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Rinaldo Segundo transforma emoções humanas em personagens ficcionais em novo livro

Foto: Acervo Pessoal / Rinaldo Segundo


“O país se buscava, enquanto eu me perseguia. Mas quem eu era? Embora já soubesse a resposta, percorri um longo percurso até viver a minha revelação.”

(Trecho da pág. 58)

O terceiro livro do mato-grossense Rinaldo Segundo ensaia os dilemas do viver e do sentir no livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Natural de Várzea Grande e atualmente vivendo em Cuiabá, no Mato Grosso, Rinaldo é formado em Economia e Direito com mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Harvard Law School. Além disso, segue carreira profissional como promotor de Justiça atuando na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Um trabalho intenso onde testemunha histórias que o colocam cara a cara com a dor alheia. 

Seu livro apresenta oito contos ficcionais, cada um sobre uma emoção, classificada como tal ou apropriada pela liberdade artística. São histórias permeadas também por dramas sociais, tais como crianças abrigadas, racismo, diferenças sociais e populismo jornalístico. 

“Descobri o tema das emoções ao buscar identificar as minhas próprias emoções. Convivo com a dor alheia em meu trabalho como promotor de Justiça, testemunho mães que perderam os seus filhos, crianças sexualmente abusadas e vulnerabilidades sociais”, explica o escritor. “Em alguma medida, tais dores se tornam minhas também, e convertem-se em ilusões e desilusões nos casos em que atuo.” 

Para ele, escrever ficção sobre as emoções foi uma libertação, uma vez que seu cargo representa a força estatal e por ser um homem nascido nos anos 70 cujas emoções eram “naturalmente negadas”. “Traduzir a dor alheia e a minha também em histórias realistas me tornou mais humano.”

Um mergulho na complexidade humana

Foto: Divulgação / Comtato

Na obra, o autor expõe como as emoções são capazes de domar e serem domadas. Como as emoções, mesmo que universais, só podem ser medidas e experimentadas na individualidade. Tal como uma minissérie, os capítulos são nomeados como Solidão, Alegria, Vergonha, Esperança, Medo, Raiva, Paixão e Felicidade. 

“Evidentemente, os contos têm personagens, mas eu também imaginei as emoções como protagonistas das histórias humanas. As emoções protagonizam mudanças e a própria vida das pessoas, como quando alguém tem um acesso de raiva e mata outra pessoa, ou quando no final da vida, alguém percebe ter sido feliz. Por isso, cada conto tem um título remetendo a elas”, justifica.

Em sua estreia na ficção, o autor concebe personagens ricos e com histórias pregressas que tendem a explorar suas intimidades. Alguns deles, como o protagonista de “Alegria”, demonstram ainda uma sofisticação sarcástica em suas interações. A escrita de Rinaldo traduz a natureza complexa das emoções em situações trágicas e cômicas que podem vir ou não, a acabar em redenção. Seus contos falam, sobretudo, de humanidade. 

“Tanto quanto homo sapiens, somos homo motus, seres emocionais. Podemos viver sem ter consciência delas, é verdade, mas elas estão em nossas escolhas e decisões 24 horas por dia. Às vezes, essas emoções são complexas, formadas pela união delas, e às vezes, elas se sucedem rapidamente”, comenta. 

A humanidade sempre lidou com as emoções. E um dos argumentos do livro é justamente mostrar como sem elas, qualquer sujeito se resume a um ser unidimensional. As emoções, por meio de seu portador, podem ser aprisionadas ou permitidas. 

Novos livros em vista

Rinaldo sempre escreveu contos, mas precisou sentir-se confiante para publicar as histórias presentes em “Emoções”. Aos 45 anos, o autor já publicou “Sonhando com Harvard”, em que compartilha suas memórias e conta os passos e iniciativas que o levaram a uma das melhores universidades do mundo, além da não-ficção “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” que, por sua vez, trata do aquecimento global e do desmatamento amazônico, discutindo um modelo de geração de riquezas e redução do desmatamento que dialoga com os desafios ecológicos globais. O livro é fruto da pesquisa de Rinaldo enquanto esteve na universidade americana. 

O autor pretende agora escrever um segundo volume de contos ficcionais. Mais uma vez, relacionado às emoções. Dessa vez, Rinaldo promete tratar de temas mais espinhosos."Quero abordar um lado humano mais esquisito e sombrio, com emoções como a tristeza, o ciúme e o desprezo”, revela. Ele também tem em mente um novo livro de memórias, dessa vez, sobre a experiência de trabalhar com crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. "Pretendo expor os bastidores e os desafios daquele tipo de trabalho."

Leia um trecho de “Emoções: A Grandeza Humana” (pág. 47):

“Uma criança com um balão não imagina o gás hélio sólido. Se a matéria tem diferentes estados físicos, o ser humano também. A vergonha pode mudar a forma de alguém, de descontraído a tenso, de ereto a encurvado, de confiante a medroso. O envergonhado desvia o olhar do outro, para se desviar de si. Ao redor de seu eu, constrói muralha invisível e cumpre sentença perpétua.” 

Adquira “Emoções: A Grandeza Humana” pelo site da Editora Labrador:

https://editoralabrador.com.br/produto/emocoes-a-grandeza-humana/


O AUTOR

Rinaldo Segundo é promotor de justiça e atua, principalmente, na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes, onde sente diariamente as emoções alheias refletidas em si. Formado em Economia e Direito, com mestrado em Desenvolvimento Sustentável (Harvard Law School), também é autor do recém-lançado livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Inspirada em sua vivência profissional, a obra expõe dramas sociais da atualidade e as emoções como ponto comum na experiência humana.

Resenha: O negro no Brasil hoje, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes

APRESENTAÇÃO

Para entender “nossa” história e “nossa” identidade é preciso começar pelo estudo de todas as suas matrizes culturais. Neste livro muito bem ilustrado, os autores tentam contar um pouco da história esquecida dos povos africanos que ajudaram a construir o país em que vivemos, um país que pertence a todos os brasileiros sem nenhuma distinção.

RESENHA

A obra "Negro no Brasil de Hoje", escrita por Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, é um marco na literatura brasileira que investiga a identidade negra no contexto contemporâneo, compilando reflexões profundas sobre a história, cultura e desafios enfrentados pela população negra no Brasil. Munanga e Gomes não apenas respondem a questões cruciais sobre quem somos como povo, mas também nos levam a compreender a riqueza e a complexidade da formação da identidade brasileira, que é um verdadeiro mosaico cultural.

Aprender e conhecer sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a história e a cultura de vários povos que aqui se encontraram e contribuíram com suas bagagens e memórias na construção deste país e na produção da identidade brasileira. Essa história, na versão de alguns, teve início com os aventureiros e navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram descobridores. Embora essa terra já estivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da Europa seus domínios.

O livro parte de uma análise histórica para desconstruir mitos recorrentes, como a visão de uma passividade dos africanos durante o período da escravidão. Os autores demonstram com contundência que, ao contrário do que muitos ainda pensam, os negros nas terras brasileiras lutaram e resistiram ativamente contra a opressão, participando de revoltas e movimentos que raramente são mencionados nos livros didáticos. Essa perspectiva é essencial para reverter narrativas que perpetuam estigmas e preconceitos, reforçando a importância de um reconhecimento histórico mais justo e equilibrado.

O livro se desdobra ao desvencilhar, de forma minuciosa e precisa, aspectos da história do negro na criação do Brasil atual. Ele aborda tópicos como o encontro de culturas devido à miscigenação dos povos originários em terras brasileiras, a origem e a contribuição dos negros, o histórico da escravidão de mão de obra cativa, descrições do regime escravista, um panorama geral sobre os quilombos, a Revolta dos Malês, a Revolta da Chibata, a redemocratização, e a copeira como uma expressão de arte. Também explora o surgimento e o desenvolvimento da cultura negra, além de fornecer descrições sobre termos como etnia, racismo, etnocentrismo e preconceito racial. Por fim, inclui uma série de citações de homens e mulheres negros que contribuíram para a formação do Brasil como o conhecemos atualmente.

