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Resenha: O negro no mundo dos brancos, de Florestan Fernandes



APRESENTAÇÃO

A década de 1960 ficou assinalada pelo incremento dos estudos sobre o negro brasileiro. Durante muitos anos, analisada em um ou outro livro ou artigo esporádico, a participação do descendente de africano no Brasil começou a ser reavaliada (segundo alguns de maneira um tanto idealizada) por Gilberto Freyre, em Casa- grande & Senzala (1933). Nos anos seguintes, os estudiosos assumiram posições mais realistas, pondo de lado velhos chavões como a inexistência de preconceito racial no país. Buscaram-se enfoques inéditos de abordagem do problema, analisaram-se aspectos ainda não avaliados, sempre amparados em pesquisa de campo e levantamento minucioso de dados. O Negro no Mundo dos Brancos, do professor Florestan Fernandes, reflete essas tendências através de seus quatorze ensaios, centrados na preocupação com a supremacia da "raça branca" e o controle do poder que ela exerce em nossa sociedade, fazendo do Brasil um mundo social modelado pelo branco e para o branco. Estudando a situação do negro e do mulato na sociedade brasileira, vista a partir de São Paulo, Florestan Fernandes levanta os caminhos sinuosos assumidos pelo preconceito, os seus disfarces e o processo de segregação racial, sem agravar ou atenuar o problema. Sua visão é de que o equilíbrio racial na sociedade brasileira "procede do modo pelo qual os dois polos se articulam com um mínimo de fricção", padrão de equilíbrio que é a própria base da desigualdade racial. O livro aborda ainda outros assuntos mais heterogêneos e fortuitos, como o significado das pesquisas sobre relações raciais, a presença do negro "em nosso folclore e nos quadros da religião popular", todos eles se comunicando entre si, ajudando a desvendar a situação real do negro na sociedade brasileira, mas também afirmando as "preocupações morais e políticas" do autor.

RESENHA

A obra "O negro no mundo dos brancos", de autoria do renomado sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, é uma importante contribuição para a compreensão das relações raciais no Brasil. Publicado originalmente em 1972, este livro reúne uma série de ensaios escritos entre 1965 e 1969, com alguns textos elaborados ainda na década de 1940.

O principal objetivo da obra é analisar a situação do negro e do mulato na sociedade brasileira, com ênfase especial na cidade de São Paulo. Essa escolha se justifica pelo fato de São Paulo ter se tornado o principal centro urbano-industrial do país, representando um lócus privilegiado para a observação das transformações sociais e das dinâmicas das relações raciais no contexto da emergência da ordem social competitiva.

Organizada em três partes, a obra aborda diferentes aspectos do "dilema racial brasileiro", desde as raízes históricas da desigualdade racial até as perspectivas futuras de democratização das relações entre brancos, negros e mulatos. Nesta resenha, serão destacados os principais argumentos e contribuições apresentados por Florestan Fernandes em cada uma das seções do livro.

Na primeira parte, intitulada "As barreiras da Cor", Fernandes analisa como a desagregação do regime escravista e a consequente transição para a ordem social competitiva não resultaram em uma efetiva democratização das relações raciais no Brasil. Ao contrário, o autor demonstra que a abolição da escravidão não foi acompanhada de medidas que garantissem a integração do negro e do mulato na nova estrutura social.

Nesse sentido, Fernandes argumenta que a Abolição significou, na prática, uma "última espoliação" do ex-escravo, que se viu desprovido de qualquer amparo ou assistência para enfrentar as exigências do trabalho livre e da economia de mercado. Assim, o negro e o mulato foram "expulsos para a periferia da ordem social competitiva", relegados a ocupações precárias e marginalizados dos principais canais de mobilidade social ascendente.

Essa dinâmica é evidenciada pela análise dos dados censitários, que revelam a persistência da concentração racial da renda, do prestígio social e do poder nas mãos da população branca. Fernandes demonstra, por exemplo, que, em 1950, apenas 2,5% dos empregadores em São Paulo eram negros ou mulatos, apesar de estes representarem 11,16% da população total do estado.

Além disso, o autor identifica a existência de um "preconceito de não ter preconceito" na sociedade brasileira, em que o reconhecimento formal da igualdade racial convive com a manutenção de práticas discriminatórias e de um sistema de relações assimétricas herdado do período escravista. Nesse contexto, a "democracia racial" se revela mais um mito do que uma realidade efetiva.

Na segunda parte, intitulada "O Impasse Racial no Brasil Moderno", Fernandes aprofunda a análise das dinâmicas que perpetuam a desigualdade racial no país, explorando as conexões entre a estrutura da ordem social competitiva e a persistência de padrões tradicionais de relações raciais.

