar noções tradicionais e desenvolver novos conceitos para compreender melhor a complexidade das relações entre sociedades tribais e nacionais no Brasil.

Em suma, a obra de Darcy Ribeiro lança luz sobre as tensões e desafios enfrentados pelas populações indígenas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação e transfiguração étnica desses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. É uma contribuição valiosa para o entendimento das relações interétnicas no país e para o desenvolvimento de teorias mais abrangentes sobre mudança sociocultural.

No capítulo Amazônia extrativista, o autor apresenta um panorama histórico da ocupação europeia na região do delta do Amazonas, destacando a exploração econômica baseada na extração de produtos florestais como o cacau, cravo, canela, entre outros. Inicialmente, a mão de obra indígena era utilizada para a coleta e transporte desses produtos, sustentando uma economia mercantil extrativista na região.

O capítulo ressalta como a exploração da Amazônia se deu de forma desordenada, baseada na busca aleatória por produtos naturais, o que levou à dispersão da população ao longo dos rios e afluentes da região. Os povos indígenas foram primeiramente coagidos a participar das atividades extrativistas, o que resultou em conflitos e exploração dessas populações ao longo dos séculos. O autor segue esclarecendo, que, a chegada da era da borracha representou um ponto de virada na economia amazônica, impulsionando o desenvolvimento das cidades e incrementando a exportação do produto. Contudo, a exploração excessiva levou a consequências desastrosas, como a epidemia de doenças carenciais entre a população dos seringais e o abandono da agricultura, resultando em uma completa dependência da borracha.

O colapso da economia extrativista, com a concorrência da borracha cultivada no Oriente, gerou um período de miséria na região, porém, foi também o momento de libertação das populações indígenas e caboclas da opressão vivida durante a era da borracha. Gradualmente, outras formas de exploração dos recursos naturais da região surgiram, mantendo uma economia de trocas mais sustentável. O capítulo retrata a exploração desordenada e predatória da região amazônica ao longo dos séculos, revelando as consequências sociais, ambientais e econômicas desse modelo econômico baseado na extração de produtos florestais. A sobrevivência dos povos indígenas e a busca por alternativas mais sustentáveis de uso dos recursos naturais da Amazônia são temas centrais abordados na obra.

O capítulo segue analisando o vale do rio negro, discorrendo sobre a ocupação europeia no Vale do Rio Negro desde o século XVII, destacando as diferentes tribos e culturas presentes na região. O autor destaca a violência e exploração sofridas pelos índios, tanto por missionários religiosos quanto por colonos, resultando em graves rebeliões indígenas na Amazônia até meados do século XIX. O autor também aborda a chegada dos missionários salesianos em 1916, que se estabeleceram na região e construíram uma igreja e uma missão. Apesar de prestarem alguns benefícios aos índios, como assistência médica e educação, os salesianos são criticados por sua intolerância e destruição da cultura indígena. A substituição das malocas por choças individuais é apontada como um exemplo dessa atitude, que mina a tradição e a organização tribal dos índios. O autor ressalta que a atuação dos missionários salesianos não contribui de forma positiva para a preservação da cultura indígena, levando os índios a se identificarem cada vez mais com a sociedade branca e rejeitarem suas próprias tradições. A narrativa destaca a resistência dos índios e a importância de preservar suas formas de organização e sobrevivência, que são mais adequadas ao ambiente da floresta tropical. Em suma, o autor critica a postura dos missionários salesianos que, ao invés de promover a integração harmoniosa entre as diferentes culturas, acabam por destruir as tradições e modos de vida indígenas, resultando em uma perda irreparável para as comunidades do Vale do Rio Negro.

Seguindo sua exposição, o autor nos fala sobre os índios do Tapajós e do Madeira, abordando a resistência dos povos indígenas da região do Tapajós e do Madeira contra a colonização e dominação dos brancos ao longo dos séculos. Inicialmente, os Torá foram os primeiros a enfrentar os invasores, porém foram enfraquecidos e posteriormente substituídos pelos Mura, que resistiram com sucesso por um longo período, obrigando até mesmo algumas vilas a se mudarem para longe de sua área de ação. Os Mura, por sua vez, acabaram por conhecer elementos da cultura branca, como armas de fogo, e se concentraram na região do Autaz, mantendo uma população considerável até o século XX. Os Munduruku, tribo tupi do Tapajós, sucederam os Mura e expandiram seu território pelo médio e baixo Tapajós, enfrentando tanto tribos locais como os colonizadores. Sua combatividade foi recrutada pelos brancos para enfrentar tribos hostis, mantendo-se autônomos por um longo período. No entanto, devido a fatores como depopulação e influência missionária, as correrias guerreiras dos Munduruku chegaram ao fim. Por outro lado, os Parintintin surgiram como uma nova tribo guerreira no século XIX, ocupando o território dos Torá, Mura e Pirahã, e se tornando obstáculo à expansão dos colonizadores no Madeira. O autor também destaca a selvageria com que os caucheiros e seringueiros atacavam as populações indígenas, destruindo aldeias e causando mortes em busca dos recursos naturais da região. A resistência dos índios, que muitas vezes se rebelavam e aderiam a movimentos de revolta, como a Cabanagem, mostra a luta contínua dos povos indígenas pela posse de suas terras e contra a exploração a que eram submetidos. Ao final, muitos indígenas se adaptaram à sociedade como produtores e mão de obra, mas mantiveram sua identidade tribal e lutaram por sua libertação.