Além disso, Munanga e Gomes exploram a imensidão das contribuições culturais dos negros ao Brasil, defendendo que a musicalidade, a religiosidade e as diversas manifestações artísticas são, sem dúvida, a espinha dorsal da cultura brasileira. A resistência política e cultural do povo negro, capaz de transformar trajetórias e diálogos sociais ao longo da história, é um dos pontos altos da obra. Os capítulos sobre a produção cultural negra e a religiosidade afro-brasileira são especialmente iluminadores, revelando a riqueza das tradições e a beleza dessa cultura que, muitas vezes, é deixada à margem das narrativas dominantes.

Os autores também abordam questões atuais, como o racismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira, fornecendo dados e reflexões que nos instigam a pensar criticamente sobre o nosso papel na construção de um Brasil mais igualitário. A análise das políticas de ação afirmativa e a pertinência de discussões sobre raça mostram a urgência em se reconhecer as desigualdades persistentes e os direitos dos negros no Brasil.

Uma passagem marcante da obra - das diversas existentes - é o estudo e apresentação do contexto de revolta coletiva em relação a repulsa em desfavor da escravidão no Brasil. O que ocasionou em um movimento de luta do povo negro, tornando possível a criação de quilombos, redes de apoio, insurreições, guerrilhas, insurreições urbanas. Essa crescente onda de resistência ocasionou em diversas revoltas e batalhas, como: A revolta dos Alfaiates (1798); Cabanagem (1835-1840); Sabinada (1837-1838) e a Balaiada (1838-1841).

E uma citação marcante e atemporal:

No contexto de organização do movimento negro brasileiro não podemos nos esquecer do importante papel assumido pelas mulheres negras e suas organizações. Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista e ser negra numa sociedade racista.

Negro no Brasil de Hoje é um livro imprescindível não apenas para aqueles que buscam compreender a identidade negra, mas para todos que desejam aprofundar-se nas discussões sobre diversidade, resistência e os desafios sociais que ainda permeiam nossas vidas. A obra é uma leitura reveladora, apaixonada e necessária para quem deseja entender as complexas teias que constituem a sociedade brasileira contemporânea.

Por tudo isso, recomendo veementemente a leitura desta obra. Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes nos presenteiam com um estudo enriquecedor que não só educa, mas também promove a reflexão crítica sobre a identidade e a condição do negro no Brasil de hoje.

Você pode adquirir o livro na Amazon ou site Oficial da Global Editora.

Resenha: O filho do pescador, de Texeira & Sousa


APRESENTAÇÃO

Esta edição de O filho do pescador, cuidadosamente preparada pela Sophia, tem o objetivo de fornecer aos leitores ferramentas para que apreendam detalhes preciosos do romance de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa. Estão contextualizados, por exemplo, termos em latim, referências à mitologia grega, logradouros do Rio de Janeiro antigo e palavras comuns ao português falado no Brasil durante o século XIX. O filho do pescador foi publicado em 1843. É apontado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Com a reedição desta obra, a Sophia – cabo-friense, assim como o autor – pretende colaborar com a difusão da obra de Teixeira e Sousa, cujo protagonismo merece ser amplamente reconhecido. Esta edição exclusiva tem 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). Teixeira e Sousa deixou uma vasta produção literária, conforme nos conta Hebe Cristina da Silva no prefácio: romances [O Filho do Pescador (1843), As Fatalidades de Dois Jovens (1846), Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta (1847), Gonzaga ou A Conjuração de Tiradentes (1848 — 1851), Maria ou A Menina Roubada (1852 — 1853), A Providência (1854)], poesias [Cânticos Líricos (1841 — 1842), Os Três Dias de um Noivado (1844), A Independência do Brasil (1847 — 1855)], peças teatrais [Cornélia (1844), O Cavaleiro Teutônico ou A Freira de Marienburg (1855)], traduções [Lucrécia, de M. Ponsard (tragédia — 1845), Mazepa, de Lord Byron (novela — 1853)] e obras diversas [Os Coros do Concerto-Monstro (letras de canções — 1845), As Mensageiras de Amor (letras de modinhas — 1851), A Sorte (“livro de divertimento” — 1851)]. Teixeira e Sousa nasceu em 1812 e morreu em 1861, aos 49 anos, vítima de uma hepato-enterite. Seu legado está imortalizado em obras como O filho do pescador, capítulo dos mais importantes da história do romance nacional.

RESENHA

O filho do pescador, obra proeminente do escritor brasileiro Texeira & Sousa, frequentemente considerada, por estudiosos como José Veríssimo e Ronald de Carvalho, o primeiro romance escrito no Brasil, em 1843. A obra, agora recebe uma edição revista e ampliada através da Sophia Editora.

A editora Sophia lançou uma edição revisada de "O filho do pescador" com o objetivo de oferecer aos leitores uma compreensão mais rica dos aspectos deste romance de Teixeira e Sousa. Nesta versão, há explicações de termos em latim, referências à mitologia grega, locais históricos do antigo Rio de Janeiro e vocabulário do português do século XIX no Brasil. Publicado originalmente em 1843, esse romance é considerado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Sophia, oriunda da mesma região de Cabo Frio que o autor, quer promover a obra de Teixeira e Sousa, um autor que merece mais destaque. Esta edição conta com 596 notas de rodapé feitas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Filho do Pescador nos envolve de imediato em um cenário primaveril hipnotizante, onde o alvorecer molda a baía de Niterói e a praia de Copacabana com uma beleza de tirar o fôlego. Essa paisagem quase mágica serve de pano de fundo para uma jovem mulher, vestida de luto, que parece encontrar um momento de paz e reflexão em meio à natureza exuberante. A cena é interrompida pela chegada de um jovem, cuja declaração de amor sincero ignora as barreiras financeiras e sociais que poderiam separá-los.

O filho do pescador é uma obra emocionante que narra os percalços e mistérios envolvendo o casamento entre Laura e Augusto, filho do pescador, indicado por um naufrágio, em Copacabana. Laura, que aos treze anos foi raptada por Sérgio, é deixada posteriormente por ele, que leva seu filho consigo. Ela então tenta refazer sua vida ao lado de um novo amante, até que um naufrágio à costa do Rio de Janeiro muda tudo. Seu amante morre na tragédia, enquanto ela é resgatada por Augusto, desencadeando uma nova e intensa fase de sua vida. Os dois se casam, mas o destino parece ter outros planos.


Após o casamento, Laura revela sua leviandade, tendo se casado por interesse. Ela se sente atraída por Florindo, um cantor e amigo de Augusto, e é persuadida a livrar-se do marido. Laura chega a provocar um incêndio, mas seu plano falha graças ao escravo João, que salva Augusto. Em seguida, uma tentativa de envenenamento consegue afastá-lo. Laura também se envolve com outros homens; quando Florindo a abandona, ela incita seu novo amante, Marcos, a matá-lo. Contudo, há alguém que testemunha discretamente todos seus crimes, movido por intenções desconhecidas. Laura encontra um novo amor em Emiliano, um jovem caçador que desperta nela sentimentos nunca antes experimentados. Apesar deste amor ser correspondido e revestido de pureza e honestidade, o Dr. Sinval, padrinho e pai adotivo de Emiliano, guarda um segredo que torna impossível essa união.

A obra de Texeira & Souza ganha novos contornos com a introdução de uma figura de sabedoria e experiência: o pai do jovem, um velho pescador que viveu uma vida honrada. Este contraste entre o impulsivo amor juvenil e a pragmática prudência da velhice enriquece a narrativa, criando um diálogo pungente entre gerações. O pai, com sua vasta sabedoria de vida, tenta dissuadir o filho de um casamento que julga baseado em paixões efêmeras. Ele oferece argumentos robustos sobre a natureza ilusória do amor juvenil e as responsabilidades inevitáveis do matrimônio, que poderiam transformar o encanto inicial em amargura.

No entanto, a determinação do jovem em seguir seu coração realça a profundidade de sua paixão e determinação. Sua resistência às ponderações do pai não é apenas um ato de rebeldia, mas sim uma declaração de que seus sentimentos são genuínos e duradouros. Este embate emocional culmina quando o pai, apesar de todas as reservas, concede a permissão para o casamento, pedindo apenas que o filho se lembre dos conselhos paternos caso a realidade futura não corresponda às expectativas.

