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Três poemas de Rodrigo Cabral

Foto: Acervo pessoal // Divulgação

Rodrigo Cabral, nascido em Campos dos Goytacazes (RJ) no verão de 1990, fundou a editora Sophia em Cabo Frio (RJ). A editora tem como foco a publicação de autores da Região dos Lagos, com ênfase na história e memória locais. O espaço cultural da editora promove uma extensa programação literária, incluindo círculos de leitura, saraus, debates e lançamentos. Em 2024, Rodrigo conquistou o segundo lugar no Prêmio Off Flip na categoria Contos e foi destaque na categoria Poesia. No ano anterior, em 2023, ficou em terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa e em 2022 foi finalista do prêmio Off Flip na categoria Poesia. Atualmente, está se preparando para lançar seu primeiro livro de poemas em 2024.


Confira três poemas do autor.



monóculo fotográfico



atrás 

do vidrinho

a vida solta

sinais de fumaça

pelas montanhas


atrás

do vidrinho

pigmentos

descascam

fabricações

premonitórias


atrás

do vidrinho

remadores rumam

à boca da barra

pronunciando

caymmi


atrás

do vidrinho,

meu velho,

eu sou

hoje

o seu 

tórax





dobradura 


eu construo barcos

você me fornece o atlântico

eu transformo chapéu em proa

crio tormentas com mindinhos

meu barco é firme

está afundando

você sorri

orgulhosa







canção


a vibração das cordas

o aço das ondas

a bruma na boca


   : é o céu

   : é o corpo

   : é o súbito


Resenha: Declaração de amor, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com a seleção dos mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade.


“Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar?”, pergunta Carlos Drummond de Andrade em um poema desta coletânea, organizada por dois de seus netos, Luis Mauricio Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, e pelo estudioso de sua obra Edmílson Caminha. Aqui, o amor não é tema abstrato, sonho, fantasia, mas atração plena de libido, de desejo, de pulsão de vida. Um dos maiores nomes da literatura mundial no século XX, o poeta não derrapa na pieguice, no melodrama, no apelo à emoção, mas cria versos que encantam o leitor pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Muitas vezes, também pela delicadeza e o senso de humor.


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com capa dura, a que se acrescentam seis poemas do livro Poesia errante: “A essa altura da vida”, “Amor – eu digo”, “Canção de namorados”, “Nossa história de amor”, “Papinho lírico no Dia dos Namorados” e “Quero sentir”. Declarações amorosas que nos fazem concordar com Drummond, quando escreveu: “Amor é primo da morte, / e da morte vencedor, / por mais que o matem (e matam) / a cada instante de amor.”


Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Poeta, contista e cronista, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira do século XX, foi autor, entre outros, de Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, Claro enigma, Fazendeiro do ar e Fala, amendoeira. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1987, aos 84 anos.


RESENHA


Declaração de Amor, relançado em edição revista e ampliada, reúne os mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da literatura mundial do século XX. Através da cuidadosa seleção de seus netos e do estudioso Edmílson Caminha, esta coletânea oferece um panorama comovente da visão única de Drummond sobre o amor.


Longe de ser um tema abstrato ou idealizado, o amor em Declaração de Amor é pulsante, carnal e cheio de vida. Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital. Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos, encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade.


Em "Amar", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza complexa e multifacetada do amor. Através de versos densos e carregados de simbolismo, o poeta explora as diversas formas que o amor pode assumir, desde a sua expressão mais pura até a sua faceta mais obscura. O poema abre com uma pergunta contundente: "Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?". Essa indagação estabelece o amor como o elemento central da existência humana, algo que nos conecta uns aos outros e define a nossa essência.



Drummond não se limita a uma definição simplista do amor. Ele explora as suas diversas nuances, desde a entrega total ("amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?") até a contemplação platônica ("amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante"). O poeta também reconhece a faceta dolorosa do amor, marcada pela perda e pela finitude. A imagem do mar que "traz à praia" e "sepulte" é uma metáfora poderosa para a efemeridade da vida e do amor. Essa dualidade se manifesta ainda na frase "Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas". O amor, em sua imensidão, pode ser direcionado tanto para objetos que o retribuem ("coisas pérfidas ou nulas") quanto para aqueles que o ignoram ou o rejeitam.


