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Rinaldo Segundo transforma emoções humanas em personagens ficcionais em novo livro

Foto: Acervo Pessoal / Rinaldo Segundo


“O país se buscava, enquanto eu me perseguia. Mas quem eu era? Embora já soubesse a resposta, percorri um longo percurso até viver a minha revelação.”

(Trecho da pág. 58)

O terceiro livro do mato-grossense Rinaldo Segundo ensaia os dilemas do viver e do sentir no livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Natural de Várzea Grande e atualmente vivendo em Cuiabá, no Mato Grosso, Rinaldo é formado em Economia e Direito com mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Harvard Law School. Além disso, segue carreira profissional como promotor de Justiça atuando na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Um trabalho intenso onde testemunha histórias que o colocam cara a cara com a dor alheia. 

Seu livro apresenta oito contos ficcionais, cada um sobre uma emoção, classificada como tal ou apropriada pela liberdade artística. São histórias permeadas também por dramas sociais, tais como crianças abrigadas, racismo, diferenças sociais e populismo jornalístico. 

“Descobri o tema das emoções ao buscar identificar as minhas próprias emoções. Convivo com a dor alheia em meu trabalho como promotor de Justiça, testemunho mães que perderam os seus filhos, crianças sexualmente abusadas e vulnerabilidades sociais”, explica o escritor. “Em alguma medida, tais dores se tornam minhas também, e convertem-se em ilusões e desilusões nos casos em que atuo.” 

Para ele, escrever ficção sobre as emoções foi uma libertação, uma vez que seu cargo representa a força estatal e por ser um homem nascido nos anos 70 cujas emoções eram “naturalmente negadas”. “Traduzir a dor alheia e a minha também em histórias realistas me tornou mais humano.”

Um mergulho na complexidade humana

Foto: Divulgação / Comtato

Na obra, o autor expõe como as emoções são capazes de domar e serem domadas. Como as emoções, mesmo que universais, só podem ser medidas e experimentadas na individualidade. Tal como uma minissérie, os capítulos são nomeados como Solidão, Alegria, Vergonha, Esperança, Medo, Raiva, Paixão e Felicidade. 

“Evidentemente, os contos têm personagens, mas eu também imaginei as emoções como protagonistas das histórias humanas. As emoções protagonizam mudanças e a própria vida das pessoas, como quando alguém tem um acesso de raiva e mata outra pessoa, ou quando no final da vida, alguém percebe ter sido feliz. Por isso, cada conto tem um título remetendo a elas”, justifica.

Em sua estreia na ficção, o autor concebe personagens ricos e com histórias pregressas que tendem a explorar suas intimidades. Alguns deles, como o protagonista de “Alegria”, demonstram ainda uma sofisticação sarcástica em suas interações. A escrita de Rinaldo traduz a natureza complexa das emoções em situações trágicas e cômicas que podem vir ou não, a acabar em redenção. Seus contos falam, sobretudo, de humanidade. 

“Tanto quanto homo sapiens, somos homo motus, seres emocionais. Podemos viver sem ter consciência delas, é verdade, mas elas estão em nossas escolhas e decisões 24 horas por dia. Às vezes, essas emoções são complexas, formadas pela união delas, e às vezes, elas se sucedem rapidamente”, comenta. 

A humanidade sempre lidou com as emoções. E um dos argumentos do livro é justamente mostrar como sem elas, qualquer sujeito se resume a um ser unidimensional. As emoções, por meio de seu portador, podem ser aprisionadas ou permitidas. 

Novos livros em vista

Rinaldo sempre escreveu contos, mas precisou sentir-se confiante para publicar as histórias presentes em “Emoções”. Aos 45 anos, o autor já publicou “Sonhando com Harvard”, em que compartilha suas memórias e conta os passos e iniciativas que o levaram a uma das melhores universidades do mundo, além da não-ficção “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” que, por sua vez, trata do aquecimento global e do desmatamento amazônico, discutindo um modelo de geração de riquezas e redução do desmatamento que dialoga com os desafios ecológicos globais. O livro é fruto da pesquisa de Rinaldo enquanto esteve na universidade americana. 

O autor pretende agora escrever um segundo volume de contos ficcionais. Mais uma vez, relacionado às emoções. Dessa vez, Rinaldo promete tratar de temas mais espinhosos."Quero abordar um lado humano mais esquisito e sombrio, com emoções como a tristeza, o ciúme e o desprezo”, revela. Ele também tem em mente um novo livro de memórias, dessa vez, sobre a experiência de trabalhar com crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. "Pretendo expor os bastidores e os desafios daquele tipo de trabalho."

Leia um trecho de “Emoções: A Grandeza Humana” (pág. 47):

“Uma criança com um balão não imagina o gás hélio sólido. Se a matéria tem diferentes estados físicos, o ser humano também. A vergonha pode mudar a forma de alguém, de descontraído a tenso, de ereto a encurvado, de confiante a medroso. O envergonhado desvia o olhar do outro, para se desviar de si. Ao redor de seu eu, constrói muralha invisível e cumpre sentença perpétua.” 

Adquira “Emoções: A Grandeza Humana” pelo site da Editora Labrador:

https://editoralabrador.com.br/produto/emocoes-a-grandeza-humana/


O AUTOR

Rinaldo Segundo é promotor de justiça e atua, principalmente, na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes, onde sente diariamente as emoções alheias refletidas em si. Formado em Economia e Direito, com mestrado em Desenvolvimento Sustentável (Harvard Law School), também é autor do recém-lançado livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Inspirada em sua vivência profissional, a obra expõe dramas sociais da atualidade e as emoções como ponto comum na experiência humana.