Texeira & Souza mescla com maestria os temas da paixão contra a razão, da juventude versus a experiência, criando uma narrativa que, apesar de seu pano de fundo antigo, ressoa com dilemas completamente contemporâneos. A luta entre seguir o coração ou a razão é atemporal e, através de personagens bem delineados e diálogos comoventes, o texto explora essas tensões de maneira profundamente humana e universal. Esta abordagem sensível e honesta faz deste capítulo uma peça cativante e reflexiva na literatura.

A reedição de "O Filho do Pescador" pela Sophia Editora é uma verdadeira celebração da literatura brasileira, trazendo à tona a genialidade de Texeira e Sousa com uma clareza nunca antes vista. Ao incluir 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, esta edição se dedica a contextualizar o leitor moderno, oferecendo insights preciosos sobre os termos em latim, mitologia grega e os locais históricos do antigo Rio de Janeiro. Essa abordagem enriquece a compreensão da obra, proporcionando uma imersão mais profunda no universo do século XIX no Brasil.

A narrativa de "O Filho do Pescador" é simplesmente envolvente desde o seu início. A descrição da paisagem, que nos transporta para um cenário hipnotizante da baía de Niterói e da praia de Copacabana, toca as fibras mais sensíveis da imaginação. É neste ambiente quase místico que conhecemos Laura e Augusto, figuras centrais de uma trama marcada por percalços e mistérios. O romance fictício entre os dois, iniciado após o resgate de Laura por Augusto durante um naufrágio, é o fio condutor que nos guia por uma teia de intrigas emocionais, traições e revelações surpreendentes.

Laura é um personagem de muitas camadas, revelando-se uma mulher complexa cujo comportamento oscila entre a leviandade e a busca por sentimentos verdadeiros. Seu relacionamento conturbado com Augusto, agravado por suas paixões por outros homens como Florindo e Marcos, adiciona uma intensidade dramática à trama. A leitura dessas passagens é permeada por um suspense que instiga o leitor a seguir adiante, ansioso por descobrir as próximas reviravoltas.

Texeira e Sousa mostra um domínio impressionante ao contrapor a juventude e a experiência, exemplificado pelo relacionamento de Augusto com seu pai, o velho pescador. A sabedoria pragmática do pai frente ao amor impetuoso do filho tece um diálogo rico em nuance e profundidade, refletindo dilemas perpetuamente atuais. Essa discussão intergeracional não apenas enriquece a narrativa, mas também a torna intemporal, proporcionando reflexões que perduram muito além da leitura.

A luta entre seguir o coração ou ceder à razão é uma tensão universal que Texeira e Sousa aborda com grande sensibilidade. Seus personagens e diálogos são construídos de maneira a humanizar essas escolhas, tornando-as palpáveis e emocionalmente ressonantes para o leitor contemporâneo. A edição da Sophia Editora, ao contextualizar e explicar os elementos históricos e linguísticos da obra, torna essa leitura ainda mais acessível e relevante.

Em suma, "O Filho do Pescador" ganha uma nova vida através desta edição revista e ampliada, permitindo que um número maior de leitores descubra a riqueza e a sofisticação deste clássico da literatura brasileira. As notas de rodapé e as explicações adicionais transformam a experiência de leitura em uma jornada enriquecedora, iluminando aspectos que antes poderiam passar despercebidos. Com isso, a Sophia Editora e Gustavo Rocha realizam uma contribuição inestimável para a preservação e valorização do legado de Texeira e Sousa.

Resenha: Vence-demanda: Educação e Descolonização, De Luiz Rufino

APRESENTAÇÃO

A educação como ferramenta de insubordinação contra o assombro colonial, como instrumento de transgressão das hierarquias do poder. Este pode ser um breve resumo do que Luiz Rufino apresenta nesta coletânea de artigos sobre educação e descolonização. Pensada não para gerar conformidade, mas divergência, a educação é a força que possibilita o processo de descolonização. A partir dessas premissas Rufino levanta discussões relevantes e atuais sobre o processo educacional, além de apontar caminhos.

Nos sete artigos que compõe a obra, o autor traz para o centro do debate a descolonização como tarefa da educação, fala da importância da “desaprendizagem”, da educação como prática da liberdade, realiza o encontro entre Exu e Paulo Freire, fala da gira descolonial como uma contínua batalha do colonizado na tentativa de deslocar a ordem vigente, da escola do sonho, aquela que deve ser habitada pelo conflito, pelo questionamento e finaliza lembrando que brincadeira é coisa séria.

RESENHA

O livro "Vence-demanda: Educação e Descolonização" de Luiz Rufino se configura como uma importante contribuição para os debates acerca da relação entre educação e descolonização no contexto brasileiro. Rufino, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), constrói nesta obra uma elaborada reflexão sobre o papel da educação como ferramenta de enfrentamento do legado colonial.

A obra se estrutura em sete capítulos que articulam diferentes perspectivas teóricas e experiências práticas na construção de uma visão da educação como "radical da vida" e "prática de liberdade". Ao longo do texto, Rufino dialoga com autores como Frantz Fanon, Paulo Freire, bell hooks e Ailton Krenak, estabelecendo um diálogo profícuo entre distintas matrizes de pensamento.

O primeiro capítulo, "Qual é a tarefa da educação?", apresenta uma crítica contundente à concepção hegemônica de educação, entendida como mera preparação para o mundo ou acesso a uma agenda curricular vigente. Rufino argumenta que a educação não pode se limitar à conformidade e a devaneios universalistas, devendo, ao contrário, ser compreendida como um "radical vivo" que possibilita o enfrentamento dos ditames da agenda colonial.

Nesse sentido, a principal tarefa da educação é a descolonização, entendida como um processo de luta e libertação da dominação de modos de existir, conceber e praticar o mundo. Trata-se de uma ação tática que desautoriza o ser e o saber que se quer único, confrontando as dimensões de poder do projeto colonial.

O capítulo "Desaprender do cânone" aprofunda essa discussão, ressaltando a necessidade de uma "desaprendizagem" que problematize e interrogue o que se coloca como o único saber possível ou como saber maior em relação a outros modos. Essa desaprendizagem é compreendida como um ato político e poético diante daquilo que se veste como única verdade, confrontando o cânone e a política de esquecimento promovida pelo colonialismo.

O terceiro capítulo, "Descolonizar é um ato educativo", articula a noção de descolonização com a dimensão da cura, compreendendo-a como um enfrentamento da guerra colonial que não se limita ao campo bélico, mas se estende às esferas cognitiva, espiritual e existencial. Nesse sentido, a educação emerge como um "radical educativo" que possibilita a recuperação de sonhos, a ampliação de subjetividades e a reativação de memórias e saberes subalternizados.

Essa perspectiva é aprofundada no capítulo "Exu e Paulo Freire", no qual Rufino estabelece um diálogo entre a cosmogonia de Exu e o pensamento de Paulo Freire, compreendendo a educação como um campo de batalha em que se disputa a descolonização. Nesse jogo, Exu é entendido como um princípio explicativo de mundo que confronta a lógica colonial, enquanto Freire é lido como um "caboclo" que, em sua práxis educativa, mobiliza energias transgressoras.

Os últimos três capítulos do livro se dedicam à reflexão sobre o papel da escola nesse processo de descolonização. Em "A escola dos sonhos", Rufino argumenta que a escola, apesar de suas limitações, deve ser compreendida como um tempo e espaço de disputa por experimentações e pela defesa de um mundo plural.

Nessa perspectiva, a "escola palmeira" é apresentada como uma metáfora para uma educação que valoriza a diversidade de saberes, a capacidade de fazer perguntas e a liberdade do corpo em sua experimentação do mundo. Trata-se de uma escola "mais que humana", que reconhece a agência de outros seres e práticas de conhecimento não hegemônicas.