Apesar da dor e da ingratidão, o eu lírico reconhece a necessidade humana de amar, mesmo que isso signifique doar-se a algo que não nos retribui. A "procura medrosa, paciente, de mais e mais amor" revela a busca incessante por um amor que preencha o vazio existencial.


Em "Ausência", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do amor e a ilusão da busca pela sua plenitude. Através de versos simples e carregados de simbolismo, o poeta explora a frustração e a solidão do eu lírico diante da ausência do amor. O poema se inicia com a imagem do eu lírico subindo ao "Pico do Amor", acreditando encontrar lá a presença do sentimento tão almejado. A expectativa de encontrar o amor no topo da montanha reflete a crença humana na existência de um lugar ideal onde a felicidade e a plenitude residem. No entanto, ao chegar ao topo, o eu lírico se depara com a "serenidade de nuvens sussurrando ao coração: Que importa?". Essa frase revela a decepção e o vazio diante da ausência do amor. O pico, símbolo da busca pelo ideal, se torna um lugar de questionamentos e dúvidas.


O eu lírico então especula sobre a possibilidade de encontrar o amor em outros lugares, como em uma "lagoa decerto" ou em uma "grota funda". Essa busca por lugares próximos, mas ainda inacessíveis, representa a esperança do eu lírico em encontrar o amor em lugares inesperados. No entanto, a última estrofe traz a negação final: "Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam coisas que não são, e tremem de vir a ser.". Essa frase sugere que o amor que o eu lírico busca pode ser algo ilusório, algo que não existe na realidade e que apenas "treme de vir a ser".O poema termina com uma sensação de incerteza e inconclusão. O eu lírico fica sem saber onde encontrar o amor, ou se ele realmente existe. Essa ausência de respostas pode ser interpretada como um convite à aceitação da realidade e à superação da busca incessante por um ideal inatingível.


Em "Toada do Amor", Carlos Drummond de Andrade tece uma canção poética sobre a natureza cíclica e passional do amor, utilizando uma linguagem simples e direta, marcada por expressões coloquiais e imagens vívidas. O poema nos convida a refletir sobre a complexa relação entre amor, briga, perdão e a própria essência da vida. Os versos iniciais estabelecem o tom do poema: "E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga." Essa repetição cria um ritmo musical e enfatiza a natureza cíclica do amor, marcado por momentos de conflito e reconciliação.




O eu lírico reconhece a inutilidade de "xingar a vida", pois, apesar das dificuldades, a vida segue seu curso e a gente "vive, depois esquece." No entanto, o amor se diferencia dessa fluidez natural, retornando constantemente para "brigar" e "perdoar", como um "cachorro bandido trem". A metáfora "amor cachorro bandido trem" evoca a imagem de um animal selvagem e imprevisível, simbolizando a paixão e a intensidade do amor. Essa paixão, por vezes turbulenta, leva à "briga", mas também abre espaço para o "perdão", demonstrando a capacidade do amor de superar conflitos e se renovar. O eu lírico questiona: "Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha?". Essa pergunta revela a importância do amor como elemento fundamental da existência humana. Mesmo com suas contradições e desafios, o amor é visto como algo que dá sentido à vida, que a torna mais rica e intensa.


Na última estrofe, o eu lírico se dirige à "Mariquita" e pede o seu "pito", afirmando que "no teu pito está o infinito." Essa imagem simbólica pode ser interpretada de diversas maneiras, desde uma referência à sexualidade até uma metáfora para a própria vida, com suas possibilidades infinitas.


Em "Receita para não engordar sem necessidade de ingerir arroz integral e chá de jasmim", Carlos Drummond de Andrade nos convida a um banquete poético, onde o amor se torna o ingrediente principal para uma vida plena e livre de preocupações com dietas restritivas. Através de versos singelos e carregados de humor, o poeta nos oferece uma receita inusitada e deliciosa para alcançar a felicidade. O poema se apresenta como uma "receita", subvertendo a expectativa do leitor e convidando-o a pensar de forma diferente sobre os conceitos de dieta e bem-estar. O "regime sensacional" proposto por Drummond não se baseia em restrições alimentares, mas sim em uma prática constante e integral do amor.