O autor expõe que a ocupação do Juruá-Purus ,região da Amazônia, originalmente habitada por indígenas, foi marcada pela rápida e violenta invasão dos seringueiros em busca de borracha. Com a chegada dos nordestinos fugindo da seca, a população da região rapidamente aumentou, mas em detrimento da população indígena, que foi praticamente dizimada. Os contatos superficiais entre os seringueiros e os povos indígenas resultaram em uma grande confusão em relação às tribos existentes na região, dificultando o trabalho dos etnólogos e linguistas. Os índios foram submetidos a violências, escravidão e exploração, sendo muitas vezes perseguidos, mortos e suas terras invadidas. Os relatórios do Serviço de Proteção aos Índios narram inúmeras chacinas e violências cometidas contra os indígenas, que eram forçados a trabalhar nos seringais em condições miseráveis. Mesmo após anos de conflitos, os índios tentaram resistir e se defender, mas acabaram se rendendo e sofrendo ainda mais opressão. Com o tempo, a presença dos indígenas nas terras concedidas pelo Governo Federal passou a ser vista como uma ameaça e eles foram expulsos, mesmo sendo utilizados como mão de obra gratuita. A exploração e a violência contra os indígenas continuaram, com relatos de massacres e firmas comerciais mantendo homens armados para matar aqueles que se opunham à ocupação predatória de suas terras. A ocupação do Juruá-Purus foi um exemplo trágico de como a ganância, a violência e a exploração dos recursos naturais levaram à destruição de populações indígenas inteiras, deixando um legado de dor e sofrimento para aqueles que habitavam originalmente a região.

Já no capítulo 2, as fronteiras da expansão pastoril, aborda a expansão das fronteiras pastoris no Brasil e o impacto dessa expansão nas populações indígenas do Nordeste. A ocupação do interior do país, inicialmente destinada à criação de gado, levou à dispersão dos criadores de gado por todas as regiões do Nordeste, resultando na ocupação econômica dos extensos sertões interiores. Esse processo de ocupação resultou em conflitos violentos entre os indígenas e os invasores europeus, com os primeiros resistindo à invasão de seu território. Os índios dos sertões do Nordeste opuseram resistência à invasão de seus territórios, sendo trucidados ou apresados como escravos para os canaviais da costa. Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, a administração das aldeias indígenas foi entregue a sacerdotes menos interessados na obra catequética, resultando na exploração dos índios e na reversão das terras concedidas a eles para o domínio de grandes empresas agroindustriais. Os remanescentes indígenas do Nordeste, como os Potiguara, Xukuru, Fulniô, entre outros, enfrentaram dificuldades na manutenção de suas terras e tradições. Muitos foram obrigados a dispersar-se e a se assimilar à sociedade nacional, perdendo a língua tribal e abandonando práticas ancestrais. Mesmo assim, esses grupos indígenas persistiram em se identificar como índios, resistindo à pressão assimilacionista da sociedade envolvente. O autor ressalta a importância de preservar e proteger as terras e tradições dos povos indígenas do Nordeste, destacando a resistência e a resiliência desses grupos em meio às adversidades enfrentadas durante a expansão pastoril no Brasil.

O capítulo 3, expansão agrícola na floresta Atlântica, o autor aborda a expansão agrícola na floresta atlântica do sul do Brasil e o impacto dessa expansão sobre as tribos indígenas que habitavam essa região. O autor descreve como a chegada dos colonizadores e a necessidade de mão de obra escrava levaram à subjugação e, muitas vezes, extinção dessas tribos.