O capítulo "Guerrilha brincante" aprofunda essa discussão, ressaltando a importância da brincadeira e do jogo como dimensões fundamentais de uma educação descolonizadora. Rufino argumenta que a brincadeira, entendida como "libertação da regulação" imposta pelo modelo colonial, constitui uma estratégia de remontagem das esferas de memória, cognição, cultura e comunidade.

Por fim, o livro se encerra com o capítulo "A gira descolonial", no qual Rufino retoma a noção de "gira" como uma metáfora para a descolonização entendida como uma "batalha e cura" que convoca as presenças subalternas a partir de seus saberes e tecnologias ancestrais. Nesse sentido, a descolonização não se resume a um giro epistemológico, mas demanda uma "gira" que mobilize múltiplas dimensões da existência.

Em síntese, "Vence-demanda: Educação e Descolonização" se configura como uma obra fundamental para se pensar a educação como um campo de disputa política e poética, em que se reivindicam outras formas de ser, saber e estar no mundo. Ao articular distintas matrizes teóricas e experiências práticas, Rufino apresenta uma proposta de educação como "radical da vida" e "prática de liberdade", capaz de confrontar o legado colonial e construir caminhos de descolonização.

Resenha: Forte como a Morte de Otto Leopoldo Winck


A obra "Forte como a Morte" de Otto Leopoldo Winck é uma narrativa complexa e multifacetada que entrelaça três histórias distintas em uma trama. O romance se destaca pela riqueza de suas referências teológicas, filosóficas e literárias, tecendo uma intrincada rede de significados que convida o leitor a uma jornada de reflexão e interpretação. O livro é estruturado de forma não linear, com as três narrativas principais - a de Rosália menina, a de Rosália mãe e a do reencontro do narrador com a personagem Betina - intercaladas em doze partes. Essa estrutura fragmentada, à primeira vista, pode parecer desafiadora, mas revela-se uma escolha narrativa deliberada, que evoca a imagem de uma rosácea, com seus padrões complexos e significados multifacetados.

A narrativa principal acompanha a jovem Rosália Klossosky, uma adolescente que apresenta estigmas semelhantes aos de Cristo, em uma pequena comunidade rural no sul do Brasil. Essa história é permeada por referências à teologia da libertação, à mística cristã e a questões sociais e políticas, como a luta pela reforma agrária. Paralelamente, a narrativa do narrador-padre, que reencontra uma antiga conhecida, Betina, no último Natal, traz à tona reflexões sobre a crise de fé, o papel do sacerdócio e a solidão do indivíduo.

Um dos aspectos mais notáveis da obra é sua abordagem teológica. Winck demonstra profundo conhecimento da tradição cristã, explorando conceitos como a kênosis (esvaziamento divino), a Shekinah (presença divina no mundo) e a relação entre fé, razão e mistério. A narrativa evoca a teologia da libertação, com sua ênfase na opção preferencial pelos pobres e na luta por justiça social, bem como a mística cristã, com suas noções de sofrimento, sacrifício e transcendência.

Além disso, o romance dialoga com a filosofia, especialmente com as ideias de Wittgenstein e Kierkegaard, que questionam a capacidade da linguagem e da razão de apreender plenamente a realidade. Essa abordagem filosófica contribui para a construção de uma narrativa que se recusa a fornecer respostas definitivas, deixando espaço para a ambiguidade e o mistério.

"Forte como a Morte" é uma obra de grande riqueza e complexidade, que desafia o leitor a mergulhar em uma trama intrincada de referências teológicas, filosóficas e literárias. Winck habilmente tece uma narrativa que questiona noções de fé, razão e mistério, convidando o leitor a uma jornada de reflexão e interpretação. Trata-se de um romance que se destaca pela sua abordagem erudita e pela sua capacidade de suscitar profundas indagações sobre a condição humana.

Resenha: Umbandas: uma história do Brasil, de Luiz Antonio Simas

 APRESENTAÇÃO

O historiador Luiz Antonio Simas frequenta terreiros de umbanda desde a mais tenra idade. Balizado pela história do Brasil e amparado pela própria trajetória, Simas elabora aqui um estudo inédito, original, que se propõe a contar a história do país à luz das umbandas — de tão brasileira que é, a umbanda se torna plural. Por isso, já no título deste livro a palavra não vem no singular. A diversidade do país, segundo o autor, se manifesta nas várias umbandas existentes, que se multiplicaram em histórias como a de sua avó, alagoana criada em Pernambuco e que se mudou para o Rio de Janeiro carregando consigo suas crenças e ritos.

RESENHA

O livro "Umbandas: uma história do Brasil", de Luiz Antonio Simas, propõe uma reflexão sobre as umbandas e sua profunda imbricação com a formação histórica e social do Brasil. Dividido em duas partes, a obra transita entre a "poética do encantamento" e a "política do encantamento", explorando as diversas manifestações religiosas afro-brasileiras, seus mitos, ritos e personagens, bem como os processos de cooptação, repressão e legitimação institucional dessas práticas.

Na primeira parte do livro, intitulada "Poéticas do Encantamento", Simas nos apresenta um panorama das raízes ancestrais das umbandas, remetendo-nos às santidades indígenas, aos calundus e danças de tunda, às pajelanças e catimbós, aos cultos aos orixás, caboclos e exus. Essa seção do livro destaca a riqueza e a diversidade das sabenças encantadas que se entrecruzam nas umbandas, enfatizando a noção de que esses cultos constituem um "ecossistema encantado", marcado pela interação entre o visível e o invisível, o humano e a natureza.

Ao explorar os mitos e ritos das santidades indígenas, dos calundus e das danças de tunda, Simas revela a complexidade e a dinamicidade dessas práticas religiosas, que se caracterizam pela fusão de elementos africanos, indígenas e cristãos. A figura do pajé, por exemplo, é apresentada como um xamã que atua como mediador entre o mundo material e os outros mundos espirituais, utilizando-se do poder terapêutico das plantas, do transe e da crença na existência de mundos paralelos.

Da mesma forma, o autor discorre sobre as bolsas de mandinga, os patuás e os ritos de fechamento dos corpos, evidenciando como essas tecnologias de cura e proteção incorporam saberes de diversas origens, numa constante reelaboração e adaptação às realidades locais. Nesse sentido, Simas destaca a noção de que os corpos são suportes de manifestações de encantamentos, sendo ritualmente preparados e transformados para abrigar as conexões entre o visível e o invisível.

Na segunda parte do livro, intitulada "Políticas do Encantamento", Simas aborda os processos de codificação e legitimação das umbandas, com foco no I Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, realizado em 1941. Nesse contexto, o autor analisa as disputas em torno da definição da origem e da "pureza" da umbanda, contrastando as perspectivas de uma "umbanda branca", mais próxima do espiritismo kardecista e do cristianismo, com a de uma umbanda afro-brasileira, representada pela corrente do omolokô.

Ao explorar essa tensão, Simas revela como o projeto de construção da identidade nacional, marcado pela ideologia da mestiçagem, também se fez presente no campo das umbandas. Enquanto alguns buscavam afastar as práticas afro-brasileiras, em nome de uma suposta "pureza" e "civilidade", outros, como Tancredo da Silva Pinto e a corrente do omolokô, defendiam a valorização das raízes africanas e indígenas da umbanda, contestando os esforços de desafricanização do culto.

Essa seção do livro também aborda a relação entre as umbandas e a repressão e intolerância religiosa enfrentadas pelos cultos afro-brasileiros. Simas destaca como a legislação brasileira, ao mesmo tempo em que aparentemente garantia a liberdade religiosa, criava subterfúgios legais que permitiam a perseguição aos terreiros, enquadrando suas práticas como "curandeirismo" e "perturbação da ordem pública".

Nesse contexto, o autor discorre sobre o embate entre as umbandas e as igrejas neopentecostais, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus, que têm sistematicamente atuado na destruição de terreiros e na demonização das religiosidades afro-brasileiras. Essa disputa pelo "mercado da fé" revela as profundas raízes do racismo estrutural brasileiro, que se manifesta na desqualificação e na aniquilação dos saberes e práticas não brancos.