O autor argumenta que a imigração europeia, ao se inserir privilegiadamente no mercado de trabalho urbano-industrial em expansão, contribuiu para a marginalização ainda maior do negro e do mulato, que se viram excluídos das melhores oportunidades econômicas e sociais. Essa situação, somada à falta de preparo desses grupos para as exigências do trabalho livre e da vida nas cidades, levou a uma profunda desorganização social e a uma "desmoralização coletiva" no "meio negro".

Fernandes também analisa os movimentos sociais organizados pela população negra e mulata, especialmente em São Paulo, durante as décadas de 1920 a 1940. Embora esses movimentos tenham representado uma importante tentativa de afirmação da identidade racial e de reivindicação por igualdade, o autor demonstra que eles acabaram sendo neutralizados pela indiferença e pela incompreensão da sociedade inclusiva, incapaz de absorver as demandas por democratização das relações raciais.

Nesse cenário, Fernandes identifica a persistência de um "padrão tradicionalista e assimétrico de relação racial", em que o preconceito e a discriminação continuam a operar, mesmo após a abolição formal da escravidão. Essa situação, por sua vez, acaba por perpetuar a concentração racial da renda, do prestígio social e do poder, comprometendo as possibilidades de uma efetiva democratização das estruturas sociais.

Na terceira e última parte, intitulada "Em Busca da Democracia Racial", Fernandes discute as perspectivas futuras para a superação do "dilema racial brasileiro". O autor reconhece a existência de potencialidades favoráveis à democratização das relações raciais no país, como a gradual inserção do negro e do mulato no sistema de classes e a expansão de uma "classe média de cor".

No entanto, Fernandes também identifica fatores que dificultam essa transição, como a persistência de estruturas sociais arcaicas na esfera das relações raciais e a dificuldade de mobilização coletiva da população negra e mulata, em um contexto marcado pela indiferença e omissão do segmento branco da sociedade.

Nesse sentido, o autor argumenta que a concretização de uma autêntica democracia racial no Brasil depende de uma "ruptura profunda com o passado", exigindo não apenas a transformação das estruturas sociais, mas também uma mudança radical na consciência social e nos valores predominantes na sociedade brasileira. Fernandes defende, assim, a necessidade de políticas públicas e de um engajamento efetivo da sociedade na superação das desigualdades raciais, sob pena de a "democracia racial" permanecer como um mito, sem se concretizar na prática.

A obra "O negro no mundo dos brancos" representa uma contribuição fundamental para a compreensão das relações raciais no Brasil. Ao analisar a situação do negro e do mulato no contexto da transição do regime escravista para a ordem social competitiva, Florestan Fernandes desvenda os mecanismos que perpetuam a desigualdade racial, mesmo após a abolição formal da escravidão.

Sua abordagem sociológica, amparada em uma vasta pesquisa empírica, permite revelar as contradições entre os ideais de igualdade e democracia racial e a realidade concreta de exclusão e marginalização vivenciada pela população negra e mulata. Nesse sentido, o livro se constitui como um importante marco na produção acadêmica sobre as relações raciais no Brasil, contribuindo para a desmistificação da noção de "democracia racial" e apontando caminhos para a sua efetiva construção.

Ao mesmo tempo, a obra de Fernandes suscita reflexões fundamentais sobre o papel da ciência social na compreensão e na transformação da realidade social. Ao desvelar os impasses e as contradições da situação racial brasileira, o autor demonstra a importância de uma postura engajada do cientista social, comprometido não apenas com a produção de conhecimento, mas também com a superação das desigualdades e a construção de uma sociedade mais justa e democrática.


Referências

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.

IANNI, Octavio. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

MAIO, Marcos Chor. A história do projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no Brasil. Tese de doutorado, IUPERJ, 1997.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

[RESENHA #545] A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes

Foto: Colagem digital / Post Literal


APRESENTAÇÃO:

Como resposta ao golpe de 64 Florestan Fernandes publicou “A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica”. Não demorou para que o livro se tornasse um dos clássicos do pensamento sociológico crítico no país.

Em 2020, ano do centenário do autor, a Editora Contracorrente, em parceria com a Kotter Editorial, inaugura a Coleção Florestan Fernandes com essa antológica obra, que conta com prefácio dos Professores André Botelho e Antonio Brasil Jr., ambos da UFRJ, e um posfácio do Prof. Gabriel Cohn.

A Coleção Florestan Fernandes é coordenada pelo Professor Bernardo Ricupero, da USP, para quem “A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica” é a culminação da obra de Florestan Fernandes e “corresponde a uma espécie de encruzilhada, na qual o sociólogo que foi encontra o publicista revolucionário que se torna. É, portanto, um bom lugar para começar a reedição da obra desse sociólogo comprometido, no sentido mais pleno do termo”.