O capítulo também destaca a resistência das tribos indígenas, que lutaram para manter seus territórios e modo de vida tradicional, mesmo diante da invasão e da pressão dos colonizadores. Além disso, mostra como missionários e autoridades tentaram civilizar e catequizar os indígenas, muitas vezes resultando em conflitos e chacinas. A narrativa é detalhada e apresenta um panorama complexo da relação entre colonizadores e indígenas na região da floresta atlântica. O autor destaca o papel da economia, da política e das missões religiosas nesse processo, mostrando as contradições e os conflitos que marcaram a história dessas tribos.

O capítulo 4, penetração militar em Rondônia, discute a penetração militar em Rondônia, focando principalmente na atuação da Comissão Rondon, liderada por Cândido Mariano da Silva Rondon na construção das linhas telegráficas que ligariam Mato Grosso ao Amazonas. O autor aborda como os índios do Brasil eram caçados e oprimidos pela civilização, sendo escravizados e expulsos de suas terras. A atuação da Comissão Rondon se destaca como uma exceção, adotando uma postura amistosa e buscando a integração das tribos indígenas à sociedade brasileira. Rondon, inicialmente destacado para servir em Mato Grosso, teve seus primeiros contatos com populações indígenas, trabalhando para estabelecer relações pacíficas e demarcar terras indígenas. A narrativa destaca a importância de Rondon na proteção dos índios contra a exploração dos fazendeiros, na promoção do trabalho e na defesa dos direitos dos indígenas. Ao longo de sua carreira, Rondon enfrentou desafios e hostilidades, como a pacificação dos Bororo de Garças e a penetração no território dos Nambikwara, considerados índios violentos e antropófagos. Apesar das dificuldades, Rondon conseguiu conquistar a confiança e a amizade das tribos indígenas, evitando conflitos e promovendo a paz. A obra de Rondon não se limitou à construção das linhas telegráficas, mas também contribuiu para o conhecimento das populações indígenas, da geologia, da flora e da fauna do Brasil interior. Sua abordagem humanística e pacífica estabeleceu um novo padrão nas relações entre povos tribais e nações civilizadas. O autor destaca como a atuação de Rondon influenciou a formação dos primeiros indigenistas brasileiros e a criação do Serviço de Proteção aos Índios.

Já o capítulo 5, a política indigenista brasileira, traz a tona o esclarecimento de que a política indigenista brasileira nos primeiros anos da República era marcada por conflitos violentos entre colonos e índios, com tribos sendo exterminadas e terras sendo disputadas. A fundação do Serviço de Proteção aos Índios em 1910 foi uma resposta a esses conflitos, visando proteger os povos indígenas e garantir seus direitos. O autor destaca a atuação do general Rondon, que ganhou destaque por suas expedições e métodos pacíficos de interação com os índios. Ele substituiu a visão tradicional do índio como inimigo e fera indomada por uma imagem mais humanizada, onde os índios mereciam proteção e respeito. As discussões sobre a política indigenista brasileira se dividiam entre abordagens religiosas, que defendiam a catequese como solução, e visões laicas, baseadas no evolucionismo positivista de Auguste Comte. Os positivistas propunham uma política de proteção aos índios, com foco na autonomia das tribos e no desenvolvimento social e econômico. A crítica às missões religiosas também é abordada, mostrando como muitas delas falharam em pacificar os índios e acabaram causando mais conflitos. A proposta de Rondon e dos positivistas para a nova política indigenista incluía a manutenção das tradições tribais, a educação dos índios e o respeito à sua autonomia. Em resumo, o autor apresenta a evolução da política indigenista brasileira, desde os conflitos violentos até a busca por uma abordagem mais pacífica e respeitosa em relação aos povos indígenas. A atuação de figuras como Rondon e a influência do positivismo foram fundamentais para essa mudança de paradigma.

O capítulo 6, a pacificação das tribos hostis, narra que Telésforo Martins Fontes conseguiu finalmente estabelecer contato pacífico com os baenã, demonstrando sua coragem e determinação com um gesto ousado. Em uma situação de extrema tensão, despojou-se de suas roupas e se aproximou dos índios nu e desarmado, em um ato de confiança e busca pela paz. Esses exemplos de bravura e habilidade em lidar com situações delicadas são ilustrativos do processo de pacificação das tribos hostis realizado pelo SPI ao longo dos anos. Essas histórias destacam não apenas os desafios enfrentados pelos servidores do SPI, mas também a importância da perseverança e da compreensão mútua para o estabelecimento de relações pacíficas entre sociedade brasileira e populações indígenas.