Resenha: Noites cruas, de Jean Soter

Divulgação / Mandawa Estúdio

APRESENTAÇÃO

Expulsa de casa após uma briga com a mãe, Karina conhece a garota de programa Rose em um posto de gasolina na rodovia. Naquela mesma noite, saem com dois caminhoneiros.

Noites Cruas centraliza seu enredo na trajetória errática dessas duas mulheres, com seus sonhos, frustrações e esperanças, e tem como cenário a rua, o bordel, a rodovia.

RESENHA

Em “Noites cruas”, Jean Soter nos mostra que a vida acontece mesmo quando a maioria não está prestando atenção. Focado na trajetória de duas personagens, Karina e Rose, esse romance leva o leitor para a beira da estrada. Mas essa história não é uma road trip divertida de duas amigas universitárias fazendo um mochilão para descobrir o que querem fazer da vida, Karina e Rose são prostitutas que têm seus destinos costurados uma a outra em um banco de posto de gasolina.

“Mulher de vida fácil”, diz a cultura popular para se referir às putas. “Mulher perdida” também. Jean Soter, ao retratar essa face da vida noturna, foge de frases prontas como essas. Lírico, cru, fluido, a obra expõe os riscos vividos no ofício, o efeito do envelhecimento nos rendimentos das mulheres que vivem de programa, a miséria que as ameaça até em tempos de bonança e os laços afetivos possíveis nesse contexto, sem jamais impor julgamentos morais ao leitor.

As ilustrações de Pedro Graça ajudam a compor a atmosfera do livro. Em especial, as imagens que abrem os onze capítulos e tem como característica o fundo escuro, como a noite, e o traço branco que parece ter sido feito de giz em um quadro negro e pode ser apagado a qualquer momento.

Mais do que sobre prostituição, “Noites cruas” é sobre travessia. Suas personagens estão tentando criar meios de seguir em frente. As rodovias que cortam esse romance são as passagens que Karina e Rose encontram para levar a vida adiante. E, nessa lida de tentar sobreviver, elas percorrem cidades nunca nomeadas, se afastam do ponto de partida e também voltam atrás, enquanto reconhecem e também estranham as mudanças promovidas pelo tempo nas paisagens e nelas mesmas.

Thaís Campolina é escritora, mediadora de leitura e especialista em Escrita e Criação pela Unifor. Seu livro de poesia “eu investigo qualquer coisa sem registro” (2021) foi premiado no concurso Poesia InCrível 2021. Sua próxima obra será publicada em breve pela Macabéa Edições.

O AUTOR


Jean Soter é autor das coletâneas de contos A Transferência (2007) e O Vendedor (2018). No momento, trabalha como autônomo no mercado de ações; nos intervalos, lê e escreve literatura. Natural do interior de São Paulo, onde nasceu em 1974, vive no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, desde 2009.

Rodrigo Cabral lança “refinaria”, livro que constrói geografia íntima a partir das transformações das paisagens do Rio de Janeiro



“As imagens de Rodrigo não têm obrigação com nitidez, pois são elas, também, banhadas pelo líquido que as leva à vista. Vista essa que, marejada, antecede o processo de criação: o autor as vê banhadas e as conduz a um novo destino ondulado.” 

Trecho do prefácio da escritora Júlia Vita 


“Refinaria” (120 págs.), estreia literária do jornalista e editor fluminense Rodrigo Cabral (@rodrigocabral000), é composto por poemas que tentam apreender o processo de transformação da paisagem geográfica da Região dos Lagos (RJ) e da própria memória. Lançada durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2024, a obra, publicada pela Sophia Editora (@sophiaeditora), conta com ilustrações do artista visual Rapha Ferreira.  A orelha foi assinada pelo escritor Thiago Freitas e o prefácio é da autoria da editora e escritora Júlia Vita, que também trabalhou na edição do livro.

Na obra, a poesia é utilizada como ferramenta para explorar cenários em constante mutação, retratando, a partir de uma linguagem poética original, a relação do autor com o espaço onde cresceu, no estado do Rio de Janeiro: Cabo Frio, uma das cidades banhadas pela Laguna de Araruama, a maior do mundo em hipersalinidade permanente. 

“Ouvi o que esses cenários diziam sobre minhas memórias, sempre borradas e fragmentadas”, comenta. “Refinaria” se trata dos processos contínuos de transformação e refino, tanto no território como na própria vida e no ato de escrever.  Segundo o autor, no poema isso se transforma em outro espaço, em outro tempo. E o texto é reescrito de acordo com as percepções de quem lê. Ele reflete: “O que me moveu, primeiro, foi me reconhecer como um poeta da restinga. Ou um poeta da orla, como escreve a Júlia Vita no prefácio.”

A figueira centenária da rua da infância de Rodrigo Cabral,, por exemplo, torna-se inspiração porque é um dos poucos elementos que permanecem em meio ao que se transforma. Os poemas se movem entre temas como a relação do autor com o pai, a paisagem local e as dinâmicas internas da memória. "O livro também trata da própria escrita, ao texto constantemente revisto, refeito e relido, em um processo contínuo de busca por significado", revela o escritor.

A tentativa de apreender o que está lá fora é um dos cernes da obra, mas isso não significa tentar captar a realidade exatamente como ela é. A proposta de Rodrigo é ir muito além disso. Sua intenção não é buscar compreender, tampouco simplesmente  decifrar, mas, sim, contemplar os processos de transformação de um território, de um indivíduo, de uma escrita. “Quero analisar com a ponta dos dedos aquilo que não evapora, aquilo que permanece”, reflete.