Ao longo do livro, Luiz Antonio Simas adota uma abordagem multidisciplinar, transitando entre a História, a Antropologia, a Sociologia e a Filosofia, de modo a compreender as umbandas em sua complexidade e dinamismo. Sua escrita poética e envolvente convida o leitor a mergulhar nesse universo encantado, revelando as sutilezas, contradições e belezas que permeiam as práticas religiosas afro-brasileiras e sua relação com a formação do Brasil.

Ao explorar tanto a "poética do encantamento" quanto a "política do encantamento", Simas nos apresenta uma obra que transcende os limites da mera descrição etnográfica ou histórica. Seu texto é uma convocação à compreensão das umbandas como manifestações vivas de uma "brasilidade forjada nas miudezas da nossa gente", que insistem na beleza espantosa presente em rituais de afirmação da vida, em contraposição à lógica colonial de aniquilação e morte.

Referências

SIMAS, Luiz Antonio. Umbandas: uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

Resenha: Pra tudo começar na quinta-feira, de Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato



APRESENTAÇÃO

Este é um trabalho com um recorte temático e espacial: ele versa sobre os enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro e os seus criadores. A primeira parte aborda a conexão que existe entre os enredos das agremiações e os respectivos contextos históricos em que foram apresentados. A segunda parte apresenta e analisa a biografia profissional e a contribuição dos maiores carnavalescos, criadores de enredos, para o crescimento e transformação das escolas de samba do Rio de Janeiro desde 1960, quando a influência desses personagens passa a ser decisiva (e polêmica) para os rumos da festa.

RESENHA

O livro "Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos", de Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato, apresenta uma profunda e instigante análise sobre a evolução dos enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro ao longo do tempo. Os autores se debruçam sobre essa importante manifestação cultural, explorando suas conexões com os contextos históricos, sociais e políticos em que se inserem.

O trabalho se divide em duas partes principais. Na primeira, os autores abordam a relação entre os enredos das agremiações e os respectivos períodos históricos em que foram apresentados, mostrando como as escolas de samba foram influenciadas em suas escolhas temáticas pela conjuntura de determinados momentos. Ao mesmo tempo, destacam que as escolas, dotadas de notável capacidade de assimilação e transformação, acabam por influenciar essa mesma conjuntura, não sendo meras vítimas passivas do contexto ou condicionadas acriticamente por ele, mas agentes ativas da história, interferindo dinamicamente no tempo e no espaço em que estão inseridas.

Na segunda parte, os autores apresentam e analisam a biografia profissional e a contribuição dos maiores carnavalescos, criadores de enredos, para o crescimento e a transformação das escolas de samba do Rio de Janeiro a partir da década de 1960, quando a influência desses personagens passa a ser decisiva (e polêmica) para os rumos da festa.

Ao longo da obra, Simas e Fabato adotam uma abordagem interdisciplinar, transitando entre a história, a sociologia, a antropologia e os estudos culturais, o que lhes permite uma compreensão ampla e multifacetada do objeto de estudo. Sua escrita é fluida e acessível, evitando o rigor acadêmico excessivo, o que torna a leitura agradável e envolvente.

Um dos aspectos mais relevantes do livro é a forma como os autores lidam com a questão da memória. Eles reconhecem que não há uma memória objetiva, uma vez que a reconstrução de uma experiência sempre pressupõe distintas interpretações e ressignificações do que foi vivido. Dessa maneira, o mundo do samba é apresentado como um espaço ricamente povoado de relatos épicos, mitos e personagens lendários, em que mito e história, realidade e fábula, se entrelaçam constantemente.

Outro ponto forte da obra é a atenção dedicada aos carnavalescos, figuras centrais no desenvolvimento das escolas de samba. Simas e Fabato traçam um panorama histórico da ascensão desses profissionais, destacando sua importância na reconfiguração estética e temática dos desfiles. Ao mesmo tempo, evidenciam as tensões e os conflitos entre esses artistas e o poder público, bem como a maneira como eles negociaram e se adaptaram às demandas impostas pelos patrocinadores e pela indústria do entretenimento.

No que se refere aos enredos, os autores identificam duas tendências principais ao longo do tempo: a dos temas que versam sobre efemérides oficiais e personagens históricos, e a dos enredos que abordam a mitologia e a cultura afro-brasileira. Eles demonstram como essas duas vertentes se relacionam com as conjunturas políticas e sociais de determinados períodos, refletindo tanto os interesses do Estado quanto as reivindicações e a resistência das comunidades marginalizadas.

Além disso, os autores dedicam atenção especial à emergência dos enredos patrocinados nas últimas décadas, explorando as implicações dessa nova realidade para a festa. Eles argumentam que essa tendência tem levado à padronização e à uniformização dos desfiles, com as escolas sendo encaradas como potenciais veículos de propaganda de massas e indução ao consumo.

Em suma, "Pra tudo começar na quinta-feira" se configura como uma obra fundamental para a compreensão do carnaval carioca e de sua importância como manifestação cultural e política. Ao articular de forma brilhante a relação entre os enredos e os contextos históricos, sociais e econômicos, os autores contribuem significativamente para o avanço dos estudos sobre essa celebração tão rica e complexa.

Resenha: História do Café, de Ana Luiza Martins

APRESENTAÇÃO

Este delicioso livro narra a trajetória de aventura e ousadia da mais saborosa e conhecida bebida negra em todo o mundo: o café. Desde sua descoberta, a Coffea arabica traçou novas rotas comerciais, criou espaços de sociabilidades até então inexistentes, estimulou movimentos revolucionários, inspirou a literatura e a música, desafiou monopólios consagrados e tornou-se o elixir do mundo moderno, consolidando as cafeterias como referência de convívio, debate e lazer. Com charme, elegância e bom humor, a historiadora Ana Luiza Martins conta a trajetória do café, das origens como planta exótica no Oriente à transformação em produto de consumo internacional. A autora analisa também como o café no Brasil transformou-se na semente que veio para ficar e marcar a nossa história. Mais do que uma atitude simpática de bom anfitrião, oferecer um café é proporcionar uma das mais prestigiosas formas de convívio social que nos é dado a conhecer. Um simples gole dessa bebida torna você, leitor, parte de uma imensa cadeia de produção, embalada em muita aventura e ousadia. Venha tomar uma xícara com a gente.

RESENHA

A obra "História do Café" de Ana Luiza Martins é um abrangente e detalhado relato sobre a trajetória do café no Brasil, desde suas origens até os tempos atuais. A autora aborda de forma minuciosa as diversas etapas e transformações pelas quais passou a cultura cafeeira, destacando seu papel central no desenvolvimento econômico, social e político do país.

No primeiro capítulo, intitulado "Origens", a autora traça a história da planta do café, sua descoberta na África e posterior disseminação pelo Oriente Médio e Europa. Ela destaca a importância da Arábia, em particular do Iêmen, no cultivo e comercialização inicial do produto, bem como o papel dos árabes na difusão do hábito de consumir a bebida. Martins também analisa a chegada do café ao Brasil, por meio da ação de Francisco de Melo Palheta, e sua lenta, porém gradual, propagação pelas regiões norte e nordeste do país durante o período colonial.

No segundo capítulo, "Império do Café", a autora aborda a ascensão da cultura cafeeira no Brasil, especialmente no século XIX, quando o produto se torna o principal sustentáculo da economia imperial. Ela descreve a expansão geográfica dos cafezais, partindo do Vale do Paraíba fluminense e paulista em direção ao oeste paulista e Minas Gerais. Martins também analisa o papel político e social desempenhado pelos cafeicultores, que se consolidaram como uma poderosa elite oligárquica durante o Império. Nesse contexto, a autora destaca a incorporação do símbolo do café no brasão nacional, em 1822, como forma de legitimar sua importância.

No terceiro capítulo, "República do Café", a autora examina a continuidade da hegemonia cafeeira durante a Primeira República, quando o produto manteve sua posição de destaque na pauta de exportações brasileiras. Martins analisa as diversas intervenções governamentais para a valorização do café, como o Convênio de Taubaté e a atuação do Instituto Brasileiro do Café (IBC), bem como os impactos dessas políticas na economia e sociedade do país. Ela também discute a crise de 1929 e suas consequências dramáticas para a classe cafeicultora.