Já o problema indígena, exposto no capítulo 7, esclarece, que, no Brasil, desde a atuação inicial do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) até a situação atual das terras indígenas no país, os fundadores do SPI acreditavam na transformação dos índios em lavradores e em sua assimilação completa à sociedade nacional. No entanto, a realidade demonstrou que os índios resistiam à mudança e preservavam suas características culturais. Os índios enfrentaram a exploração e o desrespeito desde a chegada dos portugueses ao Brasil. Mesmo com legislação que garantia seus direitos às terras que habitavam, os índios foram continuamente desalojados e tiveram suas terras usurpadas por fazendeiros, empresários e governos locais. O autor destaca que a posse da terra é essencial para a sobrevivência dos indígenas, mas a falta de fiscalização e ações efetivas do governo têm permitido a invasão e exploração das terras indígenas. Os interesses econômicos muitas vezes se sobrepõem aos direitos e à proteção dos indígenas, levando à perda progressiva de seus territórios. A discussão sobre as terras indígenas no Brasil é apresentada como um problema complexo, que envolve interesses econômicos, políticos e culturais. O autor destaca a necessidade de uma regulamentação eficaz e de ações concretas para garantir a posse das terras indígenas e a preservação das comunidades indígenas no país.

No capítulo 8, as etapas da integração, Darcy narra-nos, que, a integração dos grupos indígenas brasileiros na sociedade nacional ao longo do século XX, analisando as diversas etapas desse processo. Darcy destaca a importância de comparar a situação dos grupos indígenas em 1900 com a situação em 1957, a fim de entender o grau de integração na sociedade nacional e a conservação ou perda da autonomia cultural e linguística. A partir de uma análise sistemática, o autor divide os grupos indígenas em quatro categorias: isolados, em contato intermitente, em contato permanente e integrados. Por meio dessas categorias, ele analisa o comportamento e as transformações vivenciadas pelos grupos indígenas ao longo do tempo. Além disso, o autor discute a intervenção do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) como um fator que influenciou o processo de integração. Ao comparar os dados de 1900 com os de 1957, o autor observa que houve uma drástica redução no número de tribos isoladas e uma modificação profunda na composição dos grupos remanescentes em relação ao grau de integração. Ele destaca que a intervenção protecionista do SPI contribuiu para a sobrevivência de muitos grupos indígenas que, de outra forma, teriam desaparecido. Por fim, o autor ressalta que a integração dos grupos indígenas à sociedade nacional é um processo complexo, com diferentes etapas e desafios. A análise dos dados apresentados demonstra a importância de compreender as dinâmicas sociais e históricas que influenciam a integração dos povos indígenas e a necessidade de políticas de proteção e preservação das culturas indígenas. Em suma, o capítulo oferece uma visão abrangente e detalhada da integração dos grupos indígenas brasileiros ao longo do século XX.

O capítulo 9, as compulsões ecológicas e bióticas, destacam as graves consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, com foco nas doenças que são levadas aos povos indígenas e nas mudanças na organização social e nos hábitos alimentares que resultam desse convívio. As epidemias de gripe, sarampo, varíola e tuberculose são descritas como causas de alta mortalidade entre os índios, que muitas vezes não possuem imunidade contra essas doenças, levando a uma redução drástica das populações. Além disso, as mudanças na dieta e no estilo de vida dos índios resultam em deficiências nutricionais e problemas de saúde, como cáries dentárias e distúrbios motores. O autor também destaca o impacto da pacificação e do contato com civilizados na organização social e nos costumes tradicionais das tribos indígenas. A imposição de novas práticas e a interferência na vida dos índios resultam em desorganização interna, desmoralização e até mesmo no colapso de alguns grupos, que se veem obrigados a se adaptar a um novo modo de vida. Em resumo, a resenha do conteúdo apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, destacando a importância da preservação da cultura e dos hábitos tradicionais dos povos indígenas para garantir sua sobrevivência e bem-estar.

No capítulo 10, o autor discute as repercussões das coerções socioeconômicas sobre os grupos indígenas que entram em contato com a sociedade brasileira em expansão. Ele destaca como a imposição de novos elementos tecnológicos, como ferramentas de metal e outros bens da civilização, influenciam a cultura e a vida tribal. A introdução desses elementos pode levar a mudanças profundas na estrutura econômica e sociocultural das tribos, afetando sua autonomia e levando a uma dependência econômica fatal. O autor discute como a adoção desses elementos pode trazer benefícios, como maior eficiência nas atividades produtivas e disponibilidade de tempo para o lazer, mas também desafios, como a desintegração das unidades sociais tradicionais, a estratificação étnica e a desorganização social. A introdução de novas tecnologias também pode levar à individualização, à competição racionalista e ao desenvolvimento de atitudes competitivas. Além disso, o autor aborda como a introdução de novos elementos culturais pode levar à degradação da arte indígena, à desvalorização das práticas tradicionais e à perda de identidade cultural. Ele ressalta a importância de equilibrar o valor operativo das inovações com seu valor funcional, para evitar desajustamentos que possam levar ao colapso da vida tribal.