Os versos do livro equilibram a linguagem regional com uma universalidade poética, permitindo que os leitores encontrem pontos de conexão tanto com o cenário local quanto com as emoções e vivências humanas. Além disso, a obra faz referência à formação geológica da camada pré-sal e traça paralelos com a história da cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, cidade natal do autor.


Rodrigo Cabral registra a refinaria

Rodrigo Cabral, 34 anos, nasceu em Campos dos Goytacazes (RJ) e cresceu em Cabo Frio (RJ), onde fundou a Sophia Editora. Sua escrita é fortemente influenciada pelas paisagens da Região dos Lagos e pelas memórias de infância, temas centrais de sua obra poética.

Em 2024, Rodrigo foi segundo colocado no Prêmio Off Flip de Literatura na categoria Contos e finalista na categoria Poesia. No ano anterior, conquistou o terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa e, em 2022, foi também finalista do Prêmio Off Flip na categoria Poesia. Como editor, tem se dedicado a preservar e divulgar a história, a memória e o patrimônio cultural da região. “Refinaria” é seu primeiro livro publicado.

Sua principal referência para a escrita de sua obra de estreia foi  “Água-mãe”, livro do escritor paraibano José Lins do Rego, o primeiro romance do autor a ser ambientado fora da região Nordeste. “O escritor narra as paisagens daquela Cabo Frio com imagens arrebatadora, que envolvem as casuarinas, a figueira, a fantasmagórica casa azul, as barcaças de sal deslizando pela água e a Lagoa de Araruama, muitas vezes referenciada apenas como Araruama, espécie de entidade”, enumera. 

Além dele, destacam-se Olga Savary e Victorino Carriço, autores das duas epígrafes presentes no livro, e influência indireta de leituras de autores como Roberto Piva, Claudio Willer, Lawrence Ferlinghetti, Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Marcelino Freire, Ricardo Aleixo, Ana Martins Marques, Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. 

Perguntado sobre projetos futuros, Rodrigo disse que pretende continuar a atividade de refinaria que deu origem à sua primeira publicação: “ Meu desejo é escrever.”



Confira um trecho do livro:


a pulsação d’água 

contrai e expande 

o que a palavra refina

nos batimentos 

das remingtons 

debulhando botões

verdejando espasmos

na restinga das paráfrases

dos átrios e ventrículos 

para os vasos de alta salinidade 

onde ovos chocam

onde vogais e camarões 

ruborizam

onde aspas rebentam

no íntimo dos glóbulos 

n’aorta das sílabas 

enquanto o hífen-cateter 

da célula-mater

mantém o ritmo da criação

em gênese: arritmia” 


Adquira "refinaria" no site da Sophia Editora:

https://www.sophiaeditora.com.br/refinaria-de-rodrigo-cabral

Resenha: MST: A construção do comum, de Susana Bleil


APRESENTAÇÃO

Publicada originalmente em francês sob o título “Vie et luttes des Sans Terre au sud du Brésil”, a obra é o resultado da imersão que autora por quatro anos no assentamento Santa Maria (Copavi), em Paranacity, no noroeste do Paraná, fundado em 1993.Além de registrar a história de uma das mais bem sucedidas experiências do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Bleil usa a sociologia para analisar a complexidade e os desafios de convivência, produção e resistência na luta pela reforma agrária no Brasil. Com seu trabalho etnográfico a autora revela em detalhes o funcionamento da cooperativa e como são tomadas as decisões políticas e as dificuldades da construção coletiva.Trata-se de leitura fundamental para todas as pessoas que pretendem compreender melhor a história do MST e os valores que o presidem.

RESENHA

A obra "A Construção do Comum", da socióloga Susana Bleil, oferece uma análise profunda e intimista do assentamento Santa Maria, parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), localizado em Paranacity, Paraná. Publicada originalmente em francês, esta obra se destaca por seu enfoque etnográfico, resultado de anos de pesquisa e imersão no cotidiano da cooperativa, estabelecida em 1993. Bleil não apenas documenta a história da Copavi, mas também investiga os dilemas enfrentados por seus membros na busca pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A autora começa descrevendo a natureza da comunidade, que antes era composta por laços de sangue e casamento, mas que, ao longo do tempo, se transforma. Ela argumenta que, apesar do desaparecimento da comunidade tradicional, a necessidade de recriar um espaço de convivência onde a cooperação e a solidariedade prevaleçam se faz cada vez mais urgente. A proposta central do livro se estrutura em torno da busca por um "comum" – um espaço onde as experiências compartilhadas e as relações humanas possam florescer e construir significados coletivos.

"A Construção do Comum", de Susana Bleil, não é apenas um relato sobre um assentamento rural, mas um convite à reflexão sobre a complexidade das relações humanas em um mundo que tende a fragmentar laços e a promover a individualidade em detrimento da coletividade. A partir da sua análise etnográfica, somos confrontados com a ideia de que o 'comum' é uma construção contínua, que requer esforço, cuidado e compromisso.

A obra ressalta que, ao contrário da visão simplificada de comunidades como meros aglomerados de indivíduos, as comunidades são organismos vivos, pulsantes, onde cada interação tem o potencial de reafirmar ou desmantelar laços de solidariedade. O assentamento Santa Maria mostra que a busca por uma vida coletiva não só é uma necessidade, mas um ato político vital em um cenário global que valoriza cada vez mais a concorrência e a exclusão. O desafio de transformar experiências pessoais em significados coletivos é um reflexo fiel das tensões enfrentadas por aqueles que buscam não apenas a sobrevivência, mas também uma vida digna.