A metáfora do "amor integral" é central para a compreensão do poema. O amor, em sua forma mais completa e plena, é apresentado como o alimento essencial para a alma, nutrindo-a e proporcionando-lhe a energia necessária para viver com alegria e vitalidade. Drummond nos convida a "praticar o amor integral" desde a "aurora matinal até a hora em que o mocho espia", sugerindo que o amor deve permear cada momento da nossa existência. Essa prática constante nos permite aproveitar ao máximo a vida, abraçando-a em toda a sua plenitude e efemeridade. O poema nos convida a abandonarmos as preocupações com dietas e a buscarmos a felicidade em experiências autênticas e significativas. O "arroz integral" e o "chá de jasmim", símbolos de regimes alimentares restritivos, são deixados de lado em favor de um amor que nos liberta da obsessão com o corpo e nos permite viver com mais leveza e liberdade.


A frase "Pois a vida é um sonho e, se tudo é pó, que seja pó de amor integral" nos convida a refletir sobre a finitude da vida e a importância de aproveitarmos cada momento ao máximo. O amor, em sua forma mais pura, nos permite transcender a efemeridade da existência e deixar um rastro de beleza e significado no mundo.


Em "O Chão é Cama", Carlos Drummond de Andrade nos convida a mergulhar na intensidade de um amor arrebatador que transcende os limites do convencional. Através de versos curtos e linguagem direta, o poeta celebra a urgência da paixão e a busca por refúgio no corpo do outro. O poema abre com a contundente afirmação: "O chão é cama para o amor urgente". Essa frase estabelece o tom da obra, caracterizado pela urgência, pela pulsão e pela impossibilidade de adiamentos. O amor em questão não se contenta com a espera, ele exige expressão imediata, mesmo que isso signifique prescindir do conforto e da privacidade de um quarto.


Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital.  Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade. Em suma, "Declaração de Amor" é uma obra-prima da poesia brasileira, que nos convida a uma jornada profunda e emocionante pelo universo complexo e multifacetado do amor, em todas as suas manifestações.

Resenha: Amar se aprende amando, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

“O mundo é grande e cabe / nesta janela sobre o mar. / O mar é grande e cabe / na cama e no colchão de amar. / O amor é grande e cabe / no breve espaço de beijar.” Com versos assim, que conciliam sofisticação e simplicidade, esta


coletânea exalta o mais nobre “sentimento do mundo”.

Publicado originalmente em 1985, apenas dois anos antes da morte de Drummond, Amar se aprende amando nos revela as diferentes facetas do amor. Para falar delas, o poeta sempre encontra um viés inusitado (como nos saborosos neologismos “sempreamar” e “pluriamar”), que evidencia sua aversão à retórica e evita a pieguice que ronda a poesia quando se fala das “coisas do coração”. Seus versos fazem aquilo que para muitos é impossível: traduzem sentimentos indescritíveis em palavras.

Se o amor romântico, aquele precedido pela paixão arrebatadora, tem destaque em poemas impactantes como “Amor” e “Lira do amor romântico”, Drummond também mostra que “O amor antigo tem raízes fundas, / feitas de sofrimento e de beleza”. Na segunda seção do livro, abre o leque para compor poemas magistrais sobre o amor fraterno, com destaque para o comovente “Companheiro”, feito para os 80 anos do amigo Pedro Nava. Na última parte, o poeta incorpora o cronista em versos tirados da realidade brasileira, que, àquela altura, caminhava para uma transição democrática depois dos amargos “anos de chumbo”.


RESENHA


Em Amar se aprende amando, Drummond fala sobre o amor na velhice e como ele muda com o passar dos anos. O poeta reflete sobre a importância de cultivar o amor e aprender com ele, mesmo diante de um mundo marcado pela brutalidade e pela indiferença. Ele aborda questões políticas e sociais, como a violência e a desigualdade, e como esses elementos afetam o amor e a esperança. Drummond mostra que, apesar das dificuldades, é preciso continuar cultivando o amor e mantendo a esperança viva, sem expectativas de uma felicidade universal.