O capítulo 11 discute a interação entre as culturas tribais e a nacional, explorando como as representações simbólicas do mundo e os corpos de crenças e valores motivam a conduta dos povos indígenas diante do impacto da civilização. O autor destaca que essa interação não se resume a simples confrontos culturais, mas sim a um complexo processo de transfiguração étnica, no qual as crenças e valores indígenas são constantemente redefinidos para se adequarem às novas realidades impostas pelo contato com a civilização. Por meio de diversos exemplos de diferentes tribos indígenas, o autor ressalta como as tradições míticas são reajustadas para explicar e justificar as transformações vivenciadas pelo grupo. Mostra como o sincretismo religioso, os movimentos messiânicos e as reações contra-aculturativas são formas de resistência e adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno. Destaque é dado ao caso dos Bororo, que mesmo após décadas de convivência com os missionários e a integração na economia regional, conseguiram preservar seus cerimoniais fúnebres, manifestando orgulho e identidade cultural em suas práticas rituais. Isso evidencia a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas em meio a desafios culturais e socioeconômicos. Em resumo, o capítulo aborda a complexidade das reações étnicas diferenciais dos povos indígenas frente à modernidade, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural em um mundo em constante transformação. É um estudo profundo e perspicaz sobre as dinâmicas culturais e sociais dos povos indígenas diante dos impactos da sociedade nacional.

Já no último capítulo, conclusões, o autor revela que a população indígena do Brasil representa menos de 0,2% da população nacional, com a maioria das tribos localizadas na região da Amazônia. As populações indígenas são classificadas em quatro categorias de acordo com o grau de contato com a sociedade nacional: isolados, contato intermitente, contato permanente e integrados. Cada categoria representa uma etapa no processo de integração das populações indígenas na sociedade nacional, com algumas tribos enfrentando a extinção devido aos impactos da civilização. O autor também destaca a influência dos diferentes setores econômicos (extrativista, agrícola e pastoril) na interação com as tribos indígenas, sugerindo que a dinâmica da sociedade nacional desempenha um papel crucial no destino das tribos. Além disso, são apresentados fatores causais da transfiguração étnica, como as compulsões ecológicas, bióticas, tecnológico-culturais, socioeconômicas e ideológicas que levam as tribos indígenas da condição de índios tribais à de índios genéricos. A sequência típica da transfiguração étnica descrita no conteúdo aborda a progressão do processo de aculturação e integração das tribos indígenas com a sociedade nacional, destacando a importância do ritmo e intensidade dessa transformação no destino de cada grupo. Por fim, a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é descrita como mediada por representações preconceituosas que isolam e perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o conteúdo faz uma análise profunda e detalhada sobre a população indígena brasileira, destacando os desafios enfrentados pelas tribos na integração com a sociedade nacional e os impactos dessa interação no destino e identidade desses grupos étnicos. É um estudo relevante que contribui para a compreensão da diversidade étnica e cultural do Brasil.

O livro "Os índios e a civilização", de Darcy Ribeiro, é uma obra fundamental para compreender as relações entre as populações indígenas e a sociedade brasileira ao longo do século XX. O autor analisa de forma profunda e detalhada as diversas etapas do processo de integração e transfiguração étnica das tribos indígenas, destacando os impactos da expansão agropecuária, da industrialização e da urbanização no destino e na identidade desses povos.

Darcy Ribeiro apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, evidenciando as epidemias, a perda da autonomia cultural e linguística, a exploração e a violência sofridas pelas populações indígenas. Ele destaca a resistência, a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural. Ao longo dos capítulos, o autor aborda a atuação do Serviço de Proteção aos Índios, a introdução de novas tecnologias e elementos culturais, as compulsões ecológicas e bióticas, as repercussões das coerções socioeconômicas e as diferentes categorias de contato dos grupos indígenas com a sociedade nacional. Ele analisa os desafios enfrentados pelas tribos na manutenção de suas terras, tradições e identidade cultural, ressaltando a importância da preservação e proteção das terras indígenas para garantir a sobrevivência e bem-estar dessas comunidades.