Outro aspecto potente do trabalho de Bleil é a ideia de "família política". Nesse sentido, o assentamento Santa Maria se torna um microcosmo das lutas sociais mais amplas, onde a política se entrelaça com a vida cotidiana e as emoções. A solidariedade não é apenas uma estratégia de resistência, mas uma forma de afetividade que permeia todas as interações. Essa interconexão entre a política e a vida afetiva revela um aspecto crucial das lutas sociais: que as mudanças estruturais não podem ser efetivas sem uma base relacional sólida que una os militantes em torno de uma causa comum. A política, portanto, se transforma em um campo de batalha onde as experiências pessoais se tornam relevantes, e os vínculos formados no seio da comunidade se tornam a verdadeira força motriz de transformação.

Além disso, o livro nos força a reconsiderar o significado de ‘comunidade’ em um tempo de crescente desumanização e desassociação. A transformação narrativa de laços de sangue para laços de solidariedade nos lembra que, em uma sociedade que muitas vezes segmenta e aliena, é na criação de novos vínculos que reside a chave para um futuro mais equitativo. A obra de Bleil se posiciona como uma crítica contundente à desumanização que permeia muitos âmbitos da vida contemporânea, ao mesmo tempo que propõe uma alternativa: a construção de espaços coletivos que valorize a empatia, a compreensão e o apoio mútuo.

Os relatos dos sócios da Copavi revelam a complexidade da vida em comunidade. A obra questiona se os militantes têm espaço para expressar suas discordâncias e como as crises são geridas coletivamente. Nesse contexto, cada experiência pessoal é situada na trama maior da luta pela reforma agrária, destacando valores como fraternidade, inclusão e solidariedade. Bleil não hesita em mostrar os desafios e as tensões que surgem nesse ambiente, enfatizando que a sobrevivência do grupo depende da consciência coletiva de pertença e da confiança mútua entre seus membros.

A narrativa etnográfica de Bleil é enriquecida por seus encontros com os militantes, cujas histórias pessoais e visões de mundo acrescentam profundidade ao entendimento dos processos de construção da comunidade. Momentos de troca e riso, bem como as disputas e tensões, são analisados com rigor e sensibilidade, tornando visíveis as nuances da vida cotidiana no assentamento. Essa abordagem ajuda a moldar a ideia de que a construção do "nós" no coletivo é um trabalho contínuo, que se alimenta de práticas e rituais que promovem a união e o compromisso dos membros.

Bleil também evoca a ideia de uma "família política", onde os laços de solidariedade extrapolam o espaço familiar e se transformam em uma rede de apoio e luta common. O compromisso dos militantes com a causa do MST se entrelaça com suas vidas pessoais, demonstrando que a política e a afetividade não estão desconectadas, mas sim interligadas em múltiplas camadas de significado.

Ao longo da leitura, fica evidente que "A Construção do Comum" é mais do que uma simples crônica da vida em um assentamento: é uma reflexão profunda sobre a necessidade de valores éticos e comunitários numa sociedade que frequentemente ignora a força das relações humanas. A obra fornece uma base fundamental para quem deseja compreender não só a história do MST, mas também os princípios que fundamentam a luta por justiça social e a construção de novos modelos de convivência.

A obra de Susana Bleil é uma contribuição ímpar ao entendimento das dinâmicas sociais e políticas no Brasil contemporâneo, fazendo ecoar a importância do comum em um mundo que cada vez mais se distancia da convivência solidária. Seja para estudantes, militantes, ou qualquer pessoa interessada em questões sociais, "A Construção do Comum" é uma leitura indispensável, capaz de inspirar reflexões sobre a coletividade e a luta por um futuro mais justo.

Ademais, é crucial observar que os desafios enfrentados pela comunidade não são apenas obstáculos, mas oportunidades para crescimento e reconfiguração. A capacidade dos militantes de expressar suas discordâncias e lidar com crises coletivamente revela um dinamismo intrínseco à vida comunitária. Essa ideia de que as tensões não são sinônimos de fracasso, mas partes integrantes de um processo vital, sugere que a solidariedade é, na verdade, uma prática que se refina por meio de conflitos construtivos e diálogos honestos.

Em última análise, "A Construção do Comum" é uma obra que se desdobra em múltiplas camadas de significado. Ela nos desafia a pensar sobre o que realmente significa viver em sociedade e convida a uma reflexão profunda sobre a necessidade de encontrarmos nossos 'comuns' em tempos de crescente individualismo. O ensinamento mais importante que podemos extrair dessa obra é que a luta por um espaço coletivo não é apenas uma aspiracional, mas uma urgência. E, mais importante, que essa luta deve ser alimentada por uma percepção ética de comunidade, onde cada indivíduo, com suas particularidades e experiências, é respeitado, ouvido e integrado na construção de um futuro mais justo e solidário.