Essas reflexões acerca do envelhecimento do corpo, que fazem alusão à capa da obra na qual se retrata o dorso de um corpo jovem, são destacadas por Drummond em suas reflexões do poema "Fazer 70 anos". Ele inclui a ideia de que atingir a idade de 70 anos não é uma tarefa simples, pois ao longo da vida somos confrontados com perdas e transformações no âmago de nosso ser. O poema fala sobre a necessidade de lidar com as memórias e ruínas do passado, bem como com a incerteza do futuro. Além disso, há uma reflexão sobre a dualidade de sentimentos que acompanha a chegada dos 70 anos, como a alegria misturada com a tristeza. Por fim, o poema destaca a importância da amizade e do apoio mútuo nessa fase da vida, ressaltando a estranha felicidade que pode surgir da velhice.


O poema "Reconhecimento do Amor" fala sobre a descoberta e aceitação do amor em uma amizade. O eu lírico descreve como inicialmente não entendia o verdadeiro significado do amor e como, aos poucos, foi se deixando envolver por ele de forma suave e doce. Através da amizade e da entrega mútua, o eu lírico percebe que o amor dissipa a individualidade e une os amantes em uma só essência, onde não há mais separação entre eles. O poema enfatiza a importância do amor como força transformadora e redentora, que transcende a razão e a própria existência individual para se integrar em um todo perfeito. No final, o eu lírico expressa a sua felicidade em estar completamente mergulhado no mar do amor, onde não há mais espaço para a superficialidade do mundo exterior. É um poema que celebra a beleza e a plenitude do amor verdadeiro.


O envelhecimento e as datas do calendário são vistos como mitos, enquanto o amor é descrito como algo atemporal, que nasce a cada momento. O poema destaca a ideia de que o amor é a conexão que une dois corações para a eternidade. O autor reflete sobre como o tempo não passa quando se trata do amor que sentimos no coração. Ele descreve o amor como algo eterno, que transcende qualquer medida de tempo. O autor enfatiza que o amor é a essência da vida e que, além do amor, não há nada.


O autor nos fala sobre a busca do ser humano por outro ser, que ao ser encontrado, gera um sentimento de estar completo e dividido ao mesmo tempo. O amor é descrito como um selo sublime que dá cor, graça e sentido à vida. No entanto, apesar da beleza e do perfume da rosa que simboliza o amor, o narrador não consegue senti-lo diretamente.


Em síntese, o livro 'Amar se aprende amando' é uma obra profunda e reflexiva que aborda questões universais como o amor, o envelhecimento e a busca pela felicidade. Drummond consegue conectar o leitor com suas palavras poéticas e sensíveis, levando-o a refletir sobre a importância do amor e da esperança mesmo em meio às adversidades da vida. O livro é uma verdadeira lição sobre como cultivar o amor e manter a fé nos dias difíceis, tornando-se uma leitura inspiradora.

Resenha: A forma do fogo, de Felipe Rodrigues

Foto: Arte digital

A forma do fogo é um livro de poesias escrito pelo poeta e advogado Felipe Rodrigues. A obra se inicia diretamente com o sumário, essa escolha pessoal do autor em não utilizar uma introdução, prólogo, nota de abertura ou semelhante é uma característica distinta que evoca no leitor a necessidade de aprofundar nos escritos de maneira mais verossímil, com mais afinco, o que denota a possibilidade de andar pelos degraus dos sentimentos presentes em cada linha de forma mais nivelada, possibilitando uma compreensão mais assertiva dos fatos, o que claro, torna a leitura mais instigante, causando um sentimento de inovação do contexto em relação as expectativas dos caminhos descritos e propostos pelo autor. Outra análise possível é o fato do fogo não ser contido, controlado, por suas chamas ascenderem de forma instantânea dentro de seus limites da existência, ardendo. Este arder das chamas provoca uma reflexão latente acerca dos temas abordados, como se o medo, angústia e os demais sentimentos queimassem o interlocutor, em outras palavras, é um texto sobre tudo o que destrói o ser humano, como as chamas de um incêndio.