Em sua conclusão, Darcy Ribeiro destaca a influência dos diferentes setores econômicos na integração das populações indígenas na sociedade nacional, e ressalta a importância de compreender a dinâmica da sociedade brasileira para entender o destino das tribos indígenas. Ele conclui que a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é mediada por representações preconceituosas, que perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o livro de Darcy Ribeiro é um estudo profundo e perspicaz sobre as relações interétnicas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação, transfiguração étnica e integração das populações indígenas na sociedade brasileira. É uma obra essencial para quem busca compreender a diversidade étnica e cultural do país e refletir sobre os desafios e dilemas enfrentados pelos povos indígenas em meio à modernidade.

Resenha: O Brasil como problema, de Darcy Ribeiro

 

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Os textos aqui reunidos são um retrato da paixão imensa que Darcy Ribeiro tinha pelo nosso país. Ele sonhou o Brasil como uma nova civilização, e foi à luta. Aqui Darcy fala claramente o que pensa sobre o Brasil e seus desafios, a história das sociedades humanas, as Américas, abrangendo as relações sociais básicas e os meios de subsistência dos povos.


RESENHA


O livro 'O Brasil como problema', do autor Darcy Ribeiro, é uma antologia de ensaios e estudos acerca dos problemas de desenvolvimento, sustentabilidade e sociedade no país. A obra é dividida em quatro seções, sendo elas: "O Brasil em causa", que visa analisar sob várias óticas os problemas relacionados à crise ética e política, às causas, aos problemas e ao envolvimento dos indígenas na história do desenvolvimento do Brasil. A segunda parte, intitulada "ensaios", é uma análise minuciosa da origem e formação dos povos latino-americanos, da Amazônia e de seus povos e das diferenças existentes entre o governo e o ato de governar e pensar social da Suíça como exemplo a ser seguido. O terceiro capítulo, "temas e fazimentos", narra o memorial da América Latina e a universidade do terceiro milênio, enquanto o quarto e último capítulo, "temas e problemas", se dedica a uma investigação empírica da urgência de temas como o Estado, as universidades e a chacina promovida pela lei agrária no país.


O Brasil é um país que se construiu independentemente dos desígnios de seus colonizadores, surgindo como um novo povo distinto de qualquer outro. Resultado da colonização europeia nas Américas, o Brasil é uma mistura de raças e culturas que se fundiram para criar uma nova civilização. Apesar de suas origens europeias, africanas e indígenas, os brasileiros são únicos e desafiados a se reinventarem, sendo herdeiros de uma terra exuberante que precisa ser preservada. O país é uma nação étnica e coesa, com potencial para se tornar uma civilização autônoma, solidária e influente no mundo. A população brasileira é unida pela língua e cultura, marcada pela criatividade e diversidade provenientes das influências de suas matrizes. Apesar dos desafios enfrentados, como a inclusão dos povos indígenas e negros, a pluralidade do Brasil é sua força para conquistar um futuro baseado no desenvolvimento.


Os capítulos podem ser analisados separadamente ou em uma única unidade de sentido, analisando o panorama proposto pelo autor em relação aos problemas que impedem, de certa forma, o desenvolvimento do Brasil e as problemáticas que povoam mortes e pobrezas entre os povos mais explorados.


Se pudéssemos analisar de forma mais elaborada as idéias do autor, poderíamos começar inferindo que a crise ética e política no Brasil é evidente, com escândalos de corrupção e desmandos que comprometem a normalidade institucional. O impeachment do Presidente da República e as investigações no Congresso Nacional mostram a gravidade da situação. A falta de punição para os envolvidos e as tentativas de limitar as investigações levantam questões sobre a capacidade do país de combater a corrupção e formar cidadãos íntegros. O Parlamento e o Judiciário também são alvo de críticas, com acusações de corrupção, injustiça e falta de transparência. A população exige uma atuação ética e responsável dessas instituições, que devem estar a serviço da nação e não de interesses particulares. Também menciona os desafios enfrentados pelo país na atual conjuntura, ressaltando a importância de uma política econômica voltada para a soberania nacional e o desenvolvimento independente e sustentável. Por fim, enfatizamos a necessidade de negociar a dívida externa e preservar as empresas públicas como estratégias para garantir o futuro do Brasil.


O autor destaca a corrupção e o clientelismo como graves problemas que afetaram a máquina administrativa brasileira, causando distorções e prejuízos. Ele critica a prática de nomeações políticas para cargas públicas e aponta a influência nociva das grandes empresas e multinacionais na economia nacional. Além disso, ele questiona a capacidade do empresariado brasileiro em promover o progresso e a distribuição de riqueza, apontando para a concentração de renda e a predominância de interesses estrangeiros no cenário econômico. As elites do Brasil, formadas por patronado e patriciado, são responsáveis ​​pela falta de ameaças no país, privilegiando a concentração de riqueza e poder em suas mãos. Enquanto nos Estados Unidos, as elites abriram oportunidades para os pioneiros cultivarem terras, no Brasil, a lei de terras de 1850 instituiu o monopólio da terra.