Resenha: A cabeça da medusa: e outras lendas gregas, de Orígenes Lessa



 APRESENTAÇÃO

A rica mitologia grega, com seus deuses e heróis, é referência até os dias atuais, em várias áreas de estudo. Em A cabeça de Medusa e outras lendas gregas, Orígenes Lessa, baseado na obra do escritor norte-americano Nathaniel Hawthorne, reconta seis narrativas maravilhosas.Nesta obra estão presentes algumas das mais famosas lendas gregas, como: A cabeça de Medusa, A caixa de Pandora, O toque de ouro, O cântaro milagroso, A quimera e As três maçãs de ouro. A linguagem ágil de Orígenes nos transporta à história da civilização da Grécia Antiga e à origem de mitos importantes e significativos presentes até hoje na cultura ocidental.O livro conta com as belíssimas ilustrações de Cláudia Scatamacchia. É leve, divertido e atual como todo clássico. Um livro para ser lido com a imaginação.

RESENHA

"A Cabeça da Medusa: E Outras Lendas Gregas" é uma antologia de histórias da mitologia grega adaptadas por Orígenes Lessa. Este fascinante compêndio nos oferece a oportunidade de mergulhar no rico universo das lendas, resgatando personagens icônicos como Perseu, Dânae e a temível Medusa, enquanto ficamos imersos em narrativas que abordam temas como coragem, traição e a busca pelo heroísmo.

A narrativa central, que dá nome ao livro, gira em torno de Perseu, um herói cuja vida é marcada por uma profecia que prevê a morte de seu avô, o rei Acrísio. O temor das consequências dessa profecia leva Acrísio a tomar uma decisão drástica — colocar Dânae e Perseu em um barco e abandoná-los ao mar. Essa abertura já estabelece um ambiente de tensão que ronda a história, refletindo o contraste entre as intenções humanas e o desígnio dos deuses.

À medida que crescem os desafios que Perseu enfrenta, o leitor é apresentado a uma rica tapeçaria de elementos mitológicos. A fúria de Medusa, uma das górgonas, simboliza tanto um desafio a ser superado quanto a luta interna do herói contra suas próprias limitações e medos. Lessa retrata Perseu como um jovem audacioso, mas também vulnerável, cativando os leitores com sua determinação em atender ao pedido traiçoeiro do rei Polidecto. A astúcia do vilão e a complexidade dos laços familiares são bem exploradas, conferindo profundidade ao enredo.

A prosa de Lessa é envolvente; sua narrativa é rica em descrições vívidas e diálogos que capturam a essência das interações humanas e divinas. Lessa não apenas reconta as lendas, mas também as recontextualiza, permitindo que novos leitores e aqueles familiarizados com a mitologia grega apreciem a experiência. Os trechos relacionados ao encontro de Perseu com Mercúrio, por exemplo, são particularmente mais intesos, pois destacam a importância da ajuda e da sabedoria adquirida através da experiência, elementos que ecoam profundamente na condição humana. Além disso, a obra ressalta temas universais, como a luta entre o bem e o mal, lealdade, e a inevitabilidade do destino, o que a torna não apenas um repositório de histórias antigas, mas uma fonte de reflexão sobre a natureza humana.

As adaptações de Lessa são acessíveis para leitores de todas as idades, tornando este livro uma excelente introdução à mitologia grega para jovens e adultos igualmente. Sua habilidade em contar histórias se combina perfeitamente com a herança cultural que as mitologias oferecem, celebrando-as de forma dinâmica e envolvente.

Em suma, "A Cabeça da Medusa: E Outras Lendas Gregas" é uma obra que não só narra aventuras e desafios épicos, mas que também nos convida a refletir sobre nossas propias histórias, medos e desejos. A leitura é uma viagem através do tempo que confronta as questões eternas da vida, fazendo deste livro uma verdadeira joia da literatura infanto-juvenil e um excelente recurso para aqueles que desejam explorar as raízes da mitologia grega de uma maneira acessível e cativante.

Resenha: O negro no Brasil hoje, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes

APRESENTAÇÃO

Para entender “nossa” história e “nossa” identidade é preciso começar pelo estudo de todas as suas matrizes culturais. Neste livro muito bem ilustrado, os autores tentam contar um pouco da história esquecida dos povos africanos que ajudaram a construir o país em que vivemos, um país que pertence a todos os brasileiros sem nenhuma distinção.

RESENHA

A obra "Negro no Brasil de Hoje", escrita por Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, é um marco na literatura brasileira que investiga a identidade negra no contexto contemporâneo, compilando reflexões profundas sobre a história, cultura e desafios enfrentados pela população negra no Brasil. Munanga e Gomes não apenas respondem a questões cruciais sobre quem somos como povo, mas também nos levam a compreender a riqueza e a complexidade da formação da identidade brasileira, que é um verdadeiro mosaico cultural.

Aprender e conhecer sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a história e a cultura de vários povos que aqui se encontraram e contribuíram com suas bagagens e memórias na construção deste país e na produção da identidade brasileira. Essa história, na versão de alguns, teve início com os aventureiros e navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram descobridores. Embora essa terra já estivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da Europa seus domínios.

O livro parte de uma análise histórica para desconstruir mitos recorrentes, como a visão de uma passividade dos africanos durante o período da escravidão. Os autores demonstram com contundência que, ao contrário do que muitos ainda pensam, os negros nas terras brasileiras lutaram e resistiram ativamente contra a opressão, participando de revoltas e movimentos que raramente são mencionados nos livros didáticos. Essa perspectiva é essencial para reverter narrativas que perpetuam estigmas e preconceitos, reforçando a importância de um reconhecimento histórico mais justo e equilibrado.