A obra consta com 95 poemas ao todo, um marco em uma publicação deste gênero, o que torna o mix de assuntos laborados mais diverso, tornando a esfera da leitura uma experiência agradável para todos os públicos. Estruturado em estrofes com ora rimas, ora formas fixas, a obra possui características descritivas e estruturais únicas que modificam-se a cada novo poema, revelando desta forma, uma nova estética de se reinventar por meio de características singulares entre as emoções destacadas.


Analisando temas como sentimentalismo, amor, esperança, solidão, ânsia, âmago e outros tópicos, o autor nos convida a refletir acerca de nossa existência e de tudo o que cerca nosso redor, como descrito no poema abaixo:


a doença da liberdade

Ansiedade é a doença da

Liberdade.

 

Menos infeliz quem,

Não sabendo que não pode ser,

A não ser, infeliz

Do que quem a crê e a vê

Em todo lugar, a todo instante

E perde-se no oásis de escolhas

Em meio ao deserto de sentido,

Ficando triste, doente, ansiosa

Esquecendo o que, lá no íntimo único,

Era e queria de verdade.

 

Multiverso, metaverso,

Relacionamentos abertos,

Fé, a falta ou excesso de Deus ou heróis,

Imagens e governantes,

Ideias, discursos e narrativas

Contra "eles",

Sobretudo vidas e coisas tão longe de mim!

 

Tantas formas de vida para escolher

No tempo tão curto de viver!

 

Ah, liberdade, liberdade...

Quando quase tudo é possível

Mas quase nada convém.

O poema aborda a liberdade como uma fonte de ansiedade e doença na sociedade contemporânea. Ele reflete sobre a ideia de que, apesar de termos a liberdade de escolha em diversos aspectos de nossas vidas, essa liberdade pode nos levar a uma sensação de desorientação, falta de sentido e insatisfação, destacando a pressão da sociedade moderna para fazer escolhas em todas as áreas da vida, desde relacionamentos até crenças religiosas e políticas. Isso cria um sentimento de estar perdido em meio a tantas opções e expectativas, levando à infelicidade e ansiedade.

A liberdade é retratada como algo paradoxal, em que quase tudo é possível, mas quase nada realmente é satisfatório. Isso sugere uma reflexão sobre as consequências da liberdade excessiva, levando as pessoas a perderem de vista suas verdadeiras vontades e desejos.

Dessa forma, o poema aborda a liberdade sob uma perspectiva sociológica, explorando como as pressões sociais e as expectativas da sociedade contemporânea podem afetar nosso senso de identidade, propósito e bem-estar. Ele levanta questões sobre como lidamos com a liberdade e as escolhas que enfrentamos, e como isso pode contribuir para sentimentos de descontentamento e doença.


Seguindo com os poemas:


a dança das estrelas

O meu saber dos astros não alcança

O imprevisível andar das tuas cenas

O acerto e o erro em ser, com os pés na dança

Do que é teu e somente teu, apenas.

 

Contigo o mau futuro não me cansa

Quando envolvido em tuas mil morenas

O meu saber dos astros tem confiança

No pleno ajuste das coisas terrenas...

 

Por mais que os astros girem sobre nós

Contando confidências, e tramando

O alegre e o triste na pequena noz

 

Satélite inexato, eu sempre aéreo

Ciência ou religião... Nunca a alcançando

Flor astral, esotérico mistério.


Sob uma perspectiva sociológica ao explorar conceitos como individualidade, liberdade e destino, o poeta descreve a dança das estrelas como algo imprevisível e incontrolável, refletindo a ideia de que cada indivíduo tem seu próprio destino e caminho a seguir. Além disso, o poema sugere que o conhecimento dos astros pode oferecer alguma segurança, mas que, no final das contas, somos responsáveis por nossas próprias ações e escolhas. Isso pode ser interpretado como uma crítica à ideia de determinismo social ou à influência de forças externas sobre nossas vidas. Ao falar sobre o envolvimento com "mil morenas" e o aclaramento das coisas terrenas, o poema também pode ser interpretado como um comentário sobre a interação entre o indivíduo e a sociedade. A ideia de estar imerso em um contexto social, mas confiante em suas próprias decisões, sugere uma abordagem individualista em relação à vida. Em última análise, o poema aborda questões de destino, liberdade, confiança e mistério, que são temas sociais e filosóficos importantes que permeiam a vida de todos nós.


silêncio

Por muito tempo temi a solidão

E refugiei-me, como vocês,

No incessante e colorido mundo exterior

Onde, ansioso,

Refletia cores alheias para o vazio de meu coração,

Coroava meu céu com brilhantes, inseguras estrelas

Enquanto tempo era-me roubado

Para que eu me esquecesse de mim.