O atraso e a pobreza no Brasil são causados ​​principalmente pelo caráter retrógrado das classes dominantes, que sempre atuaram em benefício próprio, explorando o país para atender demandas externas. É preciso buscar caminhos de superação do subdesenvolvimento autoperpetuante e romper com a perversão econômica que perpetua a pobreza da maioria da população. É um desafio encontrar uma solução para os problemas comuns do Brasil e do mundo subdesenvolvido, que aguardam uma mudança de postura em relação ao mercado internacional. Vivemos uma conjuntura trágica, onde as diretrizes econômicas são insensíveis e alienadas aos interesses nacionais. Para avançar, é preciso formular um projeto de integração baseado no desenvolvimento social e na associação com os povos explorados. Todos somos prejudicados pela desigualdade social, pela falta de preocupação com as necessidades do povo e pela manutenção de uma sociedade injusta. 

Diante da atualidade marcada pela dívida externa e pela política de privatizações, os brasileiros enfrentam o desafio de compreender e equacionar essas questões para o destino da nação. Em um contexto em que um pensamento de direita é predominante, é necessário buscar alternativas diante do fracasso das esquerdas socialistas. As sociedades evoluem de maneiras diversas, com algumas se destacando e impondo sua hegemonia sobre outras. O Brasil, por absorver os frutos da Revolução Industrial sem se tornar um polo autônomo, acabou se tornando dependente e recolonizado. No entanto, o país, com suas condições únicas e sua população homogênea, tem potencial para se tornar uma sociedade vanguardeira, autônoma e próspera. A política atual, baseada no lucro e na privatização, leva ao empobrecimento generalizado e à concentração de riqueza. É necessário buscar uma abordagem mais responsável, que promova a colaboração das empresas estrangeiras com os interesses nacionais e a distribuição equitativa dos investimentos regionais. A submissão ao mercado global, sem uma vigilância eficaz, pode comprometer a soberania e as potencialidades do povo brasileiro.


Atualmente, o Brasil enfrenta dois desafios cruciais: a negociação da dívida externa, principalmente com os EUA, e o aumento das privatizações inspiradas pelo FMI. A dívida externa tornou-se um instrumento de chantagem e extorsão dos países ricos, controlando as nações pobres que produzem insumos para o capitalismo. O governo Collor tentou resistir aos banqueiros internacionais, mas acabou impondo medidas que causaram recessão e desemprego. Já o governo Itamar aprofundou o neoliberalismo, alegando não haver alternativa para a modernização econômica. O histórico da dívida brasileira remonta ao Império, onde o endividamento se tornou um vício. A exceção foi Getúlio Vargas, que modernizou o Estado e lançou as bases do desenvolvimento autônomo. Atualmente, não se sabe ao certo a situação real da dívida externa brasileira, que explodiu na última década, tornando-se a causa principal da crise econômica.


Estudos do professor Luiz Fernando Victor da Universidade de Brasília mostram que, de 1956 a 1988, o Brasil assumiu empréstimos e financiamentos de 267 bilhões de dólares, enquanto pagava 287 bilhões de dólares em serviço da dívida. Além disso, o país recebeu 33,5 bilhões de dólares em capitais de risco, mas remeteu 24,5 bilhões em lucros e dividendos, resultando em um saldo positivo de apenas 4,5 bilhões de dólares. Isso evidencia que o Brasil é, na verdade, um exportador de capital, com uma dívida crescente. A situação se agrava na América Latina, onde houve um prejuízo de 200 bilhões de dólares de 1982 a 1988 devido à transferência líquida de capital para os países credores. A política de privatizações, fortemente influenciada pelos países ricos, não resolverá os problemas econômicos do Brasil e apenas agravará a situação. A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional foi um escândalo na história econômica do Brasil, sendo entregue a banqueiros por um preço muito baixo. A empresa junto com a Companhia Vale do Rio Doce representaram um marco na industrialização nacional, mas foram espoliadas por interesses privados durante a ditadura militar. Atualmente, a Vale possui um patrimônio enorme e está na mira dos tecnocratas que querem privatizá-la. Outras empresas estatais como Petrobras, Eletrobras e Embratel estão sendo alvo de privatização, o que representaria um prejuízo irreparável para o país. A tendência de privatização adotada pelo governo brasileiro está sendo questionada, pois em outros países, a desestatização é feita de forma mais cautelosa e responsável. A privatização na Inglaterra, por exemplo, resultou em problemas sociais e na queda do país no ranking das potências mundiais. O processo de privatização no Brasil está sendo conduzido de forma imprudente e prejudicial à economia nacional.