O livro se desdobra ao desvencilhar, de forma minuciosa e precisa, aspectos da história do negro na criação do Brasil atual. Ele aborda tópicos como o encontro de culturas devido à miscigenação dos povos originários em terras brasileiras, a origem e a contribuição dos negros, o histórico da escravidão de mão de obra cativa, descrições do regime escravista, um panorama geral sobre os quilombos, a Revolta dos Malês, a Revolta da Chibata, a redemocratização, e a copeira como uma expressão de arte. Também explora o surgimento e o desenvolvimento da cultura negra, além de fornecer descrições sobre termos como etnia, racismo, etnocentrismo e preconceito racial. Por fim, inclui uma série de citações de homens e mulheres negros que contribuíram para a formação do Brasil como o conhecemos atualmente.

Além disso, Munanga e Gomes exploram a imensidão das contribuições culturais dos negros ao Brasil, defendendo que a musicalidade, a religiosidade e as diversas manifestações artísticas são, sem dúvida, a espinha dorsal da cultura brasileira. A resistência política e cultural do povo negro, capaz de transformar trajetórias e diálogos sociais ao longo da história, é um dos pontos altos da obra. Os capítulos sobre a produção cultural negra e a religiosidade afro-brasileira são especialmente iluminadores, revelando a riqueza das tradições e a beleza dessa cultura que, muitas vezes, é deixada à margem das narrativas dominantes.

Os autores também abordam questões atuais, como o racismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira, fornecendo dados e reflexões que nos instigam a pensar criticamente sobre o nosso papel na construção de um Brasil mais igualitário. A análise das políticas de ação afirmativa e a pertinência de discussões sobre raça mostram a urgência em se reconhecer as desigualdades persistentes e os direitos dos negros no Brasil.

Uma passagem marcante da obra - das diversas existentes - é o estudo e apresentação do contexto de revolta coletiva em relação a repulsa em desfavor da escravidão no Brasil. O que ocasionou em um movimento de luta do povo negro, tornando possível a criação de quilombos, redes de apoio, insurreições, guerrilhas, insurreições urbanas. Essa crescente onda de resistência ocasionou em diversas revoltas e batalhas, como: A revolta dos Alfaiates (1798); Cabanagem (1835-1840); Sabinada (1837-1838) e a Balaiada (1838-1841).

E uma citação marcante e atemporal:

No contexto de organização do movimento negro brasileiro não podemos nos esquecer do importante papel assumido pelas mulheres negras e suas organizações. Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista e ser negra numa sociedade racista.

Negro no Brasil de Hoje é um livro imprescindível não apenas para aqueles que buscam compreender a identidade negra, mas para todos que desejam aprofundar-se nas discussões sobre diversidade, resistência e os desafios sociais que ainda permeiam nossas vidas. A obra é uma leitura reveladora, apaixonada e necessária para quem deseja entender as complexas teias que constituem a sociedade brasileira contemporânea.

Por tudo isso, recomendo veementemente a leitura desta obra. Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes nos presenteiam com um estudo enriquecedor que não só educa, mas também promove a reflexão crítica sobre a identidade e a condição do negro no Brasil de hoje.

Você pode adquirir o livro na Amazon ou site Oficial da Global Editora.

Resenha: O filho do pescador, de Texeira & Sousa


APRESENTAÇÃO

Esta edição de O filho do pescador, cuidadosamente preparada pela Sophia, tem o objetivo de fornecer aos leitores ferramentas para que apreendam detalhes preciosos do romance de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa. Estão contextualizados, por exemplo, termos em latim, referências à mitologia grega, logradouros do Rio de Janeiro antigo e palavras comuns ao português falado no Brasil durante o século XIX. O filho do pescador foi publicado em 1843. É apontado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Com a reedição desta obra, a Sophia – cabo-friense, assim como o autor – pretende colaborar com a difusão da obra de Teixeira e Sousa, cujo protagonismo merece ser amplamente reconhecido. Esta edição exclusiva tem 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). Teixeira e Sousa deixou uma vasta produção literária, conforme nos conta Hebe Cristina da Silva no prefácio: romances [O Filho do Pescador (1843), As Fatalidades de Dois Jovens (1846), Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta (1847), Gonzaga ou A Conjuração de Tiradentes (1848 — 1851), Maria ou A Menina Roubada (1852 — 1853), A Providência (1854)], poesias [Cânticos Líricos (1841 — 1842), Os Três Dias de um Noivado (1844), A Independência do Brasil (1847 — 1855)], peças teatrais [Cornélia (1844), O Cavaleiro Teutônico ou A Freira de Marienburg (1855)], traduções [Lucrécia, de M. Ponsard (tragédia — 1845), Mazepa, de Lord Byron (novela — 1853)] e obras diversas [Os Coros do Concerto-Monstro (letras de canções — 1845), As Mensageiras de Amor (letras de modinhas — 1851), A Sorte (“livro de divertimento” — 1851)]. Teixeira e Sousa nasceu em 1812 e morreu em 1861, aos 49 anos, vítima de uma hepato-enterite. Seu legado está imortalizado em obras como O filho do pescador, capítulo dos mais importantes da história do romance nacional.

RESENHA

O filho do pescador, obra proeminente do escritor brasileiro Texeira & Sousa, frequentemente considerada, por estudiosos como José Veríssimo e Ronald de Carvalho, o primeiro romance escrito no Brasil, em 1843. A obra, agora recebe uma edição revista e ampliada através da Sophia Editora.