 

Mas de tanto estar ausente

Perdi o medo da solidão - ou da liberdade,

Do julgamento também,

E agora reconheço-me em mim, em silêncio,

Como reencontrando um velho amigo desencontrado

Na roda do tempo, no sem sentido da vida,

E comigo sou e comigo estou

Na mais serena e autêntica paz.

O poema “Silêncio” pode ser interpretado sob uma perspectiva como uma reflexão sobre a condição humana na sociedade moderna. O eu lírico expressa inicialmente um medo da solidão, que é uma experiência comum em um mundo onde as relações sociais podem ser superficiais e efêmeras. A busca por refúgio no “mundo exterior” e a tentativa de se encaixar, refletindo “cores alheias”, pode ser vista como uma crítica à conformidade social e à perda da individualidade.

A solidão, muitas vezes vista negativamente, é reavaliada pelo poeta como um espaço de liberdade e autoconhecimento. A ausência de julgamento externo permite uma introspecção profunda, onde o eu lírico encontra paz e autenticidade. Isso pode ser interpretado como um comentário sobre a importância da autonomia e da identidade pessoal em uma sociedade que valoriza a extroversão e o desempenho social.

O “reencontro com um velho amigo desencontrado” simboliza a reconexão com a essência do ser, muitas vezes perdida na “roda do tempo” e no caos da vida cotidiana. O poema termina com uma nota de serenidade, sugerindo que a verdadeira paz vem de estar em harmonia consigo mesmo, além das expectativas e pressões sociais.


O PERSEGUISSONHO


Se tenho sonhos?

Não sei se os tenho ainda,

Mas sei que os tinha...

Se persigo meus sonhos?

Persigo, sim,

Perseguissonho de outras pessoas.

Mas não sei se são reais

- Esses sonhos e essas pessoas -

Porque eu mesmo não sonho

E não tenho nada de absolutamente tão claro

A viver e morrer por, a sonhar!

- Tenho sim objetivos:

Não sou preguiçoso, apenas não sou sonhador...

A vontade vacila, sempre.

Não consigo “Viver o presente...”

Nem uns sonhos próprios, inexistentes.

Mas gostaria de reencontrá-los

Assim, como por acaso,

E que me perdoassem...

Porque o perseguissonho persegue-me

Numa sensação de desperdício

Do tempo e da força que ainda me restam

Para viver e só viver,

Mas nada sonhar...


O poema “O PERSEGUISSONHO” apresenta uma reflexão profunda sobre a condição humana na sociedade contemporânea, especialmente no que tange à perseguição de sonhos e objetivos. Do ponto de vista, o poema pode ser interpretado como uma crítica à pressão social para que se tenha ambições e sonhos claramente definidos, o que pode levar a um sentimento de inadequação e perda de identidade.


O eu poeta revela uma luta interna entre a expectativa social de ter sonhos e a realidade de não possuir nenhum que seja genuinamente seu. A sociedade muitas vezes valoriza aqueles que têm grandes aspirações e desvaloriza os que não se encaixam nesse ideal. Isso pode gerar uma sensação de alienação e de estar vivendo através dos sonhos de outros, o que o poeta chama de “Perseguissonho”.


A vontade que “vacila, sempre” pode ser vista como a incerteza e a inconstância que muitos enfrentam ao tentar se conformar com as normas sociais. A dificuldade em “Viver o presente” pode refletir a ansiedade e a pressão para planejar o futuro, muitas vezes à custa de apreciar o momento atual.