No quarto e último capítulo, "Goles Finais de uma História", a autora aborda os desdobramentos mais recentes da cultura cafeeira no Brasil, destacando a diversificação da produção, a busca pela qualidade e a introdução de novas tecnologias. Martins também analisa o impacto de políticas governamentais, como o Pró-Álcool, na transformação da paisagem cafeeira paulista, bem como a ascensão de outras regiões produtoras, como o Espírito Santo, Goiás e Bahia. Além disso, ela discute a relevância do café solúvel e as mudanças nos hábitos de consumo da bebida.

Em síntese, a obra de Ana Luiza Martins apresenta uma abordagem ampla e aprofundada sobre a história do café no Brasil, abrangendo desde suas origens até os desafios e transformações mais recentes. A autora demonstra domínio do tema, articulando de forma coesa e coerente os diversos aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais que permearam a trajetória dessa importante commodity. A riqueza de detalhes e a diversidade de fontes utilizadas conferem à obra grande valor acadêmico e historiográfico, fazendo dela uma referência indispensável para o estudo da história do café no país.

Resenha: Doenças e Curas: O Brasil nos Primeiros Séculos, de Cristina Gurgel

 

APRESENTAÇÃO

Quais as doenças que afligiam índios e europeus nos primeiros séculos do Brasil? Como os nativos se defendiam de males até então desconhecidos por eles, como gripe e sarampo? A pesquisadora e médica Cristina Gurgel nos mostra um capítulo importante da História do Brasil, o encontro (e desencontro) de duas culturas sob a ótica das doenças e dos males que afetaram seus habitantes.Ao contrário do que se propaga, a autora defende a ideia de que os princípios terapêuticos básicos da medicina indígena e europeia tinham muito em comum. Ambos os povos possuíam uma concepção da doença como uma invasora, sendo, portanto, necessário forçar sua saída do organismo. Para que isso ocorresse, empregavam-se cerimônias e substâncias que diferiram conforme a cultura e a disponibilidade e qualidade de matérias-primas medicamentosas. Valiam-se igualmente de rezas, vomitórios, purgantes e sangrias. Assim, quando ambas as medicinas - europeia e indígena - se uniram, não houve um grande choque cultural, mas uma complementação, que fez surgir a autêntica medicina popular brasileira.Repleto de imagens e boxes explicativos, Doenças e curas é imperdível para quem quer conhecer melhor o início - doloroso - da nossa História.

RESENHA

O livro "Doenças e Curas: O Brasil nos Primeiros Séculos" de Cristina Gurgel é uma obra que se propõe a estudar a história da medicina e das doenças no período colonial brasileiro. A autora parte do pressuposto de que as doenças e as práticas médicas exerceram um papel fundamental na conformação da sociedade colonial, influenciando não apenas os aspectos demográficos, mas também os âmbitos socioeconômico, político e cultural.

Nos primeiros capítulos, Gurgel aborda as teorias sobre as origens dos povos ameríndios e as consequências biológicas do isolamento geográfico desses grupos. A autora discute as evidências arqueológicas e paleoparasitológicas que apontam para a presença de parasitas intestinais nas populações pré-colombianas, bem como a hipótese de que a ausência de animais domésticos tenha sido um fator determinante para a fragilidade imunológica desses povos diante de doenças infectocontagiosas.

Em seguida, Gurgel apresenta um panorama da sociedade indígena brasileira nos séculos XVI e XVII, com ênfase nas práticas médicas e nas enfermidades que acometiam essas populações. A autora destaca a diversidade cultural entre os diferentes grupos, bem como a importância dos pajés e da utilização de recursos da flora nativa no tratamento de doenças. Ademais, são discutidas as possíveis causas da elevada mortalidade indígena frente a epidemias de doenças infecciosas trazidas pelos colonizadores.

O quarto capítulo aborda as consequências da expansão marítima europeia para a saúde das populações envolvidas. Gurgel analisa as precárias condições de higiene e alimentação a bordo das embarcações, bem como a disseminação de doenças infectocontagiosas, como o escorbuto e o tifo, entre os tripulantes. A autora também discute o papel desempenhado pela medicina popular e erudita no tratamento desses males.

Neste capítulo, Gurgel se debruça sobre o choque entre os universos culturais indígena e europeu, com ênfase nos impactos da colonização sobre a saúde e a organização social dos povos nativos. A autora analisa a descrição feita por Pero Vaz de Caminha sobre o primeiro contato entre portugueses e indígenas, bem como o papel desempenhado pelos jesuítas na catequização e na assistência médica aos nativos.

Nos capítulos finais, Gurgel aborda as condições de saúde da população colonial, tanto nas vilas e cidades quanto nos sertões. A autora destaca a precariedade da assistência médica, a atuação de profissionais como boticários, barbeiros e cirurgiões, bem como a importância da medicina popular, que mesclava elementos das tradições indígena, africana e europeia.

Ao final do livro, Gurgel apresenta uma reflexão sobre a importância do estudo das doenças e das práticas médicas para a compreensão da história do Brasil colonial. A autora enfatiza que a medicina, longe de ser um campo neutro e ahistórico, esteve intrinsecamente relacionada aos processos sociais, econômicos e políticos que conformaram a sociedade brasileira nos primeiros séculos de colonização.

"Doenças e Curas: O Brasil nos Primeiros Séculos" é uma obra de grande relevância para o campo da história da medicina e da saúde pública no Brasil. Cristina Gurgel realiza uma abordagem interdisciplinar, articulando conhecimentos das áreas de história, antropologia, arqueologia e ciências da saúde, a fim de compreender as dinâmicas que envolveram as doenças e as práticas médicas no período colonial. A riqueza de fontes primárias e secundárias mobilizadas, bem como a clareza da exposição, tornam este livro uma leitura indispensável para pesquisadores e estudantes interessados na temática.

Resenha: Jornalismo Popular, de Márcia Franz Amaral

 

APRESENTAÇÃO

Jornalismo, para ser popular, precisa ser sensacionalista? Subestimar o leitor tem sido a prática de muitos veículos da mídia, mas este livro mostra a possibilidade e a necessidade de jornais populares de qualidade. Em uma pesquisa cuidadosa que foge das respostas óbvias, a autora discute os principais veículos e esclarece o que se espera de um bom jornalista que atue no meio.Em ampla expansão tanto na imprensa quanto na mídia eletrônica essa área - com redações que publicam matérias exclusivas, dão furos e ganham prêmios - representa um mercado de trabalho expressivo tanto para profissionais experientes quanto para jovens repórteres.

RESENHA

O livro "Jornalismo Popular", de Márcia Franz Amaral, publicado pela Editora Contexto em 2006, apresenta uma abordagem aprofundada e fundamentada sobre um segmento da imprensa que, embora tenha grande relevância no cenário midiático brasileiro, ainda é pouco estudado e compreendido pela academia: os jornais destinados às classes B, C e D.

A autora parte da constatação de que a noção de "sensacionalismo", comumente utilizada para caracterizar esse tipo de imprensa, é insuficiente e carregada de preconceitos. Amaral opta, então, pelo termo "jornalismo popular" por considerar que este melhor abarca as especificidades desse mercado e de seu público-alvo. Nessa perspectiva, o livro se propõe a discutir as estratégias e tendências dessa imprensa, buscando compreendê-la para além dos rótulos e estigmas que normalmente lhe são atribuídos.

Para tanto, a obra apresenta uma contextualização histórica do sensacionalismo na imprensa, desde seus primórdios no século XIX até sua chegada e consolidação no Brasil. Essa revisão bibliográfica permite à autora situar o surgimento e a evolução dos jornais populares em um quadro mais amplo, evidenciando como determinadas práticas e recursos narrativos remontam a matrizes culturais e estéticas consagradas, como o melodrama e o folhetim.

Ao analisar os principais jornais populares brasileiros, como O Dia, Extra e Diário Gaúcho, Amaral identifica as estratégias de aproximação com o leitor, que vão desde a linguagem simples e didática até a concessão de amplo espaço para a voz do público. Destaca-se, nesse sentido, o estudo de caso aprofundado sobre o Diário Gaúcho, que, segundo a autora, leva ao extremo certas características desse segmento, como a predominância de uma matriz dramática e folhetinesca.