A editora Sophia lançou uma edição revisada de "O filho do pescador" com o objetivo de oferecer aos leitores uma compreensão mais rica dos aspectos deste romance de Teixeira e Sousa. Nesta versão, há explicações de termos em latim, referências à mitologia grega, locais históricos do antigo Rio de Janeiro e vocabulário do português do século XIX no Brasil. Publicado originalmente em 1843, esse romance é considerado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Sophia, oriunda da mesma região de Cabo Frio que o autor, quer promover a obra de Teixeira e Sousa, um autor que merece mais destaque. Esta edição conta com 596 notas de rodapé feitas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Filho do Pescador nos envolve de imediato em um cenário primaveril hipnotizante, onde o alvorecer molda a baía de Niterói e a praia de Copacabana com uma beleza de tirar o fôlego. Essa paisagem quase mágica serve de pano de fundo para uma jovem mulher, vestida de luto, que parece encontrar um momento de paz e reflexão em meio à natureza exuberante. A cena é interrompida pela chegada de um jovem, cuja declaração de amor sincero ignora as barreiras financeiras e sociais que poderiam separá-los.

O filho do pescador é uma obra emocionante que narra os percalços e mistérios envolvendo o casamento entre Laura e Augusto, filho do pescador, indicado por um naufrágio, em Copacabana. Laura, que aos treze anos foi raptada por Sérgio, é deixada posteriormente por ele, que leva seu filho consigo. Ela então tenta refazer sua vida ao lado de um novo amante, até que um naufrágio à costa do Rio de Janeiro muda tudo. Seu amante morre na tragédia, enquanto ela é resgatada por Augusto, desencadeando uma nova e intensa fase de sua vida. Os dois se casam, mas o destino parece ter outros planos.


Após o casamento, Laura revela sua leviandade, tendo se casado por interesse. Ela se sente atraída por Florindo, um cantor e amigo de Augusto, e é persuadida a livrar-se do marido. Laura chega a provocar um incêndio, mas seu plano falha graças ao escravo João, que salva Augusto. Em seguida, uma tentativa de envenenamento consegue afastá-lo. Laura também se envolve com outros homens; quando Florindo a abandona, ela incita seu novo amante, Marcos, a matá-lo. Contudo, há alguém que testemunha discretamente todos seus crimes, movido por intenções desconhecidas. Laura encontra um novo amor em Emiliano, um jovem caçador que desperta nela sentimentos nunca antes experimentados. Apesar deste amor ser correspondido e revestido de pureza e honestidade, o Dr. Sinval, padrinho e pai adotivo de Emiliano, guarda um segredo que torna impossível essa união.

A obra de Texeira & Souza ganha novos contornos com a introdução de uma figura de sabedoria e experiência: o pai do jovem, um velho pescador que viveu uma vida honrada. Este contraste entre o impulsivo amor juvenil e a pragmática prudência da velhice enriquece a narrativa, criando um diálogo pungente entre gerações. O pai, com sua vasta sabedoria de vida, tenta dissuadir o filho de um casamento que julga baseado em paixões efêmeras. Ele oferece argumentos robustos sobre a natureza ilusória do amor juvenil e as responsabilidades inevitáveis do matrimônio, que poderiam transformar o encanto inicial em amargura.

No entanto, a determinação do jovem em seguir seu coração realça a profundidade de sua paixão e determinação. Sua resistência às ponderações do pai não é apenas um ato de rebeldia, mas sim uma declaração de que seus sentimentos são genuínos e duradouros. Este embate emocional culmina quando o pai, apesar de todas as reservas, concede a permissão para o casamento, pedindo apenas que o filho se lembre dos conselhos paternos caso a realidade futura não corresponda às expectativas.

Texeira & Souza mescla com maestria os temas da paixão contra a razão, da juventude versus a experiência, criando uma narrativa que, apesar de seu pano de fundo antigo, ressoa com dilemas completamente contemporâneos. A luta entre seguir o coração ou a razão é atemporal e, através de personagens bem delineados e diálogos comoventes, o texto explora essas tensões de maneira profundamente humana e universal. Esta abordagem sensível e honesta faz deste capítulo uma peça cativante e reflexiva na literatura.

A reedição de "O Filho do Pescador" pela Sophia Editora é uma verdadeira celebração da literatura brasileira, trazendo à tona a genialidade de Texeira e Sousa com uma clareza nunca antes vista. Ao incluir 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, esta edição se dedica a contextualizar o leitor moderno, oferecendo insights preciosos sobre os termos em latim, mitologia grega e os locais históricos do antigo Rio de Janeiro. Essa abordagem enriquece a compreensão da obra, proporcionando uma imersão mais profunda no universo do século XIX no Brasil.

A narrativa de "O Filho do Pescador" é simplesmente envolvente desde o seu início. A descrição da paisagem, que nos transporta para um cenário hipnotizante da baía de Niterói e da praia de Copacabana, toca as fibras mais sensíveis da imaginação. É neste ambiente quase místico que conhecemos Laura e Augusto, figuras centrais de uma trama marcada por percalços e mistérios. O romance fictício entre os dois, iniciado após o resgate de Laura por Augusto durante um naufrágio, é o fio condutor que nos guia por uma teia de intrigas emocionais, traições e revelações surpreendentes.

Laura é um personagem de muitas camadas, revelando-se uma mulher complexa cujo comportamento oscila entre a leviandade e a busca por sentimentos verdadeiros. Seu relacionamento conturbado com Augusto, agravado por suas paixões por outros homens como Florindo e Marcos, adiciona uma intensidade dramática à trama. A leitura dessas passagens é permeada por um suspense que instiga o leitor a seguir adiante, ansioso por descobrir as próximas reviravoltas.