O desejo de reencontrar seus sonhos “como por acaso” sugere uma esperança de redescobrir uma paixão ou propósito perdido, livre das imposições sociais. O poema termina com uma expressão de resignação, onde o eu lírico aceita a perseguição dos sonhos como uma parte inevitável da vida, mesmo que isso signifique não ter sonhos próprios.


A obra "A forma do fogo" de Felipe Rodrigues é uma verdadeira obra-prima da poesia contemporânea. Com uma linguagem poética única e uma profundidade emocional que envolve o leitor, o autor nos convida a refletir sobre temas universais como liberdade, solidão, amor e identidade. Cada poema é uma janela para o mundo interior do poeta, revelando uma sensibilidade única e uma capacidade de expressão que toca o coração de quem lê.


Os temas abordados nos poemas, como ansiedade, liberdade, solidão e busca por identidade, são extremamente relevantes para a sociedade contemporânea, refletindo as angústias e as contradições do mundo moderno. A maneira como o autor explora esses temas, com uma sensibilidade aguçada e uma linguagem poética envolvente, faz com que o leitor se identifique e se emocione com as palavras do poeta.


Em suma, "A forma do fogo" é uma obra que transcende as barreiras do tempo e do espaço, tocando o âmago do leitor com sua beleza e profundidade. Felipe Rodrigues é uma voz poética que merece ser ouvida e apreciada, e sua obra é um verdadeiro tesouro da literatura contemporânea. Recomendo fortemente a leitura deste livro a todos os amantes da poesia e da beleza das palavras.

5 Poemas de Christian Dancini, autor de “dialeto das nuvens”


O poeta Christian Dancini de Oliveira, natural de São Roque, São Paulo, é uma revelação no cenário da poesia contemporânea. Desde os onze anos de idade, ele se dedica a escrever versos e, aos 22 anos, já tinha dois livros publicados, além de diversos trabalhos em revistas renomadas. Em seu livro Dialeto das Nuvens, o autor nos leva a uma viagem por suas diferentes fases criativas, explorando desde a fragilidade humana até o surrealismo mais profundo. Nesta matéria, vamos conhecer mais sobre esse talentoso poeta e sua obra que nos convida a sentir, mais do que meramente entender.

Conheça cinco poemas presentes na obra dialeto das nuvens:


Coração índigo

Uma andorinha se desprende do teu crepúsculo,

eu vejo agora teus olhos confusos e tristes,

por trás da máscara. Equilibrista em minha aorta.

Um anjo azul e rosa que pousou na ponta da minha

melancolia.



O teu lume.

Deixastes para trás o teu lume

que, palpável, deslizou para dentro

da minha garganta.

Então, eu o engoli: borboletas em meu esôfago,

paz para os meus brônquios, relâmpagos em meu

estômago. O teu lume senta ao lado direito

do verdadeiro amor.


Os caminhos da morte

Há três caminhos a partir da morte: o caminho do alívio,

o caminho do eterno e o caminho do renascimento.

O alívio começa a partir do momento da morte:

já reparou como se alivia a face de um morto? Como

relaxam os músculos? A partir daí, começa o eterno:

como ondas de infinitos finitos são levadas pelo vento

ainda vivas, também o são a partir da morte. E por último, o

renascimento: quando um recém nascido chora

ele está adquirindo a consciência novamente em ondas

e ondas de espírito.

A morte é uma luz a fraquejar, bruxuleando, como pequenos

infinitos a romper em cada canto. Ela nunca apaga a existência

por completo, apenas cintila, pisca, mas volta sempre a acender

as chamas da vida nos olhos do amor.


O medo, a palavra e o acaso

A escuridão espia pela claraboia... paranoico, louco, vil...

Os corvos gritam em profundo silêncio: lux aeterna.

O câncer que corrói os ventos, a doença que se

espalha pelo ar,

o inconsciente dilacerado pela música,

o som grave dos tambores em aleluia,

e a escuridão que espia pela claraboia.

Os cervos suspensos em fá sustenido,

o medo, a palavra e o acaso,

a ocasião, as estrelas ululantes e o vento.

Tudo aquilo que passa a cada momento — os olhos da aurora —

sapateando pelo bumbo do coração das trevas.