Ao longo do texto, a pesquisadora problematiza a dicotomia entre a "imprensa de referência", voltada às classes A e B, e a "imprensa popular", destinada às camadas mais baixas da população. Enquanto a primeira se pauta pelo "interesse público", a segunda prioriza o "interesse do público", adotando enfoques, pautas e linguagens mais próximas da realidade concreta do leitor.

Nesse sentido, o livro apresenta uma reflexão aprofundada sobre as raízes culturais e históricas que embasam as estratégias de popularização da grande imprensa, evidenciando como elas se articulam a lógicas de mercado e a modos de representação do "popular" historicamente construídos.

Ao final, Amaral discute os desafios e possibilidades de um "jornalismo popular de qualidade", que consiga conciliar os interesses comerciais com compromissos éticos e sociais. Nessa perspectiva, a autora aponta caminhos e práticas que poderiam contribuir para a construção de uma imprensa popular mais responsável e comprometida com a formação cidadã de seu público.

Em suma, "Jornalismo Popular" se configura como uma obra de grande relevância para os estudos de jornalismo e comunicação no Brasil, na medida em que se debruça sobre um objeto pouco explorado, porém fundamental para a compreensão do cenário midiático contemporâneo. Trata-se de uma leitura obrigatória para pesquisadores, estudantes e profissionais interessados em refletir criticamente sobre as transformações pelas quais passa a grande imprensa nacional.

O livro aborda o segmento de jornais populares, destinados às classes B, C e D, que buscam se aproximar de camadas mais amplas da população. Esse tipo de imprensa vem se transformando, deixando de lado o sensacionalismo exacerbado para adotar estratégias de aproximação com o leitor por meio da prestação de serviços, do entretenimento e da linguagem mais próxima ao público.

O primeiro capítulo faz uma recuperação histórica do sensacionalismo na imprensa e discute o porquê de usar o termo "jornalismo popular" em vez de "sensacionalista". O segundo capítulo contextualiza o novo momento vivido pelos jornais, revistas e programas de TV voltados ao público popular. 

O terceiro capítulo apresenta uma reflexão sobre as diferenças entre a imprensa de referência, voltada às classes A e B, e a imprensa popular, que prioriza o interesse do público em detrimento do interesse público. O quarto capítulo aprofunda-se no estudo de caso do jornal Diário Gaúcho, que leva ao extremo algumas estratégias de aproximação com o leitor.

O quinto capítulo detalha práticas cotidianas do jornalismo popular, como o conhecimento do leitor, a mudança de pontos de vista, o cuidado com a linguagem e a adequação do projeto gráfico. Também aborda os riscos dessa popularização, como o excesso de dramatização e a prioridade para o interesse do público em detrimento do interesse público. Por fim, apresenta possibilidades de um jornalismo popular de qualidade.

Resenha: Flores da Batalha, de Sérgio Vaz

APRESENTAÇÃO

Flores da batalha, novo livro de Sergio Vaz da Global Editora, com apresentação de Emicida, é uma obra que fala sobre o coletivo – a luta coletiva do homem e da mulher preta, da galera que pega ônibus 5:30 da manhã todo dia para trabalhar, das pessoas que sonham e lutam todos os dias pelos seus ideais, mesmo que sejam negligenciadas pelo sistema.

Atualmente, não existe ninguém melhor para abordar esses temas na literatura contemporânea do que Vaz, também criador da Cooperifa.

Na apresentação, Emicida cita Mário de Andrade , que em 1924 clamou por um “Brasil com alma”, em uma carta para CarlosDrummond de Andrade. “Para isso todo sacrifício é grandioso e sublime”, completa.

Nas paisagens que moldam Flores da Batalha, mais uma vez São Paulo da zona sul.

Vaz achou na rua a oportunidade de se expressar, criando arte que fala com e para as pessoas que cresceram e são moldadas por experiências periféricas.

Dessa forma, a poesia da periferia, galgada pela voz do povo, se torna parte da rotina diária de milhares de brasileiros.

Ao apontar sua caneta para a rotina da periferia, o autor cria mais uma vertente do Brasil com a alma que Mário de Andrade citou, ao mesmo tempo em que faz poesia que, como diz o próprio Emicida , “tira a mordaça da alma” .

Responsável também por Flores de alvenaria, Literatura, pão e poesia e Colecionador de pedras, Sérgio Vaz cresce cada vez mais em território nacional, e soma sua arte com movimentos e eventos como a própria Cooperifa e até mesmo a Perifacon, que leva a cultura pop para os extremos de São Paulo, sempre democratizando o acesso a Literatura.

RESENHA

Flores da Batalha, lançado em 2023, é a mais recente obra poética de Sérgio Vaz, poeta e ativista cultural da periferia de São Paulo. Conhecido por sua atuação na Cooperifa, evento cultural que transformou um bar da zona sul da cidade em um espaço de encontro e difusão da poesia, Vaz consolida neste livro sua voz potente e engajada, que reflete sobre as lutas, dores e resistências do povo brasileiro, especialmente daqueles que vivem à margem da sociedade.

A obra se divide em diversas seções temáticas, perpassando tópicos como a importância da poesia, a denúncia das desigualdades sociais, a busca pela humanização das relações e a celebração da vida, mesmo diante das adversidades. Ao longo de seus poemas em prosa e versos livres, o autor constrói uma narrativa que convida o leitor a refletir sobre sua própria condição e a se engajar na luta por um mundo mais justo e solidário.

Já na apresentação do livro, escrita pelo rapper Emicida, é possível perceber a relevância da obra de Sérgio Vaz para a cultura periférica. Emicida destaca a capacidade do poeta em "transcender as palavras e fazer com que as pessoas entendam de uma vez por todas que a poesia já está na vida cotidiana", evidenciando sua habilidade em transformar o ordinário em extraordinário.

Ao longo do livro, Vaz explora diversos temas que permeiam a realidade das comunidades marginalizadas. Em "Confia no teu corre", por exemplo, o autor exorta o leitor a não se deixar abater pelas incertezas da vida, a perseguir seus sonhos e a manter-se firme em suas convicções, mesmo diante das adversidades. Já em "Vassouras do Tempo", o poema retrata a figura de um gari que, ao ser questionado sobre a sua alegria, responde que está "varrendo o passado", revelando a capacidade de transformar o trabalho árduo em uma forma de resistência e de superação.

A seção "Recado" traz um poema impactante sobre a execução sumária de um jovem morador de rua, evidenciando a violência e a desumanização que assolam as periferias. Nesse contexto, Vaz convida o leitor a refletir sobre a responsabilidade coletiva diante de tais tragédias, questionando o silêncio e a indiferença da sociedade.

"Flores da Batalha" é uma obra que ressalta a relevância da poesia contemporânea, ecoando a luta diária daqueles que permanecem firmes em seus princípios. Sérgio Vaz, um destacado poeta da periferia, comemora três décadas e meia de seu comprometido trabalho de transformação urbana através da arte das palavras. Este título é o segundo da coleção "Flores", que teve seu início com "Flores de Alvenaria", publicado em 2016. Por meio de sua escrita, Vaz oferece mais do que poesia; entrega um verdadeiro alimento espiritual que nutre a esperança e amplifica a voz de indivíduos frequentemente marginalizados.

As obras de Sérgio Vaz exploram de maneira rica e genuína tanto as vitórias quanto os desafios enfrentados na vida cotidiana das comunidades periféricas de São Paulo. O prefácio, assinado por Emicida, expõe como o labor de Vaz tem sido uma fonte de inspiração para muitos, inclusive o próprio Emicida, incentivando uma nova geração a se aventurar pela poesia e pela literatura, e a celebrar a força e a resiliência que permeiam a realidade das periferias.

O autor traça um paralelo entre sua própria trajetória e a do Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, explorando a noção de que o crescimento nem sempre significa a perda da capacidade de sonhar e de se maravilhar com o mundo. Esse poema em prosa sugere que, mesmo diante das adversidades da vida adulta, é possível manter viva a chama da imaginação e da esperança.