A importância da etnia na formação do ser humano é destacada, ressaltando que a comunidade étnica é essencial para a transmissão de conhecimento, valores e cultura. A língua e os saberes verbais são fundamentais para a identidade e sobrevivência de um grupo étnico. Mesmo diante de ameaças e influências externas, as comunidades étnicas têm uma notável capacidade de resistência, desde que consigam manter a tradição e criar os filhos dentro dos valores e conhecimentos do grupo. Além disso, é destacado que as microetnias, formadas a partir da divisão de grupos maiores, tendem a manter uma identidade própria e uma hostilidade em relação a outras microetnias.


Temas e problemas: Qual a causa real de nosso atraso e pobreza?

Esse capítulo, em especial, critica a ideia de Estado mínimo defendida pelos neoliberais, argumentando que o Estado brasileiro precisa ser recuperado e fortalecido para cumprir suas funções essenciais, como assistência social, educação e segurança. Destaca a necessidade de um Estado que atue em prol do povo brasileiro e não apenas dos interesses dos mais ricos. Critica também as políticas neoliberais que resultaram na precarização dos serviços públicos e na deterioração da máquina do Estado. Propõe uma reforma do Estado que o torne mais eficaz, ético e responsável, capaz de promover o desenvolvimento nacional autônomo e garantir o bem-estar da população. Em vez do Estado mínimo, defende o Estado necessário.


O capítulo também ameaça de genocídio imposta pela Lei Agrária brasileira, que impede a distribuição de terras improdutivas para os sem-terra. O movimento dos sem-terra reivindica direito à terra para viver e trabalhar, em oposição à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários. A história do regime fundiário brasileiro é descrita como injusto e desigual, resultando na expulsão de milhões de pessoas do campo para as cidades. A reforma agrária proposta por João Goulart foi interrompida pelo golpe de 1964, impedindo a distribuição de terras e perpetuando o domínio dos latifundiários. A solução para a questão agrária no Brasil requer a distribuição de terras improdutivas aos sem-terra e a promulgação de uma lei do uso lícito da terra, revertendo terras mal adquiridas para programas de colonização. O texto conclui que o Brasil precisa escolher entre manter o sistema fundiário arcaico e injusto ou construir uma sociedade livre, justa e participativa.


O texto se consolida também narrando a experiência de vida do autor que dedicou sua vida a lutar por diversas causas, como a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária e o socialismo em liberdade. Ele se inspirou na generosidade e no compromisso dos antigos comunistas e acredita que a juventude atual precisa se engajar mais politicamente para superar as desigualdades e injustiças no Brasil. Ele ressalta a importância da unidade nacional, do orgulho da identidade brasileira e da responsabilidade histórica de construir uma sociedade mais justa e democrática. Ele conclama os jovens a se envolverem ativamente nas lutas por uma economia mais justa e pela democratização do acesso à terra.


O livro se finaliza com um capítulo intitulado 'Universidades, para quê?' com um discurso pronunciado durante a cerimônia de posse do reitor Cristovam Buarque, em 16 de agosto de 1985. Onde reflete sobre a importância e o significado da Universidade de Brasília, destacando as figuras que contribuíram para sua criação e desenvolvimento. Ele ressalta a necessidade de uma universidade séria no Brasil que possa promover a criatividade científica e cultural, e critica a universidade brasileira anteriormente existente. Darcy também elogia o novo reitor, Cristovam Buarque, e expressa a esperança de que a UnB renasça e cumpra seu papel como uma instituição de ensino de alta qualidade.


Em resumo, 'O Brasil como problema' é uma obra rica em análises e reflexões sobre os desafios enfrentados pelo Brasil em seu desenvolvimento como nação. Darcy Ribeiro apresenta uma visão crítica e propositiva, apontando os problemas estruturais e éticos que impedem o progresso do país, ao mesmo tempo em que destaca o potencial e a força da cultura brasileira. O autor enfatiza a necessidade de uma atuação responsável por parte do Estado e da sociedade, visando a construção de uma nação mais justa e solidária. É uma leitura fundamental para quem busca compreender as complexidades do Brasil e as possibilidades de transformação rumo a um futuro mais promissor.

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