E eu — o que resta de mim —, a palavra entre

vírgulas

na distopia da liberdade, eu danço com Virgílio e Homero

no sono do inconsciente.


Entropia.

Caos no fundo daqueles olhos,

beijar aquelas pálpebras seria o mesmo

que tocar o outono.



5 Poemas de Mário L. Cardinale


Mário L. Cardinale, um jovem autista e bacharel em farmácia, tem conquistado seu espaço no mundo da literatura com suas poesias de intensa sensibilidade e reflexão. Natural de Poá - SP, o autor encontrou na poesia uma forma de expressar suas ideias e percepções sobre o mundo ao seu redor, começando sua trajetória literária em 2016. Em 2020, ele autopublicou seu livro de estreia "O Mundo do Poeta", e em 2023 lançou pela editora Pedregulho o livro "Tempo Diabo", o segundo da tetralogia poética pensada pelo autor. Neste livro, Cardinale aborda temas como a crise política no Brasil pós-golpe, a pandemia do coronavírus, a depressão, a militância política e a tecnologia a serviço do mal, em uma mistura de poesia e reflexão sobre os tempos turbulentos em que vivemos. Acompanhe a seguir um mergulho no mundo poético e provocador de Mário L. Cardinale.

Confira cinco poemas deste poeta ilustre:


Palavras e palavras

Rima, versa, azucrina
letra por letra ferina
métrica, estrofe, aglutina
cansaço, torpor, morfina

Cessa, retroage, contra fluxo
estômago, corrói, refluxo
tristeza, vazio, abandono
alma, matéria, carbono

Molda, lapida, emoldura
canta, recita, arruma
sonha, acredita, entra numa
viver sem sentido, acostuma.

Originalmente publicado no livro "O mundo do Poeta", 2020

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A poesia e o belo

A Poesia e o Belo são inseparáveis!
como o prego e o martelo,
o açougueiro e o cutelo,
macunaíma e grande otelo,
o prazer e o pinguelo,
o sertanejo e o flagelo,
a linha do equador e o paralelo,
a bebida e o refestelo,
a praia e o chinelo,
a fome e o magricelo,
o fim e o lírio amarelo
sobre o jazigo caramelo.

Originalmente publicado no livro "O mundo do Poeta", 2020

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Clara

Clara luz de sóis distantes
brilha a lua nua, pura,
inverno no hemisfério sul.

Claro orvalho sobre a rosa
amor obducto nuvens
manchas no céu marinho-azul.

Velho coração improdutivo
latifúndio à espera de reforma,
invadido pelos afetos e sonhos.

Distância incômoda, frio
vento na madrugada, sopro
brisa arrepia pele e pelos.

Mentalizo, construo imagens
tijolo por tijolo púrpura-cetim
cerro lábios ouvidos olhos.

Clara a vida, último suspiro.

Originalmente publicado no Portal Olhar para Dentro; seção poesia em 29/08/2022; https://olharparadentro.com/2022/08/29/clara/

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Deus atroz

Por que, ó deus atroz, devora-nos sempre?
Por que, pois, nos devora,
de dentro pra fora?
Por que nos implode?
Não sei, clamo por luta ou piedade?
Urge minh’alma por coragem
para desconstruir a fé que corrói.
Haja fé!
Fé na humanidade.
Libertai-vos, irmãos!
Libertai-vos!

Originalmente publicado no livro "Tempo Diabo", editora Pedregulho, 2023.

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Espólio da nação

Sangue e suor
    escorrem
pulso acorrentado
corpo ensopado
suor e sangue
arder do sol
escaldando
a pele escura.

Regaço carcomido
fricção forçada,
forjada a horas
junto da terra seca,
vermelha e dura.

Grilhões ferrosos-oxidados
 punhos quebrados;
respinga suor e sangue
 na moringa, pinga.

Vergasta cortante
marca a lomba
corta, machuca e arde
sinhô covarde.

A pedra fundamental
de um país cruento
esculpida à matança,
sofrimento.
Afro-cativo, escravização:
espólio maldito da nação.

Originalmente publicado no livro "Tempo Diabo", editora Pedregulho, 2023.
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