Ao longo da obra, Vaz também aborda temas como a importância da democratização da literatura, a necessidade de se amar a si mesmo, a crítica à hipocrisia social e a celebração da diversidade e da solidariedade entre os membros da comunidade. Em "Fake News", por exemplo, o poeta desmonta uma série de estereótipos e preconceitos que circundam a periferia, reafirmando a humanidade e a dignidade de seus habitantes.

Destaca-se ainda a seção "Flores da Batalha", na qual o autor utiliza a metáfora da flor que cresce entre os escombros para simbolizar a resiliência e a beleza que podem brotar mesmo nos ambientes mais adversos. Essa imagem poderosa sintetiza a mensagem central do livro, que é a de valorizar a luta diária dos oprimidos e celebrar sua capacidade de transformar a dor em arte e em resistência.

Flores da Batalha se configura como uma obra de grande relevância no contexto da literatura engajada e da poesia periférica brasileira. Através de uma linguagem poética vibrante e de uma perspectiva profundamente enraizada na realidade das comunidades marginalizadas, Sérgio Vaz convida o leitor a refletir sobre as desigualdades sociais, a violência institucionalizada e a importância da solidariedade e da luta coletiva.

Ao retratar as dores, as conquistas e as esperanças do povo brasileiro, especialmente daqueles que vivem à margem da sociedade, o autor reafirma o poder transformador da poesia e sua capacidade de dar voz aos excluídos. Sua obra se destaca pela riqueza de suas reflexões, pela força de suas imagens e pela sua profunda conexão com as lutas e os anseios das periferias.

Assim, Flores da Batalha se apresenta como um importante registro da realidade social brasileira, bem como uma convocação para que cada leitor assuma seu papel na construção de um mundo mais justo e solidário. A leitura deste livro se revela, portanto, como uma experiência transformadora, que nos convida a repensar nossos próprios lugares e a nos engajarmos na construção de uma sociedade mais humana e inclusiva.

Resenha: ❛Projeto Querino, de Tiago Rogero



APRESENTAÇÃO

Depois do sucesso de crítica e público dos podcasts Vidas Negras e Negra Voz, Tiago Rogero se consolidou como um dos principais nomes do jornalismo brasileiro com o projeto Querino, empreitada de fôlego que chega agora em sua terceira fase com a publicação do livro projeto Querino: um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil. Baseado no 1619 Project, trabalho da jornalista estadunidense Nikole Hannah-Jones para o The New York Times, Rogero propõe um olhar sobre a história do Brasil a partir da centralidade do povo negro.

Com uma pesquisa minuciosa empreendida por uma equipe de especialistas de peso, o projeto Querino abarca, além do livro, um podcast produzido pela Rádio Novelo em 2022 — vencedor do prêmio Vladimir Herzog em 2023 e um dos mais ouvidos do streaming — e uma série de matérias publicadas na revista piauí no mesmo ano. Mais de quarenta profissionais trabalharam no projeto, que teve também o apoio do Instituto Ibirapitanga.

Agora, o livro conta com material inédito que amplia os oito episódios do podcast — incluindo entrevistas e imagens de figuras negras que foram apagadas dos manuais de história. Com firmeza e afeto, Rogero conduz o leitor pelo caminho da excelência e da dor em direção a uma nova compreensão da presença negra na construção do Brasil. Nesse sentido, o livro resgata a relevância de pessoas sequestradas e escravizadas — e a de seus descendentes —, ao mesmo tempo que denuncia os desdobramentos da diáspora no país de hoje.

Como bem descreve Ynaê Lopes dos Santos no texto de orelha do livro: “O projeto Querino é um banho de chuva. Chuva que molha, encharca, incomoda, nos obrigando a pisar em um chão quase pantanoso. Mas, passado o tempo, ela limpa e até refresca. Os pés seguem encharcados e são eles que pisam firme, abrindo espaço para uma nova escuta”.

De Luiz Gama a Chiquinha Gonzaga e Jorge Ben, passando por dona Laudelina de Campos Melo até chegar na pec das Domésticas, este livro se torna um retrato histórico-jornalístico potente de como o racismo, e também a agência do povo negro, formam o alicerce deste país.

RESENHA

O livro "Projeto Querino", de Tiago Rogero, oferece uma imersão profunda na complexa relação entre o tráfico de escravizados e as políticas coloniais no Brasil, traçando um panorama histórico que conecta figuras proeminentes como o príncipe regente D. João e o rei Adandozan do Daomé, atual Benim. O autor habilmente examina eventos cruciais de 1811, quando D. João recebeu presentes luxuosos e crianças escravizadas do rei africano, situando essa interação no contexto de um intrincado jogo de interesses econômicos e políticos. O temor de Adandozan em relação a um tratado de D. João com o Reino Unido, que visava a gradual abolição do comércio de escravos, revela a luta pela continuidade de um sistema que se tornaria integral à economia brasileira. Ao mesmo tempo, a rivalidade com o rei de Ardra destaca o crescente antagonismo entre reinos africanos, moldando um passado esquecido, mas relevante, na formação do Estado-nação brasileiro.

A análise de Rogero sobre a origem da escravidão e sua transformação no Brasil é particularmente impactante. Ele rastreia a desumanização dos africanos, que começou com a escravidão mercantil no século XV, até a forma brutal que a exploração do trabalho escravo assumiu nos séculos seguintes. A descoberta de que o tráfico de escravizados sempre foi um pilar econômico do Brasil oferece uma nova perspectiva sobre a construção da identidade nacional e a infraestrutura econômica do país.

A obra também se destaca ao trazer à tona a figura de José Bonifácio, um defensor da abolição que enfrentou resistência dos poderosos senhores de escravizados, mas que, sob a sua influência, conseguiu impactar D. Pedro. A narrativa culmina com os eventos políticos de 1821, ao relatar as exigências das Cortes Gerais e a turbulenta intersecção de interesses que conduziram à Independência do Brasil, enfatizando que esse "grito" foi, na verdade, um momento elitista, cercado por poder e privilégios.

O autor também se desdobra sobre o COVI-19 e a participação do ex-presidente da República Jair Bolsonaro em relação à crise sanitária enfrentada pelo Brasil, evocando assim, a morte de milhares de brasileiros.

A presença de Joaquim, o "Rei do Café", como um símbolo da riqueza oriunda da exploração da mão de obra escravizada, traz à tona a crueldade entrelaçada à prosperidade que caracterizou a economia brasileira. A resenha expõe a hipocrisia de uma independência que mantinha a escravidão e perpetuava um sistema de desigualdade raciais e sociais que ecoa até os dias atuais. A análise crítica dos efeitos persistentes da escravidão — refletida em salários desiguais e em postos de trabalho desfavoráveis ocupados pela população negra — evidencia a necessidade de um olhar atento e renovado sobre esses legados históricos ainda presentes na sociedade contemporânea.

Além disso, a crítica à representação da população negra na novela "Sinhá Moça" ilustra como a mídia perpetuou narrativas excludentes e problemáticas, sugerindo uma transição simplista entre trabalho escravo e livre. A resenha revela como essa visão distorcida ainda Nutre a ideia de uma sociedade meliorada pela "branquitude", ignorando as injustiças históricas perpetuadas. A menção à legislação contra o racismo e as violações de direitos humanos após a Abolição sublinha a continuidade da luta pela equidade racial no Brasil.

Por fim, a evocação do "Tratado do Engenho Santana", um documento redigido pelos escravizados em 1789 que reivindicava liberdade e dignidade, não apenas enriquece o texto, mas também atesta o desejo persistente de autonomia e respeito por parte dos oprimidos. "Projeto Querino" se configura, assim, como uma leitura essencial para todos que buscam compreender as raízes e as consequências da escravidão e da desigualdade racial no Brasil, oferecendo uma reflexão crítica e necessária sobre um passado que ainda ressoa no presente e molda o futuro. A obra de Tiago Rogero, portanto, é um convite à reflexão e à ação, enfatizando a urgente necessidade de reconhecimento e reparação das injustiças perpetradas ao longo da história.

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