Texeira e Sousa mostra um domínio impressionante ao contrapor a juventude e a experiência, exemplificado pelo relacionamento de Augusto com seu pai, o velho pescador. A sabedoria pragmática do pai frente ao amor impetuoso do filho tece um diálogo rico em nuance e profundidade, refletindo dilemas perpetuamente atuais. Essa discussão intergeracional não apenas enriquece a narrativa, mas também a torna intemporal, proporcionando reflexões que perduram muito além da leitura.

A luta entre seguir o coração ou ceder à razão é uma tensão universal que Texeira e Sousa aborda com grande sensibilidade. Seus personagens e diálogos são construídos de maneira a humanizar essas escolhas, tornando-as palpáveis e emocionalmente ressonantes para o leitor contemporâneo. A edição da Sophia Editora, ao contextualizar e explicar os elementos históricos e linguísticos da obra, torna essa leitura ainda mais acessível e relevante.

Em suma, "O Filho do Pescador" ganha uma nova vida através desta edição revista e ampliada, permitindo que um número maior de leitores descubra a riqueza e a sofisticação deste clássico da literatura brasileira. As notas de rodapé e as explicações adicionais transformam a experiência de leitura em uma jornada enriquecedora, iluminando aspectos que antes poderiam passar despercebidos. Com isso, a Sophia Editora e Gustavo Rocha realizam uma contribuição inestimável para a preservação e valorização do legado de Texeira e Sousa.

10 motivos para ler "Althusser e o materialismo aleatório"

1. Compreender a última fase do pensamento de Louis Althusser

O livro "Althusser e o materialismo aleatório" se debruça sobre a última fase da obra deste influente filósofo marxista, explorando os desdobramentos de suas reflexões sobre encontro, forma e materialismo aleatório na década de 1980. Entender essa etapa final do pensamento althusseriano é fundamental para acompanhar a evolução de suas ideias e sua contínua relevância para o debate marxista contemporâneo.


2. Analisar a relação entre encontro e forma na política e no direito

Um dos eixos centrais da obra é a investigação da relação entre encontro e forma, que perpassa a produção de Althusser e atinge seu ápice em textos como "A corrente subterrânea do materialismo do encontro". Os autores demonstram como essa temática ilumina questões cruciais da política e do direito, revelando a importância da forma jurídica para a compreensão da sociabilidade capitalista.


3. Compreender a crítica althusseriana à noção de gênese

Ao explorar os conceitos de encontro, conjunção e ausência determinada introduzidos por Althusser, a obra evidencia sua contundente crítica à noção de gênese, que pressupõe uma teleologia e um sujeito unificado da história. Essa problematização revela-se fundamental para pensar as transições entre os modos de produção de maneira não linear.


4. Dialogar com o debate da derivação do Estado e do marxismo jurídico

As análises desenvolvidas no livro estabelecem um profícuo diálogo com os debates da derivação do Estado, representados por autores como Joachim Hirsch, bem como com a tradição do marxismo jurídico, exemplificada pela obra de Evguiéni Pachukanis. Essa interlocução evidencia a atualidade do pensamento althusseriano para a compreensão crítica das formas políticas e jurídicas.


5. Acompanhar a trajetória interpretativa de Vittorio Morfino

O segundo capítulo do livro apresenta um minucioso exame da própria trajetória interpretativa de Vittorio Morfino sobre o "materialismo aleatório" de Althusser. Essa retrospectiva permite ao leitor acompanhar o desenvolvimento das leituras deste importante comentador, revelando as nuances e tensões presentes nos escritos althusserianos dos anos 1980.


6. Refletir sobre as tendências lucreciana e escatológica nos textos de Althusser

A partir da hipótese interpretativa de Morfino, o livro identifica a presença de duas tendências distintas nos escritos de Althusser na década de 1980: uma de inspiração lucreciana, proveniente dos anos 1960, e outra de caráter escatológico ou messiânico. Essa constatação abre caminho para uma compreensão mais aprofundada da evolução do pensamento althusseriano.


7. Compreender a articulação entre determinação e acaso na constituição das formas sociais

O livro demonstra como Althusser, ao explorar a temática do encontro e do aleatório, consegue pensar a constituição das formas sociais para além de qualquer teleologia ou determinismo. Essa abordagem revela-se fundamental para a análise crítica do capitalismo e de suas contradições.


8. Situar o pensamento de Althusser no contexto do "novo marxismo"

As reflexões apresentadas no livro dialogam diretamente com a distinção proposta por Ingo Elbe entre o "velho" e o "novo" marxismo. Nesse sentido, a obra permite compreender a contribuição de Althusser para a emergência de novas perspectivas teóricas no campo marxista, superando os limites do "marxismo ocidental".


9. Estabelecer conexões entre a obra de Althusser e autores contemporâneos

O livro insere-se em um movimento mais amplo de resgate e atualização do legado althusseriano, estabelecendo diálogos com trabalhos de pesquisadores como Ingo Elbe, Márcio Bilharinho Naves, Celso Naoto Kashiura Júnior e Stefano Pippa. Essa rede de interlocuções evidencia a relevância do pensamento de Althusser para os debates teóricos e políticos contemporâneos.


10. Aprofundar a compreensão do capitalismo e das formas de subjetivação

Ao explorar a articulação entre encontro, forma e direito, a obra de Mascaro e Morfino oferece ferramentas teóricas valiosas para a análise crítica da sociabilidade capitalista e das formas de subjetivação que lhe são inerentes. Trata-se de uma contribuição fundamental para aqueles interessados em compreender os desafios do presente a partir de uma perspectiva marxista.

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