RESENHA


Florestan escreveu o livro A Revolução Burguesa no Brasil para analisar como o capitalismo brasileiro mudou. Ele mostrou como as classes dominantes e a dominação de classe influenciaram essa transformação, discutindo os elementos econômicos, sociais, ideológicos e utópicos. Ele discordou de outros sociólogos que acreditavam que a revolução burguesa brasileira se deu sob o contexto da dominação imperialista, como Barrington Moore Jr., que achava que a última revolução burguesa foi norte-americana. Florestan acredita que a Revolução Burguesa é a força que está por trás da mudança social e do progresso, mas também acredita que existem certos limites ao longo do tempo que podem diminuir sua eficácia.


Florestan Fernandes começa a escrever uma obra em 1966, mas acaba desistindo no mesmo ano. Ele volta de exílio em 1972 e conclui a obra em 1974. A obra mistura conceitos e procedimentos de Max Weber, Karl Mannheim e Karl Marx para explicar processos históricos e sociais. Esta obra marca um novo posicionamento de Florestan Fernandes devido a uma crise social que mostrou o esgotamento de sua proposta de "Brasil moderno".


Florestan estudou como as pessoas e seus ideais influenciaram o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Ele buscou descobrir quais eram os agentes humanos responsáveis pelo espírito do capitalismo, que criou a ordem social competitiva típica desta fase.


A dependência econômica do Brasil é mantida por um mecanismo dual de extração de excedente econômico, onde os países centrais não agem diretamente no Brasil, mas através da sua própria burguesia. Para que isso aconteça, a burguesia tem que ter o poder político, o que Florestan chamou de "revolução burguesa" ou autocracia burguesa. Esta concentração de poder político, por sua vez, direciona o destino da nação ao destino do seu parceiro externo, o capital estrangeiro.


No final do século XIX, o Brasil começou a entrar na era do capitalismo dependente. A partir de 1880, o país passou por diversas mudanças econômicas, políticas e sociais que influenciaram a história do país. Esta era foi dividida em duas fases principais: o capitalismo competitivo (de 1880 a 1964) e o populismo demagógico (de 1964 em diante). Durante o capitalismo competitivo, o país viveu um momento de aceleração industrial, enquanto durante o populismo demagógico houve a ampliação da industrialização e a entrada de empresas multinacionais no Brasil.


Florestan diria que governantes ricos que tentam se identificar com as pessoas comuns, mas que estão ligados a interesses de sua própria classe, são demagogos populares. Ele acreditava que esses demagogos podiam ser revolucionários e às vezes a preferência da população pelo demagogo significava que a melhor maneira de lutar pela causa popular seria o demagogo. No entanto, isso nunca aconteceu no Brasil.


Mesmo que os governos tenham tentado manter as pessoas trabalhadoras com promessas populares, nos anos 1960 surgiram movimentos de massa anti-burgueses. Estes movimentos influenciaram pessoas de todos os grupos sociais e estendiam suas influências revolucionárias para as classes mais baixas. Apesar disso, o governo ainda usava o populismo para manter o status quo.


A elite brasileira achou que as pessoas estavam querendo mudar a sociedade e se livrar dos costumes antigos. Eles não queriam que isso acontecesse e fizeram um golpe militar para tentar impedir o que acreditavam ser uma revolução socialista. Eles tentaram conter a pressão que havia para mudar a sociedade por meio de uma ditadura militar.


Sem os militares, o poder político não seria concentrado tão facilmente. A ditadura militar foi responsável por ajudar o país a se integrar às economias e ao sistema de poder dos países capitalistas centrais e de sua superpotência. Isso resultou em uma nova forma de exploração da periferia, mais cruel e completa que as anteriores, nascidas da dominação colonial direta e do indirect rule.


As classes dominantes (ricos e poderosos) usaram os militares para mudar o Brasil de uma economia competitiva para uma economia monopolista, mantendo o país dependente de outros países. Eles realizaram uma modernização conservadora do país, em vez de realizar uma revolução nacional, como aconteceu em Cuba.


Em 1964, os militares do Brasil aplicaram uma estratégia contrarrevolucionária para a "modernização" do país. Isso criou um Estado autoritário com três principais características: uma aparência democrática, uma política econômica conservadora e um caráter fascista para reprimir qualquer protesto. Amodernização criada pelo governo militar não era realmente uma modernização, pois ainda havia dependência. A única maneira de modernizar o país seria conquistando independência dentro ou fora da ordem, seja com revolução ou com socialismo.


Florestan estava examinando como os ricos e poderosos controlam a situação no Brasil, ao longo da história. Ele percebeu que, quando havia uma transição para uma democracia, havia acordos que mantinham os processos de modernização, mas não mudavam a realidade das classes dominantes.


Em síntese, uma obra magistral da análise da revolução burguesa no Brasil. Um livro completo para se ler por todos os leitores ávidos pelo conhecimento.


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